CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 4 de abril de 2017 ( 1 )

Processo C‑612/15

Processo penal

contra

Nikolay Kolev,

Milko Hristov,

Stefan Kostadinov

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Processo penal — Diretiva 2012/13/UE — Direito de ser informado da acusação contra si formulada — Direito de acesso aos elementos do processo — Diretiva 2013/48/UE — Direito de acesso a um advogado — Fraude lesiva dos interesses financeiros da União Europeia — Infrações penais — Sanções efetivas e dissuasivas — Prazo perentório — Arquivamento do processo penal sem exame de mérito da acusação — Direito a um processo equitativo — Direito de defesa — Prazo razoável»

1.

O presente processo constitui uma oportunidade para o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre conceitos fundamentais do direito penal. Assim, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado, Bulgária) pede‑lhe que declare se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que impõe que, uma vez decorrido o prazo de mais de dois anos sobre o início da fase de inquérito e a requerimento do interessado, o juiz decida o arquivamento do procedimento criminal instaurado contra aquele, independentemente da gravidade do processo e sem que seja possível mitigar a obstrução deliberadamente provocada pelos acusados. O Tribunal de Justiça é chamado a examinar quais seriam, nestas circunstâncias, as consequências de uma eventual incompatibilidade dessa regulamentação nacional com o direito da União.

2.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça várias questões relativas ao momento em que o acusado deve ser informado da acusação contra ele formulada e ao momento em que o mesmo, ou o seu advogado, deve ter acesso aos elementos do processo. Por último, o Tribunal de Justiça é convidado a examinar a questão de saber se é contrária ao direito da União uma disposição nacional que prevê que um advogado que defenda arguidos que tenham interesses contrários no âmbito de um mesmo processo deve ser afastado deste e substituído por um defensor oficioso.

I – Quadro jurídico

A –   Direito da União

1. Direito primário

3.

O artigo 325.o TFUE dispõe:

«1.   A União [Europeia] e os Estados‑Membros combaterão as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União, por meio de medidas a tomar ao abrigo do presente artigo, que tenham um efeito dissuasor e proporcionem uma proteção efetiva nos Estados‑Membros, bem como nas instituições, órgãos e organismos da União.

2.   Para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, os Estados‑Membros tomarão medidas análogas às que tomarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros.

[…]

4.   O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta ao Tribunal de Contas, adotarão as medidas necessárias nos domínios da prevenção e combate das fraudes lesivas dos interesses financeiros da União, tendo em vista proporcionar uma proteção efetiva e equivalente nos Estados‑Membros, bem como nas instituições, órgãos e organismos da União.

[…]»

2. Direito derivado

a) Regulamento (CE) n.o 450/2008

4.

Nos termos do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) ( 2 ), «[c]ada Estado‑Membro determina as sanções aplicáveis em caso de incumprimento da legislação aduaneira comunitária. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas».

b) Convenção PIF e Primeiro Protocolo à Convenção PIF

5.

O preâmbulo da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, assinada no Luxemburgo em 26 de julho de 1995 ( 3 ), indica que as altas partes contratantes nesta convenção, Estados‑Membros da União Europeia, estão convictas «de que a proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias exige que os comportamentos fraudulentos lesivos dos referidos interesses sejam objeto de procedimento penal» ( 4 ) e «de que é necessário que esses comportamentos sejam considerados infrações penais passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, sem prejuízo da aplicação de outras sanções em determinados casos apropriados, e que se prevejam, pelo menos para os casos graves, penas privativas de liberdade» ( 5 ).

6.

O artigo 1.o, n.o 1, alínea b), primeiro travessão, e n.o 2, da Convenção PIF prevê o seguinte:

«Para efeitos da presente convenção, constitui fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias:

[…]

b)

Em matéria de receitas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos:

à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição ilegal de recursos do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou dos orçamentos geridos pelas Comunidades Europeias ou por sua conta,

[…]

2.   [C]ada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias e adequadas para transpor as disposições do n.o 1 para o direito penal interno, de modo a que os comportamentos que nelas se referem sejam considerados infrações penais.»

7.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, desta convenção:

«Cada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.o, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.o 1 do artigo 1.o, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras, incluindo, pelo menos nos casos de fraude grave, penas privativas de liberdade que possam determinar a extradição, entendendo‑se que se deve considerar fraude grave qualquer fraude relativa a um montante mínimo, a fixar em cada Estado‑Membro. Esse montante mínimo não pode ser fixado em mais de 50000 [euros].»

8.

O artigo 2.o do Protocolo estabelecido com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, da Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias ( 6 ), intitulado «Corrupção passiva», tem a seguinte redação:

«1.   Para efeitos do presente protocolo, constitui corrupção passiva o facto de um funcionário, intencionalmente, de forma direta ou por interposta pessoa, solicitar ou receber vantagens de qualquer natureza, para si próprio ou para terceiros, ou aceitar a promessa dessas vantagens, para que pratique ou se abstenha de praticar, em violação dos deveres do seu cargo, atos que caibam nas suas funções ou no exercício das mesmas e que lesem ou sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros das Comunidades Europeias.

2.   Cada Estado‑Membro deve adotar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no n.o 1 sejam considerados infrações penais.»

9.

O artigo 3.o do Primeiro Protocolo à Convenção PIF, intitulado «Corrupção ativa», enuncia:

«1.   Para efeitos do presente protocolo, constitui corrupção ativa o facto de uma pessoa prometer ou dar intencionalmente, de forma direta ou por interposta pessoa, uma vantagem de qualquer natureza a um funcionário, para este ou para terceiros, para que pratique ou se abstenha de praticar, em violação dos deveres do seu cargo, atos que caibam nas suas funções ou no exercício das mesmas e que lesem ou sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros das Comunidades Europeias.

2.   Cada Estado‑Membro deve adotar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no n.o 1 sejam considerados infrações penais.»

c) Diretiva 2012/13/UE

10.

Em conformidade com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal ( 7 ), tem por objeto «[estabelecer] regras relativas ao direito à informação dos suspeitos ou acusados sobre os seus direitos em processo penal e sobre a acusação contra eles formulada».

11.

Nos termos do artigo 6.o desta diretiva:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados recebam informações sobre o ato criminoso de que sejam suspeitos ou acusados de ter cometido. Estas informações são prestadas prontamente e com os detalhes necessários, a fim de garantir a equidade do processo e de permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa.

[…]

3.   Os Estados‑Membros asseguram que, pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal, sejam prestadas informações detalhadas sobre a acusação, incluindo a natureza e qualificação jurídica da infração penal, bem como a natureza da participação do acusado.

4.   Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos ou acusados sejam prontamente informados das alterações nas informações prestadas nos termos do presente artigo caso tal seja necessário para salvaguardar a equidade do processo.»

12.

O artigo 7.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Caso uma pessoa seja detida e presa em qualquer fase do processo penal, os Estados‑Membros asseguram que sejam facultados aos detidos, ou aos seus advogados, os documentos relacionados com o processo específico que estejam na posse das autoridades competentes e que sejam essenciais para impugnar eficazmente, nos termos do direito nacional, a legalidade da detenção ou prisão.

2.   Os Estados‑Membros asseguram que seja dado acesso aos suspeitos ou acusados, ou aos seus advogados, a pelo menos toda a prova material que se encontre na posse das autoridades competentes, seja ela a favor ou contra os suspeitos ou acusados, de modo a salvaguardar a equidade do processo e a preparar a defesa.

3.   Sem prejuízo do n.o 1, o acesso aos elementos a que se refere o n.o 2 deve ser dado atempadamente para permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa e, pelo menos, aquando da apresentação da fundamentação da acusação à apreciação de um tribunal. Caso as autoridades competentes obtenham prova material adicional, deve ser dado atempadamente acesso à mesma para permitir a sua consideração.

[…]»

d) Diretiva 2013/48/UE

13.

O artigo 1.o da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares ( 8 ), prevê o seguinte:

«A presente diretiva estabelece regras mínimas relativas aos direitos dos suspeitos ou acusados em processo penal e das pessoas sujeitas a procedimentos regidos pela Decisão‑Quadro 2002/584/JAI […] de terem acesso a um advogado e de informarem um terceiro da sua privação de liberdade, bem como de comunicarem, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares.»

