CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 28 de abril de 2016 ( 1 )

Processo C‑379/15

Association France Nature Environnement

contra

Premier ministre

e

Ministre de l’Écologie, du Développement durable et de l'Énergie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, França)]

«Poderes do juiz nacional — Regulamentação nacional que contraria o direito da União — Manutenção provisória dos efeitos de uma regulamentação deste tipo — Efeitos no tempo — Obrigação de recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia — Proteção do ambiente — Diretiva 2001/42/CE — Avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente — Violação de regras processuais do direito da União»

I – Introdução

1.

Um órgão jurisdicional nacional está obrigado a anular com efeitos retroativos a transposição incorreta de uma diretiva ou pode ordenar a manutenção provisória das regras incorretas até que o legislador tenha corrigido o erro (com efeitos para o futuro)? Esta é a questão submetida ao Tribunal de Justiça no presente processo prejudicial.

2.

O ponto de partida do pedido de decisão prejudicial é apresentado no âmbito de um processo de fiscalização da legalidade pendente no Conseil d’État (Conselho de Estado, França) que tem por objeto a compatibilidade da legislação francesa de transposição com a Diretiva 2001/42/CE relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente ( 2 ) (a seguir «Diretiva 2001/42). No referido processo, o Conseil d’État (Conselho de Estado) declarou que as exigências da referida diretiva em relação à autonomia de organismos que devem ser consultados no âmbito da avaliação ambiental não foram corretamente transpostas. O Conseil d’État (Conselho de Estado) pretende agora evitar que a validade dos planos e programas adotados sob a vigência desta legislação nacional contrária à Diretiva 2001/42 possa ser colocada em causa.

3.

A este respeito, o Conseil d’État (Conselho de Estado) baseia‑se no acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne ( 3 ), que, tal como o presente pedido de decisão prejudicial, dizia respeito à Diretiva 2001/42 e permite, em determinadas condições, a manutenção deste tipo de planos e programas. No entanto, uma análise mais aprofundada demonstra a existência de diferenças significativas.

4.

Com efeito, o referido acórdão dizia respeito à eficácia de medidas de execução da Diretiva 91/676/CEE ( 4 ), que foram adotadas em violação das regras em matéria processual da Diretiva 2001/42. O presente processo, pelo contrário, tem por objeto a própria transposição da Diretiva 2001/42. Por conseguinte, é de excluir uma simples aplicação do anterior acórdão. Pelo contrário, o presente processo levanta questões gerais a respeito do efeito das diretivas.

5.

O presente pedido de decisão prejudicial é o ponto de partida para um interessante exercício no domínio dos vários níveis do direito da União que evoca os conhecidos aspetos do primado, do pedido prejudicial e das consequências de irregularidades processuais. No entanto, não é de esperar que o resultado final seja do agrado do Conseil d’État (Conselho de Estado).

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

6.

O objetivo essencial da Diretiva 2001/42, como resulta do seu artigo 1.o, consiste em submeter (determinados) planos e programas suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, na sua elaboração e antes da sua adoção, a uma avaliação ambiental. Esta diretiva fixa regras mínimas sobre a elaboração do relatório sobre os efeitos ambientais, a execução do processo de consulta, a consideração dos resultados da avaliação ambiental e a comunicação de informações sobre a decisão tomada no termo da avaliação.

7.

O artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42 diz respeito à consulta das autoridades em causa:

«Os Estados‑Membros devem designar as autoridades a consultar às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, sejam suscetíveis de interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação dos planos e programas.»

B – Direito francês

8.

O artigo L. 122‑7 do code de l’environnement (Código do Ambiente), conforme alterado pelo Decreto n.o 2012‑616, de 2 de maio de 2012, relativo à avaliação de determinados planos e documentos com efeitos no ambiente (a seguir «Decreto n.o 2012‑616» ou «decreto impugnado»), dispõe:

«A entidade pública responsável pela elaboração de um plano ou de um documento remete à autoridade administrativa estatal competente em matéria de ambiente, para efeitos de emissão de parecer, o projeto de plano ou de documento elaborado nos termos do artigo L. 122‑4, acompanhado do relatório ambiental. [...]»

