ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

9 de junho de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Direito à interpretação e à tradução — Diretiva 2010/64/UE — Âmbito de aplicação — Conceito de “processo penal” — Processo, previsto por um Estado‑Membro, que visa o reconhecimento de uma decisão em matéria penal de um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro e a inscrição no registo criminal da condenação proferida por esse órgão jurisdicional — Custos relativos à tradução dessa decisão — Decisão‑Quadro 2009/315/JAI — Decisão 2009/316/JAI»

No processo C‑25/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Budapest Környéki Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Aglomeração, Hungria), por decisão de 5 de janeiro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de janeiro de 2015, no processo instaurado contra

István Balogh,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, A. Tizzano (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, F. Biltgen, A. Borg Barthet e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de dezembro de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, G. Koós e M. Bóra, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por G. Eberhard, F. Zeder e B. Trefil, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Sipos e R. Troosters, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de janeiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal (JO 2010, L 280, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo que corre os seus termos no Budapest Környéki Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Aglomeração, Hungria), relativo ao reconhecimento, na Hungria, dos efeitos de uma sentença transitada em julgado, proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro, que condenou I. Balogh a uma pena de prisão pela prática de uma infração penal, bem como no pagamento das despesas processuais.

Quadro jurídico

Direito da União

Decisão‑Quadro 2009/315/JAI

3

Os considerandos 2, 3, 5 e 17 da Decisão‑Quadro 2009/315/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados‑Membros (JO 2009, L 93, p. 23), estabelecem:

«(2)

Em 29 de novembro de 2000, o Conselho adotou [...] um programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais [...]. A presente decisão‑quadro contribui para atingir os objetivos previstos pela medida n.o 3 do programa [...].

(3)

No relatório final sobre o primeiro exercício de avaliação consagrado ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal [...] convidavam‑se os Estados‑Membros a simplificarem os procedimentos de transferência de documentos entre Estados, recorrendo, se necessário, a modelos de formulários, para facilitar o auxílio judiciário mútuo.

[...]

(5)

A fim de melhorar o intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados‑Membros, serão apreciados de forma positiva os projetos destinados a contribuir para a realização deste objetivo [...]. A experiência adquirida [...] demonstra a importância de se continuar a simplificar o intercâmbio de informações sobre condenações penais entre os Estados‑Membros.

[...]

(17)

[...] Reforçar a compreensão mútua passa pela criação de um “formato europeu normalizado” que permita trocar informações de modo homogéneo, informatizado e facilmente traduzível por sistemas automatizados. [...]»

4

Nos termos do artigo 1.o dessa decisão‑quadro, que define o seu objeto:

«A presente decisão‑quadro tem por objetivo:

a)

Definir as modalidades segundo as quais um Estado‑Membro em que seja pronunciada uma condenação contra um nacional de outro Estado‑Membro (adiante designado “Estado‑Membro de condenação”) transmite essa informação ao Estado‑Membro da nacionalidade da pessoa condenada (adiante designado “Estado‑Membro da nacionalidade”);

b)

Definir as obrigações de conservação destas informações que incumbem ao Estado‑Membro da nacionalidade e precisar as regras que este último deve respeitar sempre que responda a um pedido de informações extraídas do registo criminal;

c)

Estabelecer o quadro que permitirá criar e desenvolver um sistema informatizado de intercâmbio de informações sobre as condenações entre os Estados‑Membros, com base na presente decisão‑quadro e na decisão subsequente a que se refere o n.o 4 do artigo 11.o»

5

O artigo 4.o da referida decisão‑quadro, sob a epígrafe «Obrigações que incumbem ao Estado‑Membro de condenação», dispõe:

«[...]

2.   A autoridade central do Estado‑Membro de condenação informa o mais rapidamente possível as autoridades centrais dos outros Estados‑Membros das condenações relativas aos nacionais desses Estados‑Membros pronunciadas no seu território, tal como inscritas no registo criminal.

[...]

3.   As informações relativas à alteração ou supressão subsequentes de informações constantes dos registos criminais são transmitidas imediatamente pela autoridade central do Estado‑Membro de condenação à autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade.

