ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2016 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Regime fiscal — Imposto sobre as sociedades — Dedução — Amortização da mais‑valia resultante da aquisição de participações de, pelo menos, 5% por empresas com domicílio fiscal em Espanha em empresas com domicílio fiscal fora desse Estado‑Membro — Conceito de ‘auxílio de Estado’ — Condição de seletividade»

Nos processos apensos C‑20/15 P e C‑21/15 P,

que têm por objeto dois recursos de decisão do Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos em 19 de janeiro de 2015,

Comissão Europeia, representada por R. Lyal, B. Stromsky, C. Urraca Caviedes e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

World Duty Free Group SA, anteriormente Autogrill España SA, com sede em Madrid (Espanha) (C‑20/15 P),

Banco Santander SA, com sede em Santander (Espanha) (C‑21/15 P),

Santusa Holding SL, com sede em Boadilla del Monte (Espanha) (C‑21/15 P),

representadas por J. L. Buendía Sierra, E. Abad Valdenebro e R. Calvo Salinero, abogados,

recorrentes em primeira instância,

apoiadas por:

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

Irlanda, representada por G. Hodge e E. Creedon, na qualidade de agentes, assistidas por B. Doherty, barrister, e por A. Goodman, barrister,

Reino de Espanha, representado por A. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

intervenientes no presente recurso,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz, J. L. da Cruz Vilaça, E. Juhász, A. Prechal (relator), presidentes de secção, A. Borg Barthet, J. Malenovský, E. Jarašiūnas, F. Biltgen, K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: M. Wathelet,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 31 de maio de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de julho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso no processo C‑20/15 P, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, a seguir «acórdão recorrido Autogrill España/Comissão, EU:T:2014:939), em que este último anulou o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 4.o da Decisão 2011/5/CE da Comissão, de 28 de outubro de 2009, relativa à amortização para efeitos fiscais da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras Processo C‑45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 7, p. 48, a seguir «primeira decisão controvertida»).

2

Com o seu recurso no processo C‑21/15 P, a Comissão pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, a seguir «acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, EU:T:2014:938), em que este anulou o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 4.o da Decisão 2011/282/UE da Comissão, de 12 de janeiro de 2011, relativa à amortização para efeitos fiscais do goodwill financeiro, em caso de aquisição de participações em empresas estrangeiras n.o C 45/07 (ex NN 51/07, ex CP 9/07) aplicada pela Espanha (JO 2011, L 135, p. 1, a seguir «segunda decisão controvertida»).

Antecedentes dos litígios

3

Os antecedentes dos litígios, conforme resultam dos acórdãos recorridos, podem resumir‑se da seguinte forma.

4

Em 10 de outubro de 2007, no seguimento de várias perguntas escritas dirigidas à Comissão durante 2005 e 2006 por membros do Parlamento Europeu e no seguimento de uma denúncia de um operador privado de que tinha sido a destinatária durante 2007, a Comissão decidiu dar início ao procedimento formal de investigação do disposto no artigo 12.o, n.o 5, introduzido na lei espanhola relativa ao imposto sobre as sociedades pela Ley 24/2001, de Medidas Fiscales, Administrativas y del Orden Social (Lei 24/2001, que institui medidas fiscais, administrativas e de caráter social), de 27 de dezembro de 2001 (BOE n.o 313, de 31 de dezembro de 2001, p. 50493), e retomado pelo Real Decreto Legislativo 4/2004, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Impuesto sobre Sociedades (Real Decreto Legislativo 4/2004, que consolida as alterações efetuadas à Lei relativa ao imposto sobre o rendimento das sociedades), de 5 de março de 2004 (BOE n.o 61, de 11 de março de 2004, p. 10951) (a seguir «medida controvertida»).

5

A medida controvertida prevê que, em caso de aquisição de participações numa «empresa estrangeira» por uma empresa tributável em Espanha, sempre que essa aquisição de participações for de, pelo menos, 5% e a participação em causa for mantida por um período ininterrupto mínimo de, pelo menos, um ano, a mais‑valia daí resultante, registada na contabilidade da empresa como ativo incorpóreo distinto, pode ser deduzida, sob a forma de amortização, da matéria coletável do imposto sobre as sociedades de que a empresa seja devedora. A medida controvertida precisa que, para ser qualificada de «empresa estrangeira», uma empresa deve estar sujeita a um imposto idêntico ao aplicado em Espanha e as suas receitas devem resultar sobretudo de atividades realizadas no estrangeiro.

6

Nos n.os 10 a 13 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão, idênticos aos n.os 15 a 18 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, o Tribunal Geral prestou os esclarecimentos que se seguem:

«10

Resulta da [primeira] decisão [controvertida] que, segundo a lei espanhola, se entende por concentração de empresas uma operação através da qual uma ou várias empresas, ao serem dissolvidas sem entrarem em liquidação, transmitem todo o seu ativo e passivo para outra empresa já existente ou para uma empresa por elas criada, através da atribuição aos acionistas desta última do capital social dessa outra empresa (considerando 23 da [primeira] decisão [controvertida][, idêntico ao considerando 32 da segunda decisão controvertida]).

11

Uma aquisição de ações é definida na [primeira] decisão [controvertida] como uma operação através da qual uma empresa adquire uma participação no capital social de outra empresa, sem obter a maioria ou o controlo dos direitos de voto da empresa alvo (considerando 23 da [primeira] decisão [controvertida][, idêntica ao considerando 32 da segunda decisão controvertida]).

12

Por outro lado, indica‑se, na [primeira] decisão [controvertida], que, nos termos da medida controvertida, a diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) é determinada deduzindo o valor do mercado dos ativos corpóreos e incorpóreos da empresa adquirida ao preço de aquisição da participação. Especifica‑se igualmente que o conceito de diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill), tal como previsto pela medida controvertida, introduz no domínio das aquisições de ações uma noção normalmente utilizada na transmissão de ativos ou em operações de concentração de empresas (considerando 20 da [primeira] decisão [controvertida][, idêntica ao considerando 29 da segunda decisão controvertida]).

13

Por último, saliente‑se que, segundo o direito fiscal espanhol, uma aquisição, por uma empresa tributável em Espanha, de participações numa sociedade com sede em Espanha não permite contabilizar separadamente, para efeitos fiscais, a mais‑valia resultante dessa aquisição. Em contrapartida, ainda segundo o direito fiscal espanhol, o goodwill [apenas] pode ser amortizado na sequência de uma concentração de empresas (considerando 19 da [primeira] decisão controvertida][, idêntica ao considerando 28 da segunda decisão controvertida]).»

7

Com a primeira decisão controvertida, a Comissão encerrou o processo, no que respeita às aquisições de participações efetuadas na União Europeia.

8

No artigo 1.o, n.o 1, desta decisão, a Comissão declarou o regime controvertido, que consiste num benefício fiscal concedido às empresas tributáveis em Espanha a fim de permitir a estas últimas amortizar a mais‑valia resultante da aquisição de participações em empresas estrangeiras, incompatível com o mercado comum, quando aplicado a aquisições de participações em empresas estabelecidas na União. No artigo 4.o da referida decisão, a Comissão intimou o Reino de Espanha a recuperar os auxílios concedidos no âmbito desse regime.