III – Litígio no processo principal e pedido de decisão prejudicial

9.

A association France Nature Environnement pede ao Conseil d’État (Conselho de Estado) que declare nulo o Decreto n.o 2012‑616.

10.

Neste processo de fiscalização da legalidade, o Conseil d’État (Conselho de Estado) já declarou que o decreto impugnado não respeitou as exigências que decorrem da Diretiva 2001/42 de acordo com a interpretação do Tribunal de Justiça. Com efeito, confiou à mesma autoridade a competência para elaborar e aprovar os planos e documentos e a competência consultiva em matéria ambiental. Não existe, no entanto, qualquer disposição suscetível de garantir que a competência consultiva em matéria ambiental seja exercida, no âmbito dessa autoridade, por uma entidade que disponha de uma autonomia efetiva.

11.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) considera que esta situação jurídica não é compatível com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça.

12.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) parte do princípio de que a retroatividade da anulação parcial do decreto impugnado apresentaria o risco de pôr em causa a legalidade de muitos dos planos e programas adotados em sua aplicação, bem como, tendo em conta a possibilidade prevista no direito administrativo francês de invocar sem dependência de prazo a ilegalidade dos atos regulamentares, de todos os atos adotados com base nesses planos e programas.

13.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) pretende evitar esse resultado, pelo que submeteu as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)

Um órgão jurisdicional nacional, como tribunal de direito comum do direito da União Europeia, deve, em todos os casos, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia para que este aprecie se as disposições consideradas contrárias ao direito da União pelo tribunal nacional devem ser mantidas provisoriamente em vigor?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a decisão suscetível de ser tomada pelo Conseil d’État [(Conselho de Estado)] de manter até 1 de janeiro de 2016 os efeitos das disposições do artigo 1.o do Decreto de 2 de maio de 2012, relativo à avaliação de determinados planos e documentos com efeitos no ambiente, que considera ilegais, é designadamente justificada por uma razão imperiosa relacionada com a proteção do ambiente?»

14.

A association France Nature Environnement, a República Francesa e a Comissão Europeia apresentaram observações por escrito e participaram oralmente na audiência de 24 de fevereiro de 2016.

IV – Apreciação jurídica

15.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) começa por levantar a questão relativa à possibilidade de ainda não anular provisoriamente disposições consideradas contrárias ao direito da União, embora na verdade não estejam em causa as disposições enquanto tal, mas sim a manutenção dos seus efeitos em relação ao direito da União aplicável prioritariamente. A segunda questão visa expressamente esta situação.

16.

Por conseguinte, começarei por analisar quais os efeitos que estão em causa (v., infra, ponto A), antes de expor que a manutenção desses efeitos não seria compatível com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (v., infra, ponto B). Por último, analisarei de que forma se deve resolver, na prática, o problema que levou o Conseil d’État (Conselho de Estado) a submeter o seu pedido prejudicial. Apenas neste âmbito se levanta efetivamente a questão levantada pelo Conseil d’État (Conselho de Estado) de saber se é necessário recorrer ao Tribunal de Justiça (v., infra, ponto C).

A – Quanto aos efeitos da disposição controvertida

17.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) pretende manter provisoriamente os efeitos do artigo L. 122‑7 do Código do Ambiente, que prevê que a entidade pública responsável pela elaboração de um plano ou de um documento remete à autoridade administrativa estatal competente em matéria de ambiente, para efeitos de emissão de parecer, o projeto de plano ou de documento elaborado nos termos do artigo L. 122‑4, acompanhado do relatório ambiental (a seguir «decisão controvertida»). Em substância, esta disposição corresponde ao teor do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42.

18.

O Tribunal de Justiça concluiu, no entanto, que é admissível que também a (própria) autoridade competente para a elaboração ou aprovação de um plano ou programa seja consultada a respeito desta medida nos termos do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42. É, no entanto, necessário que no âmbito da autoridade normalmente responsável para proceder à consulta em matéria ambiental seja organizada uma separação funcional para que uma entidade administrativa (a consultar), integrada nesta, disponha de autonomia real ( 5 ).