4.   O Estado‑Membro que prestou as informações ao abrigo dos n.os 2 e 3 transmite à autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade que o solicite, em casos particulares, cópia das condenações e das medidas subsequentes, bem como qualquer outra informação relativa às mesmas, a fim de lhe permitir ponderar se estas requerem a adoção de qualquer medida a nível nacional.»

6

O artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2009/315, sob a epígrafe «Obrigações que incumbem ao Estado‑Membro da nacionalidade», estabelece, no seu n.o 1:

«A autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade conserva, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 11.o, todas as informações transmitidas ao abrigo dos n.os 2 e 3 do artigo 4.o, para efeitos da sua retransmissão de acordo com o artigo 7.o»

7

O artigo 11.o desta decisão‑quadro, sob a epígrafe «Formato e outras modalidades de organização e de simplificação dos intercâmbios de informação sobre condenações», prevê:

«1.   Ao transmitir as informações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 4.o, a autoridade central do Estado‑Membro de condenação transmite:

a)

informações que são sempre transmitidas [...] (informações obrigatórias):

i)

Informações relativas à pessoa condenada [nome completo, data de nascimento, local de nascimento […], sexo, nacionalidade e — se for caso disso — nome(s) anterior(es)],

ii)

Informações relativas à forma da condenação (data da condenação, nome do órgão jurisdicional, data em que a sentença transitou em julgado),

iii)

Informações relativas à infração que deu origem à condenação (data da infração [...], nome ou qualificação jurídica da infração e referência às disposições jurídicas aplicáveis), e

iv)

Informações sobre o teor da condenação (nomeadamente, a pena principal, bem como eventuais penas acessórias, medidas de segurança e decisões subsequentes que alterem a execução da pena);

b)

Informações que devem ser transmitidas se estiverem inscritas no registo criminal (informações facultativas):

i)

Nome dos pais da pessoa condenada,

ii)

Número de referência da condenação,

iii)

Local da infração, e

iv)

Inibições decorrentes da condenação;

c)

Informações que devem ser transmitidas se a autoridade central delas dispuser (informações adicionais):

i)

Número do bilhete de identidade [...] da pessoa condenada;

ii)

Impressões digitais recolhidas dessa pessoa, e

iii)

Se for caso disso, pseudónimo ou alcunha e/ou outro(s) nome(s) conhecido(s).

Além disso, a autoridade central pode transmitir quaisquer outras informações sobre condenações inscritas no registo criminal.

2.   A autoridade central do Estado‑Membro de nacionalidade deve conservar todas as informações do tipo das enumeradas nas alíneas a) e b) do n.o 1 que tenha recebido, de acordo com o n.o 1 do artigo 5.o, para efeitos de retransmissão de acordo com o artigo 7.o Para o mesmo efeito, pode conservar as informações do tipo das enumeradas na alínea c) do primeiro parágrafo e segundo parágrafo do n.o 1.

3.   [...]

No termo do prazo referido no n.o 7 do presente artigo, as autoridades centrais dos Estados‑Membros transmitem essas informações por via eletrónica, utilizando um formato normalizado.

4.   O formato normalizado a que se refere o n.o 3, bem como as outras modalidades de organização e simplificação do intercâmbio de informações sobre condenações entre as autoridades centrais dos Estados‑Membros, deve ser estabelecido pelo Conselho [...]

As outras modalidades incluem:

a)

A definição de qualquer dispositivo que facilite a compreensão das informações transmitidas e a respetiva tradução automática;

[...]»

Decisão 2009/316/JAI

8

Os considerandos 2, 6 e 12 da Decisão 2009/316/JAI do Conselho, de 6 de abril de 2009, relativa à criação do sistema europeu de informação sobre os registos criminais (ECRIS), em aplicação do artigo 11.o da Decisão‑Quadro 2009/315 (JO 2009, L 93, p. 33), estabelecem:

«(2)

As informações sobre condenações impostas aos nacionais de um Estado‑Membro por outros Estados‑Membros não circulam de forma eficaz com a base atual, ou seja, a Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal de 1959. Por conseguinte, são necessários procedimentos mais eficazes e acessíveis de intercâmbio dessas informações a nível da União Europeia.