14.

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva:

«Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir‑lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa.»

B –   Processo penal búlgaro

15.

No âmbito da fase de inquérito, o magistrado do Ministério Público desempenha um papel determinante. Com efeito, é ele que dirige o inquérito confiado aos órgãos responsáveis pela realização do mesmo e que decide sozinho quanto à orientação a dar aos processos.

16.

No que diz respeito ao inquérito, nos termos do artigo 234.o do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal, a seguir «NPK»), o magistrado do Ministério Público dispõe de dois meses para realizar a investigação, prazo este que pode ser prorrogado uma vez, por quatro meses, pelo coordenador da representação do Ministério Público no tribunal em causa e que, em casos excecionais, pode igualmente ser prorrogado um número ilimitado de vezes, por um período ilimitado, pelo Procurador‑Geral. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, em processos complexos, como o processo principal, se recorre amplamente a esta última prorrogação.

17.

De acordo com os artigos 219.°, 221.° e 246.° do NPK, quando tiver sido recolhida prova bastante contra o suspeito de ter cometido uma infração, é formulada uma acusação provisória, que é assinada pelo órgão responsável pelo inquérito. Trata‑se de um documento escrito que deve respeitar exigências bem definidas. Nomeadamente, deve incluir uma exposição dos factos principais constitutivos da infração e a sua qualificação jurídica. É nesse momento que o suspeito de ter cometido a infração e o seu advogado são informados da acusação mediante a apresentação do referido documento. Estes devem, então, tomar conhecimento do conteúdo da acusação provisória e assiná‑la. Em seguida, o arguido é interrogado e pode prestar declarações ou permanecer em silêncio e, tal como o seu advogado, pode também formular pedidos.

18.

A comunicação dos elementos do inquérito é regida pelos artigos 226.° a 230.° do NPK. Para esse efeito, o acusado e o seu advogado, a pedido seu, têm acesso aos elementos do processo. Quando são formulados pedidos, o magistrado do Ministério Público pronuncia‑se sobre o seguimento que lhes deve ser dado.

19.

Quando o pedido de acesso aos elementos do inquérito tiver sido apresentado, o arguido e o seu advogado são convocados, pelo menos três dias antes da data em que essa comunicação deve ocorrer. Se não comparecerem no dia para o qual foram convocados sem justificação válida, o dever de comunicação desaparece. Aquando da comunicação, a pessoa que dirige o inquérito concede um prazo adequado para que o arguido e o seu advogado tomem conhecimento de todos os elementos relativos a esse inquérito.

20.

Uma vez efetuada a comunicação dos elementos do inquérito e, se for caso disso, tomadas as decisões quanto aos pedidos formulados pelo arguido e pelo seu advogado, a investigação é encerrada.

21.

Inicia‑se, então, outra fase, com a dedução da acusação pelo magistrado do Ministério Público, ou seja, a fase judicial. A acusação — que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é «a versão definitiva e detalhada da acusação provisória» — formula plenamente a acusação quanto aos factos e à sua qualificação jurídica. Com efeito, a mesma compõe‑se de duas partes, uma circunstancial, na qual figuram os factos, e a outra conclusiva, na qual é indicada a sua qualificação jurídica. A acusação, de que uma cópia é seguidamente remetida ao arguido e ao seu advogado, é apresentada no tribunal que deve, no prazo de quinze dias, verificar se foram cometidas violações de requisitos processuais essenciais.

22.

A este respeito, o artigo 348.o, n.o 3, ponto 1, do NPK indica que uma violação de requisitos processuais assume um caráter essencial quando implica uma lesão significativa de um direito processual reconhecido na lei. Este artigo precisa que o caráter «essencial» da violação de requisitos processuais cometida apenas desaparece quando a violação tiver sido sanada.

23.

O conteúdo da acusação está sujeito a estritas exigências formais. Assim, constituem violações essenciais as contradições entre a acusação e a última acusação provisória da qual o órgão responsável pelo inquérito tenha dado conhecimento ao arguido. Constitui igualmente uma violação essencial a verificação de uma contradição na própria acusação. Assim, no processo principal, foi considerado constitutivo de uma violação de requisitos processuais essenciais o facto de o magistrado do ministério público, na fundamentação da sua acusação, ter tomado em conta o facto de dois dos arguidos no processo principal terem manifestado o seu descontentamento através de expressões faciais quanto à quantia irrisória proposta como suborno, ao passo que, na parte conclusiva dessa acusação, o mesmo magistrado indicou que esses arguidos expressaram esse descontentamento por palavras.

24.

Por outro lado, a falta de comunicação dessa acusação provisória pelo órgão responsável pelo inquérito é considerada uma violação de requisitos processuais essenciais, pouco importando, a este respeito, as razões dessa falta de comunicação, mesmo que esta resulte, por exemplo, da vontade deliberada dos arguidos de impedirem tal comunicação. Recordamos que esta comunicação deve ser feita obrigatoriamente pelo órgão responsável pelo inquérito diretamente ao próprio arguido e ao seu advogado.

25.

O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, em absolutamente todos os processos penais na Bulgária, a defesa toma conhecimento do conteúdo da acusação e, por conseguinte, das informações sobre a acusação, depois da sua apresentação no tribunal, mas antes da sua apreciação.

26.

Paralelamente, os artigos 368.° e 369.° do NPK preveem que, se a fase de inquérito não for concluída no prazo de dois anos, o ou os arguidos têm o direito de apresentar ao tribunal um pedido para que este ordene que, no prazo de três meses, o magistrado do Ministério Público encerre a fase de inquérito, procedendo ao seu arquivamento ou à remessa do processo a tribunal. O magistrado do Ministério Público dispõe de um prazo adicional de quinze dias para deduzir a acusação. Caso este não encerre a fase de inquérito dentro do prazo fixado, o tribunal avoca o processo e arquiva o processo penal.

27.

Em contrapartida, caso o magistrado do Ministério Público deduza acusação, o tribunal procede ao seu exame e à fiscalização da regularidade do processo. Em caso de violação de requisitos processuais essenciais, o tribunal remete o processo novamente ao magistrado do Ministério Público, que dispõe do prazo de um mês para sanar essas violações. Caso o magistrado do Ministério Público não remeta o processo ao tribunal dentro desse prazo ou o processo seja efetivamente remetido ao tribunal, mas este verifique, de novo, a existência de uma violação de requisitos processuais essenciais, o processo penal é arquivado.

28.

O arquivamento do processo penal é um ato definitivo, que não admite recurso e cuja legalidade apenas pode ser apreciada em casos excecionais. O Ministério Público perde, então, qualquer direito a perseguir criminalmente o suspeito de ter cometido a infração.

29.

No que diz respeito ao direito de acesso a um advogado, os artigos 91.°, n.o 3, e 92.° do NPK preveem que o juiz deve afastar do processo o advogado de um arguido que patrocina ou patrocinou outro arguido, caso a defesa de um dos arguidos seja contrária à do outro. De acordo com jurisprudência búlgara assente, existe contradição entre interesses quando um dos arguidos preste declarações que constituam prova contra outro arguido, que, por sua vez, não presta qualquer declaração. Neste caso, essas pessoas não podem ter um advogado comum. O advogado é, pois, obrigado a renunciar ao mandato por iniciativa própria e, se não o fizer, o magistrado do Ministério Público ou o tribunal devem afastá‑lo do processo. Caso contrário, cometem uma violação de requisitos processuais essenciais, que implica a anulação do ato do magistrado do Ministério Público ou do tribunal.

II – Matéria de facto do litígio no processo principal

30.

Nikolay Kolev e Stefan Kostadinov (a seguir «arguidos no processo principal») são acusados de, quando eram funcionários aduaneiros em Svilengrad (Bulgária) na fronteira com a Turquia, terem feito parte de uma associação criminosa durante o período de 1 de abril de 2011 a 2 de maio de 2012. Com efeito, os mesmos teriam exigido, dos condutores de viaturas ligeiras e pesadas que atravessavam a fronteira da Turquia para a Bulgária, subornos como contrapartida de não procederem ao controlo alfandegário e não registarem as irregularidades verificadas nos respetivos documentos oficiais. No final dos seus turnos, os arguidos no processo principal repartiam entre si as quantias desse modo recebidas.

