MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA
apresentadas em 16 de fevereiro de 2016 ( 1 )
Processo C‑300/15
Charles Kohlle
Sylvie Kohll‑Schlesser
contra
Directeur de l’administration des contributions directes
[Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal administratif du Luxembourg (Tribunal Administrativo do Luxemburgo, Luxemburgo)]
«Livre circulação de pessoas — Trabalhador — Igualdade de tratamento — Imposto sobre o rendimento — Pensões nacionais e pensões adquiridas noutro Estado‑Membro — Crédito fiscal reservado a determinadas pensões — Ficha de retenção de imposto emitida pela Administração nacional»
1. |
A jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de fiscalidade direta continua a aumentar, apesar de já ter atingido um volume considerável, e muito embora se refira, geralmente, apenas às liberdades fundamentais reconhecidas pelo Tratado (a seguir «TFUE»). A presente questão prejudicial tem por objeto a compatibilidade com o direito da União de uma legislação luxemburguesa que, ao alterar o imposto sobre o rendimento, concede um crédito fiscal aos reformados que reúnam determinados requisitos. |
2. |
Para responder à questão submetida pelo tribunal administratif du Luxembourg (Tribunal Administrativo do Luxemburgo, Luxemburgo) deverão ser analisados os efeitos da livre circulação dos trabalhadores sobre o regime de tributação direta de um Estado‑Membro. Também deverão ser definidos os critérios aplicáveis aos rendimentos recebidos pelos reformados que fizeram uso daquela liberdade, quer nos termos do artigo 45.o TFUE, relativo aos trabalhadores, quer em consequência da regra geral, o artigo 21.o TFUE. Em suma, a resposta do Tribunal de Justiça deve permitir definir melhor, se possível, os contornos da análise de regulamentações nacionais restritivas da liberdade de circulação e, em especial, a sua eventual justificação. |
I – Quadro jurídico nacional
A – Direito luxemburguês
3. |
Resulta do despacho de reenvio que, segundo o artigo 139 ter, n.o 1, da lei relativa ao imposto sobre o rendimento (a seguir «L.I.R.»), na versão aplicável aos rendimentos do ano de 2009 e seguintes, é concedido a qualquer contribuinte que realize um rendimento resultante de pensões ou de rendas na aceção do artigo 96.o (1), n.os 1 e 2, da L.I.R., cujo direito de tributação caiba ao Luxemburgo e que possua uma ficha de retenção de imposto, um crédito fiscal para pensionistas. |
4. |
De igual modo, nos termos do artigo 139 ter, n.o 2, da L.I.R., o crédito fiscal pode ser imputado e restituído ao pensionista exclusivamente no quadro da retenção de imposto sobre vencimentos e salários, efetuada pela caixa de pensões ou qualquer outro devedor da pensão, com base numa ficha de retenção de imposto. |
5. |
Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os documentos parlamentares relativos ao projeto de Lei n.o 5924 ( 2 ) mostram que o crédito fiscal para assalariados e pensionistas é incorporado nas disposições relativas à retenção do imposto sobre os vencimentos e salários, a fim de ser pago aos assalariados e pensionistas unicamente através das empresas, das caixas de pensões e dos outros devedores da pensão, tendo em conta as inscrições feitas nas referidas fichas. |
6. |
Por sua vez, o artigo 19.o da convenção entre o Luxemburgo e os Países Baixos destinada a evitar duplas tributações (a seguir «CDT») estabelece o seguinte: «Sem prejuízo das disposições do parágrafo 1.° do artigo 20.o, as pensões e outras remunerações semelhantes, pagas a um residente de um dos Estados a título de um trabalho assalariado anterior, são tributáveis unicamente nesse Estado». |
II –Matéria de facto e tramitação processual no órgão jurisdicional nacional
7. |
O litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio tem por objeto duas pensões de origem neerlandesa, recebidas por C. Kohll, cujo direito de tributação cabe ao Luxemburgo: a primeira proveniente, diretamente, da sociedade «Shell International B.V», empresa na qual trabalhou durante alguns anos e, a segunda, do «Sociale Verzekeringsbank» (SVB) ( 3 ). |
8. |
Dado que as duas pensões neerlandesas não tinham sido sujeitas a retenção na fonte no Luxemburgo, nenhum crédito fiscal para pensionistas foi concedido a C. Kohll relativamente aos três anos que o processo principal abrange, a saber, 2009, 2010 e 2011. |
9. |
Em 20 de fevereiro de 2013, C. Kohll apresentou ao Directeur de l’administration des Contributions directes (a seguir «directeur») ( 4 ) uma reclamação contra o aviso de imposto sobre o rendimento do ano 2009, emitido em 9 de junho de 2010, e os avisos de imposto sobre o rendimento dos anos de 2010 e 2011, todos emitidos em 6 de fevereiro de 2013. |
10. |
Por decisão de 23 de setembro de 2013, o directeur declarou inadmissível, por ser tardia, a reclamação apresentada contra o aviso de imposto sobre o rendimento do ano de 2009, e alterou in pejus os correspondentes aos anos de 2010 e 2011. Em especial, o directeur considerou que o reclamante, ao receber pensões não sujeitas a retenção na fonte no Luxemburgo, não tinha direito a um crédito fiscal para pensionistas por força do artigo 139 ter da L.I.R., relativamente aos anos de 2010 e 2011. |
11. |
Resulta dos autos que o tribunal administratif de Luxembourg (Tribunal Administrativo do Luxemburgo) julgou inadmissível, por um vício de forma, o recurso de S. Kohll‑Schlesser, cônjuge do recorrente, relativo à sua própria pensão do SVB, que tinha recebido durante os anos controvertidos. Esse pedido já não é objeto de litígio. |
12. |
O recorrente alegou, no processo perante o tribunal administratif de Luxembourg (Tribunal Administrativo do Luxemburgo), que a recusa dos créditos fiscais às pessoas cujas pensões não estejam sujeitas à retenção na fonte no Luxemburgo exclui aqueles que recebem pensões que não o estão, limitando, assim, a bonificação destes créditos fiscais às pessoas que recebam a sua pensão de uma caixa de pensões no Luxemburgo. A este propósito, tinha dúvidas de que a intenção do legislador em 2008, data em que a L.I.R. foi alterada no sentido aqui discutido, fosse deixar os pensionistas residentes no Luxemburgo, mas cujos rendimentos resultem de direitos de pensão adquiridos e recebidos de caixas de pensões estrangeiras, sem direito ao crédito fiscal. Considerou que essa interpretação constitui uma violação, nomeadamente, da livre circulação de pessoas (trabalhadores) enunciada no artigo 45.o TFUE. |