[...]

(6)

A presente decisão dá execução à Decisão‑Quadro [2009/315] no sentido de construir e desenvolver um sistema informatizado de intercâmbio de informações sobre condenações entre os Estados‑Membros. [...] [D]everá ser criado um formato normalizado para o intercâmbio de informações por via eletrónica de forma uniforme que permita facilmente a sua tradução automática, bem como organizar e facilitar os intercâmbios eletrónicos de informações sobre condenações entre as autoridades centrais dos Estados‑Membros.

[...]

(12)

As tabelas de referência relativas aos tipos de infrações e aos tipos de penas e medidas previstas na presente decisão deverão facilitar a tradução automática e permitir a compreensão mútua das informações transmitidas graças à utilização de um sistema de códigos. [...]»

9

Nos termos do artigo 1.o da Decisão 2009/316, que define o seu objeto:

«A presente decisão estabelece um sistema europeu de informação sobre os registos criminais (ECRIS).

A presente decisão estabelece igualmente os elementos de um formato normalizado para o intercâmbio eletrónico de informações extraídas dos registos criminais dos Estados‑Membros, em especial no que diz respeito a informações sobre infrações que deram origem a condenações e a informações sobre o teor das condenações [...].»

10

O artigo 3.o desta decisão, sob a epígrafe «Sistema europeu de informação sobre os registos criminais (ECRIS)», prevê, no seu n.o 1:

«O ECRIS é um sistema informático descentralizado, baseado nas bases de dados de registos criminais em cada Estado‑Membro. É constituído pelos seguintes elementos:

a)

Uma aplicação informática de ligação [...] para permitir o intercâmbio de informações entre as bases de dados de registos criminais dos Estados‑Membros;

[...]»

11

O artigo 4.o da referida decisão, sob a epígrafe «Formato de transmissão das informações», dispõe:

«1.   Ao transmitir as informações nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 4.o e do artigo 7.o da Decisão‑Quadro 2009/315 [...], relacionadas com a designação ou a qualificação jurídica da infração e com as normas aplicáveis, os Estados‑Membros devem mencionar o código a que cada uma das infrações objeto da transmissão corresponde, de acordo com a tabela de infrações do anexo A. [...]

Os Estados‑Membros podem igualmente prestar informações disponíveis relacionadas com o grau de execução e de participação na infração e, se aplicável, com a exclusão total ou parcial de responsabilidade penal ou com a reincidência.

2.   Ao transmitir as informações nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 4.o e do artigo 7.o da Decisão‑Quadro [2009/315], relacionadas com o conteúdo da condenação, nomeadamente a pena aplicada e quaisquer penas acessórias, medidas de segurança e decisões posteriores que alterem a execução da pena, os Estados‑Membros devem mencionar o código a que cada uma das penas e medidas objeto de transmissão corresponde, de acordo com a tabela de penas e medidas do anexo B. [...]

Os Estados‑Membros também fornecem, se for caso disso, a informação disponível sobre a natureza e/ou as condições de execução da pena ou medida imposta, tal como previsto nos parâmetros do anexo B. [...]»

Diretiva 2010/64

12

Os considerandos 14, 17 e 22 da Diretiva 2010/64 estabelecem:

«(14)

O direito à interpretação e tradução para as pessoas que não falam ou não compreendem a língua do processo está consagrado no artigo 6.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A presente diretiva facilita o exercício daquele direito na prática. Para o efeito, a presente diretiva visa garantir o direito dos suspeitos ou acusados a disporem de interpretação e tradução em processo penal, com vista a garantir o respetivo direito a um julgamento imparcial.

[...]

(17)

A presente diretiva deverá garantir a livre prestação de uma adequada assistência linguística, possibilitando que os suspeitos ou acusados que não falam ou não compreendem a língua do processo penal exerçam plenamente o seu direito de defesa e assegurando a equidade do processo.

