ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

20 de outubro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado — Sexta Diretiva — Artigo 28.o‑C, ponto A, alíneas a) e d) — Transferência de bens no interior da União Europeia — Direito à isenção — Violação da obrigação de transmitir um número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino — Inexistência de indícios concretos da existência de fraude fiscal — Recusa do benefício da isenção — Admissibilidade»

No processo C‑24/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Finanzgericht München (Tribunal Tributário de Munique, Alemanha), por decisão de 4 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de janeiro de 2015, no processo

Josef Plöckl

contra

Finanzamt Schrobenhausen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda (relator), K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 20 de janeiro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Finanzamt Schrobenhausen, por K. Ostermeier, H. Marhofer‑Ferlan e D. Scherer,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, na qualidade de agente,

em representação do Governo grego, por K. Nasopoulou e S. Lekkou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, A. Cunha e R. Campos Laires, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 2005/92/CEE do Conselho, 12 de dezembro de 2005 (JO 2005, L 345, p. 19, a seguir «Sexta Diretiva»), na redação resultante do artigo 28.o‑H da Sexta Diretiva, e do artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, e alínea d), dessa diretiva.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Josef Plöckl ao Finanzamt Schrobenhausen (Serviço de Finanças de Schrobenhausen, Alemanha, a seguir «serviço de finanças»), a propósito da recusa deste serviço em isentar de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a transferência de um veículo automóvel afeto à empresa de J. Plöckl da Alemanha para Espanha no decurso do ano de 2006.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos do artigo 2.o, ponto 1, da Sexta Diretiva, estão sujeitas ao IVA as entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

4

Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, por sujeito passivo entende‑se qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das atividades económicas referidas no n.o 2 do mesmo artigo, independentemente do fim ou do resultado dessa atividade.

5

O artigo 5.o, n.o 1, da Sexta Diretiva define o conceito de «entregas de bens» como a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

6

O artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Diretiva, na sua redação resultante do artigo 28.o‑H da mesma, prevê:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do imposto e para evitar a fraude, sem prejuízo da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e sob condição de que essas obrigações não deem origem, nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

[…]»

7

O artigo 28.o‑A, n.o 5, da Sexta Diretiva dispõe:

«É equiparada a uma entrega de bens a título oneroso:

b)

A transferência por um sujeito passivo de um bem da sua empresa com destino a um Estado‑Membro.

Considera‑se transferido com destino a outro Estado‑Membro qualquer bem corpóreo expedido ou transportado, pelo sujeito passivo ou por sua conta, para fora do território referido no artigo 3.o, mas no interior da Comunidade, para as necessidades da sua empresa, que não se refiram a qualquer das seguintes operações:

[...]»

8

O artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, e alínea d), da Sexta Diretiva tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixad[a]s pelos Estados‑Membros para garantir uma aplicação correta e simples das isenções adiante previstas e a prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, os Estados‑Membros isentarão:

a)

As entregas de bens, na aceção do artigo 5.o, expedidos ou transportados, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território referido no artigo 3.o, mas no interior da Comunidade, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado‑Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens.

[...]

d)

As entregas de bens referidas no n.o 5, alínea b), do artigo 28.o‑A, que beneficiariam das isenções acima previstas se tivessem sido efetuadas a outro sujeito passivo.»

Direito alemão

9

O § 3, n.o 1a, da Umsatzsteuergesetz (Lei do imposto sobre o volume de negócios), na versão em vigor à data dos factos do processo principal (a seguir «UStG»), prevê:

«É equiparada a uma entrega a título oneroso a transferência de um bem da empresa do território do país para qualquer outra parte do território da Comunidade, efetuada pelo empresário para aí dispor desse bem, salvo para uma utilização meramente transitória, ainda que tenha importado o bem para o território do país. O empresário é considerado como um fornecedor.»

10

De acordo com o § 4, n.o 1, alínea b), da UStG, as entregas intracomunitárias estão isentas de imposto.

11

O § 6a da UStG define a entrega intracomunitária nos seguintes termos:

«[...]

2.   Por entrega intracomunitária entende‑se igualmente a transferência de um bem equiparada a uma entrega (§ 3, n.o 1a, da UStG).