13. |
Pela sua parte, a representante do Governo luxemburguês considerou que o artigo 139 ter da L.I.R. não suscita nenhum problema de livre circulação dos trabalhadores na aceção do artigo 45.o TFUE. Na sua opinião, não havia qualquer discriminação de C. Kohll, uma vez que a situação diferente em que o mesmo se encontra seria uma consequência das características do crédito fiscal instituído pelo legislador. |
14. |
A representante do Governo alegou, ainda, que essa diferença estaria objetivamente justificada, tendo em conta o fim prosseguido pela norma. Também não havia qualquer violação da livre circulação de pessoas, protegida pelo artigo 21.o TFUE, dado que a disposição nacional controvertida não afeta a liberdade de circulação, uma vez que não obsta à permanência noutro Estado‑Membro. |
15. |
O tribunal administratif de Luxembourg (Tribunal Administrativo do Luxemburgo) observa que, ao fazer depender a concessão do crédito fiscal ao requisito de o sujeito passivo possuir uma ficha de retenção de imposto, o artigo 139 ter da L.I.R. é suscetível de comportar uma discriminação indireta, embora não contenha condição alguma quanto à nacionalidade dos potenciais beneficiários. O facto de esse crédito fiscal não ser concedido às pessoas que recebam pensões não sujeitas à retenção na fonte no Luxemburgo, como as pensões provenientes do estrangeiro, confirma esta opinião. |
16. |
Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, vistas as dificuldades de interpretação do artigo 139 ter da L.I.R. e na falta de jurisprudência da União que tenha dado resposta a um problema jurídico da mesma natureza, decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, para que se pronuncie a título prejudicial, a seguinte questão: «O princípio da livre circulação dos trabalhadores, inscrito, designadamente, no artigo 45.o TFUE, opõe‑se às disposições do artigo 139 ter, n.o 1, da lei alterada de 4 de dezembro de 1967, relativa ao imposto sobre o rendimento, na medida em que reservam às pessoas que possuem uma ficha de retenção de imposto o benefício do crédito fiscal nelas referido?» |
III –Tramitação processual no Tribunal de Justiça e alegações das partes
A –Tramitação processual
17. |
O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2015. |
18. |
Apenas o Governo do Luxemburgo e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no prazo previsto no artigo 23.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça. |
19. |
Prescindiu‑se da realização da audiência, dado que não foi requerida por qualquer das partes mencionadas. |
B –Resumo das alegações apresentadas
20. |
O Governo luxemburguês duvida de que este processo possa ser incluído no âmbito da livre circulação de trabalhadores. Considera que as disposições controvertidas não impedem nem dissuadem os nacionais de um Estado‑Membro de sair do seu Estado de origem para exercerem o seu direito de livre circulação. Contudo, faz uma série de observações subsidiárias, para o caso de o Tribunal de Justiça decidir de outro modo. |
21. |
Assim, indica que a legislação controvertida não afeta a totalidade dos rendimentos resultantes de pensões, mas apenas aqueles que são objeto de retenção fiscal, o que seria consequência das características inerentes ao crédito fiscal. A este propósito, explica que, geralmente, as caixas de pensões pagam o crédito fiscal aos pensionistas no final de cada mês. Para esse efeito, a lei autoriza as caixas a fazerem a compensação dos créditos fiscais com as retenções positivas, de modo que a retenção fiscal realmente levada a cabo corresponde ao resultado da subtração do crédito fiscal ao montante bruto da retenção. |
22. |
Por conseguinte, prossegue o referido Governo, o artigo 139 ter da L.I.R. inscreve‑se no estrito quadro da retenção de imposto, devendo ser feita a imputação ou, se for caso disso, a restituição, exclusivamente em relação aos rendimentos de pensões a que se aplica o processo de retenção de imposto. Por isso, entende que subordinar a concessão da vantagem fiscal à junção pelo beneficiário de uma ficha de retenção de imposto não constitui um entrave à livre circulação de trabalhadores, nem à livre circulação de pessoas, protegida pelo artigo 21.o TFUE. |
23. |
A título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que a disposição nacional controvertida restringe a livre circulação de trabalhadores ou, mais amplamente, de pessoas, o Governo luxemburguês apresentou alegações através das quais pretende justificar esta restrição. Podem ser resumidas em dois argumentos principais. |
24. |
Em primeiro lugar, alega que a restrição à livre circulação é uma consequência das características do crédito fiscal tal como foi concebido pelo legislador, uma vez que as caixas de pensões, pelo facto de disporem dos dados necessários para a manutenção das fichas de retenção de imposto, estão em melhor posição tanto para conceder o crédito fiscal como para o imputarem ou o restituírem de modo direto e efetivo. Deste ponto de vista, seria, pois, o único sistema praticável e não teria repercussões desproporcionadas para as administrações, as caixas e outros devedores do crédito fiscal, nem para os administrados. |
25. |
Em segundo lugar, entende que o sistema estaria justificado por considerações de interesse geral resultantes da relação entre o sistema de cobrança do imposto (ou seja, a retenção na fonte) e a aplicação do crédito fiscal para pensionistas, que se arvoraria num elemento indispensável para a manutenção da coerência do regime fiscal. No seu entender, o artigo 139 ter é proporcionado tendo em conta o objetivo prosseguido pela L.I.R. e não existem medidas menos restritivas para atingir esse mesmo resultado. |