[...]

(22)

A interpretação e a tradução previstas na presente diretiva deverão ser disponibilizadas na língua materna do suspeito ou acusado ou em qualquer outra língua que ele fale ou compreenda, a fim de lhe permitir exercer plenamente o seu direito de defesa e a fim de garantir a equidade do processo.»

13

O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.   A presente diretiva estabelece regras relativas ao direito à interpretação e tradução em processo penal e em processo de execução de mandados de detenção europeus.

2.   O direito a que se refere o n.o 1 é conferido a qualquer pessoa, a partir do momento em que a esta seja comunicado pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, por notificação oficial ou por qualquer outro meio, que é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal e até ao termo do processo, ou seja, até ser proferida uma decisão definitiva sobre a questão de saber se o suspeito ou acusado cometeu a infração, inclusive, se for caso disso, até que a sanção seja decidida ou um eventual recurso seja apreciado.»

14

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que aos suspeitos ou acusados que não compreendem a língua do processo penal em causa seja facultada, num lapso de tempo razoável, uma tradução escrita de todos os documentos essenciais à salvaguarda da possibilidade de exercerem o seu direito de defesa e à garantia da equidade do processo.

2.   Entre os documentos essenciais contam‑se as decisões que imponham uma medida privativa de liberdade, a acusação ou a pronúncia, e as sentenças.»

15

O artigo 4.o da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros suportam os custos [...] de tradução decorrentes da aplicação [do artigo] 3.°, independentemente do resultado do processo.»

Direito húngaro

16

O artigo 46.o, n.o 1a, da nemzetközi bűnügyi jogsegélyről szóló 1996. évi XXXVIII. törvény (Lei n.o XXXVIII de 1996 relativa à assistência judiciária internacional em matéria penal, a seguir «Lei relativa à assistência judiciária internacional em matéria penal») estabelece que o tribunal material e territorialmente competente para o processo especial de reconhecimento da eficácia de uma sentença estrangeira é o do domicílio ou lugar de residência do arguido. Segundo o artigo 46.o, n.o 3, desta lei, o processo aplicável é regido pelas regras gerais da büntetőeljárásról szóló 1998 évi XIX. törvény (Lei n.o XIX de 1998 que institui o Código de Processo Penal, a seguir «Código de Processo Penal») relativas aos processos especiais, como o que está em causa no processo principal.

17

O artigo 9.o, n.o 1, do Código de Processo Penal prevê que a língua do processo penal é o húngaro.

18

O artigo 339.o, n.o 1, desse código dispõe que o Estado suportará as despesas que o arguido não esteja obrigado a pagar. O arguido, nos termos do artigo 338.o, n.o 1, do referido código, é condenado no pagamento das despesas quando for considerado culpado ou responsável por uma infração.

19

O artigo 555.o, n.o 2, alínea j), do Código de Processo Penal prevê que o arguido suportará as despesas dos processos especiais sempre que tenha sido condenado no pagamento de despesas do processo principal.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

20

Por sentença de 13 de maio de 2014, transitada em julgado em 8 de outubro seguinte, o Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt, Áustria) condenou I. Balogh, nacional húngaro, a uma pena de prisão por um crime de roubo reiterado com arrombamento, bem como no pagamento das despesas do processo. As autoridades austríacas competentes informaram o Igazságügyi Minisztérium Nemzetközi Büntetőjogi Osztálya (Departamento de Direito Penal Internacional do Ministério da Justiça, Hungria, a seguir «Departamento») do teor desta sentença, que subsequentemente enviaram a seu pedido.

21

O Departamento remeteu a referida sentença ao órgão jurisdicional de reenvio, enquanto órgão jurisdicional competente para o reconhecimento da sua eficácia na Hungria, em conformidade com o processo especial previsto pela Lei relativa à assistência judiciária internacional em matéria penal referida no n.o 16 do presente acórdão. Esse processo especial, que não implica uma nova apreciação dos factos ou da responsabilidade penal da pessoa condenada, nem uma nova condenação, tem unicamente por objeto o reconhecimento, à sentença do órgão jurisdicional estrangeiro, do mesmo valor que teria se tivesse sido proferida por um órgão jurisdicional húngaro, sendo indispensável para esse fim.