9

Todavia, a Comissão manteve aberto o procedimento no que respeita à aquisição de participações realizadas fora da União, uma vez que as autoridades espanholas se comprometeram a apresentar elementos novos relativos aos obstáculos às fusões transfronteiriças fora da União.

10

Com a segunda decisão controvertida, a Comissão declarou o regime controvertido, que consiste num benefício fiscal concedido às empresas tributadas em Espanha a fim de permitir a estas últimas amortizar a mais‑valia resultante da aquisição de participações em empresas estrangeiras, incompatível com o mercado comum, quando aplicado a aquisições de participações em empresas estabelecidas fora da União (artigo 1.o, n.o 1, desta decisão), e intimou o Reino de Espanha a recuperar os auxílios concedidos ao abrigo desse regime (artigo 4.o da referida decisão).

Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdãos recorridos

11

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de maio de 2010, a Autogrill España SA, atualmente World Duty Free Group SA (a seguir «WDFG»), interpôs recurso de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 4.o, da primeira decisão controvertida.

12

A WDFG invocou quatro fundamentos de recurso na parte relativa ao artigo 1.o, n.o 1, dessa decisão. O primeiro é relativo a um erro de direito na aplicação feita pela Comissão da condição de seletividade, o segundo é relativo à inexistência de seletividade da medida controvertida pelo facto de a diferenciação que introduz resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que se insere, o terceiro é relativo ao facto de a medida não conferir nenhuma vantagem às sociedades às quais é aplicável o regime controvertido e o quarto é relativo a uma falta de fundamentação da referida decisão, no que respeita tanto à condição de seletividade como à condição relativa à existência de uma vantagem.

13

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de julho de 2011, o Banco Santander SA e Santusa Holding SL (a seguir «Santusa») interpuseram recurso de anulação do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 4.o da segunda decisão controvertida.

14

O Banco Santander e a Santusa invocam cinco fundamentos de recurso na parte relativa ao artigo 1.o, n.o 1, dessa decisão. O primeiro é relativo a um erro de direito na aplicação feita pela Comissão da condição de seletividade, o segundo é relativo a um erro na identificação do sistema de referência, o terceiro é relativo à inexistência de seletividade da medida controvertida pelo facto de a diferenciação que introduz resultar da natureza ou da estrutura do sistema em que se insere, o quarto é relativo ao facto de esta medida não conferir nenhuma vantagem às sociedades às quais é aplicado o regime controvertido e o quinto é relativo a uma falta de fundamentação da decisão impugnada, no que respeita tanto à condição de seletividade como à condição relativa à existência de uma vantagem.

15

Nos acórdãos recorridos, o Tribunal Geral, com base em motivos, em substância, idênticos, julgou procedente o primeiro fundamento dos dois recursos, relativo a uma aplicação errada do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, à luz da condição de seletividade, e, por conseguinte, sem examinar os outros fundamentos de recurso, anulou o artigo 1.o, n.o 1, e o artigo 4.o das decisões controvertidas.

Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular os acórdãos recorridos;

remeter os respetivos processos ao Tribunal Geral; e

reservar para final a decisão quanto às despesas.

17

A WDFG, no processo C‑20/15 P, e o Banco Santander e a Santusa, no processo C‑21/15 P, pedem ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento aos recursos, confirmar os acórdãos recorridos e condenar a Comissão nas despesas.

18

Por decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2015, a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha foram autorizados a intervir em apoio da WDFG no processo C‑20/156 P e do Banco Santander e da Santusa no processo C‑21/15 P.

19

Em contrapartida, por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2015, os pedidos de intervenção da Telefónica SA e da Iberdrola SA, em apoio da WDFG, no processo C‑20/15 P, e do Banco Santander e da Santusa, no processo C‑21/15 P, foram indeferidos.

Quanto aos presentes recursos

20

A Comissão invoca um único fundamento de recurso idêntico, dividido em duas partes, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na interpretação da condição de seletividade como referida no artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

Quanto à primeira parte do fundamento único

Argumentos das partes

21

Com a primeira parte do seu fundamento único, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao impor‑lhe, a fim de demonstrar o caráter seletivo de uma medida, a obrigação de determinar um grupo de empresas que têm características próprias.

22

A Comissão defende que, nas decisões controvertidas, respeitou estritamente o método de análise relativo à seletividade em matéria fiscal, como consagrado pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça. Assim, demonstrou que a medida controvertida constituía uma derrogação relativamente a um quadro de referência, na medida em que previa, quanto às empresas tributáveis em Espanha que efetuam aquisições de, pelo menos, 5% em sociedades com sede no estrangeiro, um tratamento fiscal distinto do aplicável às empresas tributáveis em Espanha que efetuam uma aquisição idêntica em sociedades com sede em Espanha, quando essas duas categorias de empresas se encontravam em situações comparáveis à luz do objetivo prosseguido pelo regime geral espanhol do imposto sobre as sociedades.

23

Considera que o Tribunal Geral, ao impor‑lhe o ónus adicional de demonstrar que a medida controvertida favorece determinadas empresas que podem ser identificadas devido às suas características específicas que as outras empresas não possuem, isto é, características próprias e identificáveis ex ante, cometeu um erro de direito, na medida em que, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral optou por uma conceção mais restritiva da condição de seletividade do que a consagrada pelo Tribunal de Justiça.

24

A Comissão defende, em especial, que, ao contrário do que o Tribunal Geral declarou nos n.os 57 e 58 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 61 e 62 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, as medidas podem ser qualificadas de seletivas mesmo quando se apliquem independentemente da natureza das atividades do beneficiário e preveem um benefício fiscal para determinados operadores de investimento sem fixar um montante mínimo de investimento.

25

Neste contexto, o Tribunal Geral deduziu de maneira errada do acórdão de 8 de novembro de 2011, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), que uma medida nacional cuja aplicação é independente da natureza da atividade das empresas não é, a priori, seletiva. Com efeito, a afirmação que figura no n.o 36 deste acórdão de que as «medidas nacionais tais como as que estão em causa nos processos a título principal não constituem auxílios estatais […] quando se apliquem a todas as empresas situadas no território nacional, independentemente do objeto da sua atividade» deve ser efetivamente entendida no sentido de que a inexistência de seletividade resulta do facto de a medida nacional se aplicar sem distinção a todas as empresas no Estado‑Membro em causa.

26

A Comissão acusa igualmente o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao declarar, nos n.os 59 a 62 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 63 a 66 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que uma medida como a medida controvertida não é seletiva, uma vez que está ligada à compra de bens económicos particulares, a saber, participações em sociedades estrangeiras e não exclui, a priori, nenhuma categoria de empresas do seu benefício.

27

A este respeito, o Tribunal Geral baseou‑se erradamente no acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467). Com efeito, resulta dos n.os 22 e 23 deste acórdão que, no processo que lhe deu origem, a Comissão tinha qualificado a medida em causa de seletiva quanto a determinadas empresas geograficamente circunscritas nas quais investidores privados tinham reinvestido os lucros provenientes de vendas de bens económicos e não quanto aos próprios investidores, relativamente aos quais tinha considerado que esta medida não constituía um auxílio.