3.   Compete ao empresário provar que os requisitos previstos nos n.os 1 e 2 estão preenchidos. [...]»

12

O § 17c, n.os 1 e 3, do Umsatzsteuer‑Durchführungsverordnung (Regulamento de aplicação do imposto sobre o volume de negócios), na versão em vigor à data dos factos no processo principal, dispõe:

«1.   No caso de entregas intracomunitárias (§ 6a, n.os 1 e 2, da [UStG]), o empresário abrangido pelo âmbito de aplicação do presente regulamento deve provar através de documentos contabilísticos que estão reunidos os requisitos da isenção fiscal, facultando a este respeito também o número de identificação para efeitos de imposto sobre o volume de negócios do adquirente. A contabilidade deve evidenciar de forma clara e facilmente verificável que esses requisitos foram preenchidos.

[...]

3.   Nos casos de transferência equiparados a uma entrega (§ 6a, n.o 2, da [UStG]), o empresário deve registar os seguintes elementos:

[...]

2)

o endereço e o número de identificação para efeitos de imposto sobre o volume de negócios da empresa estabelecida noutro Estado‑Membro;

[...]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

13

Em 2006, J. Plöckl, empresário em nome individual, adquiriu um veículo que afetou à sua empresa. Em 20 de outubro de 2006, expediu este veículo para um revendedor com sede em Espanha a fim de vendê‑lo em Espanha. Esta expedição foi atestada por uma declaração de expedição CMR (declaração de expedição emitida com base na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo de 5 de julho de 1978). Em 11 de julho de 2007, o referido veículo foi vendido a uma empresa com sede em Espanha.

14

J. Plöckl não declarou qualquer volume de negócios a título dessa operação para o ano de 2006. Para o ano de 2007, declarou uma entrega intracomunitária isenta de IVA à referida empresa.

15

No âmbito de um controlo fiscal no local, o serviço de finanças considerou que não estavam preenchidos os requisitos para uma entrega intracomunitária e que se tratava de uma entrega que devia ser tributada na Alemanha em 2007. Emitiu, consequentemente, um aviso de liquidação retificativo de IVA relativamente a 2007.

16

No processo subsequentemente instaurado no Finanzgericht München (Tribunal Tributário de Munique, Alemanha), esse órgão jurisdicional verificou que o veículo em causa no processo principal já se encontrava em Espanha em 2007, o que levou o serviço de finanças a anular o aviso de liquidação retificativo.

17

Na sequência desta anulação, o serviço de finanças retificou o cálculo do IVA para exercício de 2006, por considerar que a transferência do veículo para Espanha em 2006 estava sujeita a IVA e não estava isenta, na medida em que J. Plöckl não indicara o número de identificação para efeitos de IVA atribuído à sua empresa em Espanha e, por conseguinte, não tinha produzido a prova contabilística exigida.

18

J. Plöckl interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. O referido órgão jurisdicional entende, por um lado, que não houve entrega intracomunitária, uma vez que não existe um vínculo temporal e material suficiente entre a expedição do veículo para Espanha e a venda do mesmo nesse Estado‑Membro, e, por outro, que a transferência intracomunitária efetuada em 2006 está sujeita a IVA nos termos do § 3, n.o 1a, da UStG.

19

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a referida transferência deve beneficiar de uma isenção de IVA. Salienta que, embora J. Plöckl não tenha adotado todas as medidas razoáveis para indicar um número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino, não há indícios concretos que sugiram a existência de fraude, e o serviço de finanças exclui essa fraude. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, J. Plöckl cometeu simplesmente um erro de direito ao contabilizar a operação de transferência e a posterior venda como entrega intracomunitária e não prestou uma declaração falsa ao serviço de finanças.

20

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao n.o 58 do acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592), do qual decorre que a isenção de IVA de uma entrega intracomunitária pode depender da transmissão, pelo fornecedor, do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, sem prejuízo de a recusa em conceder essa isenção não ter por único fundamento a circunstância de essa obrigação não ter sido respeitada, quando o fornecedor não possa, de boa‑fé, e após ter tomado todas as medidas que lhe podem razoavelmente ser exigidas, transmitir esse número de identificação e transmita, por outro lado, indicações suscetíveis de demonstrar suficientemente que o adquirente é um sujeito passivo que age enquanto tal na operação em causa.