19.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) concluiu, por conseguinte, que a decisão controvertida não é compatível com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42, na medida em que a referida disposição não garante suficiente autonomia às entidades integradas na autoridade que são consultadas no âmbito da avaliação ambiental de planos ou programas. Não obstante, pretende manter os efeitos desta disposição até que seja adotado um regime de substituição compatível com a Diretiva 2001/42.

20.

Neste âmbito, embora seja concebível a continuação da aplicação provisória destas disposições processuais no âmbito da avaliação de novos planos ou programas, tal não apresenta, contudo, um elevado interesse prático. Pelo contrário, seria porventura mais lógico adiar estas avaliações até que a autonomia das entidades em causa esteja suficientemente garantida.

21.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) está sobretudo interessado em planos e programas já aprovados cuja avaliação ambiental incluiu a consulta de entidades sem suficiente autonomia. Isto porque receia que este tipo de planos e programas esteja em risco devido à falta de autonomia.

22.

Este risco pode concretizar‑se tanto em recursos diretos contra o respetivo plano ou programa como também em impugnações incidentais. Estas podem ser interpostas no âmbito de ações contra decisões das autoridades que se baseiem no respetivo plano ou programa. De acordo com as informações fornecidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado), o direito francês não sujeita este tipo de impugnações incidentais a qualquer restrição temporal, pelo que a validade ( 6 ) dos planos ou programas não se lhes poderia ser oposta.

23.

Seria, por exemplo, concebível que um plano proibisse construções em determinadas superfícies por motivos relacionados com a proteção do ambiente. Caso um pedido de licença de construção fosse indeferido por este motivo, o requerente poderia alegar, no âmbito de uma ação subsequente, que o plano enferma de um vício processual, na medida em que as entidades integradas na autoridade consultadas antes da sua aprovação não tinham autonomia suficiente. Caso o plano constituísse o único obstáculo à licença de construção seria, por conseguinte, concebível que o projeto de construção devesse ser aprovado.

24.

Seria também possível, por exemplo, que associações ambientais impugnassem projetos conformes a planos ou programas deste tipo, alegando neste âmbito que caso tivesse sido conferida suficiente autonomia às entidades integradas na autoridade que foram consultadas o plano ou o programa teria incluído disposições de proteção mais rigorosas.

25.

A questão de saber qual o sucesso de uma argumentação deste tipo dependeria antes de mais do direito interno, na medida em que, apesar de exigir a autonomia das entidades a consultar ( 7 ), a Diretiva 2001/42 não regula, no entanto, expressamente as consequências de uma autonomia insuficiente ( 8 ).

26.

As modalidades de invocação da autonomia das entidades consultadas, imposta nos termos do direito da União, não podem, porém, ser menos favoráveis do que as que regem as situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não podem impossibilitar na prática ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) ( 9 ). Nos termos do princípio da efetividade, os órgãos jurisdicionais dessas causas devem adotar, com base no direito nacional, medidas de suspensão ou anulação do «plano» ou «programa» adotado em violação da obrigação de proceder a uma avaliação ambiental ( 10 ).

27.

No entanto, poder‑se‑ia colocar a questão de saber se a jurisprudência relativa a irregularidades processuais é aplicável no âmbito da aplicação da Diretiva 2011/92/UE ( 11 ).

28.

Nos termos da referida jurisprudência, uma irregularidade processual não exige a anulação da decisão controvertida se o tribunal em causa estiver em condições de considerar, sem fazer pesar sobre o recorrente o ónus da prova a este respeito, mas atendendo, conforme os casos, aos elementos de prova apresentados pelo dono da obra ou pelas autoridades competentes, e, de forma mais geral, ao conjunto dos documentos dos autos que lhes são submetidos, que a decisão controvertida não teria sido diferente sem a irregularidade processual invocada por esse recorrente ( 12 ). Nesta apreciação, cabe ao tribunal em causa ter em conta designadamente o grau de gravidade da irregularidade invocada ( 13 ).