28

Além disso, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter declarado nos n.os 66 a 68 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 70 a 72 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que é contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça considerar que uma medida fiscal nacional cujo benefício está subordinado a determinadas condições é seletiva, mesmo que as empresas beneficiárias não partilhem nenhuma característica própria que permita distingui‑las das outras empresas, excetuando o facto de poderem preencher as condições a que a concessão da medida está subordinada.

29

A Comissão defende que o Tribunal Geral se baseia, a este respeito, numa análise errada da jurisprudência em causa.

30

Quanto ao acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), a Comissão alega que resulta dos n.os 90 e 91 deste acórdão que este respeitava a uma situação particular em que o Tribunal de Justiça considerou seletivo o próprio regime fiscal de referência e não uma derrogação qualquer a este, na medida em que este último favorecia enquanto tal as empresas «offshore». A referência feita no referido acórdão às «propriedades específicas» de uma categoria de empresas deve, assim, ser entendida como remetendo para as características em razão das quais estas empresas eram fiscalmente favorecidas no contexto de um sistema de referência seletivo por natureza e não pode ser extrapolada para além desta situação particular.

31

No que respeita ao n.o 42 do acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia (C‑417/10, EU:C:2012:184), o Tribunal Geral não tomou em conta a segunda frase desse número, que expressa o princípio, consagrado por jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, de que uma medida é seletiva se for suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável.

32

A WDFG, o Banco Santander e a Santusa salientam, a título preliminar, que, nas decisões controvertidas, a Comissão não defendeu que a medida controvertida era seletiva de facto, pelo que, no âmbito dos presentes recursos, cabe apenas examinar as críticas dirigidas aos acórdãos recorridos na parte em que o Tribunal Geral considerou que os motivos invocados pela Comissão nessas decisões não permitiam concluir que essa medida era seletiva de jure.

33

Defendem que resulta do acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), que uma medida de que todas as empresas podem beneficiar não pode ser considerada seletiva. Em contrapartida, não se pode deduzir desse acórdão, como defende a Comissão, que uma medida nacional não é seletiva quando se aplica a todas as empresas do Estado‑Membro sem exceção, uma vez que, na aplicação dessa tese, a quase totalidade das regras fiscais devem ser consideradas seletivas.

34

A WDFG, o Banco Santander e a Santusa contestam igualmente a tese da Comissão de que as medidas fiscais nacionais tinham já, várias vezes, sido qualificadas de seletivas, mesmo que não fixassem nenhum montante mínimo de investimento e que não se aplicassem independentemente da natureza das atividades do beneficiário. Em todo o caso, a medida controvertida, na medida em que concede um benefício fiscal a qualquer empresa que o pretenda obter, independentemente da categoria a que pertença, não pode por este único facto ser considerada, prima facie e de jure, seletiva.

35

O Tribunal Geral baseou‑se corretamente no acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467), uma vez que, na decisão em causa nesse acórdão, a Comissão tinha expressamente admitido a inexistência de seletividade da medida nacional no que respeita aos investidores em causa, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça.

36

Além disso, na sua prática decisória, a Comissão já excluiu, várias vezes, a seletividade de medidas fiscais ao aplicar este mesmo critério, a saber, o da inexistência de seletividade de medidas gerais, aplicáveis sem distinção a qualquer empresa e de que qualquer sujeito passivo pode beneficiar.

37

Por outro lado, a aplicação deste critério não conduz a concluir pela inexistência de seletividade das medidas relativas à compra de determinados ativos evocados pela Comissão. Estas medidas podem ser qualificadas de seletivas se se demonstrar que beneficiam de facto certas empresas e excluem outras. Em todo o caso, a sua seletividade resulta não da natureza dos ativos adquiridos, mas do facto de ser permitido considerar que os compradores em causa formam uma categoria particular.

38

Quanto ao acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), a WDFG, o Banco Santander e a Santusa consideram que o Tribunal Geral declarou corretamente que a medida em causa no processo que deu origem a esse acórdão difere da que está em causa no caso em apreço, uma vez que se destina a conferir uma vantagem a uma categoria distinta e identificável de empresas, a saber, as empresas que efetuam atividades de exportação.

39

Além disso, resulta claramente do acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), em especial do seu n.o 104, que uma medida apenas pode ser qualificada de seletiva se beneficiar uma categoria de empresas que partilha «propriedades» que lhe são «específicas». Por outro lado, resulta desse acórdão que a identificação de uma derrogação a um regime comum não é um fim em si. Apenas importa o efeito real da medida, a saber, o facto de beneficiar ou não empresas ou produções determinadas.

40

A WDFG, o Banco Santader e a Santusa alegam que a interpretação do acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia (C‑417/10, EU:C:2012:184), preconizada pela Comissão, também não pode ser acolhida. Por um lado, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça não validou a definição de um sistema de referência e uma derrogação relativamente a este. Por outro lado, esse acórdão não permite considerar que uma medida é seletiva por as empresas que preenchem as condições para dela beneficiar formarem uma categoria distinta.

41

Por último, o Tribunal Geral decidiu corretamente que uma medida não pode ser qualificada de seletiva, na aceção do artigo 107.o TFUE, se o seu benefício depender de um comportamento que é prima facie autorizado a qualquer empresa, independentemente do setor de atividade desta última. Tal resulta da conclusão pela inexistência de seletividade de uma medida nacional quanto a investidores, efetuada no acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467).

42

O Reino de Espanha defende que o acórdão de 8 de novembro de 2011, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), confirma a posição adotada pelas autoridades espanholas durante o procedimento administrativo na Comissão, segundo a qual uma vantagem económica apenas pode ser qualificada de auxílio se favorecer «certas empresas ou certas produções», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

43

Ora, durante o referido procedimento administrativo, as autoridades espanholas demonstraram o caráter geralmente acessível da medida controvertida, por esta ter sido aplicada a empresas ativas em setores de atividade muito diferentes, confirmando, assim, a análise exposta nos acórdãos recorridos e o facto de que a Comissão não tinha demonstrado o caráter seletivo desta medida nas decisões controvertidas.

44

A Irlanda defende que, contrariamente ao que alega a Comissão, o Tribunal Geral não deduziu dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2011, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), e do Tribunal Geral, de 6 de março de 2002, Diputación Foral de Álava e o./Comissão (T‑92/00 e T‑103/00, EU:T:2002:61), e de 9 de setembro de 2009, Diputación Foral de Álava e o./Comissão (T‑227/01 a T‑229/01, T‑265/01, T‑266/01 e T‑270/01, EU:T:2009:315), que apenas as medidas cuja aplicação estava ligada à natureza das atividades da empresa ou cuja aplicação estava subordinada a um montante mínimo eram seletivas, mas considerou que a seletividade não podia ser demonstrada, tratando‑se de uma medida de que todas as empresas com domicílio fiscal em Espanha e que efetuam uma aquisição de, pelo menos, 5% numa empresa estrangeira podiam beneficiar, independentemente da natureza das suas atividades e dos montantes investidos.