31.

Todos os implicados nesta associação criminosa, incluindo os arguidos no processo principal, foram detidos na noite de 2 para 3 de maio de 2012. Imediatamente depois da busca efetuada aquando da detenção, essas pessoas foram acusadas de participação em associação criminosa e três delas, entre as quais um dos arguidos no processo principal, foram acusadas da prática do crime de recetação das quantias em dinheiro encontradas tanto no local de trabalho como na pessoa de uma delas.

32.

Em fevereiro e março de 2013, foram precisados e comunicados aos oito implicados na referida associação criminosa todos os factos que lhes eram imputados. Mais precisamente, os arguidos no processo principal, bem como os seus representantes, foram informados dos factos que lhes eram imputados, das provas recolhidas e de todos os outros elementos do processo em 21 de março de 2013. Posteriormente, foi deduzida nova acusação contra N. Kolev e este foi informado da mesma em 17 de julho de 2013.

33.

Quatro dos oito implicados na associação criminosa celebraram com o Ministério Publico uma transação que visava pôr termo à parte da ação que dizia respeito à imputação aos mesmos do crime de participação em associação criminosa. Esta transação foi, por duas vezes, submetida ao Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado) para homologação e, em ambas as vezes, este indeferiu esse pedido, com fundamento em que as acusações provisórias não tinham sido formuladas pelo órgão competente e na violação de requisitos processuais. O tribunal ordenou, então, a remessa do processo ao magistrado do Ministério Público competente para que este deduzisse nova acusação.

34.

Por conseguinte, em 7 de novembro de 2013, o processo foi confiado à Procuradoria Especializada. Os prazos fixados para o inquérito foram prorrogados várias vezes. Assim, o magistrado do Ministério Público realizou atos oficiosos, como a remessa do processo aos serviços responsáveis pelo inquérito, com instruções ou pedidos de prorrogação dos prazos para a investigação e pedidos de informação.

35.

Os arguidos no processo principal, considerando que o prazo fixado no artigo 368.o, n.o 1, do NPK tinha expirado, intentaram um processo nos termos do artigo 369.o do NPK. O juiz concluiu que o prazo de dois anos a contar do início da fase de inquérito tinha, de facto, expirado e, por conseguinte, remeteu o processo ao magistrado do Ministério Público ordenando a sua conclusão no prazo de três meses, em conformidade com o artigo 369.o do NPK, e a comunicação aos arguidos no processo principal dos factos imputados, bem como dos elementos do inquérito. Este prazo começou a correr em 29 de outubro de 2014 e expirou em 29 de janeiro de 2015. Portanto, nessa data deveriam ter sido concluídos todos os atos da investigação, incluindo a formulação e comunicação aos arguidos no processo principal dos factos imputados. O magistrado do Ministério Público dispunha, em seguida, de quinze dias para deduzir e apresentar a acusação ao tribunal.

36.

Foi impossível assegurar a comunicação, às pessoas dos arguidos e dos seus advogados, dos novos atos de acusação estabelecidos na sequência da decisão do tribunal. Com efeito, em 13 de janeiro de 2015, N. Kolev recebeu uma convocatória para comparecer em 19 de janeiro de 2015. No mesmo dia, o seu advogado indicou, por fax, que aquele não se podia deslocar por motivos de saúde. N. Kolev foi convocado, de novo, por telefone, para comparecer em 22 de janeiro de 2015. Contudo, nem ele nem o seu advogado se apresentaram, tendo este último indicado que o seu cliente estava no hospital e que ele próprio estava impedido por motivos profissionais. N. Kolev foi novamente convocado, sem sucesso, para comparecer nos dias 27 e 28 de janeiro de 2015, tendo o seu advogado indicado que o mesmo se encontrava hospitalizado. Foram, de novo, convocados para comparecer em 29 de janeiro de 2015, mas não se apresentaram, tendo o advogado de N. Kolev informado que estava ocupado profissionalmente com outro processo. Por conseguinte, N. Kolev não foi informado dos factos que lhe eram imputados.

37.

Por último, no caso de S. Kostadinov, este não foi encontrado na morada indicada. O seu advogado informou que não tinha qualquer contacto com o mesmo. Por conseguinte, foi decidido ordenar a sua comparência coerciva. No entanto, o advogado de S. Kostadinov apresentou um atestado médico que indicava que este tinha estado hospitalizado. Por conseguinte, o mesmo também não foi informado dos factos que lhe eram imputados.

38.

Portanto, a fase de inquérito foi concluída no prazo fixado pelo tribunal e o magistrado do Ministério Público deduziu acusação.

39.

Por despacho de 20 de fevereiro de 2015, o mesmo tribunal considerou que, durante a fase de inquérito, tinham sido cometidas violações de requisitos processuais essenciais. Com efeito, por um lado, tinha havido uma violação de requisitos processuais essenciais, na medida em que a última acusação provisória não tinha sido comunicada aos arguidos nem aos seus advogados. Por outro lado, verificava‑se uma contradição entre a acusação provisória e a acusação definitiva, na medida em que, dado que a mais recente acusação provisória não foi comunicada aos arguidos no processo principal, a acusação não se podia basear nessa última acusação provisória. Apenas deveria figurar na acusação definitiva a acusação provisória comunicada às partes.

40.

Além disso, o tribunal considerou que os obstáculos à comunicação a N. Kolev e a S. Kostadinov dos novos factos de acusação que lhes eram imputados não justificavam a violação dos seus direitos processuais.

41.

Por conseguinte, esse tribunal fixou um prazo de um mês para que o magistrado do Ministério Público sanasse essas violações, sob pena de conclusão do procedimento criminal instaurado contra os arguidos no processo principal. Por conseguinte, em 7 de abril de 2015, o processo foi remetido ao magistrado do Ministério Público e esse prazo expirou em 7 de maio de 2015.

42.

Contudo, não foi possível ao magistrado do Ministério Público comunicar aos arguidos no processo principal e aos seus advogados os novos factos de acusação que lhes eram imputados e os elementos do inquérito, tendo aqueles invocado, nomeadamente, motivos médicos e profissionais para recusar receber a notificação.

43.

Por conseguinte, por despacho de 22 de maio de 2015, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado) declarou que o magistrado do Ministério Público não tinha sanado as violações de requisitos processuais essenciais e tinha cometido novas violações, ao considerar que os direitos processuais dos arguidos no processo principal tinham sido violados e que as contradições na acusação não tinham sido eliminadas.

44.

Apesar de esse tribunal ter referido a hipótese de os arguidos no processo principal e os seus advogados terem feito um uso abusivo dos seus direitos com vista a provocar a ultrapassagem dos prazos, para levar ao arquivamento do procedimento criminal contra eles iniciado, não obstante concluiu estarem preenchidos os requisitos para a conclusão do processo. Contudo, decidiu não o arquivamento do procedimento criminal mas pôr termo ao processo judicial sem mais diligências.

45.

O magistrado do Ministério Público, considerando que não tinha havido qualquer violação de requisitos processuais essenciais, recorreu do despacho de 22 de maio de 2015.

46.

Por despacho de 12 de outubro de 2015, a instância de recurso remeteu o processo ao órgão jurisdicional de reenvio, a saber, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado), com fundamento em que este deveria ter arquivado o procedimento criminal instaurado contra os arguidos no processo principal, em conformidade com os artigos 368.° e 369.° do NPK.

47.

Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio foi levado a submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais expostas no número seguinte.

III – Questões prejudiciais

48.