22

Estando a sentença em questão redigida em língua alemã, o órgão jurisdicional de reenvio deve, em conformidade com o referido processo especial, assegurar a tradução para a língua do processo, que é, no caso, o húngaro.

23

Por aplicação, designadamente, do artigo 555.o, n.o 2, alínea j), do Código de Processo Penal, aplicável ao processo em causa por força do artigo 46.o, n.o 3, da Lei relativa à assistência judiciária internacional em matéria penal, bem como do artigo 338.o, n.o 1, do mesmo código, a pessoa condenada nas despesas relativas ao processo principal deve suportar as custas relativas aos processos especiais.

24

Contudo, resulta da decisão de reenvio que se desenvolveram na Hungria duas práticas jurisdicionais distintas no que se refere à assunção das custas relativas ao processo especial em causa no processo principal.

25

Assim, por um lado, já se considerou que a Diretiva 2010/64, que prevê a gratuitidade da tradução, torna inaplicáveis as disposições especiais do direito húngaro, que deixam desde logo margem à disposição de caráter geral prevista no artigo 9.o do Código de Processo Penal, segundo a qual um arguido de nacionalidade húngara tem direito à utilização da sua língua materna. Daqui decorreria que o Estado tem de suportar os custos de tradução da decisão estrangeira, nos termos do artigo 339.o, n.o 1, deste código.

26

Por outro lado, já se considerou também que o processo principal, que terminou com uma sentença de condenação do arguido, é distinto do processo especial, que apresenta um caráter acessório, tendo por objeto o reconhecimento dos efeitos dessa sentença na Hungria. Consequentemente, embora o arguido deva beneficiar de assistência linguística gratuita no âmbito do processo principal quando não domine a língua na qual o processo decorre, o mesmo não acontece, no âmbito de um processo acessório, para a tradução para a língua deste processo, que a pessoa em causa domina, de uma sentença proferida por um órgão jurisdicional estrangeiro, sendo essa tradução necessária para efeitos do referido processo e não com vista à proteção dos direitos da pessoa condenada.

27

Nestas circunstâncias, o Budapest Környéki Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Aglomeração) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve a redação do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2010/64 [...], cujo teor prevê que “[a] presente diretiva estabelece regras relativas ao direito à interpretação e tradução em processo penal e em processo de execução de mandados de detenção europeus”, ser interpretada no sentido de que os tribunais húngaros devem também aplicar esta diretiva ao processo especial (capítulo XXIX [do Código] [...] de Processo Penal [...]), ou seja, que o processo especial previsto no direito húngaro se deve considerar abrangido pela expressão “processo penal” ou esta expressão deve incluir apenas os processos que terminam com uma decisão definitiva relativa à responsabilidade penal do arguido?»

Quanto à questão prejudicial

28

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional que lhe apresentou uma questão prejudicial, este Tribunal pode entender ser necessário ter em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não tenha feito referência no enunciado da sua questão. Além disso, cabe ao Tribunal de Justiça, se for o caso, reformular as questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdãos de 13 de março de 2014, SICES e o., C‑155/13, EU:C:2014:145, n.o 23, e de 11 de fevereiro de 2015, Marktgemeinde Straßwalchen e o., C‑531/13, EU:C:2015:79, n.o 37).

29

Ora, como o Governo austríaco e a Comissão Europeia salientaram nas suas observações, a situação em causa no processo principal é suscetível de estar abrangida pela Decisão‑Quadro 2009/315 e pela Decisão 2009/316.

30

Com efeito, resulta dos autos, por um lado, que, no processo principal, as autoridades austríacas competentes informaram o Departamento da decisão de condenação proferida pelo Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt) contra I. Balogh, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2009/315, por meio do ECRIS instituído pela Decisão 2009/316, com vista à conservação pela Hungria das informações assim transmitidas, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, desta decisão‑quadro.