26. |
Para a Comissão, faltam, no despacho de reenvio, elementos de facto suficientes que permitam identificar claramente a norma do direito da União que foi eventualmente violada pelo artigo 139 ter da L.I.R. Em especial, lamenta que não se saiba se C. Kohll regressou dos Países Baixos ao Luxemburgo para procurar ou ocupar um emprego antes de se reformar, caso em que poderia invocar a seu favor o artigo 45.o TFUE ( 5 ), ou se o seu regresso ao seu país de origem resultou do desejo de se instalar no Luxemburgo, uma vez terminada a sua vida profissional, hipótese em que teria direito à livre circulação de pessoas do artigo 21.o TFUE ( 6 ). |
27. |
Face a esta circunstância, e dada a similitude do raciocínio aplicável ao estudo da violação dos dois artigos do TFUE, a Comissão procede a um exame conjunto, no termo do qual conclui que ambos se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no presente processo. |
28. |
A Comissão entende que há uma restrição tanto ao artigo 45.o TFUE como ao artigo 21.o TFUE, por considerar que a situação de C. Kohll é comparável, conforme exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 7 ), à do contribuinte pensionista que recebe os seus rendimentos de uma caixa de pensões estabelecida no Luxemburgo. |
29. |
Com efeito, o objetivo do artigo 139 ter da L.I.R., à luz da exposição de motivos da lei de 19 de dezembro de 2008, consiste em ajudar os mais desfavorecidos, entre os quais se incluem todos os pensionistas, aumentando o seu rendimento disponível. Ora, no entender da Comissão, esse objetivo pode ser cumprido relativamente a todos os pensionistas residentes no Luxemburgo, tanto os que recebem a sua reforma de caixas ou de outros devedores luxemburgueses, como os que a recebem de outro Estado‑Membro e são tributados no Luxemburgo em virtude de cláusulas de convenções destinadas a evitar duplas tributações. |
30. |
Contudo, ao excluir estes últimos do benefício do crédito fiscal, a disposição controvertida cria uma desigualdade de tratamento que: a) pode desencorajar os trabalhadores de ocuparem um posto de trabalho noutro Estado‑Membro e de aí adquirirem direitos de pensão; e b) gera uma desvantagem para os pensionistas que se instalam no Luxemburgo, penalizando‑os pelo simples facto de terem exercido a liberdade de circulação para outro Estado‑Membro. |
31. |
Segundo a Comissão, precisamente por afastar do benefício do crédito fiscal os pensionistas residentes cujos rendimentos são tributados no Luxemburgo, a disposição nacional controvertida não é adequada para atingir o objetivo de interesse geral que prossegue. A este propósito, salienta que o crédito fiscal é aplicável independentemente do montante da pensão, exceto para as que não atingem os 300 euros anuais ou os 25 euros mensais, pelo que não está especificamente pensado para as camadas mais desfavorecidas da população, do ponto de vista económico e social. Por isso, os contribuintes residentes que recebem uma pensão, procedente de outro Estado‑Membro, mas que é tributada no Luxemburgo, mesmo no caso de um montante modesto, não beneficiam do crédito fiscal, na medida em que não estão sujeitos a retenção na fonte no referido país. Por conseguinte, o critério que associa a bonificação (o crédito fiscal) ao local de origem das pensões tributáveis no Luxemburgo nem sequer é adequado ao objetivo prosseguido pela legislação nacional. |
32. |
Para a Comissão, a disposição controvertida também não é justificada por razões práticas de índole administrativa. Em especial, observa que o crédito poderia ser concedido aos pensionistas que agora são excluídos, permitindo‑lhes deduzi‑lo do seu imposto no momento de o calcular através do método de avaliação da matéria coletável, sem que existam os inconvenientes excessivos para a Administração, as caixas e os contribuintes, a que se refere o Governo luxemburguês. |
33. |
Além disso, também não encontra uma possível justificação na necessidade de preservar a coerência do regime fiscal, dado que não existe qualquer relação direta entre o crédito fiscal controvertido e a compensação dessa vantagem fiscal através de determinada imposição fiscal ( 8 ). |
34. |
Por último, a Comissão considera que não é possível invocar a justificação que surge da necessidade de salvaguardar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros ( 9 ), tendo em conta que, neste processo, o Luxemburgo tem competência fiscal sobre as pensões provenientes do outro Estado‑Membro envolvido, os Países Baixos. |
IV –Análise da questão prejudicial
A –Preliminar: quanto à disposição aplicável do Tratado
35. |
As observações apresentadas neste reenvio prejudicial demonstram que existem dúvidas quanto à norma em cujo âmbito deve ser incluída a situação jurídica de C. Kohll. Consideram‑se como opções possíveis o artigo 21.o, n.o 1, TFUE, sobre a liberdade de circulação e residência dos cidadãos da União no território dos Estados‑Membros, e o artigo 45.o TFUE, que consagra a livre circulação dos trabalhadores na União. |
36. |
O Governo luxemburguês contesta que se encontrem preenchidos os requisitos para a aplicação de qualquer dos referidos artigos, por considerar que a disposição controvertida não é suscetível de dissuadir os cidadãos do exercício do seu direito à livre circulação nem de os impedir de o fazerem. |
37. |
Em contrapartida, para a Comissão a dúvida resulta da falta de dados para saber se C. Kohll regressou ao seu país de origem, o Luxemburgo, para ocupar um posto de trabalho antes de se reformar, ou se se instalou no seu país, depois de se ter reformado. Na primeira hipótese, o processo deveria ser apreciado à luz do artigo 45.o TFUE e, na segunda, com base no artigo 21.o TFUE. |
38. |
Embora me vá pronunciar sobre a norma aplicável, em termos práticos esta discussão pode ser (ou, pelo menos, parecer) desnecessária, tendo em conta que se utilizam os mesmos métodos de interpretação para a análise das duas disposições de direito primário em causa. Contudo, a correta subsunção dos factos a uma determinada norma pode sempre ser útil, por exemplo, como orientação para casos futuros. |