29.

Não obstante, a questão de saber se este raciocínio é efetivamente transponível das autorizações individuais na aceção da Diretiva 2011/92 para planos e programas necessariamente mais genéricos, e que por natureza permitem maiores margens de configuração passíveis de serem influenciadas por consultas, necessitaria de uma análise mais aprofundada. Esta questão não deve ser apreciada de forma abstrata no presente processo, mas sim com base em processos concretos relativos a determinados planos e programas que ilustram as questões efetivamente levantadas.

30.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) tem, por conseguinte, razão ao recear que a insuficiente autonomia de entidades consultadas no âmbito da avaliação ambiental possa comprometer a existência dos planos e programas em causa.

B – Quanto à manutenção dos efeitos de disposições contrárias ao direito da União

31.

É assim possível entender o objetivo do pedido de decisão prejudicial, que consiste em saber se o Conseil d’État (Conselho de Estado) pode manter os efeitos do direito de transposição francês incompatível com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42. Pretende‑se deste modo excluir que os planos e programas adotados em aplicação do direito de transposição possam ser postos em causa devido à sua incompatibilidade com o direito da União.

32.

No entanto, a questão de saber quais os efeitos de disposições nacionais que não são compatíveis com o direito da União já foi em grande medida esclarecida. Com efeito, cabe ao órgão jurisdicional nacional aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União e garantir a sua plena eficácia, não aplicando qualquer disposição do direito nacional que o conduzisse a tomar uma decisão contrária ao direito da União ( 14 ). Deste modo é expresso o primado do direito da União ( 15 ).

33.

A questão do Conseil d’État (Conselho de Estado) visa, por conseguinte, saber se o mesmo órgão jurisdicional pode suspender provisoriamente o efeito da exigência, prioritariamente aplicável, de garantir uma autonomia suficiente da entidade a consultar, a favor das regulamentações que não preveem essa autonomia.

34.

Neste âmbito, considera‑se que apenas ( 16 )o Tribunal de Justiça pode a título excecional, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição que haja sido interpretada pelo Tribunal para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé ( 17 ). Caso, pelo contrário, os tribunais nacionais tivessem o poder de conceder o primado a disposições nacionais em relação ao direito da União contrário, mesmo que de forma temporária, comprometer‑se‑ia a aplicação uniforme do direito da União.

35.

Mesmo o próprio Tribunal de Justiça só pode proceder a uma tal limitação no próprio acórdão que decide quanto à interpretação solicitada ( 18 ). Este princípio garante a igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e dos demais interessados face a esse direito e por isso cumpre as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica ( 19 ).

36.

No que respeita ao pedido de decisão prejudicial submetido pelo Conseil d’État (Conselho de Estado), assume relevância, em termos de conteúdo, a interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão Seaport (NI) e o. (C‑474/10, EU:C:2011:681). No entanto, o Tribunal de Justiça não limitou os efeitos deste acórdão, sendo que já não é possível fazê‑lo.

37.

O acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103) não justifica qualquer derrogação suplementar à primazia do direito da União. Apesar de o mesmo referir a possibilidade de manter certos efeitos de um ato nacional anulado ( 20 ), esta declaração não diz respeito a um ato cujo conteúdo é contrário ao direito da União, mas sim a um ato adotado em violação das exigências processuais do direito da União ( 21 ).

38.

Por conseguinte, não é possível manter os efeitos de disposições de transposição nacionais de forma a excluir a possibilidade de invocar o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42, tal como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Seaport (NI) e o. (C‑474/10, EU:C:2011:681), em relação a planos e programas adotados em violação desta disposição.

C – Quanto à manutenção dos planos e programas adotados na sequência da aplicação de disposições contrárias ao direito da União

39.