21

O referido órgão jurisdicional considera que o raciocínio do Tribunal de Justiça nesse acórdão também é aplicável a uma transferência intracomunitária, como a que está em causa no processo principal, e que dele se pode deduzir que, no caso vertente, a isenção de IVA pode ser recusada pelo facto de J. Plöckl não ter tomado todas as medidas razoáveis para indicar o número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino.

22

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no n.o 52 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que é legítimo exigir ao fornecedor que aja de boa‑fé e tome todas as medidas que lhe podem razoavelmente ser exigidas para se assegurar de que a operação que efetua não o leva a participar numa fraude fiscal. Entende, portanto, que só se pode exigir ao sujeito passivo que tome medidas razoáveis quando houver indícios concretos da existência de uma fraude.

23

Não havendo indícios concretos de fraude, o órgão jurisdicional de reenvio entende que a isenção de IVA não pode ser recusada quando os requisitos materiais dessa isenção se encontram preenchidos, como sucede no caso em apreço no processo que lhe foi submetido, uma vez que o número de identificação para efeitos de IVA constitui apenas um desses requisitos. Nestas circunstâncias, essa recusa seria contrária aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade.

24

O Finanzgericht München (Tribunal Tributário de Munique) decidiu, então, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[Permitem] os artigos 22.°, n.o 8, e 28.°‑C, […] A, alínea a), primeiro parágrafo, e d), da [Sexta Diretiva] […] que os Estados‑Membros recusem a isenção de imposto [a uma] entrega intracomunitária (neste caso, uma transferência intracomunitária), quando, apesar de o fornecedor não ter tomado todas as medidas razoáveis quanto às exigências formais relativas [à indicação] do número de identificação para efeitos de [IVA], [não existem] indícios concretos de fraude fiscal, o bem foi transferido para outro Estado‑Membro e os demais requisitos para a isenção fiscal estão igualmente preenchidos?»

Quanto à questão prejudicial

25

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 22.°, n.o 8, da Sexta Diretiva, na redação resultante do artigo 28.o‑H da mesma, e 28.°‑C, A, alíneas a), primeiro parágrafo, e d), desta diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal do Estado‑Membro de origem recuse isentar de IVA uma transferência intracomunitária com o fundamento de que o sujeito passivo não comunicou o número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino, quando não existam indícios concretos que sugiram a existência de fraude fiscal, o bem tenha sido transferido para outro Estado‑Membro e os outros requisitos para a isenção fiscal estejam igualmente preenchidos.

26

Segundo o artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva, a transferência por um sujeito passivo de um bem da sua empresa com destino a um Estado‑Membro diferente daquele em que essa empresa tem a sua sede é equiparada a uma entrega de bens a título oneroso. Uma transferência deste tipo constitui, portanto, por força do artigo 2.o, n.o 1, e do artigo 5.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, uma operação sujeita a IVA.

27

Os requisitos a preencher para que uma operação possa ser qualificada de transferência intracomunitária na aceção do artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), da Sexta Diretiva, estão previstos no segundo parágrafo desta disposição, nos termos do qual se considera transferido com destino a outro Estado‑Membro qualquer bem corpóreo expedido ou transportado, pelo sujeito passivo ou por sua conta, para fora do território referido no artigo 3.o dessa diretiva, mas no interior da União Europeia, para as necessidades da sua empresa, que não se refiram a nenhuma das operações enumeradas nessa alínea.

28

Resulta do artigo 28.o‑C, A, alínea d), da Sexta Diretiva que uma transferência intracomunitária está isenta de IVA no Estado‑Membro de origem na medida em que beneficiaria das isenções previstas no artigo 28.o‑C, A, alíneas a) a c), da Sexta Diretiva se tivesse sido efetuada a outro sujeito passivo.

29

Daqui decorre que, para efeitos da isenção de IVA, uma transferência intracomunitária, conforme prevista no artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), é equiparada, designadamente, a uma entrega intracomunitária cuja isenção de IVA está prevista no artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva. Quanto aos requisitos de isenção dessa transferência intracomunitária, estes resultam, por um lado, desta última disposição, sem que essa transferência tenha de ser efetuada por outro sujeito passivo. Os bens em causa devem, portanto, ser expedidos ou transportados, pelo sujeito passivo ou por sua conta, para fora do território referido no artigo 3.o desta diretiva, mas no interior da União, devendo esta transferência ser efetuada a esse mesmo sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado‑Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte dos bens.