45

O Tribunal Geral baseou‑se corretamente no acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), para declarar que era necessário, para que uma diferenciação fiscal pudesse ser qualificada de auxílio, identificar, em razão das suas propriedades específicas, uma categoria particular de empresas que dela pudessem beneficiar. A condição de seletividade, como prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, deve, além disso, ser definida da mesma maneira em todos os processos respeitantes a alegados auxílios de Estado de natureza fiscal. Por conseguinte, o princípio expressamente consagrado no n.o 104 do referido acórdão não pode estar limitado a uma situação em que um regime fiscal considerado na sua totalidade apresenta um caráter seletivo.

46

A Irlanda considera que medidas como a medida controvertida, que não excluem, a priori, nenhuma empresa nem nenhum setor económico particular do âmbito dos seus beneficiários, não podem ser consideradas seletivas. Além disso, a Comissão já se baseou, várias vezes, nesse motivo para caracterizar a inexistência de seletividade de determinadas medidas nacionais.

47

A República Federal da Alemanha defende que a existência, mesmo que se presuma demonstrada, de uma derrogação ou exceção ao quadro de referência identificado pela Comissão não permite, por si só, determinar que a medida controvertida favorece «certas empresas ou certas produções», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

48

Pelo contrário, daí decorre unicamente que essa medida parece ser uma subvenção. Consequentemente, depois de apurar se a medida apresenta um caráter derrogatório, há que, de acordo com a jurisprudência, em especial, com o acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), e como o Tribunal Geral declarou corretamente nos acórdãos recorridos, verificar, numa segunda fase, se a categoria de contribuintes beneficiados através de uma medida fiscal agrupa empresas ou produções suficientemente específicas na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

49

Assim, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a categoria de empresas a quem foi concedido um benefício fiscal é suficientemente caracterizada quando a Comissão tiver demonstrado que o benefício em causa apenas é concedido às empresas que pertencem a um único setor económico que realiza certas operações (acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑148/04, EU:C:2005:774), às empresas constituídas sob uma determinada forma jurídica (acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, EU:C:2006:8), às empresas que têm uma determinada dimensão (acórdão de 13 de fevereiro de 2003, Espanha/Comissão, C‑409/00, EU:C:2003:92) ou ainda às empresas cuja sede social esteja situada fora do território regional (acórdão de 17 de novembro de 2009, Presidente del Consiglio dei Ministri, C‑169/08, EU:C:2009:709).

50

A República Federal da Alemanha recorda que o Tribunal de Justiça já admitiu que um benefício fiscal de que gozavam os sujeitos passivos, que vendiam determinados bens económicos e que podiam deduzir o lucro daí resultante em caso de aquisição de outros bens económicos, lhes conferia uma vantagem que, enquanto medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos, não podia ser qualificada de auxílio de Estado (acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 22).

51

Por maioria de razão ainda, não deve ser considerada seletiva uma medida fiscal, como a medida controvertida, cuja aplicação está ligada de maneira geral a uma determinada categoria de operações abrangidas pelo direito das sociedades, no caso vertente, aquisições de participações, que são independentes do objeto social e das atividades de exploração da empresa.

52

Por último, os Estados‑Membros intervenientes nos presentes processos defendem que, se a condição de seletividade da medida nacional para efeitos da sua qualificação de auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, for entendida no sentido amplo preconizado pela Comissão nos seus recursos, tal teria como consequência perturbar o equilíbrio institucional da União. Com efeito, se fosse atribuído esse alcance à condição de seletividade, a Comissão poderia fiscalizar a quase totalidade das medidas de fiscalidade direta devido às suas competências em matéria de auxílios de Estado, quando a fiscalidade direta é, em princípio, da competência legislativa dos Estados‑Membros.

Apreciação do Tribunal de Justiça

53

A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma medida nacional de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, exige que todas as seguintes condições estejam preenchidas. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos do Estado. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v., designadamente, acórdão de 16 de julho de 2015, BVVG, C‑39/14, EU:C:2015:470, n.o 24).

54

No que respeita à condição de seletividade da vantagem que é constitutiva do conceito de «auxílio de Estado» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, resulta de jurisprudência igualmente constante do Tribunal de Justiça que a apreciação desta condição impõe determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, em situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a uma tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (v., designadamente, acórdãos de 28 de julho de 2011, Mediaset/Comissão, C‑403/10 P, não publicado, EU:C:2011:533, n.o 36; de15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 75 e 101; de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.os 53 a 55; e de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 59).

55

Além disso, quando a medida em causa é encarada como um regime de auxílio e não como um auxílio individual, cabe à Comissão demonstrar que esta medida, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos setores de atividade (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.os 49 e 50).

56

Tratando‑se, em especial, de medidas nacionais que conferem um benefício fiscal, há que recordar que uma medida desta natureza que, embora não incluindo uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação mais favorável do que a dos outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e constitui, por conseguinte, um auxílio do Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, não constitui tal auxílio na aceção desta disposição, um benefício fiscal que resulta de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 18 de julho de 2013, P, C‑6/12, EU:C:2013:525, n.o 18).

57

Neste contexto, para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», a Comissão deve identificar, num primeiro tempo, o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa e demonstrar, num segundo tempo, que a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (v., neste sentido, designadamente, acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

58

O conceito de «auxílio de Estado» não abrange as medidas que introduzem uma diferenciação entre empresas que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime jurídico em causa, numa situação factual e jurídica comparável e, por conseguinte, a priori, seletivas, quando o Estado‑Membro em causa conseguir demonstrar que esta diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 29 de abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, EU:C:2004:246, n.os 42 e 43; de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.os 64 e 65, e de 29 de março de 2012, 3M Italia, C‑417/10, EU:C:2012:184, n.o 40).

59

Além disso, há que recordar que o facto de apenas os contribuintes que preenchem as condições de aplicação de uma medida poderem dela beneficiar não confere, por si só, um caráter seletivo a essa medida (acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia, C‑417/10, EU:C:2012:184, n.o 42).

60

Resulta das considerações precedentes que o parâmetro pertinente para demonstrar a seletividade da medida em causa consiste em verificar se a mesma introduz, entre operadores que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal geral em causa, numa situação factual e jurídica comparável, uma diferenciação não justificada pela natureza e pela economia desse regime (v., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 61).

61

É à luz destas considerações que há que examinar se, no caso vertente, o Tribunal Geral violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, como interpretado pelo Tribunal de Justiça, ao considerar que, nas decisões controvertidas, a Comissão não tinha demonstrado de forma juridicamente bastante que a medida controvertida conferia uma vantagem seletiva a «certas empresas ou [a] certas produções».

62

No caso em apreço, a medida controvertida prevê um benefício fiscal que consiste numa dedução da base tributável do imposto sobre as sociedades sob a forma de amortização da mais‑valia resultante de aquisições de participações de, pelo menos, 5% por empresas com domicílio fiscal em Espanha em empresas com o domicílio fiscal fora deste Estado‑Membro. Deve considerar‑se que esta medida, dado que é suscetível de beneficiar todas as referidas empresas que efetuam essas operações, constitui um regime de auxílio. Assim, incumbia à Comissão demonstrar que esta medida, não obstante o facto de conferir uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos setores de atividade.