No processo principal, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Uma lei nacional é compatível com a obrigação do Estado‑Membro de aplicar eficazmente a lei penal aos crimes praticados por funcionários aduaneiros, quando, segundo essa lei, o procedimento criminal instaurado contra funcionários aduaneiros por participação em associação criminosa para a prática de crimes de corrupção no exercício das suas funções (recebimento de subornos pela não realização de controlos alfandegários) bem como por subornos concretos e por [recetação sob a forma de] ocultação de subornos recebidos, deve ser arquivado quando se verificam os seguintes pressupostos, sem que o tribunal tenha apreciado os factos imputados: a) terem decorrido dois anos após a dedução da acusação; b) o arguido requerer o arquivamento do inquérito crime; c) o tribunal tiver fixado ao Ministério Público um prazo de três meses para concluir o inquérito; d) o magistrado do Ministério Público tiver cometido nesse prazo “violações de requisitos processuais essenciais” (ou seja, não notificação, como legalmente devido, de uma acusação completa, recusa de consulta dos autos do inquérito e fundamentação contraditória da acusação); e) o tribunal tiver fixado ao magistrado do Ministério Público um novo prazo de um mês para sanar essas “violações de requisitos processuais essenciais”; f) o magistrado do Ministério Público não tiver sanado essas “violações dos requisitos processuais essenciais” dentro desse prazo — sendo que as irregularidades processuais praticadas no decurso do primeiro prazo de três meses e a sua não sanação dentro do último prazo de um mês são imputáveis quer ao magistrado do Ministério Público (não eliminação das contradições da acusação; não realização de quaisquer diligências durante grande parte dos prazos) quer à defesa (violação do dever de cooperação no que se refere à notificação da acusação e à autorização de consulta dos autos do inquérito devido à hospitalização de alguns arguidos e à invocação de compromissos profissionais por parte dos advogados), e g) constituindo‑se um direito subjetivo do arguido ao arquivamento do procedimento criminal por não terem sido sanadas as “violações dos requisitos processuais essenciais”dentro dos prazos fixados para o efeito?

2.

Em caso de resposta negativa [à primeira] questão, qual a parte do regime jurídico acima referido que o tribunal nacional não deve aplicar para garantir a aplicação eficaz do direito da União: a) o arquivamento do procedimento criminal após o prazo de um mês ou b) a qualificação das irregularidades acima referidas como “violações de requisitos processuais essenciais”ou c) a proteção do direito subjetivo que se constitui nos termos indicados na [primeira questão,] alínea g), caso exista a possibilidade de sanar efetivamente essas irregularidades no âmbito do processo crime?

a)

A decisão de não aplicação da disposição nacional que prevê o arquivamento do procedimento criminal deve ser ligada ao facto de:

i)

ser concedido ao magistrado do Ministério Público um prazo adicional para a sanação da “violação de requisitos processuais essenciais”, igual ao prazo durante o qual o Ministério Público, por impedimentos imputáveis à defesa, não esteve em condições de proceder a essa sanação?

ii)

o tribunal, na hipótese i), constatar que aqueles impedimentos surgiram na sequência de um “abuso do direito”?

iii)

em caso de resposta negativa à hipótese i), o tribunal constatar que o direito nacional concede garantias suficientes de arquivamento do inquérito dentro de um prazo razoável?

b)

a decisão de não aplicação da qualificação prevista no direito nacional das irregularidades acima referidas como “violação de requisitos processuais essenciais” é compatível com o direito da União, nomeadamente,

i)

O direito previsto no artigo 6.o, n.o 3 da Diretiva [2012/13], de a defesa receber informações detalhadas sobre a acusação, está suficientemente garantido:

se essas informações tiverem sido prestadas após a apresentação de facto da acusação em tribunal, mas antes da sua apreciação jurisdicional, assim como se, em momento anterior à apresentação da acusação em tribunal, tiverem sido prestadas à defesa informações completas sobre os elementos essenciais da acusação (situação do arguido M. Hristov)?

em caso de resposta afirmativa [à segunda questão, alínea b), ponto i), primeiro travessão], se essas informações tiverem sido prestadas após a apresentação de facto da acusação em tribunal, mas antes de o tribunal a apreciar, e a defesa tiver recebido informações parciais sobre os elementos essenciais da acusação em momento anterior à apresentação da acusação em tribunal, embora o facto de apenas terem sido prestadas informações parciais estar ligado a impedimentos imputáveis à defesa (no caso dos arguidos N. Kolev e S. Kostadinov)?

quando essas informações apresentam contradições no tocante à concreta exigência do suborno (refere‑se primeiro que foi o outro arguido que exigiu expressamente o suborno, enquanto o arguido M. Hristov manifestou o seu descontentamento através de uma expressão facial nesse sentido quando a pessoa sujeita ao controlo aduaneiro propôs uma quantia irrisória, e, a seguir, refere‑se que foi o arguido M. Hristov que exigiu expressa e concretamente o suborno)?

ii)

O direito previsto no artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva [2012/13], de dar acesso aos autos à defesa “pelo menos, aquando da apresentação da fundamentação da acusação à apreciação de um tribunal”, está suficientemente garantido no processo principal, quando a defesa teve acesso à parte essencial dos autos em momento anterior e lhe foi concedida a possibilidade de consultar os autos, mas a defesa, por impedimento (doença, compromissos profissionais) e mediante invocação da lei nacional que exige a notificação para a consulta dos autos pelo menos três dias antes, não usou essa faculdade? Após a cessação dos impedimentos e mediante notificação com três dias de antecedência deverá ser concedida uma segunda oportunidade de acesso aos autos? Deverá ser analisado se os impedimentos referidos eram objetivos ou antes constituíam um abuso de direito?

iii)

A exigência legislativa prevista nos artigos 6.°, n.o 3, e 7.°, n.o 3, da Diretiva [2012/13] “pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal”e “pelo menos, aquando da apresentação da fundamentação da acusação à apreciação de um tribunal” tem o mesmo significado em ambas as disposições? Que significado tem esta exigência — antes da apresentação de facto da acusação à apreciação de um tribunal ou pelo menos no momento da sua apresentação a um tribunal ou então após a sua apresentação a tribunal, mas antes de o tribunal fazer diligências de apreciação da acusação?

iv)

A exigência legal de prestação de informações sobre a acusação à defesa e da consulta dos autos de forma a poderem ser garantidos “o exercício efetivo dos direitos de defesa” e “equidade do processo”a nos termos dos artigos 6.°, n.o 1[,] e 7.°, n.os 2 e 3[,] da Diretiva [2012/13], têm o mesmo significado em ambas as disposições? Esta exigência está assegurada,

quando as informações detalhadas sobre a acusação tenham sido prestadas à defesa já após a apresentação da acusação em tribunal, mas ainda antes de serem feitas diligências no sentido da sua apreciação de mérito e tenha sido concedido um prazo suficiente para a preparação da defesa? Quando, num momento anterior a este, foram prestadas informações incompletas e parciais sobre a acusação;

quando a defesa só obtém acesso completo aos autos após a apresentação da acusação em tribunal, mas antes de serem feitas diligências para a sua apreciação de mérito e lhe seja concedido um prazo suficiente para a preparação da defesa? Quando, num momento anterior a este, a defesa teve acesso a uma grande parte dos autos;

quando o tribunal tome medidas para garantir à defesa que todas as declarações proferidas após o conhecimento de todos os factos da acusação e de todos os elementos constantes dos autos têm o mesmo efeito que teriam se tivessem sido proferidas perante o magistrado do Ministério Público antes da remessa da acusação a tribunal?

v)

É garantida “a equidade do processo”nos termos do artigo 6.o, n.os 1 e 4, bem como “o exercício efetivo dos direitos de defesa”, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva [2012/13], se o tribunal decidir abrir um processo judicial com base numa acusação definitiva que tem contradições no referente à exigência dos subornos, mas dando a possibilidade ao magistrado do Ministério Público de sanar essas contradições e permitindo aos arguidos exercer na íntegra os direitos que teriam se a acusação tivesse sido deduzida sem essas contradições?

vi)

O direito de acesso a um advogado, baseado no artigo 3.o, n.o 1[,] da Diretiva [2013/48] está suficientemente garantido quando durante o processo de investigação penal for concedida ao advogado a possibilidade de comparecer para ser informado da acusação provisória e consultar todos os elementos dos autos, e este, devido a compromissos profissionais e invocando a lei nacional que prevê um prazo de notificação de três dias, não comparece? Quando já não existam impedimentos profissionais, há que conceder um novo prazo de pelo menos três dias? Há que analisar se o motivo de não comparência é justificado ou se existiu abuso de direito?