30

Por outro lado, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 59 a 61 das suas conclusões, as exigências de fundo de uma transferência intracomunitária, conforme referidas no artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e enumeradas no n.o 27 do presente acórdão, devem ser igualmente preenchidas para que essa transferência esteja isenta de IVA.

31

Como tal, há que precisar que o facto de transferir um bem para as necessidades da empresa do sujeito passivo, conforme precisa essa disposição, implica que essa transferência seja efetuada a esse sujeito passivo «agindo como tal» na aceção do artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva. A este respeito, resulta de jurisprudência constante que um sujeito passivo age nessa qualidade quando realiza operações no âmbito da sua atividade tributável (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 49, e de 8 de novembro de 2012, Profitube, C‑165/11, EU:C:2012:692, n.o 52)

32

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a operação em causa no processo principal deve ser considerada uma entrega intracomunitária na aceção do artigo 28.o‑C, n.o 5, alínea b), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva. A este respeito, o referido órgão jurisdicional salienta que o veículo adquirido por J. Plöckl foi afeto à empresa deste último, com sede na Alemanha, e em seguida expedido para Espanha para continuar a ser utilizado para fins profissionais por J. Plöckl.

33

Daqui decorre, conforme resulta também da redação da questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que os requisitos de isenção de IVA da transferência em causa estavam preenchidos. Contudo, essa isenção foi recusada pelo serviço de finanças pelo facto de J. Plöckl não lhe ter comunicado o número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Reino de Espanha, como exige o § 17c, n.o 3, do regulamento de aplicação do imposto sobre o volume de negócios, na versão em vigor à data dos factos do processo principal.

34

Nas suas observações escritas, a Comissão Europeia entende que esta exigência de comunicação do número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino tem por objetivo, no que se refere a uma transferência intracomunitária, provar que o sujeito passivo transferiu o bem em questão para esse Estado‑Membro «para as necessidades da sua empresa», o que constitui, conforme decorre dos n.os 30 e 31 do presente acórdão, um requisito de isenção de IVA dessa transferência. O serviço de finanças e o Governo alemão confirmaram esse objetivo da referida exigência na audiência. A presente questão prejudicial diz respeito às modalidades de prova suscetíveis de ser exigidas, e as circunstâncias em que podem sê‑lo, a fim de demonstrar que esse requisito de isenção se encontra satisfeito.

35

A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que, na falta de uma disposição acerca desta matéria na Sexta Diretiva, visto que esta apenas prevê no seu artigo 28.o‑C, A, primeiro membro da frase, que compete aos Estados‑Membros fixar as condições nas quais isentam as entregas intracomunitárias de bens, a questão dos meios de prova suscetíveis de ser apresentados pelos sujeitos passivos para beneficiarem da isenção de IVA é da competência dos Estados‑Membros (acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 42 e jurisprudência referida). O mesmo se aplica também às transferências intracomunitárias, previstas nessa disposição, alínea d).

36

Além disso, o artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Diretiva, na redação que lhe foi dada pelo artigo 28.o‑H da mesma diretiva, confere aos Estados‑Membros a faculdade de adotarem medidas destinadas a garantir a cobrança exata do IVA e a evitar a fraude, sob reserva, designadamente, de não irem além do que é necessário para atingir tais objetivos. Essas medidas não podem, por isso, ser utilizadas de modo a pôr em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA (acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n..° 44 e jurisprudência referida).

37

Uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta as exigências de fundo e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estas foram respeitadas. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, C‑146/05, EU:C:2007:549, n.os 29 e 30).

38

Ora, no que se refere às características objetivas de uma transferência intracomunitária, decorre do n.o 30 do presente acórdão que, se uma transferência cumprir os requisitos previstos no artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), segundo parágrafo, da Sexta Diretiva, essa transferência está isenta de IVA (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 30).

39

Conclui‑se que o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida se as exigências de fundo foram cumpridas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (v., por analogia, acórdão de 27 de setembro de 2007, Collée, C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 31).

40

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no contexto de uma entrega intracomunitária, que uma obrigação de comunicar o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente do bem constitui uma exigência formal relativamente ao direito de isenção de IVA (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 51).