39. |
A situação dos reformados, enquanto categoria específica de pessoas, tem, no direito da União, um ponto de apoio na menção implícita, ou indireta, que o artigo 45.o, n.o 3, alínea d), TFUE faz ao direito de o trabalhador permanecer no território de um Estado‑Membro depois de nele ter exercido uma atividade laboral. Esse direito encontra‑se atualmente regulado no artigo 17.o da Diretiva 2004/38 ( 10 ), o qual prevê uma série de derrogações a favor dos reformados e dos incapacitados para o trabalho, reduzindo o prazo geral de cinco anos de residência legal consecutiva no Estado‑Membro de acolhimento dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, como requisito para adquirir um direito de residência permanente nesse Estado. Mas não é essa a legislação relevante neste processo nem aquela liberdade fundamental do Tratado se esgota na residência permanente noutro Estado‑Membro. |
40. |
Com efeito, os factos do processo inscrevem‑se na linha dos acórdãos nos quais o direito à livre circulação de trabalhadores, protegido pelo artigo 45.o TFUE, foi invocado contra legislações nacionais em várias matérias e, em especial, as fiscais, ou seja, em contextos que vão além do direito de permanência no Estado de acolhimento. E o Tribunal de Justiça tem declarado de forma constante que determinados direitos relacionados com a qualidade de trabalhador são garantidos aos trabalhadores migrantes, mesmo que já não se encontrem vinculados por um contrato de trabalho ( 11 ). |
41. |
Contudo, nem sempre foi reconhecida ao reformado essa qualidade de trabalhador que lhe teria permitido invocar a livre circulação específica do artigo 45.o TFUE. Assim, nos acórdãos Pusa ( 12 ), Turpeinen ( 13 ) e, mais recentemente, no acórdão Hirvonen ( 14 ), o Tribunal de Justiça, provavelmente guiado, de forma implícita, pelo critério de que o fim da relação laboral provoca, em princípio, para o interessado, a perda da qualidade de trabalhador na aceção do artigo 45.o TFUE ( 15 ), afirmou que este último artigo não abrange as pessoas que exerceram toda a sua atividade profissional no seu Estado‑Membro e só fizeram uso do direito de residência noutro Estado‑Membro depois de reformados e sem qualquer intenção de aí exercerem uma atividade assalariada ( 16 ). Esses processos foram decididos aplicando o atual artigo 21.o TFUE. |
42. |
Em síntese, as pessoas que, depois de terminarem a sua relação laboral por conta de outrem, só mudam de Estado‑Membro de residência, estão protegidas pelo direito da União ao abrigo do direito à livre circulação do artigo 21.o TFUE, mas não nos termos do artigo 45.o TFUE. A razão para tal é que, no momento de mudarem a sua residência para outro Estado‑Membro, essas pessoas já não exercem, verdadeiramente, a liberdade de circulação reservada, pelo Tratado, aos trabalhadores, uma vez que deixaram de beneficiar da qualidade de trabalhador ( 17 ). |
43. |
Em suma, ao terem utilizado o seu direito à livre circulação como trabalhadores assalariados, as pessoas que desenvolveram a sua vida profissional, parcial ou totalmente, num Estado‑Membro diferente do seu Estado de origem e regressam a este para se instalarem e residirem, sem intenção de aí ocuparem um posto de trabalho, podem invocar o artigo 45.o TFUE ( 18 ). No entanto, a proteção concedida pelo Tratado nestes casos abrange apenas, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as discriminações e os obstáculos que afetem os direitos adquiridos durante a antiga relação laboral ( 19 ). |
44. |
No contexto dos factos referidos no despacho de reenvio, consta que a pensão que C. Kohll recebe diretamente da sociedade «Shell International B.V», e que representa a maior parte dos seus rendimentos, decorre da sua antiga relação laboral com essa empresa, nos Países Baixos. Com base na jurisprudência referida no número anterior, considero, por conseguinte, que o rendimento resultante dessa pensão está protegido pela livre circulação de trabalhadores do artigo 45.o TFUE. |
45. |
Ao contrário da Comissão, creio que pode ser determinada a norma do Tratado adequada ao caso, tanto se C. Kohll se mudou para o Luxemburgo para ocupar outro posto de trabalho, como se o fez já como reformado. Na minha opinião, dado que as pensões objeto do litígio provêm exclusivamente do período da vida de C. Kohll passado nos Países Baixos, constituem direitos de um trabalhador adquiridos no exercício do seu direito à livre circulação e merecem a proteção do artigo 45.o TFUE ( 20 ). Nestas circunstâncias, é irrelevante para a decisão do processo que o recorrente tenha regressado ao Estado‑Membro da sua nacionalidade para continuar a trabalhar antes de se reformar ou para gozar diretamente a sua reforma. |
46. |
Resta determinar se este raciocínio também é aplicável à segunda pensão do recorrente no processo principal, que este recebe do SVB. Decorre do despacho de reenvio que se trata de uma pensão não contributiva que o Estado neerlandês concede a todas as pessoas que tenham residido nos Países Baixos, independentemente do facto de terem ocupado ou não um posto de trabalho assalariado nesse país. |
47. |
Embora seja certo que, tendo em conta as características da pensão do SVB, não existe uma ligação direta com a relação laboral, não é menos certo que, no caso de C. Kohll, a única razão de ser da sua pensão SVB decorre também da sua relação laboral, mas de forma indireta, dado que o recorrente nunca teria tido direito à mesma se não tivesse residido nos Países Baixos por causa da sua vida profissional. Além disso, a análise autónoma de cada uma das pensões em causa, de acordo com um artigo diferente do Tratado, conduziria a uma distinção artificial entre as duas pensões, muito afastada da realidade da vida de C. Kohll. |
48. |