vii)

Deve considerar‑se que a violação do direito de acesso a um advogado durante a fase de inquérito, baseado no artigo 3.o, n.o 1[,] da Diretiva [2013/48], tem consequências sobre a “forma efetiva de exercer os direitos de defesa”, quando o tribunal, após a apresentação da acusação em tribunal, concede ao advogado o acesso total à versão definitiva e detalhada da acusação bem como a todos os elementos dos autos e toma medidas para garantir ao advogado que todas as declarações por si prestadas após o conhecimento detalhado da acusação e de todos os elementos constantes dos autos terão o mesmo efeito que teriam se tivessem sido prestadas perante o magistrado do Ministério Público antes da remessa da acusação a tribunal?

c)

Deve considerar‑se que o direito subjetivo ao arquivamento do procedimento criminal constituído a favor do arguido (nas condições acima referidas) é compatível com o direito da União, embora exista a possibilidade de sanar totalmente a “violação de requisitos processuais essenciais”não sanada pelo magistrado do Ministério Público através de medidas a tomar no processo judicial, pelo que, afinal, a situação jurídica do arguido seria idêntica àquela que teria caso esta violação tivesse sido sanada atempadamente?

3.

Podem ser aplicados regimes nacionais mais vantajosos relativos ao direito ao julgamento da causa dentro de um prazo razoável, ao direito à informação bem como ao direito de acesso a um advogado, quando esses regimes, em conjugação com outras circunstâncias (o processo descrito [na primeira questão], levam ao arquivamento do procedimento criminal?

4.

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva [2013/48] deve ser interpretado no sentido de que permite ao tribunal nacional afastar do processo judicial um advogado que representou dois dos arguidos, tendo uma das pessoas prestado declarações sobre factos que afetam os interesses do outro arguido, o qual, por seu lado, não prestou declarações?

Em caso de resposta afirmativa a esta questão, deve considerar‑se que o tribunal garante o direito de acesso a um advogado nos termos do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva quando, após ter admitido a intervenção no processo judicial de um advogado que representou ao mesmo tempo dois arguidos com interesses contraditórios, nomeia a cada um dos arguidos novos defensores oficiosos?»

IV – Análise

49.

Antes de propormos uma reformulação das questões prejudiciais, gostaríamos de fazer as seguintes duas observações.

50.

Em primeiro lugar, a fim de dissipar qualquer dúvida quanto à questão de saber se o direito da União é aplicável no processo principal, recordamos que o artigo 325.o TFUE estabelece que a União e os Estados‑Membros combaterão as fraudes e quaisquer outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União ( 9 ).

51.

A esse respeito, o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), primeiro travessão, da Convenção PIF prevê que constitui uma fraude desse tipo, em matéria de receitas, qualquer ato ou omissão intencionais relativos à utilização ou apresentação de declarações ou de documentos falsos, inexatos ou incompletos, que tenha por efeito a diminuição ilegal de recursos do Orçamento Geral das Comunidades Europeias ou dos orçamentos geridos pelas Comunidades Europeias ou por sua conta. Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, dessa convenção, no direito interno, esses comportamentos devem ser considerados infrações penais.

52.

O artigo 2.o, n.o 1, da referida convenção precisa que cada Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para que os comportamentos referidos no artigo 1.o desta convenção, bem como a cumplicidade, a instigação ou a tentativa relativas aos comportamentos referidos no n.o 1 do mesmo artigo 1.o, sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasoras. Além disso, nos termos do Primeiro Protocolo à Convenção PIF, a corrupção passiva, bem como a corrupção ativa ( 10 ) devem ser, igualmente, consideradas infrações penais no direito interno de cada Estado‑Membro.

53.

No caso em apreço, os arguidos no processo principal são acusados de terem cometido infrações que configuram o crime de corrupção, ao exigirem dos condutores de viaturas ligeiras e pesadas que atravessavam a fronteira externa da União entre a Bulgária e a Turquia subornos como contrapartida de esses condutores não serem submetidos a controlo alfandegário. De acordo com o artigo 301.o do NPK, esta infração é punida com uma pena de prisão de seis anos e com multa de 5000 BGN (cerca de 2500 euros). Este comportamento dos arguidos no processo principal é suscetível de ter lesado os interesses financeiros da União, ao privá‑la de uma parte dos seus recursos próprios. Por conseguinte, não há qualquer dúvida de que o direito da União é aplicável no processo principal.

54.

Em segundo lugar, fazemos notar que, por despacho de 28 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de outubro de 2016, o órgão jurisdicional de reenvio informou da morte de M. Hristov, um dos arguidos, em 9 de setembro de 2016, extinguindo‑se assim o procedimento criminal instaurado contra o mesmo. Portanto, consideramos que as questões relativas à situação de M. Hristov já não são relevantes para a resolução do litígio no processo principal.

A –   Observações preliminares

55.

O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça vinte questões e subquestões que, em meu entender, podem ser examinadas em dois grandes conjuntos de questões.

56.

Com efeito, a primeira questão formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio está diretamente relacionada com a tramitação do processo penal cujo excessivo formalismo poderia, em seu entender, ser contrário ao direito da União. Assim, a instauração do processo previsto nos artigos 368.° e 369.° do NPK conjugada com o estrito formalismo do direito de ser informado da acusação contra si formulada e da comunicação sobre os elementos do processo pode levar ao arquivamento do procedimento criminal sem que os suspeitos de terem lesado os interesses financeiros da União sejam acusados.

57.

Este conjunto de questões leva‑nos, pois, a examinar, em primeiro lugar, se o direito da União se opõe a disposições de direito nacional, como as dos artigos 368.° e 369.° do NPK, que, em caso de incumprimento de um prazo perentório, impõem que o juiz nacional decida o arquivamento do procedimento criminal, mesmo que a causa do atraso seja uma obstrução deliberadamente provocada pelo acusado. Se for esse o caso, haverá que determinar as consequências dessa incompatibilidade.

58.

Em segundo lugar, com a segunda questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13 se opõe a uma prática nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a prestação ao acusado das informações sobre a acusação, após a apresentação da acusação em tribunal, mas antes de este ter iniciado a sua apreciação. Interroga‑se também sobre se o artigo 7.o, n.o 3, desta diretiva se opõe a esta mesma prática nacional, mediante a qual a acusação definitiva é remetida para o tribunal competente, mesmo quando a defesa teve possibilidade de tomar conhecimento dos autos, mas, por impedimentos profissionais ou devido ao estado de saúde do arguido, não fez uso desse direito.

59.

O outro conjunto de questões tem por objeto, precisamente, a Diretiva 2013/48. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tribunal nacional é obrigado a afastar do processo judicial o advogado de um dos arguidos que patrocina ou patrocinou outro arguido, no caso de a defesa de um dos arguidos ser contrária à defesa do outro. Se for esse o caso, o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que o tribunal, ao nomear novos defensores oficiosos para representarem esses arguidos, garante o direito de acesso a um advogado?

60.

Por conseguinte, na análise subsequente, examinaremos sucessivamente estas questões.

B –   Quanto às questões prejudiciais

1. Quanto à conformidade do processo penal previsto nos artigos 368.° e 369.° do NPK com o direito da União e às consequências da sua eventual incompatibilidade

61.

Com a sua primeira e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, de facto, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de direito nacional, como os artigos 368.° e 369.° do NPK, que, em caso de incumprimento de um prazo perentório, impõem que o juiz nacional decida o arquivamento do procedimento criminal, mesmo que a causa do atraso seja uma obstrução deliberadamente provocada pelo acusado.

62.

O prazo perentório é definido como o «prazo para a prática de um ato, determinado na lei, cujo decurso, ao contrário da prescrição, não é suscetível de suspensão ou interrupção» ( 11 ).

63.

O caso processual submetido ao Tribunal de Justiça corresponde exatamente a esta definição. A matéria de facto deste caso demonstra que daí resulta um risco sistémico de impunidade no que diz respeito às infrações lesivas dos interesses financeiros da União.