O pedido de decisão prejudicial também pode, no entanto, ser entendido no sentido de visar saber se o Conseil d’État (Conselho de Estado) tem desde já o poder de decidir, no contexto da decisão sobre a compatibilidade das disposições francesas de transposição da Diretiva 2001/42 com o direito da União, sobre a manutenção dos planos e programas em causa e se para tal deve recorrer ao Tribunal de Justiça.

40.

O fundamento para tal pode ser encontrado no acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103). Nos termos do mesmo, um órgão jurisdicional poderá excecionalmente ser autorizado a fazer uso da sua disposição nacional que lhe permite manter certos efeitos de um ato nacional anulado, na medida em que:

esse ato nacional constitua uma medida de transposição correta da Diretiva 91/676;

a adoção e a entrada em vigor do novo ato nacional que contém o programa de ação na aceção do artigo 5.o desta diretiva não permitam evitar os efeitos prejudiciais no ambiente resultantes da anulação do ato recorrido;

a anulação desse ato recorrido tenha por consequência criar um vazio jurídico no que respeita à transposição da Diretiva 91/676 que seja mais prejudicial ao ambiente no sentido de essa anulação se traduzir numa menor proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola e assim ir contra o próprio objetivo essencial desta diretiva; e

uma manutenção excecional dos efeitos desse ato apenas abranja o tempo estritamente necessário à adoção das medidas que permitam corrigir a irregularidade verificada ( 22 ).

41.

Neste sentido colocam‑se duas questões. Por um lado, importa esclarecer se é possível decidir sobre uma manutenção deste tipo de forma abstrata, em relação a todos os planos e programas em causa, ou, como sugere a República Francesa, pelo menos em relação a determinadas categorias de planos ou programas (v., infra, ponto 2). Por outro lado, importa analisar em que medida é necessário submeter para tal um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (v., infra, ponto 3). Antes de mais, deve, no entanto, ser apreciada a questão da admissibilidade do pedido de decisão prejudicial assim entendido.

1. Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial assim entendido

42.

Caso se entenda o pedido de decisão prejudicial neste sentido, levanta‑se antes de mais a questão de saber se a sua resposta é necessária para a decisão do processo principal, ou seja, se seria admissível tendo em consideração esta interpretação. Isto porque o Conseil d’État (Conselho de Estado) não está a analisar um processo que tem diretamente por objeto a validade de planos ou programas adotados em violação do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42.

43.

O Conseil d’État (Conselho de Estado) salientou, no entanto, que a sua constatação da incompatibilidade do direito de transposição francês com o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42 pode colocar em causa a validade de determinados planos e programas. Por conseguinte, não pode ser manifestamente excluído que na sua decisão o Conseil d’État (Conselho de Estado) se possa expressar em relação às consequências da mesma para os planos e programas em causa.

44.

Por conseguinte, também neste caso se verifica a presunção da pertinência das questões prejudiciais submetidas ( 23 ), sendo admissíveis as duas subquestões acima desenvolvidas.

2. Quanto à manutenção de todos os planos e programas em causa ou de determinadas categorias

45.

Conforme refere corretamente a Comissão, o Tribunal de Justiça, no contexto da Diretiva 2011/92, já recusou sanar de forma genérica as autorizações emitidas em violação das exigências em matéria processual da referida diretiva ( 24 ). Os critérios desenvolvidos no acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103) em relação aos planos e programas apontam no mesmo sentido. Isto porque nos termos dos mesmos é excecionalmente permitido manter os efeitos de determinados atos ( 25 ). E pelo menos três dos quatro requisitos aí apresentados visam apreciar o ato concreto e as consequências da sua anulação.

46.

Neste sentido, nos termos do segundo requisito, deve analisar‑se se uma manutenção judicial é necessária ou se um ato posterior adotado nos termos do procedimento correto já aprovou as regulamentações suficientes ( 26 ). Neste contexto, importa referir que uma correção posterior do erro na transposição legal da Diretiva 2001/42 não seria adequada para sanar as irregularidades processuais no âmbito da adoção de planos ou programas, na medida em que não é possível restaurar a posteriori a existência de autonomia suficiente. Para efeitos de cumprimento desse requisito, só são relevantes os planos e programas posteriormente adotados no processo correto que substituem medidas adotadas com irregularidades processuais.