Em suma, os rendimentos que o recorrente no processo principal obtém das suas duas pensões constituem direitos adquiridos na sua qualidade de trabalhador que utilizou a liberdade de circulação enquanto trabalhador e gozam da proteção do artigo 45.o TFUE, à luz do qual deve, pois, ser analisada a legislação nacional controvertida. |
B –Quanto à existência de uma restrição à livre circulação dos trabalhadores
49. |
Embora em alguns dos documentos apresentados neste processo a eventual violação da liberdade de circulação dos trabalhadores pareça estar associada à obrigatoriedade de possuir uma ficha de retenção de imposto, nos termos do artigo 139 ter da L.I.R., creio que esta obrigação não é mais do que a representação física das diferentes retenções efetuadas em cada exercício fiscal. Na minha opinião, a ficha não tem, por si própria, mais do que um valor ad probationem e não constitutivo do direito a reclamar o crédito fiscal em causa. Por conseguinte, para verificar a existência de uma infração ao artigo 45.o TFUE, a análise deve centrar‑se na regulamentação da disposição controvertida, mais do que na ficha de retenção de imposto. |
50. |
Esclarecido esse aspeto, começarei a análise da eventual infração a uma liberdade fundamental do Tratado de forma sucinta, ou seja, recordando a jurisprudência constante segundo a qual os Estados‑Membros devem exercer as suas competências sobre qualquer matéria com observância do direito da União ( 21 ). Essa premissa não perdeu a sua força, pois ver‑se‑á, na análise da justificação, a importância de atender a certos fatores que têm vindo a somar‑se aos tradicionais argumentos invocados para justificar restrições dessa natureza, como a coerência do regime fiscal ( 22 ), a necessidade de assegurar o controlo fiscal e a luta contra a fraude ( 23 ). |
51. |
No que respeita à livre circulação de pessoas, o Tribunal de Justiça considerou que as disposições do Tratado nesse domínio visam facilitar aos nacionais dos Estados‑Membros da União o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza em todo o território da União e opõem‑se às medidas que os possam desfavorecer se desejarem exercer uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro ( 24 ). |
52. |
Mais concretamente, em matéria de livre circulação de trabalhadores, o Tribunal declarou que as disposições nacionais que impeçam ou dissuadam um trabalhador nacional de um Estado‑Membro de abandonar o seu Estado de origem para exercer o direito de livre circulação constituem entraves a essa liberdade, mesmo que se apliquem independentemente da nacionalidade dos trabalhadores em causa ( 25 ). |
53. |
No caso em apreço, o artigo 139 ter da L.I.R. priva os reformados, cujas pensões não provenham de uma caixa de pensões ou de outro devedor luxemburguês, de uma vantagem fiscal, o crédito fiscal. Esta desigualdade de tratamento pode dissuadir tanto os trabalhadores no Luxemburgo que queiram procurar emprego noutro Estado‑Membro, como os trabalhadores luxemburgueses, ou que tenham a nacionalidade de outro Estado‑Membro, que pretendam instalar‑se no território do Luxemburgo após a sua reforma. |
54. |
A legislação nacional controvertida cria, além disso, uma discriminação indireta ( 26 ), na medida em que a falta de uma ficha de retenção, com o que tal implica, terá repercussões na recusa do crédito fiscal a nacionais de outros Estados‑Membros em maior proporção que a luxemburgueses, uma vez que serão principalmente os primeiros que receberão pensões de outros países da União ( 27 ). |
55. |
É certo que não existiria uma desigualdade de tratamento se a situação de C. Kohll fosse diferente da do reformado que recebe a sua pensão de uma caixa de pensões luxemburguesa. A análise comparativa das situações em causa também é típica nos processos relativos a fiscalidade direta e a liberdades de circulação, devendo ser realizada, por imperativos dogmáticos, antes da apreciação das justificações ( 28 ). |
56. |
A apreciação da comparabilidade das situações foi realizada, principalmente, em processos que envolviam não residentes face a residentes, num determinado Estado‑Membro ( 29 ). Neste sentido, o Tribunal de Justiça declarou que uma pessoa não residente que não aufere rendimentos significativos no Estado‑Membro de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis de uma atividade exercida noutro Estado‑Membro não se encontra numa situação objetivamente diferente da de um residente que exerce neste último Estado atividades assalariadas comparáveis ( 30 ). |
57. |
Decorre do atrás exposto que, senas circunstâncias descritas no número anterior, o residente e o não residente se encontram em situações objetivamente comparáveis, por maioria de razão o deverão estar dois contribuintes residentes no mesmo Estado‑Membro, como acontece no presente processo. Uma vez que a CDT entre o Luxemburgo e os Países Baixos estabelece que os rendimentos das pensões como as de C. Kohll são tributáveis no Luxemburgo, o único elemento diferenciador consiste na origem neerlandesa da pensão do recorrente no processo principal. |
58. |
Contudo, sendo esse elemento transnacional precisamente o que confere a C. Kohll a proteção do artigo 45.o TFUE, seria paradoxal, e mesmo contraditório, que, ao mesmo tempo, fosse considerado o argumento‑chave para sustentar que o reformado que recebe a sua pensão de uma caixa luxemburguesa e o que a recebe de outro Estado‑Membro não estão em situações objetivamente comparáveis. |
59. |
Acresce que a articulação dessa legislação nacional não é, possivelmente, muito coerente no que se refere ao objetivo da L.I.R. ( 31 ) (ou seja, a ajuda dos desfavorecidos, através do aumento do seu rendimento disponível). Embora não seja esse o caso do recorrente no processo principal ( 32 ), a vantagem fiscal não beneficiará os reformados com pensões de baixo valor que sejam recebidas de outro Estado‑Membro, sendo óbvio que se encontrarão na mesma situação, na perspetiva fiscal e material, que os reformados cujas pensões sejam pagas pelas caixas de pensões luxemburguesas. |
60. |