63

A este respeito, o Tribunal Geral expôs, no n.o 50 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e no n.o 54 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que a Comissão, para demonstrar o caráter seletivo da medida controvertida, se baseou, nas decisões controvertidas, a título principal, no fundamento de que esta constitui uma derrogação relativamente a um quadro de referência, uma vez que esta medida tinha como consequência aplicar às empresas tributáveis em Espanha que efetuam aquisições de participações em sociedades com sede no estrangeiro um tratamento fiscal distinto do aplicado às empresas tributáveis em Espanha que efetuam essas aquisições em sociedades com sede em Espanha, apesar de estas duas categorias de empresas se encontrarem em situações comparáveis à luz do objetivo prosseguido pelo referido quadro de referência, a saber, o sistema espanhol de tributação geral do rendimento das sociedades, mais concretamente, as regras respeitantes ao tratamento fiscal da diferença relativamente ao valor do património (financial goodwill) do referido sistema fiscal.

64

O Tribunal Geral considerou, no n.o 51 do acórdão recorrido Autogrill Espanã/Comissão e no n.o 55 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que a Comissão tinha, assim, aplicado o método de análise resultante da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral recordado, respetivamente, nos n.os 29 a 33 do acórdão recorrido Autogrill Espanã/Comissão e nos n.os 33 a 37 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que corresponde, em substância, à jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 53 a 60 do presente acórdão.

65

Ora, nos n.os 44, 45, 52 e 53 do acórdão recorrido Autogrill Espanã/Comissão e nos n.os 48, 49, 56 e 57 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, o Tribunal Geral considera que a existência, mesmo que se presuma demonstrada, de uma derrogação ou de uma exceção ao quadro de referência identificado pela Comissão, não permitia, por si só, demonstrar que a medida controvertida favorecia «certas empresas ou certas produções» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que esta medida era acessível, a priori, a qualquer empresa e visava não uma categoria particular de empresas, que tivessem sido as únicas favorecidas por essa medida, mas uma categoria de operações económicas.

66

No entanto, há que constatar que este raciocínio assenta numa aplicação errada da condição de seletividade prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, como foi recordado no presente acórdão.

67

Com efeito, como resulta dos n.os 53 a 60 do presente acórdão, tratando‑se de uma medida nacional que confere um benefício fiscal de alcance geral, como a medida controvertida, este critério está preenchido quando a Comissão conseguir demonstrar que esta medida derroga o sistema fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedido o benefício fiscal e os que dele são excluídos se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável.

68

Resulta dos acórdãos recorridos que a Comissão se baseou, nas decisões controvertidas, para demonstrar o caráter seletivo da medida controvertida, na desigualdade de tratamento entre as empresas residentes que esta medida implicava. Com efeito, através da sua aplicação, apenas as empresas residentes que adquiriam participações de, pelo menos, 5% em sociedades estrangeiras podiam, em determinadas condições, obter o benefício fiscal em causa, ao passo que as empresas residentes que efetuam essa aquisição de participação em empresas tributáveis em Espanha não podiam obter esse benefício, apesar de, segundo a Comissão, se encontrarem numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum espanhol.

69

Ora, o Tribunal Geral considerou que a medida controvertida, por não visar nenhuma categoria particular de empresas ou de produções, por a sua aplicação ser independente da natureza da atividade das empresas ou por ser acessível, a priori ou potencialmente, a todas as empresas que pretendessem obter participações de, pelo menos, 5% em sociedades estrangeiras e que detivessem essas participações de maneira interrupta durante pelo menos um ano, devia ser considerada não uma medida seletiva, mas uma medida geral na aceção da jurisprudência recordada no n.o 56 do presente acórdão. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

70

Assim, nos n.os 41, 45, 67 e 68 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 45, 49, 71 e 72 do acórdão recorrido Banco Sanander e Santusa/Comissão, o Tribunal Geral considerou que, a respeito de uma medida, a priori, acessível a qualquer empresa, para que esteja preenchida a condição de seletividade de uma medida nacional para efeitos do reconhecimento de um auxílio de Estado, uma categoria particular de empresas, que são as únicas favorecidas pela medida em causa e que podem ser distinguidas devido a propriedades específicas, comuns e próprias, deve, em todos os casos, ser identificada.

71

Todavia, essa exigência adicional de identificação de uma categoria particular de empresas, que acresceria ao método de análise aplicável à seletividade em matéria fiscal que resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, que consiste, no essencial, em verificar se a exclusão de certos operadores da obtenção de um benefício fiscal resultante de uma medida que derroga um regime comum fiscal constitui um tratamento discriminatório quanto a estas, não pode ser deduzida da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial, do acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732).

72

É certo que, no n.o 104 deste acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), o Tribunal de Justiça considerou que, a fim de poderem ser reconhecidos como conferindo vantagens seletivas, os critérios que constituem os valores tributáveis previstos num sistema fiscal também devem ser suscetíveis de caracterizar as empresas beneficiárias em virtude das propriedades que lhes são específicas enquanto categoria privilegiada, permitindo, assim, a qualificação deste regime como favorecendo «certas» empresas ou «certas» produções, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

73

Todavia, este fundamento do acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P EU:C:2011:732), deve ser lido no contexto de todos os fundamentos de que faz parte e que figuram nos n.os 87 a 108 desse acórdão.

74

Resulta, assim, de uma leitura de todos esses fundamentos que a medida em causa no referido acórdão se apresentava sob a forma não de um benefício fiscal que derroga um regime fiscal comum mas de aplicação de um regime fiscal «geral» que assenta em critérios, em si, igualmente de natureza geral. O Tribunal de Justiça declarou que a natureza desse regime não se opunha à declaração do caráter seletivo da medida em causa, contrariamente ao que tinha declarado o Tribunal Geral, uma vez que a condição de seletividade tem um alcance mais amplo que inclui medidas que, pelos seus efeitos, favorecem certas empresas, no caso vertente, sociedades «offshore» em razão de características próprias e específicas dessas empresas. A referida medida procedia, assim, a uma discriminação de facto entre empresas que se encontravam numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, no caso vertente, o de introduzir uma tributação generalizada de todas as sociedades residentes.

75

Em contrapartida, como já foi exposto no n.o 63 do presente acórdão, nas decisões controvertidas, a Comissão, para demonstrar o caráter seletivo da medida controvertida, baseou‑se, a título principal, no fundamento da desigualdade de tratamento que decorre dessa medida, uma vez que confere um benefício fiscal a certas empresas residentes e não a outras que são abrangidas pelo regime fiscal comum a que a medida controvertida derroga.

76

Assim, embora decorra do acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), que a seletividade de uma medida fiscal pode ser demonstrada mesmo que esta não constitua uma derrogação ao regime comum fiscal, mas faça parte integrante deste, não é menos verdade que esse acórdão se insere na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada no n.o 57 do presente acórdão, segundo a qual basta, para demonstrar a seletividade de uma medida derrogatória a um regime fiscal comum, que se demonstre que esta beneficia certos operadores e não outros, apesar de todos esses operadores se encontrarem numa situação objetivamente comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum.