64.

Atendendo às diversas explicações escritas ou orais fornecidas ao Tribunal de Justiça, afigura‑se que a adoção desta legislação pela República da Bulgária é consequência de uma vontade de lutar contra os atrasos processuais que levaram o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a condenar várias vezes esse Estado‑Membro por violação do prazo razoável ( 12 ).

65.

A questão que nos é colocada no presente processo é a inversa, a saber, a adoção de prazos perentórios nas circunstâncias processuais descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio não conduz à instauração de um prazo de julgamento igualmente irrazoável, por ser demasiado curto e intangível, conduzindo à impunidade?

66.

Com efeito, a violação do prazo razoável é tradicionalmente invocada no quadro do respeito dos direitos de defesa no caso de um prazo não razoável por ser demasiado longo. No caso em apreço, trata‑se, antes, de a examinar no quadro de um prazo não razoável, demasiado curto, que não permite aplicar aos atos cometidos a sanção que normalmente implicam.

67.

Como salientámos nos n.os 50 a 53 das presentes conclusões, encontramo‑nos no âmbito de aplicação do direito da União e a questão ora submetida diz respeito, de facto, à eficácia desse direito e, em particular, do direito primário.

68.

Por conseguinte, deve colocar‑se legitimamente a questão de saber se a legislação nacional em causa está adaptada a esta obrigação que decorre dos Tratados e que obriga os Estados‑Membros a combater as atividades ilícitas lesivas dos interesses financeiros da União através de medidas dissuasivas e efetivas e a adotar, para combater as fraudes lesivas desses interesses, as mesmas medidas que adotarem para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros ( 13 ).

69.

Nesta ótica, o Tribunal de Justiça deve proceder a uma análise do direito nacional na medida em que, na situação que lhe foi submetida, são aplicáveis as mesmas disposições tanto no quadro do direito nacional como no do direito da União, pelo que o princípio da equivalência perfeitamente cumprido e é dessa equivalência que decorre a ineficácia.

70.

Todos os atos lesivos dos interesses financeiros da União são, por natureza, infrações complexas e, portanto, difíceis de provar. Embora as circunstâncias do processo principal se afigurem relativamente simples, não é menos verdade que envolvem vários coautores ou cúmplices, o que constitui sempre um fator de dificuldade que requer múltiplas audições e acareações.

71.

Além disso, seria incompreensível que as investigações não se destinassem a demonstrar a importância praticada atividade ilícita quanto à sua duração e ao lucro gerado pela mesma. Afigura‑se também necessária a investigação de um branqueamento posterior do montante ilicitamente obtido na medida em que, de modo geral, a apreensão dos bens adquiridos com o produto do delito é o único meio de atenuar o prejuízo causado.

72.

Num processo desta natureza, é evidente que os prazos impostos para o inquérito são manifestamente insuficientes. Com efeito, o prazo de base é de dois meses com possibilidade de prorrogações, mas até ao máximo de dois anos, que é o prazo limite.

73.

Como imaginar, então, por exemplo, que se possa concluir uma investigação num processo de fraude carrossel ao IVA que envolve sociedades de fachada distribuídas por vários países e que exige investigações técnicas, como peritagens contabilísticas e o recurso a medidas de cooperação judiciária e policial internacionais?

74.

Se a isso acrescentarmos que a manifesta má‑fé dos acusados e a obstrução causada pelos advogados — que o órgão jurisdicional de reenvio descreve como deliberada — bastam para bloquear totalmente o processo e conduzir à extinção da ação penal, consideramos que a natureza sistemática da ineficácia verificada se encontra amplamente demonstrada. Tanto mais que a descrição das diferentes fases desse processo, feita pelo juiz de reenvio, demonstra que não há qualquer forma de não tomar em conta esses prazos imperativos e a tentativa que esse juiz fez para o conseguir resultou rapidamente num fracasso, sancionado pela instância de recurso ( 14 ).

75.

Por conseguinte, não há outra solução a não ser concluir que é necessário que o órgão jurisdicional de reenvio afaste a aplicação das disposições da lei nacional que conduzem a esta situação, uma vez que não pode ser alcançada aqui uma interpretação conforme, como esse próprio órgão jurisdicional reconhece.

76.

Esta solução é, aliás, imposta por um princípio geral do direito da União, a saber, o princípio da proporcionalidade.

77.

Como princípio geral do direito da União, a sua consagração expressa figura atualmente no artigo 5.o, n.os 1 e 4, TUE, na redação que lhe foi dada pelo Tratado de Lisboa.

78.

O artigo 5.o, n.o 1, TUE atribui‑lhe, conjuntamente com o princípio da subsidiariedade, o papel fundamental de reger o exercício das competências da União, cuja delimitação é estabelecida, por força desta mesma disposição, pelo princípio da atribuição.

79.

A ação da União é exercida unicamente, dentro dos limites das suas competências, para alcançar os objetivos fixados pelos Tratados.

80.

De acordo com o artigo 5.o, n.o 4, TUE, essa ação deve ser exercida com respeito do princípio da proporcionalidade, que impõe que a referida ação não deve exceder, nem no conteúdo nem na forma, o necessário para alcançar os objetivos em causa.

81.

No entanto, o princípio da proporcionalidade não tem por objetivo enfraquecer ou paralisar a ação da União, apesar de ser o princípio mais frequentemente invocado para evitar a aplicação de uma regra ou de um instrumento da União considerado atentatório do direito nacional.

82.

É verdade que este princípio proíbe atuar de forma exagerada em relação ao necessário para alcançar o objetivo fixado pela União, mas não pode impedir que, dentro desse limite, se faça tudo o que for necessário.

83.

Assim, a título de exemplo, embora o considerando 11 da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal ( 15 ) reconheça ao Estado de execução a possibilidade de substituir a medida requerida por outra medida prevista no seu direito nacional que seja menos intrusiva, fá‑lo apenas com a condição de a medida nacional em causa ter a mesma eficácia.

84.

Em nosso entender, esta comparação exige uma outra observação, a saber, que, neste contexto, os Estados‑Membros devem garantir, em todo o território da União, no quadro do Regulamento n.o 450/2008, e no território dos Estados‑Membros signatários da Convenção PIF, uma ação repressiva uniforme dos atos lesivos dos interesses financeiros da União.

85.

Ora, estes diplomas — e o Regulamento n.o 450/2008 em primeiro lugar — obrigam os Estados‑Membros em causa a preverem sanções penais proporcionadas, dissuasivas e efetivas. Por conseguinte, a obrigação de eficácia não poderia ser cumprida se disposições processuais viessem, na realidade, impedir a aplicação dessas sanções.

86.

Como demonstrado anteriormente, é evidente que a disposição nacional em causa, em razão da sua natureza perentória, não está adaptada ao objetivo prosseguido pelos diplomas do direito da União aplicáveis. O princípio da proporcionalidade, do mesmo modo que, enquanto princípio geral, justifica e, se necessário, fornece uma base legal à decisão de afastar a aplicação das disposições nacionais em causa ( 16 ), indica igualmente por que outras disposições devem as mesmas ser substituídas.

87.

Com efeito, não poderia resultar do mesmo um excesso noutro sentido. O princípio da proporcionalidade, princípio geral do direito reconhecido pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é também uma liberdade fundamental que deve aqui ser aplicada nesta perspetiva complementar.

88.

O órgão jurisdicional nacional encontra‑se, pois, vinculado pela necessidade de respeitar as regras do prazo razoável, o qual, de resto, não é mais do que um dos vários corolários do princípio da proporcionalidade, mas, desta feita, na dimensão concreta de uma ação judicial.

89.

O caráter razoável do prazo de julgamento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, como seja a complexidade do litígio e o comportamento das partes ( 17 ). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também declarou reiteradamente que «o caráter razoável da duração de um processo penal é apreciado em função das circunstâncias do processo e tendo em conta os critérios consagrados na sua jurisprudência, em especial, a complexidade do processo e o comportamento do arguido e o das autoridades competentes» ( 18 ).