47.

O terceiro requisito diz respeito aos prejuízos específicos para o ambiente que resultariam da anulação do ato ( 27 ). No que se refere ao preenchimento do quarto requisito, é necessário avaliar quanto tempo demoraria a adotar uma medida de substituição no processo correto ( 28 ). Ambas as questões apenas podem ser apreciadas em relação a planos ou programas determinados.

48.

Por conseguinte, apenas é possível decidir casuisticamente se os planos ou programas adotados em violação das exigências processuais da Diretiva 2001/42 podem ser mantidos provisoriamente.

3. Quanto à necessidade de um pedido de decisão prejudicial

49.

Os três requisitos do acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103) apreciados até ao momento não dependem da interpretação do direito da União, mas sim essencialmente da situação de facto e do conteúdo da respetiva medida. Por conseguinte, em regra podem ser apreciados pelos tribunais nacionais sem que seja necessário submeter um pedido de decisão prejudicial.

50.

À primeira vista, tal parece particularmente evidente no que se refere ao primeiro requisito do Tribunal de Justiça de que o ato em causa deve constituir uma medida de transposição correta da Diretiva 91/676 ( 29 ).

51.

O facto de o Conseil d’État (Conselho de Estado) também ter em consideração planos e programas que não transpõem a Diretiva 91/676 levanta, porém, certas dificuldades. Neste sentido, coloca‑se a questão de saber se os tribunais nacionais também podem manter medidas com outros objetivos.

52.

Tal como já expus nas minhas conclusões no acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2011:822), independentemente da transposição da Diretiva 91/676 podem existir razões válidas para manter um plano ou um programa apesar de esta medida ter sido adotada em violação da Diretiva 2001/42. Isto porque a eliminação de uma medida deste tipo poderia criar uma lacuna em matéria de proteção do ambiente ( 30 ). Esta situação aplica‑se tanto a medidas de transposição do direito do ambiente da União como a medidas puramente nacionais destinadas à proteção do ambiente.

53.

Considero, no entanto, que uma decisão do Tribunal de Justiça neste sentido não seria adequada.

54.

Em primeiro lugar, não é possível reconhecer que no processo principal o Conseil d’État (Conselho de Estado) se deva efetivamente pronunciar sobre a manutenção de planos ou programas concretos. Neste sentido, uma conclusão correspondente do Tribunal de Justiça não seria necessária para a sua decisão.

55.

Em segundo lugar, o acórdão Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103) foi proferido pela Grande Secção do Tribunal de Justiça. Esta considerou mais razoável que a possibilidade de uma manutenção de planos ou programas fosse expressamente limitada ao caso a decidir em concreto, designadamente à manutenção de uma medida de transposição da Diretiva 91/676 adotada incorretamente. Por conseguinte, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça não deveria, sem necessidade, fazer considerações de alcance mais amplo.

56.

Em terceiro lugar, considero justificado o cuidado da Grande Secção. Considerações de alcance mais amplo a respeito da manutenção de planos e programas teriam de ser adotadas no presente processo sem qualquer conhecimento dos interesses antagónicos no caso concreto. De igual modo, poderiam enfraquecer o efeito útil da Diretiva 2001/42 e eventualmente também de outras disposições processuais do direito da União.

57.

Por conseguinte, no estado atual do direito da União, ainda está por esclarecer se também podem ser mantidas medidas incorretamente adotadas que não visam a transposição da Diretiva 91/676. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões já não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, está obrigado nos termos do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE a recorrer ao Tribunal de Justiça caso estiver a ponderar manter este tipo de medidas.

V – Conclusão

58.

Atendendo às considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo ao pedido prejudicial:

«1)

Não é possível manter os efeitos de disposições nacionais de transposição de uma forma que exclua a possibilidade de invocar o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Seaport (NI) e o. (C‑474/10, EU:C:2011:681), em relação a planos e programas adotados em violação desta disposição.