Por conseguinte, considero que pessoas como C. Kohll e os pensionistas residentes no Luxemburgo, que recebem a sua pensão de caixas luxemburguesas, estão nas mesmas circunstâncias, do ponto de vista fiscal, no referido país. |
61. |
Por último, embora o Governo luxemburguês não o tenha referido expressamente, poderia pensar‑se que o montante limitado do crédito fiscal (um máximo anual de 300 euros) não teria efeito dissuasor sobre os trabalhadores, em relação ao exercício do seu direito à livre circulação. A este propósito, convém salientar que, em conformidade com jurisprudência constante, mesmo uma restrição a uma liberdade fundamental de alcance diminuto ou de importância menor é proibida pelo Tratado ( 33 ). |
62. |
Por conseguinte, e como primeira conclusão intermédia, considero que a legislação controvertida constitui uma restrição à livre circulação dos trabalhadores do artigo 45.o TFUE. |
C –Quanto à justificação da restrição à livre circulação dos trabalhadores
63. |
Como se sabe, a apreciação da compatibilidade de uma legislação nacional contrária à livre circulação de trabalhadores não se esgota com a conclusão de que entrava a referida liberdade. O Tribunal de Justiça utiliza, no âmbito dessa apreciação, uma rule of reason ( 34 ) destinada a atenuar os efeitos da integração daquelas regulamentações nacionais no âmbito de aplicação do artigo 45.o TFUE. |
64. |
Assim, segundo o Tribunal de Justiça, uma medida que obsta à livre circulação dos trabalhadores só é admissível se prosseguir um fim legítimo compatível com o Tratado e o fizer por razões imperiosas de interesse geral. Além disso, é ainda preciso que essa medida seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa, e sem ir além do necessário para alcançar esse objetivo ( 35 ), o conhecido «teste de proporcionalidade». |
65. |
Nos n.os 24 e 25 das presentes conclusões apresentei os dois argumentos avançados pelo Governo luxemburguês em defesa da compatibilidade da sua medida nacional com o artigo 45.o TFUE: as consequências desproporcionadas que acarretaria a sua alteração e a coerência do regime fiscal. |
66. |
Quanto ao primeiro argumento, o Governo do Luxemburgo invoca as características do crédito fiscal, afirmando que a manutenção das fichas de retenção pelas caixas de pensões e por outros devedores os coloca em melhor posição tanto para concederem o crédito fiscal, como para o imputarem ou o restituírem de modo direto e efetivo. Por isso, prossegue, qualquer alteração dessa estrutura implicaria consequências administrativas desproporcionadas para as administrações, as caixas e os contribuintes. O sistema de fichas não permite incluir os reformados cujas pensões provenham de outros Estados‑Membros, uma vez que as caixas e os outros organismos luxemburgueses não dispõem de meios para efetuar retenções na fonte sobre tais pensões. |
67. |
O argumento não convence por três razões. A primeira, porque C. Kohll não solicita que as suas pensões neerlandesas sejam, necessariamente, objeto de retenção no Luxemburgo. A crítica não reside na exclusão de retenção na fonte das pensões de outros Estados‑Membros, mas antes na recusa absoluta da vantagem fiscal, sob a forma de crédito fiscal, com vista a aumentar o seu rendimento disponível. O benefício fiscal poderia perfeitamente ser concedido noutra fase do relacionamento entre o sujeito passivo e a Administração Fiscal, como, por exemplo, aquando da apresentação da declaração do imposto sobre os rendimentos, através de uma dedução à matéria coletável. Esta última possibilidade permitiria que os reformados na mesma situação que C. Kohll beneficiassem de um aumento paralelo de rendimentos, em consonância com o objetivo da disposição controvertida, tal como descrito pelo Governo luxemburguês. |
68. |
A segunda razão que, em minha opinião, desvirtua a defesa apresentada é o facto de o Governo luxemburguês não ter fornecido qualquer explicação concludente sobre as alegadas vicissitudes administrativas e o seu caráter desproporcionado. A vaga referência aos problemas operacionais do regime fiscal não é suficiente para os considerar provados. |
69. |
A terceira razão, e provavelmente a mais determinante, decorre da jurisprudência do Tribunal de justiça, segundo a qual as dificuldades práticas não podem justificar, por si sós, a restrição de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado ( 36 ). Dado que o Governo luxemburguês não associou essas alegadas dificuldades com qualquer outra de natureza diferente, que tivesse podido contribuir para o sucesso do seu primeiro argumento (sempre no âmbito da análise da explicação apresentada), fica sem justificação a restrição da liberdade de circulação dos trabalhadores a que conduzo artigo 139 ter da L.I.R. |
70. |
O Governo do Luxemburgo invoca, como segundo argumento, a necessidade de preservar a coerência do seu regime fiscal, com especial incidência na relação entre o sistema de cobrança do imposto, ou seja, a retenção na fonte, e a aplicação do crédito fiscal para pensionistas. Afirma que a disposição controvertida é adequada para atingir o objetivo prosseguido pela norma fiscal e que não existem medidas menos restritivas para atingir esse mesmo resultado. |
71. |
A salvaguarda da coerência do regime fiscal, como alegação pretensamente «justificativa», articula‑se em torno da ideia de que a perda de receitas para o fisco nacional, resultante da concessão de uma vantagem fiscal, é compensada pela tributação do mesmo sujeito passivo pelos seus rendimentos, num âmbito estreitamente conexo com o da vantagem ( 37 ). |
72. |
Contudo, no caso em apreço, concordo com a Comissão em que a alegada coerência do regime fiscal controvertido não foi demonstrada. Em especial, não existe uma relação direta entre a vantagem fiscal e uma tributação que a compense. O nexo a que o Governo luxemburguês faz alusão diz respeito à vantagem fiscal em relação com a técnica de retenção, mas não com outro imposto que tenha sido concebido para compensar a perda de receitas fiscais causada pela concessão do crédito fiscal. Por conseguinte, também não se pode acolher este segundo fundamento invocado pelo Governo luxemburguês em defensa da compatibilidade do artigo 139 ter da L.I.R. com o artigo 45.o TFUE. |