90.

Portanto, na falta de prazo perentório resultante da exclusão da regulamentação nacional contrária ao direito da União, o juiz nacional deve assegurar‑se de que a fase de inquérito do processo penal foi conduzida no respeito do prazo razoável. Como vimos anteriormente, deve proceder a um exame de proporcionalidade tendo em conta as circunstâncias próprias do processo, como seja a complexidade do litígio, o comportamento das partes e o das autoridades judiciárias.

91.

A este respeito, quanto à complexidade do processo principal, em nosso entender, deve ser tido em conta o facto de o inquérito abranger oito arguidos, acusados de participação numa associação criminosa, em que os factos constitutivos da infração duraram um pouco mais de um ano. Portanto, os órgãos responsáveis pelo inquérito devem poder dispor de tempo suficiente para recolher as provas necessárias, os depoimentos ou todos os outros elementos úteis. Por outro lado, o comportamento dos arguidos no processo principal pode ser igualmente um elemento a favor de um prazo adicional, na medida em que não suscita qualquer dúvida que estes contribuíram, de forma voluntária, para que o magistrado do Ministério Público não pudesse cumprir as obrigações que lhe incumbem no âmbito da fase de inquérito do processo penal, nomeadamente, a comunicação da acusação e dos elementos do inquérito.

92.

Acrescentamos que um prazo excessivamente curto para a instrução pode ter como consequência centrar a investigação sobretudo nos elementos de acusação em detrimento de tudo o que poderia constituir elementos abonatórios ou suscetíveis, através da explicação das motivações ou dos comportamentos, de ser ponderados na intensidade da repressão, evitando, desse modo, que a pena seja desproporcionada em relação à infração, como estabelece o artigo 49.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, respeitante ao princípio da proporcionalidade.

93.

À luz de todos os elementos precedentes, consideramos que o artigo 325.o TFUE, o artigo 2.o, n.o 1, da Convenção PIF, bem como os artigos 2.°, n.o 2, e 3.°, n.o 2, do Primeiro Protocolo à Convenção PIF devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de direito nacional, como os artigos 368.° e 369.° do NPK, que, em caso de incumprimento de um prazo perentório, impõem que o juiz nacional decida o arquivamento do processo penal, mesmo que a causa do atraso seja uma obstrução deliberadamente provocada pelo acusado. Compete ao juiz nacional dar plena eficácia ao direito da União deixando de aplicar, quando necessário, as disposições de direito nacional que tenham por efeito impedir o Estado‑Membro em causa de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições.

2. Quanto ao direito de ser informado da acusação contra si formulada e ao direito de acesso aos elementos do processo

94.

No quadro da segunda questão, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre se o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13 se opõe a uma prática nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a prestação ao acusado das informações sobre a acusação, após a apresentação da acusação em tribunal, mas antes de este ter iniciado a sua apreciação. Pergunta igualmente se o artigo 7.o, n.o 3, desta diretiva se opõe a esta mesma prática nacional, mediante a qual a acusação definitiva é remetida para o tribunal competente, mesmo quanto a defesa teve possibilidade de tomas conhecimento dos autos, mas, por impedimentos profissionais ou devido ao estado de saúde do arguido, não fez uso desse direito.

95.

Em nosso entender, a resposta a esta questão só pode ser negativa. De que serviria afastar a aplicação do prazo perentório e conceder ao magistrado do Ministério Público prazos adicionais, mesmo que muito longos, se não fosse possível ultrapassar a obstrução provocada pelos arguidos?

96.

Afigura‑se‑nos que, pelo menos em parte, foi precisamente para mitigar essa obstrução, que impediria o tribunal de conhecer do processo, que foi instaurada a prática a que o órgão jurisdicional de reenvio faz referência, prática essa que deve ser validada, nomeadamente à luz do respeito do princípio da efetividade.

97.

Além disso, afigura‑se‑nos que essa prática garante o respeito dos direitos de defesa, conforme previstos, nomeadamente, na Diretiva 2012/13.

98.

Os artigos 6.°, n.o 3, e 7.°, n.o 3, desta diretiva não indicam em que momento preciso do processo esses elementos, que são a informação sobre a acusação contra si formulada e o acesso aos elementos do processo, devem ser comunicados ao suspeito de ter cometido uma infração. Com efeito, limitam‑se a indicar, respetivamente, que as informações detalhadas sobre a acusação devem ser prestadas «pelo menos aquando da apresentação da fundamentação da acusação perante um tribunal» e que o acesso aos elementos do processo deve ser «dado atempadamente para permitir o exercício efetivo dos direitos de defesa e, pelo menos, aquando da apresentação da fundamentação da acusação à apreciação de um tribunal».

99.

A acusação, assim como o acesso aos elementos do processo, visa precisamente informar o suspeito dos factos que lhe são imputados e permitir‑lhe preparar e exercer, de forma efetiva, a sua defesa, condições de um processo equitativo ( 19 ).

100.

Importa precisar que a versão francesa do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13 reveste, na nossa opinião, um significado equívoco. Com efeito, estritamente falando, é na decisão que o juiz se pronuncia sobre o mérito da acusação. Por conseguinte, esta disposição deve ser entendida no sentido de que impõe a comunicação dos detalhes da acusação, das qualificações jurídicas adotadas, dos factos imputados e dos documentos o mais tardar no início da fase oral perante o juiz. Aliás, esta interpretação parece‑nos corroborada pelas outras versões linguísticas ( 20 ).

101.

Para garantir a aplicação das regras do processo equitativo, é evidente que a comunicação deve ser acompanhada da concessão de um prazo suficiente para que o acusado possa preparar uma defesa eficaz, o que exige, sendo caso disso, que seja ordenado o reenvio do processo para o efeito.

102.

Assim, por exemplo, no que diz respeito à comunicação dos elementos do processo, recordamos que estes permitem, designadamente, que o acusado e o seu advogado possam formular pedidos muito precisos quanto à prova ou, ainda, requerer uma investigação adicional. O acesso a esses elementos deve, pois, ocorrer num momento que permita ao acusado ou ao seu advogado preparar, de forma útil e efetiva, a sua defesa e, em todo o caso, esse acesso não pode ter lugar no decurso da fase de deliberação. Se o tribunal verificar que o acesso foi requerido mas que, por razões independentes da vontade do acusado ou do seu advogado, estes não puderam tomar conhecimento dos elementos do processo, consideramos que, também neste caso, o juiz deve suspender a instância e permitir esse acesso, concedendo tempo suficiente para que essa pessoa e o seu advogado tomem conhecimento dos mesmos e, se for caso disso, formulem todos os pedidos que tenham o direito de apresentar.

103.

Por conseguinte, à luz dos elementos precedentes, entendemos que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática nacional que prevê a prestação ao acusado das informações sobre a acusação após a apresentação da acusação em tribunal, na medida em que o desenvolvimento do processo durante a fase oral permita ao acusado conhecer e compreender os factos que lhe são imputados e lhe conceda um período de tempo razoável para refutar os elementos contra si apresentados.

104.

Por outro, consideramos que o artigo 7.o, n.o 3, desta diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática nacional que prevê que o acesso aos elementos do processo ocorra, a pedido das partes, na fase de inquérito, antes da formulação da acusação definitiva. Neste caso, a resposta é ditada por uma simples consideração de ordem prática. Outra solução implicaria que os autos fossem remetidos ao arguido ou ao seu advogado com os riscos de perda ou destruição que daí resultariam. Além disso, dado que se trata dos elementos do processo, estes podem ser muito volumosos e, por exemplo, neste tipo de delinquência, incluir a apreensão de elementos contabilísticos.

105.

Em contrapartida, é importante a este respeito que o juiz nacional assegure que o acusado ou o seu advogado possam ter um acesso efetivo a esses elementos, a fim de lhes permitir preparar eficazmente a defesa dessa pessoa.

3. Quanto ao direito de acesso a um advogado

106.

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre se o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tribunal nacional é obrigado a afastar da fase jurisdicional o advogado de um dos arguidos que patrocina ou patrocinou outro arguido, no caso de a defesa de um dos arguidos ser contrária à defesa do outro, e que prevê que esse tribunal deve nomear novos defensores oficiosos para representarem esses arguidos.