77

Com efeito, embora, para demonstrar a seletividade de uma medida fiscal, não seja sempre necessário que esta tenha um caráter derrogatório em relação a um regime fiscal comum, a circunstância de esta apresentar esse caráter é absolutamente pertinente para esse efeito quando daí decorre que duas categorias de operadores são distinguidas e são, a priori, objeto de um tratamento diferenciado, a saber, os abrangidos pela medida derrogatória e os que continuam a ser abrangidos pelo regime fiscal comum, mesmo quando essas duas categorias se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime.

78

Ao contrário do que o Tribunal Geral decidiu nos acórdãos recorridos, não se pode exigir, para demonstrar a seletividade dessa medida, que a Comissão identifique determinadas características próprias e específicas comuns às empresas que obtêm o benefício fiscal, que permitem distingui‑las das que dele são excluídas.

79

Com efeito, apenas importa, a este respeito, o facto de a medida, independentemente da sua forma ou da técnica regulamentar utilizada, ter como efeito colocar as empresas beneficiárias numa situação mais vantajosa que a de outras empresas, mesmo quando todas essas empresas se encontram numa situação factual e juridicamente comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa.

80

Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a circunstância de o número de empresas passível de beneficiar de uma medida nacional ser muito significativo, ou de essas empresas pertencerem a setores de atividade diferentes, não basta para pôr em causa o caráter seletivo dessa medida e, por conseguinte, para afastar a qualificação de auxílio de Estado (v., designadamente, acórdãos de 13 de fevereiro de 2003, Espanha/Comissão, C‑409/00, EU:C:2003:92, n.o 48, e de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, C‑279/08 P, EU:C:2011:551, n.o 50).

81

Assim, ao contrário do que o Tribunal Geral decidiu nos n.os 53 a 58 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 57 a 62 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, o eventual caráter seletivo da medida controvertida não é de forma alguma posto em causa pelo facto de o requisito essencial para a obtenção do benefício fiscal conferido por essa medida visar uma operação económica, mais especialmente uma «operação puramente financeira», que não é acompanhada de um montante mínimo de investimento e que é independente da natureza da atividade das empresas beneficiárias.

82

Neste contexto, ao contrário do que o Tribunal Geral decidiu no n.o 57 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e no n.o 61 do acórdão recorrido Banco Santandre e Santusa/Comissão, não se pode deduzir do n.o 36 do acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), nos termos do qual as medidas não são seletivas quando se apliquem a todas as empresas situadas no território nacional, «independentemente do objeto da sua atividade», que uma medida cuja aplicação é independente da natureza da atividade das empresas não é, a priori, seletiva.

83

Com efeito, resulta de uma leitura de todos os fundamentos deste acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), que o Tribunal de Justiça, nesse n.o 36, lido à luz do n.o 35 do mesmo acórdão, considerou que medidas nacionais, como as que estão em causa neste processo, estavam desprovidas de caráter seletivo, uma vez que se aplicavam sem distinção a todas as empresas do Estado‑Membro em causa e constituíam, por isso, uma medida geral na aceção da jurisprudência recordada no n.o 56 do presente acórdão.

84

Importa igualmente precisar que, embora o Tribunal de Justiça, no referido n.o 36 do acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598), tenha feito referência ao objeto da atividade das empresas que beneficiam das medidas nacionais, essa referência se explica pelos termos da segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo que deu origem a esse acórdão. Tal é confirmado pelo facto de esta referência não existir nos acórdãos posteriores do Tribunal de Justiça que recordam o referido princípio (v., designadamente, acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 73, e de 29 de março de 2012, 3M Italia, C‑417/10, EU:C:2012:184, n.o 39).

85

Além disso, é verdade, como o Tribunal Geral recordou no n.o 66 do acórdão recorrido Autogrill Espanã/Comissão e no n.o 70 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 42 do acórdão de 29 de março de 2012, 3M Italia (C‑417/10, EU:C:2012:184), que o facto de apenas os contribuintes que preenchem as condições de obtenção da medida em causa neste processo poderem beneficiar desta medida não lhe conferia, por si só, um caráter seletivo. Todavia, há que constatar que, no mesmo n.o 42, o Tribunal de Justiça precisou expressamente que essa inexistência de caráter seletivo resultava da constatação de que as pessoas que não podiam reivindicar beneficiar da medida em causa não se encontravam numa situação factual e jurídica comparável à dos contribuintes que a podiam reivindicar, à luz do objetivo prosseguido pelo legislador nacional.

86

Daí decorre que uma condição de aplicação ou de obtenção de um auxílio fiscal pode justificar o caráter seletivo desse auxílio se essa condição levar a efetuar uma diferenciação entre empresas que se encontram, todavia, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa, numa situação factual e jurídica comparável, e se, por conseguinte, a mesma revelar a existência de uma discriminação relativamente às empresas que dele são excluídas.

87

Além disso, embora, como sublinha o Tribunal Geral nos acórdãos recorridos, o benefício fiscal que a medida controvertida comporta possa ser obtido sem que um montante mínimo seja investido e, na prática, esta medida não reserve, por conseguinte, a obtenção do benefício fiscal a empresas que dispõem de recursos financeiros suficientes, estas circunstâncias não se opõem ao reconhecimento de um eventual caráter seletivo desta por outros motivos, como o facto de as empresas residentes que efetuam aquisições de participações em sociedades com domicílio fiscal em Espanha não poderem obter esse benefício.

88

Além disso, a este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que uma medida fiscal, da qual beneficiavam unicamente as empresas que efetuavam as operações nela visadas e não as empresas do mesmo setor que não efetuavam essas operações, podia ser qualificada de seletiva sem que houvesse que apreciar se essa medida favorecia mais as empresas de grande dimensão (v., neste sentido, acórdão de 15 de dezembro de 2005, Unicredito Italiano, C‑184/04, EU:C:2005:774, n.os 47 a 50).

89

Ao contrário do que o Tribunal Geral afirmou nos n.os 59 a 62 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 63 a 66 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, não resulta do acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467) nenhuma indicação contrária quanto à análise da condição de seletividade de uma medida fiscal.

90

Com efeito, resulta dos n.os 22 e 23 do acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão (C‑156/98, EU:C:2000:467), que, no processo que lhe deu origem, a Comissão tinha qualificado a medida em causa de seletiva quanto a certas empresas geograficamente circunscritas em que investidores privados tinham reinvestido os lucros resultantes das vendas de bens económicos e não quanto aos próprios sujeitos referidos, em relação aos quais tinha considerado que esta medida não constituía um auxílio, uma vez que, enquanto medida geral, beneficiava todos os operadores sem distinção, apreciação que não tinha sido posta em causa no Tribunal de Justiça e sobre a qual este não tinha, então, de decidir.

91

Em todo o caso, a situação dos referidos investidores privados não pode ser equiparada à das empresas residentes que podem beneficiar da medida controvertida.