31

Por outro lado, o Departamento solicitou a comunicação da sentença daquele órgão jurisdicional às referidas autoridades e, após tê‑la recebido destas últimas, transmitiu‑a ao Budapest Környéki Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Aglomeração), em conformidade com o processo especial em causa no processo principal, com vista ao seu reconhecimento na Hungria e à inscrição da referida condenação no registo criminal húngaro. Com efeito, nos termos do direito nacional aplicável, a tramitação deste processo é indispensável para este efeito.

32

Ora, em conformidade com o artigo 1.o da Decisão‑Quadro 2009/315, o seu objeto consiste precisamente em definir, nomeadamente, as modalidades segundo as quais o Estado‑Membro de condenação transmite ao Estado‑Membro da nacionalidade, tendo em vista a sua conservação por este último, as informações relativas às condenações proferidas no seu território contra um nacional deste último Estado‑Membro, tal como inscritas no registo criminal do Estado‑Membro de condenação. Além disso, o objeto da Decisão 2009/316 consiste, nos termos do seu artigo 1.o, na previsão dos elementos do formato normalizado segundo o qual as informações são trocadas entre os Estados‑Membros.

33

Nestas condições, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que ter em conta não só a Diretiva 2010/64 mas também a Decisão‑Quadro 2009/315, bem como a Decisão 2009/316, e que reformular, conforme referido, a questão submetida.

34

Por conseguinte, deve entender‑se que esta última visa em substância saber se a Diretiva 2010/64, tal como a Decisão‑Quadro 2009/315 e a Decisão 2009/316, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional que institui um processo especial de reconhecimento pelo juiz de um Estado‑Membro de uma decisão definitiva de condenação de uma pessoa pela prática de uma infração, proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, como o processo especial em causa no processo principal, onde se prevê designadamente que os custos de tradução dessa decisão, no âmbito desse processo, sejam suportados por essa pessoa.

35

Com vista a responder a esta questão, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., designadamente, acórdão de 21 de maio de 2015, Rosselle, C‑65/14, EU:C:2015:339, n.o 43 e jurisprudência referida).

Diretiva 2010/64

36

No que se refere à interpretação da Diretiva 2010/64, há que salientar, em primeiro lugar, que, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 1, esta diretiva estabelece as regras relativas ao direito à interpretação e tradução em processo penal e em processo de execução de mandados de detenção europeu. Resulta do disposto no artigo 1.o, n.o 2, da referida diretiva que esse direito é conferido à pessoa em causa a partir do momento em que a esta seja comunicado pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro que é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal e até ao termo do processo, ou seja, até ser proferida uma decisão definitiva sobre a questão de saber essa pessoa cometeu a infração, inclusive, se for caso disso, até que a sanção seja decidida ou um eventual recurso seja apreciado.

37

Ora, um processo especial como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto o reconhecimento de uma decisão judicial transitada em julgado, proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, tem lugar, por definição, após a decisão a título definitivo da questão de saber se a pessoa suspeita ou arguida cometeu a infração e, se for o caso, após a sua condenação.

38

Em segundo lugar, há que salientar que, conforme enunciado designadamente nos considerandos 14, 17 e 22 da Diretiva 2010/64, esta visa garantir que os suspeitos ou arguidos que não falam ou não compreendem a língua do processo têm direito à interpretação e à tradução, facilitando o exercício desse direito, a fim de garantir a essas pessoas o direito a um julgamento imparcial. É por isso que o artigo 3.o, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê que os Estados‑Membros asseguram que estas pessoas dispõem, num lapso de tempo razoável, de uma tradução escrita de todos os documentos essenciais, designadamente da sentença proferida a seu respeito, para lhes permitir exercerem o seu direito de defesa e garantir a equidade do processo.