73. |
A panóplia de justificações que poderiam ser invocadas no âmbito da apreciação global da liberdade de circulação dos trabalhadores não se esgota nas duas estudadas nos números anteriores. Efetivamente, o Tribunal de Justiça aceitou como válidas outras que abordarei em seguida, ainda que o Governo do Luxemburgo não as tenha apresentado. |
74. |
Assim, limitando‑nos ao âmbito fiscal, a justificação baseada na necessidade de salvaguardar a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros ( 38 ) poderia ser aceite, designadamente quando o regime fiscal em causa tenha por objetivo evitar comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro a exercer a sua competência fiscal sobre as atividades exercidas no seu território ( 39 ). |
75. |
Todavia, como afirma com justeza a Comissão, no presente processo não há lugar para tal justificação, uma vez que o Luxemburgo dispõe de poder de tributação, nos termos do artigo 19.o da CDT, tanto sobre as pensões recebidas pelos reformados vinculados a caixas de pensões no referido Estado‑Membro, como sobre as pensões provenientes dos Países Baixos. |
76. |
No contexto em que, segundo o Governo luxemburguês, se inscreve a legislação nacional controvertida, ou seja, a política social, também foi reconhecida a possibilidade de invocar determinados fins de caráter sociopolítico, que podem constituir uma razão imperiosa de interesse geral; por exemplo, os incentivos à construção de habitações para arrendamento, para satisfazer as necessidades deste tipo de habitação na Alemanha ( 40 ), ou facilitar a aquisição da primeira residência por particulares, no quadro mais geral da política social do Estado grego ( 41 ) e, inclusivamente, objetivos de política de desenvolvimento ( 42 ). |
77. |
Em conformidade com a jurisprudência referida no número anterior, uma medida que preveja uma vantagem fiscal e que constitua uma restrição à livre circulação dos trabalhadores pode justificar‑se se prosseguir um objetivo de política social, sempre que seja adequada para garantir a realização do objetivo em causa e não vá além do necessário para o alcançar. |
78. |
No caso em apreço, a reforma legislativa de 2008, que introduziu o artigo 139 ter na L.I.R., visava — sempre segundo as explicações do Governo luxemburguês — o aumento do rendimento disponível dos reformados, para ajudar os mais desfavorecidos. Por muito louvável que seja esse objetivo, há que reconhecer que a medida não se afigura inteiramente adequada para atingir um objetivo de caráter social, uma vez que, por um lado, exclui todos os reformados que, como C. Kohll, recebem a sua pensão de outros Estados‑Membros e são tributados no Luxemburgo e, por outro, não estabelece um limite máximo no nível de rendimentos dos beneficiários, visto que também vai beneficiar os pensionistas com níveis de rendimento elevados. A disposição controvertida não seria, pois, adequada para cumprir plenamente o objetivo teórico que lhe está subjacente, pelo que também não pode ser invocado o objetivo de política social. |
79. |
A título subsidiário, para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que a legislação controvertida está justificada por qualquer das razões analisadas nos números anteriores, penso que também não é proporcional ao objetivo a atingir. Existem formas menos gravosas, em termos jurídicos, de o atingir sem excluir os reformados que, como C. Kohll, recebem a sua pensão de outro Estado‑Membro. Entre elas figura, por exemplo, como já referi, a possibilidade de instituir uma dedução à matéria coletável correspondente ao montante máximo do crédito fiscal. |
80. |
Em síntese, não considero justificada a legislação que é objeto da questão prejudicial. Devo, pois, confirmar a conclusão intermédia antes formulada, ou seja, que o artigo 139 ter, n.o 1, da L.I.R. não é compatível com o princípio da livre circulação dos trabalhadores, enunciado no artigo 45.o TFUE, na medida em que reserva o crédito fiscal a favor dos reformados apenas às pessoas sujeitas ao regime de retenção de imposto na fonte. |
V –Conclusão
81. |
À luz das considerações anteriores, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo tribunal administratif do Luxemburgo (Tribunal Administrativo do Luxemburgo), do seguinte modo: «A livre circulação dos trabalhadores, enunciada no artigo 45.o TFUE, opõe‑se a uma disposição nacional, como o artigo 139 ter, n.o 1, da Lei alterada de 4 de dezembro de 1967, relativa ao imposto sobre o rendimento, na medida em que reserva o crédito fiscal a favor dos reformados apenas às pessoas sujeitas ao regime de retenção de imposto na fonte». |
( 1 ) Língua original: espanhol.
( 2 ) Refira‑se ainda que, após a sua aprovação como lei de 19 de dezembro de 2008, fez a reforma da regulamentação dos créditos fiscais no sentido que é debatido neste processo.
( 3 ) O SVB é a entidade gestora dos seguros nacionais nos Países Baixos. Entre outras prestações, gere a pensão mínima, a que têm direito todas as pessoas que tenham atingido a idade legal de reforma e que residem ou residiram no referido Estado‑Membro.
( 4 ) Órgão da Administração Fiscal luxemburguesa competente, nomeadamente, para conhecer das reclamações contra liquidações tributárias relativas aos impostos diretos.
( 5 ) A Comissão refere, neste contexto, os acórdãos proferidos nos processos Bachmann (C‑204/90, EU:C:1992:35, em especial o seu n.o 9), e Comissão/Dinamarca (C‑150/04, EU:C:2007:69, n.o 41).
( 6 ) A Comissão refere os acórdãos proferidos nos processos Turpeinen (C‑520/04, EU:C:2006:703, n.o 16), e Rüffler (C‑544/07, EU:C:2009:258, n.o 56 e jurisprudência aí referida).
( 7 ) Acórdão Papillon (C‑418/07, EU:C:2008:659, n.o 27).
( 8 ) A Comissão traz à colação, neste contexto, o acórdão proferido no processo Heinrich Bauer Verlag (C‑360/06, EU:C:2008:531, n.os 37 a 39 e jurisprudência aí referida).