107.

Antes de mais, deve salientar‑se que, por força do artigo 15.o desta diretiva, os Estados‑Membros eram obrigados a pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à referida diretiva até 27 de novembro de 2016. Portanto, à data dos factos do litígio no processo principal, esse prazo não tinha expirado. Contudo, embora uma norma jurídica não seja aplicável às situações jurídicas nascidas e definitivamente fixadas na vigência da lei anterior, aplica‑se aos efeitos futuros destas, bem como às situações jurídicas novas ( 21 ). Por outro lado, a Diretiva 2013/48 não inclui nenhuma disposição especial que determine as suas regras de aplicação no tempo. Em nosso entender, daí decorre que esta diretiva é aplicável às situações dos arguidos no processo principal.

108.

Recordamos que o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva estabelece que «[o]s Estados‑Membros asseguram que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir‑lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa». O direito de acesso a um advogado é, pois, um elemento primordial do direito a um processo equitativo ( 22 ).

109.

Na realidade, a Diretiva 2013/48 visa unicamente estabelecer regras mínimas relativas ao direito de acesso a um advogado em processo penal ( 23 ). Na medida em que a mesma é omissa quanto à possibilidade de um tribunal afastar de um processo penal um advogado que defenda clientes que tenham interesses contrários no âmbito de um mesmo processo, é simplesmente o direito fundamental de cada um deles de dispor de uma defesa objetiva e sem concessões nem equívocos dos seus interesses que, neste caso, fornece a resposta.

110.

A evidência deste princípio explica que, no limite, não seja sequer necessária a sua consagração expressa num texto legal. No caso em apreço, consideramos que a regulamentação nacional que permite afastar do processo penal um advogado que defenda arguidos que tenham interesses contrários no âmbito de um mesmo processo é, justamente, adequada para garantir esse direito, na medida em que dificilmente vemos de que modo um mesmo advogado poderia defender, plena e eficazmente, dois arguidos com interesses divergentes, tanto mais que, no caso em apreço, as declarações de um dos arguidos põem em causa o outro. Na realidade, isso equivaleria, pura e simplesmente, a privar uma das pessoas em causa, senão as duas, do direito fundamental de ser assistido por advogado e a privá‑las de exercer de forma concreta e efetiva os seus direitos de defesa ( 24 ).

111.

No que diz respeito à nomeação oficiosa de um advogado quando o tribunal afasta o advogado que se encontra em situação de conflito de interesses, consideramos que tal nomeação também é adequada para assegurar o direito de acesso a um advogado, conforme descrito acima.

112.

Em contrapartida, o juiz nacional deve zelar por que o advogado oficioso possa dispor de tempo suficiente para tomar conhecimento do processo e defender eficazmente o seu cliente. Para esse efeito, deve, se necessário, suspender a instância para que o advogado oficioso possa, sendo caso disso, requerer qualquer diligência processual — como a comunicação dos elementos do inquérito ou ainda requerer a intervenção de um perito —, faculdade expressamente prevista no direito nacional, a fim de preparar da melhor forma a defesa do seu cliente.

113.

À luz de todos os elementos precedentes, consideramos que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tribunal nacional é obrigado a afastar da fase jurisdicional o advogado de um dos arguidos que patrocina ou patrocinou outro arguido, no caso de a defesa de um dos arguidos ser contrária à defesa do outro, e que prevê que esse tribunal deve nomear novos defensores oficiosos para representarem esses arguidos.

V – Conclusão

114.

À luz de todas as considerações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça responda ao Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Penal Especializado, Bulgária) do seguinte modo:

1)

O artigo 325.o TFUE, o artigo 2.o, n.o 1, da Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, assinada no Luxemburgo, em 26 de julho de 1995, bem como os artigos 2.°, n.o 2, e 3.°, n.o 2, do Protocolo estabelecido com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, da Convenção relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições de direito nacional, como os artigos 368.° e 369.° do NPK, que, em caso de incumprimento de um prazo perentório, impõem que o juiz nacional decida o arquivamento do processo penal, mesmo que a causa do atraso seja uma obstrução deliberadamente provocada pelo acusado. Compete ao juiz nacional dar plena eficácia ao direito da União deixando de aplicar, quando necessário, as disposições de direito nacional que tenham por efeito impedir o Estado‑Membro em causa de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições.

2)

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática nacional que prevê a prestação ao acusado das informações sobre a acusação após a apresentação da acusação em tribunal, na medida em que o desenvolvimento do processo durante a fase oral permita ao acusado conhecer e compreender os factos que lhe são imputados e lhe conceda um período de tempo razoável para refutar os elementos contra si apresentados.

3)

O artigo 7.o, n.o 3, da Diretiva 2012/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática nacional que prevê que o acesso aos elementos do processo ocorra, a pedido das partes, na fase de inquérito, antes da formulação da acusação definitiva. Em contrapartida, é importante a este respeito que o juiz nacional assegure que o acusado ou o seu advogado possam ter um acesso efetivo a esses elementos, a fim de lhes permitir preparar eficazmente a defesa dessa pessoa.

4)

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o tribunal nacional é obrigado a afastar da fase jurisdicional o advogado de um dos arguidos que patrocina ou patrocinou outro arguido, no caso de a defesa de um dos arguidos ser contrária à defesa do outro, e que prevê que esse tribunal deve nomear novos defensores oficiosos para representarem esses arguidos.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2008, L 145, p. 1.

( 3 ) JO 1995, C 316, p. 49, a seguir «Convenção PIF».

( 4 ) Quinto parágrafo desse preâmbulo.

( 5 ) Sexto parágrafo do referido preâmbulo.

( 6 ) JO 1996, C 313, p. 2, a seguir «Primeiro Protocolo à Convenção PIF».

( 7 ) JO 2012, L 142, p. 1.

( 8 ) JO 2013, L 294, p. 1.

( 9 ) V. acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555, n.o 37).

( 10 ) Para uma definição destes dois conceitos, remetemos para os n.os 8 e 9 das presentes conclusões.

( 11 ) V. Cornu, G., Vocabulaire juridique. Presses universitaires de France, Paris, 2011.

( 12 ) V., em especial, TEDH, acórdão Dimitrov e Hamanov c. Bulgária, de 10 de maio de 2011, CE:ECHR:2011:0510JUD004805906, bem como os n.os 34.1 e 37 do pedido de decisão prejudicial.

( 13 ) V. artigo 325.o TFUE e acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555, n.o 37).

( 14 ) V. n.os 44 e 46 das presentes conclusões.

( 15 ) JO 2014, L 130, p. 1.

( 16 ) De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a não aplicar, por autoridade própria, as disposições nacionais contrárias ao direito da União, sem que tenha de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional. V., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2015, Taricco e o. (C‑105/14, EU:C:2015:555, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

( 17 ) V. acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, EU:C:2009:456, n.o 181).

( 18 ) V. TEDH, acórdão D.M.T. e D.K.I. c. Bulgária de 24 de julho de 2012, CE:ECHR:2012:0724JUD002947606, § 93.

( 19 ) V. considerandos 27 e 28 da Diretiva 2012/13.

( 20 ) Em língua italiana, por exemplo, esta disposição tem a seguinte redação: «Gli Stati membri garantiscono che, al più tardi al momento in cui il merito dell’accusa è sottoposto all’esame di un’autorità giudiziaria, siano fornite informazioni dettagliate sull’accusa, inclusa la natura e la qualificazione giuridica del reato, nonché la natura della partecipazione allo stesso dell’accusato». Em língua inglesa prevê: «Member States shall ensure that, at the latest on submission of the merits of the accusation to a court, detailed information is provided on the accusation, including the nature and legal classification of the criminal offence, as well as the nature of participation by the accused person».

( 21 ) V. acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o. (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 22).

( 22 ) V. considerando 12 da Diretiva 2013/48.

( 23 ) V. artigo 1.o dessa diretiva.

( 24 ) V. artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48. V., igualmente, artigo 1.o da mesma.