39

Ora, resulta das explicações fornecidas pelo Governo austríaco durante a audiência no Tribunal de Justiça que I. Balogh obteve a tradução da sentença do Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt), que lhe foi notificada no mês de agosto de 2015. Nestas circunstâncias, uma nova tradução da referida sentença no âmbito do processo especial em causa no processo principal, visando o reconhecimento dessa sentença na Hungria e a inscrição da condenação proferida no registo criminal húngaro, não era necessária à proteção dos direitos de defesa ou do direito a uma tutela jurisdicional efetiva de I. Balogh e não se justificava desde logo à luz dos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2010/64.

40

Resulta das considerações precedentes que a Diretiva 2010/64 não é aplicável a um processo especial como o que está em causa no processo principal.

Decisão‑Quadro 2009/315 e Decisão 2009/316

41

No que respeita à interpretação da Decisão‑Quadro 2009/315 e da Decisão 2009/316, há que fazer referência, designadamente, ao conteúdo dos artigos 4.°, 5.° e 11.° daquela decisão‑quadro, bem como ao dos artigos 3.° e 4.° desta decisão.

42

O artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Decisão‑Quadro 2009/315 prevê que a autoridade central do Estado‑Membro de condenação informa o mais rapidamente possível as autoridades centrais dos outros Estados‑Membros das condenações relativas aos nacionais desses Estados‑Membros pronunciadas no seu território, tal como inscritas no registo criminal do Estado‑Membro de condenação. O artigo 5.o, n.o 1, e o artigo 11.o, n.o 2, dessa decisão‑quadro precisam que a autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade conserva as informações assim recebidas.

43

A lista das informações transmitidas pelo Estado‑Membro de condenação ao Estado‑Membro da nacionalidade figura no artigo 11.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro, que não faz nenhuma referência à decisão proferida pelos órgãos jurisdicionais do primeiro destes Estados.

44

Além disso, nos termos do artigo 11.o, n.o 3, da Decisão‑Quadro 2009/315, essas informações são trocadas entre os Estados‑Membros por via eletrónica, utilizando um formato normalizado. A este respeito, os artigos 3.° e 4.° da Decisão 2009/316 precisam que as informações relacionadas com a designação ou a qualificação jurídica da infração, bem como as relativas ao conteúdo da condenação, são transmitidas entre as autoridades centrais dos Estados‑Membros por meio do ECRIS, sob a forma de códigos correspondentes a cada uma das infrações e das sanções objeto da transmissão.

45

É certo que o artigo 4.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2009/315 prevê que o Estado‑Membro de condenação transmite à autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade que o solicite, em casos particulares, cópia das condenações e das medidas subsequentes, bem como qualquer outra informação relativa às mesmas, a fim de lhe permitir ponderar se estas requerem a adoção de qualquer medida a nível nacional.

46

Contudo, resulta tanto da redação desta disposição como da sistemática do referido artigo 4.o no seu conjunto, bem como da do artigo 11.o, n.o 1, da referida decisão‑quadro, que a transmissão da decisão de condenação à autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade apenas se verifica quando circunstâncias particulares requerem tal transmissão e não pode ser exigida em termos sistemáticos para efeitos de inscrição da referida condenação no registo criminal desse Estado‑Membro.

47

Ora, resulta dos esclarecimentos apresentados pelo Governo húngaro na audiência no Tribunal de Justiça que o processo especial em causa no processo principal é aplicado de modo sistemático e que, no caso, nenhuma circunstância particular justificava aplicar este processo ao reconhecimento da sentença proferida pelo Landesgericht Eisenstadt (Tribunal Regional de Eisenstadt) contra I. Balogh, e, neste âmbito, pedir a transmissão desta sentença. Consequentemente, esse pedido não pode ser justificado ao abrigo do artigo 4.o, n.o 4, da Decisão‑Quadro 2009/315.

48

Resulta do exposto que, em conformidade com a Decisão‑Quadro 2009/315 e a Decisão 2009/316, a inscrição no registo criminal pela autoridade central do Estado‑Membro da nacionalidade de condenações proferidas pelos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro de condenação deve ser efetuada diretamente com base na transmissão pela autoridade central deste último Estado‑Membro, por meio do ECRIS, das informações relativas a tais condenações sob a forma de códigos.