92

Com efeito, nas decisões controvertidas, a Comissão, para qualificar a medida controvertida de medida seletiva, invocou o facto de o benefício fiscal conferido por essa medida não beneficiar indistintamente todos os operadores económicos que se encontrem objetivamente numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum espanhol, uma vez que as empresas residentes que efetuam aquisições de participações do mesmo tipo em sociedades com domicílio fiscal em Espanha não podem obter esse benefício. Em seguida, a Comissão considerou que a justificação desta diferenciação entre os operadores, invocada pelo Reino de Espanha, relativa à natureza ou à economia geral do sistema de que a referida medida faz parte, não pode ser acolhida.

93

Decorre das considerações precedentes que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao anular parcialmente as decisões controvertidas por a Comissão não ter determinado uma dada categoria de empresas favorecidas pela medida fiscal em causa, sem verificar se a Comissão, na aplicação do método de exame recordado nos n.os 29 a 33 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 33 a 37 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão e que deve ser utilizado para examinar o critério relativo à seletividade da medida controvertida, tinha efetivamente analisado e demonstrado o caráter discriminatório desta medida.

94

Embora seja certo que este exame deve ser efetuado de maneira rigorosa e suficientemente fundamentada a fim de permitir uma fiscalização jurisdicional completa, designadamente quanto ao caráter comparável da situação dos operadores que beneficiam da medida com a dos operadores que dela estão excluídos e, se for caso disso, quanto à justificação de uma desigualdade de tratamento invocada pelo Estado‑Membro, não é menos verdade que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não efetuar essa verificação e ao considerar, nos acórdãos recorridos, que o método de exame aplicado pela Comissão nas decisões controvertidas, na medida em que não incluía a determinação de uma categoria particular de empresas que eram as únicas a ser favorecidas pela medida fiscal em causa, procedia de uma interpretação errada da condição de seletividade como prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

95

Por conseguinte, a primeira parte do fundamento único da Comissão é julgada procedente.

Quanto à segunda parte do fundamento único

Argumentos das partes

96

Com a segunda parte do seu fundamento único, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito na aplicação da jurisprudência relativa aos auxílios à exportação e de ter introduzido uma distinção artificial entre os auxílios à exportação e os auxílios à exportação de capitais.

97

Em primeiro lugar, relativamente à jurisprudência relativa aos auxílios à exportação invocada nas decisões controvertidas, em especial, os acórdãos de 10 de dezembro de 1969, Comissão/França (6/69 e 11/69, não publicado, EU:C:1969:68), de 7 de junho de 1988, Grécia/Comissão (57/86, EU:C:1988:284), e de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), a Comissão defende que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 69 a 76 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 73 a 80 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que esta jurisprudência respeita não à condição de seletividade de uma medida nacional, mas unicamente ao facto de a concorrência e de as trocas comerciais serem afetadas.

98

Resulta dos acórdãos referidos no número precedente que o Tribunal de Justiça considerou que as medidas fiscais em causa apresentavam um caráter seletivo, por o seu benefício estar reservado às empresas que efetuam operações no estrangeiro, tais como investimentos, e não às empresas que efetuam operações semelhantes de âmbito nacional. Daí decorre que qualquer medida que favoreça as operações transfronteiriças, mas que exclui as mesmas operações de âmbito nacional, é seletiva.

99

Em segundo lugar, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter introduzido, nos n.os 79 e 81 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 83 a 85 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, uma distinção artificial entre os auxílios à exportação e os auxílios à exportação de capitais ao considerar que resultava da jurisprudência relativa aos auxílios à exportação invocada nas decisões controvertidas, em especial dos acórdãos de 10 dezembro de 1969, Comissão/França (6/69 e 11/69, não publicado, EU:C:1969:68), de 7 de junho de 1988, Grécia/Comissão (57/86, EU:C:1988:284), e de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), que «a categoria das empresas beneficiárias [que permitia] concluir pela seletividade da medida [controvertida] era constituída pela categoria das empresas exportadoras», categoria que agrupa empresas que podiam ser distinguidas pelo facto de terem características comuns ligadas à sua atividade de exportação.

100

Segundo a Comissão, as empresas visadas pela medida controvertida constituem uma categoria distinta de empresas, a saber, a das empresas exportadoras de capitais, uma vez que partilham características específicas comuns ligadas à sua atividade de exportação de capitais.

101

Considera que, uma vez que, à luz da condição de seletividade, não existe nenhuma diferença entre a exportação de bens e a exportação de capitais, a medida controvertida apresentava um caráter seletivo ao mesmo título que as medidas em causa na jurisprudência relativa aos auxílios à exportação invocada nas decisões controvertidas.

102

A Comissão defende que a categoria das empresas exportadoras não existe fora do grupo composto por empresas que realizam operações transfronteiriças. Qualquer empresa de um Estado‑Membro pode efetuar uma operação transfronteiriça e, assim, beneficiar de um regime de auxílios à exportação. Considera que o caráter seletivo de uma medida nacional pode ser conferido pela vantagem, concedida ao seu beneficiário, em razão da realização de uma operação de exportação, de bens, de serviços ou de capitais, e não em razão do facto de as empresas em causa pertencerem a um alegado setor de exportação.

103

Assim, à semelhança do que o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), numa situação comparável à do caso em apreço, o Tribunal Geral devia ter considerado que a Comissão tinha corretamente demonstrado o caráter seletivo da medida controvertida por o seu benefício estar reservado a certas empresas, a saber, as que se dedicavam a atividades de exportação de capitais.

104

Por último, a abordagem do Tribunal Geral viola o papel e a finalidade da disciplina dos auxílios de Estado à luz da proteção do mercado interno. Esta disciplina tem designadamente como objeto evitar que os Estados‑Membros concedam vantagens económicas especificamente ligadas à exportação de bens ou de capitais. Ora, o facto de favorecer especificamente a exportação de capitais pode provocar distorções no mercado interno tal como acontece com o facto de favorecer especificamente as exportações de bens.

105

A WDFG, o Banco Santander e a Santusa contrapõem que o Tribunal Geral decidiu corretamente que os acórdãos do Tribunal de Justiça invocados nas decisões controvertidas respeitavam não à condição de seletividade, mas à condição relativa ao facto de as trocas comerciais serem afetadas.

106

Além disso, o Tribunal Geral considerou corretamente que, na jurisprudência relativa aos auxílios à exportação invocada nas decisões controvertidas, em especial, os acórdãos de 10 de dezembro de 1969, Comissão/França (6/69 e 11/69, não publicado, EU:C:1969:68), de 7 de junho de 1988, Grécia/Comissão (57/86, EU:C:1988:284), e de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), o Tribunal de Justiça entendeu que as medidas em causa apresentavam um caráter seletivo devido principalmente às características comuns das empresas beneficiárias, que permitia considerá‑las como pertencendo a um setor definido da economia, a saber, o da exportação, mais especialmente a exportação de bens. As medidas em causa nos processos que deram origem aos referidos acórdãos favoreciam empresas que se caracterizavam pelo facto de exportarem uma parte mais ou menos significativa dos seus bens ou dos seus serviços.

107

A WDFG, o Banco Santander e a Santusa alegam que a medida controvertida não pode, além disso, ser considerada seletiva por se aplicar à categoria de empresas ditas «exportadoras de capital».