2)

Com base no acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103), os órgãos jurisdicionais nacionais só podem manter provisoriamente os efeitos de um plano ou programa adotado em violação da Diretiva 2001/42 em casos concretos.

3)

No estado atual do direito da União, um órgão jurisdicional nacional cujas decisões já não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno está obrigado, nos termos do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça antes de manter os efeitos de um plano ou programa adotado em violação da Diretiva 2001/42 caso esta medida não vise a transposição da Diretiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola, conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1882/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de setembro de 2003.»


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2001 (JO 2001, L 197, p. 30).

( 3 ) Acórdão de 28 de fevereiro de 2012 (C‑41/11, EU:C:2012:103).

( 4 ) Diretiva do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa à proteção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (JO 1991, L 375, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1882/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de setembro de 2003 (JO 2003, L 284, p. 1).

( 5 ) V. acórdão de 20 de outubro de 2011, Seaport (NI) e o. (C‑474/10, EU:C:2011:681, n.o 43).

( 6 ) V., quanto à admissibilidade dos prazos de preclusão, acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral (33/76, EU:C:1976:188, n.o 5); de 17 de novembro de 1998, Aprile (C‑228/96, EU:C:1998:544, n.o 19); de 30 de junho de 2011, Meilicke e o. (C‑262/09, EU:C:2011:438, n.o 56); e de 29 de outubro de 2015, BBVA (C‑8/14, EU:C:2015:731, n.o 28).

( 7 ) V. acórdão de 20 de outubro de 2011, Seaport (NI) e o. (C‑474/10, EU:C:2011:681, n.o 43).

( 8 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 42).

( 9 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 45).

( 10 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 46).

( 11 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 2011, L 26, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014 (JO 2014, L 124, p. 1).

( 12 ) V. acórdãos de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o. (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 53), e de 15 de outubro de 2015, Comissão/Alemanha (C‑137/14, EU:C:2015:683, n.o 60).

( 13 ) V. acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o. (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 54).

( 14 ) V. acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 e 23); de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 45); e de 18 de abril de 2013, L (C‑463/11, EU:C:2013:247, n.o 44).

( 15 ) V. acórdãos de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, EU:C:1978:49, n.o 17); de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, EU:C:2010:503, n.o 53); e de 4 de fevereiro de 2016, Ince (C‑336/14, EU:C:2016:72, n.o 52).

( 16 ) V. acórdão de 8 de setembro de 2010, Winner Wetten (C‑409/06, EU:C:2010:503, n.o 67).

( 17 ) V. acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56, n.os 71 a 75); de 6 de março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, EU:C:2007:132, n.o 35); e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 89).

( 18 ) V. acórdãos de 2 de fevereiro de 1988, Barra e o. (309/85, EU:C:1988:42, n.o 142); de 15 de dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, EU:C:1995:463); de 6 de março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, EU:C:2007:132, n.o 36); e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 90).

( 19 ) V. acórdãos de 6 de março de 2007, Meilicke e o. (C‑292/04, EU:C:2007:132, n.o 37); e de 23 de outubro de 2012, Nelson e o. (C‑581/10 e C‑629/10, EU:C:2012:657, n.o 91).

( 20 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 58).

( 21 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.os 44 a 48).

( 22 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 63).

( 23 ) V. acórdãos de 7 de setembro de 1999, Beck e Bergdorf (C‑355/97, EU:C:1999:391, n.o 22); de 16 de junho de 2005, Pupino (C‑105/03, EU:C:2005:386, n.o 30); e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 40).

( 24 ) V. acórdão de 3 de julho de 2008, Comissão/Irlanda (C‑215/06, EU:C:2008:380, n.o 57).

( 25 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 58).

( 26 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 60).

( 27 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 61).

( 28 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 62).

( 29 ) V. acórdão de 28 de fevereiro de 2012, Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2012:103, n.o 59).

( 30 ) V. minhas conclusões no processo Inter‑Environnement Wallonie e Terre wallonne (C‑41/11, EU:C:2011:822, n.os 42 e 43).