41

O mesmo se aplica a uma obrigação de comunicar, no âmbito de uma transferência intracomunitária, o número de identificação para efeitos de IVA do sujeito passivo atribuído pelo Estado‑Membro de destino. A este respeito, embora a comunicação desse número constitua a prova de que essa transferência foi efetuada para as necessidades da empresa desse sujeito passivo e, por conseguinte, como decorre do n.o 31 do presente acórdão, que o referido sujeito passivo age enquanto tal nesse Estado‑Membro, a prova dessa qualidade não pode, em todos os casos, depender exclusivamente da comunicação do referido número de identificação para efeitos de IVA. Com efeito, o artigo 4.o, n.o 1, da Sexta Diretiva, que define o conceito de «sujeito passivo», não faz depender esta qualidade do facto de essa pessoa dispor de um número de identificação para efeitos de IVA (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592.°, n.o 49). A comunicação desse número não constitui, portanto, um requisito de fundo para efeitos da isenção de IVA de uma transferência intracomunitária.

42

Resulta das considerações anteriores que a Administração de um Estado‑Membro não pode, em princípio, recusar a isenção de IVA de uma transferência intracomunitária pelo simples facto de o sujeito passivo não ter transmitido o número de identificação para efeitos do IVA que lhe foi atribuído pelo Estado‑Membro de destino.

43

Conforme salientou o advogado‑geral no n.o 81 das suas conclusões, a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu contudo dois casos em que o desrespeito de uma exigência formal pode implicar a perda do direito à isenção de IVA.

44

Em primeiro lugar, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser invocado, para efeitos da isenção de IVA, por um sujeito passivo que tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que pôs em perigo o bom funcionamento do sistema comum do IVA (v., neste sentido, acórdãos de 7 de dezembro de 2010, R., C‑285/09, EU:C:2010:742.°, n.o 54, e de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592.°, n.o 46).

45

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio observou que não há indícios concretos de fraude fiscal no litígio no processo principal e que o serviço de finanças excluiu a existência de fraude. Como tal, esta exceção à regra segundo a qual a isenção de IVA deve ser concedida, mesmo não tendo sido respeitado um requisito formal, caso as exigências de fundo estejam preenchidas, não é aplicável a este litígio.

46

Em segundo lugar, a violação de uma exigência formal pode levar a uma recusa de isenção de IVA se essa violação tiver por efeito impedir a produção da prova segura do cumprimento das exigências de fundo (v., neste sentido, acórdãos de 27 de setembro de 2007, Collée, C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 31, e de 27 de setembro de 2012, VSTR, C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 46).

47

No entanto, resulta do próprio requisito a que está subordinada a recusa de isenção de IVA, que, quando a Administração dispõe dos dados necessários para saber que as exigências de fundo foram cumpridas, não pode impor, no que se refere ao direito de isenção do sujeito passivo, condições suplementares que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., por analogia, acórdão de 11 de dezembro de 2014, Idexx Laboratories Italia, C‑590/13, EU:C:2014:2429, n.o 40 e jurisprudência referida).

48

Ora, conforme se indicou nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, as exigências de fundo de uma transferência intracomunitária, previstas no artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), da Sexta Diretiva, correspondem, em substância, aos requisitos materiais da isenção de IVA dessa transferência, enumerados no artigo 28.o‑C, A, alínea a), desta diretiva.

49

Por conseguinte, uma vez que, como resulta do n.o 32 do presente acórdão, no âmbito do litígio principal, embora J. Plöckl não tenha comunicado um número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino, o órgão jurisdicional de reenvio declarou que a operação em causa deve ser considerada uma transferência intracomunitária na aceção do artigo 28.o‑A, n.o 5, alínea b), da Sexta Diretiva, há que considerar que o serviço de finanças dispunha de dados que permitiam também provar que os requisitos de isenção dessa transferência estavam preenchidos.

50

Por conseguinte, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, nenhuma das duas situações em que o Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de uma Administração recusar a isenção de IVA em razão do desrespeito de uma exigência formal é aplicável.