108

Essa categoria não existe e a Comissão não a invocou nas decisões controvertidas nem no Tribunal Geral. Este argumento é inadmissível na fase do recurso, uma vez que se trata de uma questão de facto que é, aliás, invocada tardiamente. Além disso, contradiz a argumentação principal da Comissão de que esta não estava obrigada a identificar uma categoria de empresas visada por uma medida a fim de demonstrar a seletividade dessa medida.

109

Em todo o caso, a WDFG, o Banco Santander e a Santusa defendem que a seletividade de uma medida nacional não pode ser invocada com base em características como o capital de uma empresa ou a sua capacidade de investimento, uma vez que essas características são consubstanciais a qualquer empresa.

110

Além disso, as regras em matéria de livre circulação de capitais não se opõem a uma medida como a medida controvertida. Se esta medida incluísse um tratamento diferenciado que favorecesse as aquisições de participações no estrangeiro, tratar‑se‑ia, no máximo, de uma discriminação invertida que é compatível com as liberdades fundamentais.

111

O Reino de Espanha reitera a sua posição, já avançada durante o procedimento administrativo na Comissão, de que não existe atividade económica que consista na exportação de capital. A medida controvertida não favorecia certas empresas ou certas produções, na medida em que não visa a oferta de bens e serviços no mercado.

112

A Irlanda defende que os acórdãos invocados pela Comissão nas decisões controvertidas respeitavam a medidas que favoreciam uma categoria facilmente identificável de empresas ou de produções, a saber, a que constitui o setor da exportação. Em contrapartida, não existe categoria uniforme de empresas que «exportam capitais», uma vez que qualquer empresa que realiza uma aquisição no estrangeiro «exporta capitais».

113

A República Federal da Alemanha alega que o facto de a Comissão defender a título subsidiário que a medida controvertida é comparável a uma medida de auxílio à exportação de bens e visa, assim, igualmente, a categoria suficientemente delimitada das empresas exportadoras, deve ser considerado uma fundamentação complementar e, a posteriori, das decisões controvertidas. Considera que este argumento deve ser declarado inadmissível na fase do recurso.

114

De acordo com este Estado‑Membro, a categoria das empresas exportadoras em causa na jurisprudência invocada pela Comissão nas decisões controvertidas distingue‑se das outras empresas em razão de características comuns ligadas à sua atividade de exportação que, se for caso disso, estava associada à realização de investimentos específicos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

115

Quanto à jurisprudência relativa aos auxílios à exportação invocada nas decisões controvertidas, em especial, os acórdãos de 10 de dezembro de 1969, Comissão/França (6/69 e 11/69, não publicado, EU:C:1969:68), de 7 de junho de 1988, Grécia/Comissão (57/86, EU:C:1988:284), e de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), há que constatar que, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 126 a 130 das suas conclusões, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 69 a 76 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 73 a 80 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que esta jurisprudência respeitava não à condição de seletividade de uma medida nacional, mas unicamente à condição relativa ao facto de a concorrência e de as trocas comerciais serem afetadas.

116

Com efeito, no n.o 20 do acórdão de 10 de dezembro de 1969, Comissão/França (6/69 e 11/69, não publicado, EU:C:1969:68), e n.o 8 do acórdão de 7 de junho de 1988, Grécia/Comissão (57/86, EU:C:1988:284), o Tribunal de Justiça, ao concluir pela existência de um auxílio de Estado, considerou necessariamente que todas as condições previstas a esse respeito no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, incluindo a condição de seletividade, estavam preenchidas. Além disso, no n.o 120 do acórdão de 15 de julho de 2004, Espanha/Comissão (C‑501/00, EU:C:2004:438), o Tribunal de Justiça, ao referir‑se, designadamente, aos dois acórdãos acima referidos, expressou‑se explicitamente quanto à seletividade da medida nacional examinada ao considerar que, no caso em apreço, esta decorria do facto de que apenas as empresas que tinham atividades de exportação e realizavam certas operações de investimento no estrangeiro obtinham o benefício fiscal que essa medida comportava.

117

O Tribunal Geral cometeu igualmente um erro de direito ao considerar, nos n.os 77 a 82 do acórdão recorrido Autogrill España/Comissão e nos n.os 81 a 86 do acórdão recorrido Banco Santander e Santusa/Comissão, que a jurisprudência relativa aos auxílios à exportação invocada nas decisões controvertidas devia ser entendida no sentido de que a categoria das empresas beneficiárias à luz da qual o caráter seletivo de regimes de auxílios à exportação deve ser examinado era constituída pelas «empresas exportadoras», que deveria ser definida como uma categoria, certamente extremamente ampla, mas ainda assim particular, que agruparia as empresas que podiam ser distinguidas devido ao facto de terem características comuns e específicas ligadas à sua atividade de exportação.

118

Com efeito, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 133 e 136 das suas conclusões, esta jurisprudência não pode ser entendida no sentido de que o caráter seletivo de uma medida nacional deve necessariamente decorrer do facto de essa medida apenas beneficiar as empresas exportadoras de bens ou de serviços, mesmo se, de facto, tal pode ter sido o caso relativamente às medidas fiscais particulares em causa nos acórdãos em questão.

119

Pelo contrário, tendo em conta os princípios consagrados pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça já recordada nos n.os 53 a 60 do presente acórdão e que se aplicam plenamente aos auxílios fiscais à exportação, uma medida como a medida controvertida destinada a favorecer as exportações pode ser considerada seletiva se beneficiar as empresas que realizam operações transfronteiriças, em especial, operações de investimento, em detrimento de outras empresas que, encontrando‑se numa situação factual e jurídica comparável, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa, efetuam operações da mesma natureza no território nacional.

120

Nestas condições, a segunda parte do fundamento único é igualmente julgada procedente.

121

Consequentemente, uma vez que o fundamento único da Comissão assentava em duas partes, há que anular os acórdãos recorridos.

Quanto aos recursos no Tribunal Geral

122

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando este último anula a decisão do Tribunal Geral, pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

123

Não é o que sucede no caso em apreço, uma vez que o Tribunal Geral deu provimento aos dois recursos de anulação sem examinar três dos quatro fundamentos invocados em cada um desses recursos, fundamentos esses que, aliás, apenas se sobrepõem parcialmente, e sem ter examinado, no âmbito do primeiro fundamento dos referidos recursos, se as empresas que não preenchiam as condições para a obtenção do benefício fiscal conferido pela medida controvertida se encontravam, à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal em causa, numa situação jurídica e factual comparável às das empresas favorecidas por essa medida. Além disso, a análise desses fundamentos é suscetível de implicar a apreciação de elementos factuais. Há, assim, que remeter o processo ao Tribunal Geral.

Quanto às despesas

124

Tendo os processos sido remetidos ao Tribunal Geral, importa reservar para final a decisão quanto às despesas.

125

Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha, que intervieram no litígio, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

Os acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T‑219/10, EU:T:2014:939), e de 7 de novembro de 2014, Banco Santander e Santusa/Comissão (T‑399/11, EU:T:2014:938), são anulados.

 

2)

Os processos são remetidos ao Tribunal Geral da União Europeia.

 

3)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

 

4)

A República Federal da Alemanha, a Irlanda e o Reino de Espanha suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: espanhol.