Processo C‑27/15

Pippo Pizzo

contra

CRGT srl

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di giustizia amministrativa per la Regione siciliana)

«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Participação num concurso — Possibilidade de recorrer às capacidades de outras empresas para preencher os requisitos necessários — Falta de pagamento de uma contribuição não expressamente prevista — Exclusão do contrato sem possibilidade de retificar essa falta de pagamento»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 2 de junho de 2016

  1. Aproximação das legislações — Processos de adjudicação dos contratos públicos de obras, de fornecimentos e de serviços — Diretiva 2004/18 — Critérios de seleção qualitativa — Capacidade económica, financeira, técnica e/ou profissional — Legislação nacional que autoriza um operador económico a invocar as capacidades de várias empresas — Admissibilidade

    (Diretiva 2004/18 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 47.°, n.o 2, e 48.°, n.o 3)

  2. Aproximação das legislações — Processos de adjudicação dos contratos públicos de obras, de fornecimentos e de serviços — Diretiva 2004/18 — Aplicação no tempo

    (Diretiva 2014/24 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 63.°, n.os 1, terceiro parágrafo, e 2, e 90.°)

  3. Aproximação das legislações — Processos de adjudicação dos contratos públicos de obras, de fornecimentos e de serviços — Diretiva 2004/18 — Princípio da igualdade de tratamento dos proponentes — Exclusão da participação num concurso de um operador económico que não cumpriu uma obrigação que não estava expressamente prevista nos documentos do concurso ou na legislação nacional — Impossibilidade de retificar essa omissão — Inadmissibilidade

    (Diretiva 2004/18 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.° e 27.° e anexo VII A)

  1.  Os artigos 47.° e 48.° da Diretiva 2004/18, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional que autoriza um operador económico a recorrer às capacidades de uma ou de várias entidades terceiras para satisfazer as exigências mínimas de participação num procedimento de concurso que esse operador apenas preenche parcialmente, incluindo a utilização dos seus certificados bancários.

    A este respeito, a Diretiva 2004/18 permite acumular capacidades de vários operadores económicos para satisfazer as exigências mínimas de capacidade fixadas pela entidade adjudicante, desde que seja feita prova junto desta última de que o candidato ou o proponente que recorre às capacidades de uma ou de várias outras entidades disporá efetivamente dos meios destas últimas, que são necessários para a execução do contrato. Se não se puder excluir que há empreitadas cujas particularidades necessitam uma determinada capacidade não suscetível de ser obtida através da soma de capacidades de vários operadores, a entidade adjudicante pode exigir que o nível mínimo da capacidade em causa seja alcançado por um único operador económico ou pelo recurso a um número limitado de operadores económicos, desde que esta exigência tenha uma ligação e seja proporcionada ao objeto do contrato em causa. No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o concurso e o caderno de encargos do concurso em causa previram explicitamente que, dada a particularidade das prestações objeto do concurso, o nível mínimo de capacidade deve ser atingido por só operador económico.

    (cf. n.os 26, 28‑30, 34, disp. 1)

  2.  Nos termos do artigo 90.o da Diretiva 2014/24, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18, os Estados‑Membros devem cumprir as disposições desta última diretiva até 18 de abril de 2016. A este respeito, embora os Estados‑Membros não devam tomar, durante o prazo de transposição de uma diretiva, disposições que possam comprometer seriamente o resultado por ela previsto, podem, todavia, impor aos proponentes, antes do termo do referido prazo, obrigações que não decorram do direito da União.

    (cf. n.os 31, 32)

  3.  O princípio da igualdade de tratamento e a obrigação de transparência devem ser interpretados no sentido de que se opõem à exclusão de um operador económico do processo de adjudicação de um concurso público na sequência do incumprimento, por parte desse operador, de uma obrigação que não resulta expressamente dos documentos referentes a esse concurso ou da lei nacional em vigor, mas da interpretação dessa lei e desses documentos e do mecanismo da colmatação das lacunas existentes em tais documentos, por parte das autoridades ou tribunais administrativos. Nestas circunstâncias, os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem ao facto de se permitir ao operador económico que regularize a situação e cumpra a referida obrigação dentro de um prazo fixado pela entidade adjudicante.

    Com efeito, por um lado, nos termos do artigo 2.o da Diretiva 2004/18, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, incumbe à entidade adjudicante observar estritamente os critérios que ela própria fixou. Esta consideração ainda é mais válida quando está em jogo a exclusão do processo de adjudicação, não podendo o artigo 27.o desta diretiva ser interpretado no sentido de que permite às entidades adjudicantes derrogar essa obrigação.

    Por outro lado, uma condição que subordina o direito de participar num processo de adjudicação que decorre da interpretação do direito nacional e da prática de uma autoridade seria particularmente prejudicial para os proponentes estabelecidos noutros Estados‑Membros, na medida em que os seus níveis de conhecimento do direito nacional e da sua interpretação, bem como da prática das autoridades nacionais, não podem ser comparados com os dos proponentes nacionais.

    (cf. n.os 39, 42, 44, 46, 47, 51, disp. 2)