( 9 ) V. acórdão Bouanich (C‑375/12, EU:C:2014:138, n.os 81 e 84 a 86).
( 10 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).
( 11 ) Acórdãos Meints (C‑57/96, EU:C:1997:564, n.o 40), e Martínez Sala (C‑85/96, EU:C:1998:217, n.o 32 e jurisprudência aí referida).
( 12 ) C‑224/02, EU:C:2004:273.
( 13 ) C‑520/04, EU:C:2006:703.
( 14 ) C‑632/13, EU:C:2015:765.
( 15 ) V. acórdão Leclere e Deaconescu (C‑43/99, EU:C:2001:303, n.o 55).
( 16 ) V. n.o 60 das conclusões do advogado‑geral Léger no processo Turpeinen (C‑520/04; EU:C:2006:332), para as quais remete o n.o 16 do acórdão.
( 17 ) V., a contrario sensu, jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, em conformidade com a qual «[...] a totalidade das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas visam facilitar, aos nacionais da União, o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza em todo o território desta e opõem‑se a medidas que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro» [acórdão Petersen (C‑544/11, EU:C:2013:124, n.o 35 e jurisprudência aí referida)].
( 18 ) V. acórdão Sehrer (C‑302/98, EU:C:2000:322, n.o 30).
( 19 ) Acórdão Leclere e Deaconescu (C‑43/99, EU:C:2001:303, n.o 59).
( 20 ) Como no processo Terhoeve (C‑18/95, EU:C:1999:22, n.o 28), C. Kohll queixa‑se, precisamente, perante as autoridades do seu Estado, de que a disposição controvertida lhe é desfavorável por ter exercido a sua atividade profissional noutro Estado‑Membro.
( 21 ) V., por exemplo, acórdãos proferidos nos processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group litigation (C‑374/04, EU:C:2006:773, n.o 36); Comissão/Bélgica (C‑250/08, EU:2011:793, n.o 33); bem como Dijkman e Dijkman‑Lavaleije (C‑233/09, EU:C:2010:397, n.o 20).
( 22 ) Esta justificação foi admitida, pela primeira vez, no acórdão Bachman (C‑204/90, EU:C:1992:35, n.o 21), e foi frequentemente utilizada noutros acórdãos posteriores como, por exemplo, Krankenheim Ruhesitz am Wannsee‑Seniorenheimstatt (C‑157/07, EU:C:2008:588, n.o 43) ou Comissão/Bélgica (C‑250/08, EU:2011:793, n.o 70).
( 23 ) V., por exemplo, acórdão Petersen (C‑544/11, EU:C:2013:124, n.o 50 e jurisprudência aí referida).
( 24 ) Entre outros, acórdãos Bosman (C‑415/93, EU:C:1995:463, n.o 94); Terhoeve (C‑18/95, EU:C:1999:22, n.o 37); e Kranemann (C‑109/04, EU:C:2005:187, n.o 25).
( 25 ) Acórdãos Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 74), e Kranemann (C‑109/04, EU:C:2005:187, n.o 26).
( 26 ) De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as normas referentes à igualdade de tratamento proíbem não só as discriminações ostensivas, em razão da nacionalidade, mas ainda qualquer forma de discriminação dissimulada que, mediante a aplicação de outros critérios de distinção, conduza efetivamente ao mesmo resultado (acórdão Sotgiu, C‑152/73, EU:C:1974:13, n.o 11).
( 27 ) V., por comparação, acórdão Biehl (C‑175/88, EU:C:1990:186, n.o 14).
( 28 ) V., por exemplo, acórdãos Grünewald (C‑559/13, EU:C:2015:109, n.os 24 a 38), e Schröder (C‑450/09, EU:C:2011:198, n.o 37).
( 29 ) Tendo começado com o conhecido acórdão Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31).
( 30 ) Acórdãos Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31, n.os 36 e 37), e Turpeinen (C‑520/04; EU:C:2006:703, n.os 28 e 29).
( 31 ) Partilho da perspetiva do advogado‑geral Jääskinen, de ter em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas também no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações [conclusões apresentadas no processo Comissão/Estónia (C‑39/10, EU:C:2011:770, n.o 73)].
( 32 ) Depreende‑se do despacho de reenvio que os seus rendimentos das duas pensões que são objeto do litígio no processo principal não permitem incluí‑lo na categoria de desfavorecido, sem necessidade de facultar agora mais pormenores sobre o valor.
( 33 ) Acórdão F.E. Familienprivatstiftung Eisenstadt (C‑589/13, EU:C:2015:612, n.o 50 e jurisprudência aí referida).
( 34 ) Foi o advogado‑geral P. Léger quem, nas suas conclusões no processo Schumacker (C‑279/93, EU:C:1994:391, n.os 47 e 48), utilizou estes termos para descrever a etapa no iter da análise das restrições à livre circulação de trabalhadores.
( 35 ) Acórdão Petersen (C‑544/11, EU:C:2013:124, n.o 47 e jurisprudência aí referida).
( 36 ) Acórdão Dijkman e Dijkman‑Lavaleije (C‑233/09, EU:C:2010:397, n.o 60).
( 37 ) V. as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Terhoeve (C‑18/95, EU:C:1998:177, n.o 62), explicando a justificação invocada no acórdão Bachmann (C‑204/90, EU:C:1992:35).
( 38 ) A Comissão, nas suas observações escritas, traz à colação esta justificação.
( 39 ) Acórdão Bouanich (C‑375/12, EU:C:2014:138, n.o 81 e jurisprudência aí referida).
( 40 ) Acórdão Grundstücksgemeinschaft Busley e Cibrián Fernández (C‑35/08, EU:C:2009:625, n.os 31 e 32).
( 41 ) Acórdão Comissão/Grécia (C‑155/09, EU:C:2011:22, n.os 51, 52, 70 e 71).
( 42 ) Acórdão Petersen (C‑544/11, EU:C:2013:124, n.o 59).