51

Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao n.o 58 do acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Diretiva não se opõe a que a Administração Fiscal de um Estado‑Membro faça depender a isenção de IVA de uma entrega intracomunitária da transmissão, pelo fornecedor, do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, sem prejuízo, todavia, de a recusa em conceder essa isenção não ter por único fundamento a circunstância de essa obrigação não ter sido respeitada, quando o fornecedor não possa, de boa‑fé, e após ter tomado todas as medidas que lhe podem razoavelmente ser exigidas, transmitir esse número de identificação e transmita, por outro lado, indicações suscetíveis de demonstrar suficientemente que o adquirente é um sujeito passivo que age enquanto tal na operação em causa. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se decorre daí que a isenção de IVA pode ser recusada a um sujeito passivo que, no âmbito de uma transferência intracomunitária, não adotou todas as medidas que lhe são razoavelmente exigíveis para transmitir à Administração um número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino.

52

No acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592), o Tribunal de Justiça não pretendeu instaurar uma regra geral.

53

Com efeito, no n.o 46 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça confirmou expressamente a jurisprudência segundo a qual, salvo nos dois casos referidos nos n.os 44 e 46 do presente acórdão, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida se as exigências de fundo forem cumpridas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais.

54

Além disso, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 111 das suas conclusões, resulta designadamente do n.o 52 do acórdão de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592), que a verificação da impossibilidade de um sujeito passivo, de boa‑fé, após ter tomado todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas, transmitir o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, diz respeito à situação em que está em causa a questão de saber se o sujeito passivo participou, ou não, numa fraude fiscal. O Tribunal de Justiça considerou, assim, que a participação do fornecedor numa fraude podia ser excluída atendendo à circunstância de esse fornecedor não poder, de boa‑fé, após ter tomado todas as medidas que lhe podiam razoavelmente ser exigidas, transmitir o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.

55

Daqui decorre que, em circunstâncias, como as do litígio no processo principal, em que a participação do sujeito passivo numa fraude fiscal está em todo o caso excluída, a isenção de IVA não lhe pode ser recusada pelo facto de não ter tomado todas as medidas que lhe podiam razoavelmente ser exigidas para cumprir uma obrigação formal, ou seja, a transmissão do número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino da transferência intracomunitária.

56

Perante o Tribunal de Justiça, o serviço de finanças e o Governo alemão sublinharam, contudo, o caráter primordial do número de identificação para efeitos de IVA como elemento de controlo no sistema de massa que implica um grande número de transações intracomunitárias.

57

Todavia, essa consideração não pode transformar uma exigência formal numa exigência de fundo no sistema comum do IVA, nem justificar a recusa de isenção pelo facto de ter sido desrespeitada uma exigência formal imposta pelo direito nacional que transpõe a Sexta Diretiva.

58

Com efeito, embora o artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Diretiva, na redação resultante do artigo 28.o‑H da mesma, permita que os Estados‑Membros adotem medidas para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, essa recusa de isenção vai além do que é necessário para atingir tais objetivos, uma vez que essa infração ao direito nacional pode ser punida por uma coima proporcionada à gravidade da infração (v., por analogia, acórdãos de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 62 e 63, e de 15 de setembro de 2016, Barlis 06 — Investimentos Imobiliários e Turísticos, C‑516/14, EU:C:2016:690, n.os 47 e 48).

59

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Diretiva, na redação resultante do artigo 28.o‑H da mesma, e o artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, e alínea d), desta diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal do Estado‑Membro de origem recuse isentar de IVA uma transferência intracomunitária com o fundamento de que o sujeito passivo não comunicou o número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino, quando não existam indícios concretos que sugiram a existência de fraude fiscal, o bem tenha sido transferido para outro Estado‑Membro e os outros requisitos para a isenção fiscal estejam igualmente preenchidos.

Quanto às despesas

60

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2005/92/CE do Conselho, de 12 de dezembro de 2005, na redação resultante do artigo 28.o‑H da Sexta Diretiva, e o artigo 28.o‑C, A, alínea a), primeiro parágrafo, e alínea d), da referida diretiva, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal do Estado‑Membro de origem recuse isentar de imposto sobre o valor acrescentado uma transferência intracomunitária com o fundamento de que o sujeito passivo não comunicou o número de identificação para efeitos desse imposto atribuído pelo Estado‑Membro de destino, quando não existam indícios concretos que sugiram a existência de fraude fiscal, o bem tenha sido transferido para outro Estado‑Membro e os outros requisitos para a isenção fiscal estejam igualmente preenchidos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.