49

Nestas condições, essa inscrição não depende da aplicação prévia de um processo de reconhecimento judiciário das referidas condenações, como o processo especial em causa no processo principal, nem a fortiori da comunicação ao Estado‑Membro da nacionalidade da decisão de condenação para efeitos de um tal reconhecimento.

50

Tal interpretação é corroborada pelos objetivos prosseguidos pela Decisão‑Quadro 2009/315 e pela Diretiva 2009/316.

51

Com efeito, resulta designadamente dos considerandos 2, 3, 5 e 17 dessa decisão‑quadro, bem como dos considerandos 2, 6 e 12 daquela decisão, que o sistema de trocas de informações instituído pelas referidas decisão‑quadro e decisão tem por objetivos, a fim de facilitar a cooperação judiciária e de garantir o reconhecimento mútuo das decisões penais, simplificar os procedimentos de transferência de documentos entre os Estados‑Membros, melhorar e racionalizar as trocas de informações extraídas do registo criminal entre estes últimos e reforçar a eficácia dessas trocas pela criação de um formato europeu normalizado que permite a transmissão dessas informações de modo homogéneo, informatizado, compreensível e facilmente traduzível em mecanismos automatizados, com a ajuda de formulários‑tipo e de códigos.

52

Assim, como referiu o advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, a Decisão‑Quadro 2009/315 e a Decisão 2009/316 visam implementar um sistema rápido e eficaz de trocas de informações relativas às condenações penais proferidas nos diferentes Estados‑Membros da União.

53

Ora, um processo de reconhecimento de decisões de condenação proferidas por órgãos jurisdicionais de outros Estados‑Membros, como o que está em causa no processo principal, anterior à inscrição dessas condenações no registo criminal, que pressupõe além disso a transmissão e a tradução dessas decisões, é suscetível de atrasar fortemente essa inscrição, tornar mais complexas as trocas de informações entre os Estados‑Membros, privar de utilidade o mecanismo de tradução automática previsto pela Decisão 2009/316 e, assim, pôr em risco a realização dos objetivos prosseguidos pela Decisão‑Quadro 2009/315 e pela referida decisão.

54

Além disso, e em termos mais gerais, um tal processo contraria o princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais em matéria penal, previsto no artigo 82.o, n.o 1, TFUE, que substituiu o artigo 31.o UE, em que se baseiam a Decisão‑Quadro 2009/315 e a Decisão 2009/316. Com efeito, tal princípio opõe‑se a que o reconhecimento por um Estado‑Membro das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro seja sujeito à aplicação, no primeiro desses Estados‑Membros, de um processo judicial para esse fim, como o processo especial que está em causa no processo principal.

55

Resulta do exposto que a Decisão‑Quadro 2009/315 e a Decisão 2009/316 se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional que institui um processo especial de reconhecimento de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, como a que está em causa no processo principal.

56

Tendo em conta as considerações precedentes, deve dar‑se a seguinte resposta à questão submetida:

o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2010/64 deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva não se aplica a um processo especial nacional de reconhecimento pelo juiz de um Estado‑Membro de uma decisão judicial transitada em julgado, proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, que condena uma pessoa pela prática de uma infração;

a Decisão‑Quadro 2009/315 e a Decisão 2009/316 devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional que institui um tal processo especial.

Quanto às despesas

57

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, deve ser interpretado no sentido de que esta diretiva não se aplica a um processo especial nacional de reconhecimento pelo juiz de um Estado‑Membro de uma decisão judicial transitada em julgado, proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, que condena uma pessoa pela prática de uma infração.

 

A Decisão‑Quadro 2009/315/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados‑Membros, e a Decisão 2009/316/JAI do Conselho, de 6 de abril de 2009, relativa à criação do sistema europeu de informação sobre os registos criminais (ECRIS), em aplicação do artigo 11.o da Decisão‑Quadro 2009/315, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à aplicação de uma regulamentação nacional que institui um tal processo especial.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: húngaro.