CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 16 de junho de 2016 ( 1 )

Processo C‑277/15

Servoprax GmbH

contra

Roche Diagnostics Deutschland GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Diretiva 98/79/CE relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro — Distribuição paralela no âmbito do mercado interno — Afixação, na embalagem exterior de dispositivos médicos para autocontrolo do nível de glicemia, de uma versão linguística diferente das informações fornecidas pelo fabricante no rótulo e das instruções de utilização — Procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade»

1. 

Um fabricante submete tiras de teste para utilização com um dispositivo médico de diagnóstico in vitro a um procedimento de avaliação da conformidade num Estado‑Membro. A rotulagem e as instruções de utilização estão redigidas na língua desse Estado‑Membro. As tiras de teste são aprovadas e obtêm a marcação «CE». A sociedade distribuidora do fabricante noutro Estado‑Membro comercializa as mesmas tiras de teste nesse Estado, com o rótulo e as instruções de utilização na língua desse segundo Estado‑Membro. Um distribuidor paralelo adquire as tiras de teste no primeiro Estado‑Membro, com o rótulo e instruções de utilização na língua desse Estado‑Membro, mas apõe informações sobre o produto na embalagem exterior e junta‑lhes instruções de utilização que correspondem textualmente às informações que acompanham as tiras de teste comercializadas pela sociedade distribuidora do fabricante no segundo Estado‑Membro. Posteriormente, distribui as tiras de teste no mercado deste segundo Estado‑Membro. A sociedade distribuidora contesta a legalidade da atividade da sua concorrente, alegando que o distribuidor paralelo atua na qualidade de fabricante, na aceção do artigo 9.o da Diretiva relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro (a seguir «diretiva») ( 2 ), e que, por conseguinte, a prossecução dessa atividade de distribuição carece de um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade. O presente pedido de decisão prejudicial do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha) proporciona ao Tribunal de Justiça a sua primeira oportunidade para interpretar a diretiva, cujo objetivo consiste em eliminar os entraves à livre circulação no mercado único dos dispositivos que ostentam a marcação «CE» e, simultaneamente, assegurar um elevado nível de proteção sanitária.

Enquadramento jurídico

Direito da União

2.

A diretiva harmoniza disposições nacionais em matéria de segurança, proteção da saúde, características de comportamento funcional e procedimentos de autorização dos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e estabelece os requisitos necessários e suficientes para assegurar, nas melhores condições de segurança, a livre circulação dos produtos a que se aplica ( 3 ). Um dos principais objetivos da diretiva é assegurar que os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro proporcionem aos doentes, utilizadores e terceiros um elevado nível de proteção sanitária e alcancem os níveis de comportamento funcional que lhes sejam atribuídos inicialmente pelo fabricante ( 4 ).

3.

O artigo 1.o da diretiva estabelece o seguinte:

«1.   A presente diretiva aplica‑se aos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro […].

2.   Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

‘Dispositivo médico para diagnóstico in vitro’: qualquer dispositivo médico que consista num reagente, produto reagente, calibrador, material de controlo, kit, instrumento, aparelho, equipamento ou sistema, utilizado isolada ou conjuntamente, destinado pelo fabricante a ser utilizado in vitro para a análise de amostras provenientes do corpo humano, incluindo sangue e tecidos doados, exclusiva ou principalmente com o objetivo de obter dados relativos:

ao estado fisiológico ou patológico,

[…]

d)

‘«Dispositivo de autodiagnóstico’: qualquer dispositivo destinado pelo fabricante a poder ser utilizado por leigos no seu domicílio;

[…]

f)

‘Fabricante’: a pessoa singular ou coletiva responsável pela conceção, fabrico, acondicionamento e rotulagem de um dispositivo com vista à sua colocação no mercado sob o seu próprio nome, independentemente de as referidas operações serem efetuadas por essa pessoa ou por terceiros por sua conta.

As obrigações decorrentes da presente diretiva impostas aos fabricantes aplicam‑se igualmente à pessoa singular ou coletiva que monta, acondiciona, executa, renova e/ou rotula um ou vários produtos pré‑fabricados e/ou lhes atribui uma finalidade na qualidade de dispositivos, com vista à sua colocação no mercado em seu próprio nome [ ( 5 ) ]. O presente parágrafo não se aplica a quem, não sendo fabricante na aceção do primeiro parágrafo, monte ou adapte a um doente específico dispositivos já colocados no mercado com a mesma finalidade;

[…]

i)

‘Colocação no mercado’: a primeira colocação à disposição, gratuita ou não, de um dispositivo que não se destine à avaliação do comportamento funcional, com vista à sua distribuição e/ou utilização no mercado comunitário, independentemente de se tratar de um dispositivo novo ou renovado;

j)

‘Entrada em serviço’: fase em que um dispositivo se encontra à disposição do utilizador final como estando pronto para a primeira utilização no mercado comunitário em conformidade com a respetiva finalidade.

[…].»

4.

Nos termos do artigo 2.o, os Estados‑Membros devem tomar todas as disposições necessárias para que os dispositivos só possam ser colocados no mercado e/ou entrar em serviço se observarem os requisitos previstos na presente diretiva quando corretamente entregues e instalados, mantidos e utilizados de acordo com a respetiva finalidade. Para este efeito, os Estados‑Membros estão obrigados a controlar a segurança e a qualidade desses dispositivos.

5.

De acordo com o artigo 3.o, os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro devem cumprir os requisitos essenciais constantes do anexo I que lhes são aplicáveis atendendo à respetiva finalidade.

6.

Em conformidade com o ponto 1 da parte A do anexo I («Requisitos essenciais»), os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro devem ser concebidos e fabricados por forma a que a sua utilização não comprometa, direta ou indiretamente, nem a situação clínica nem a segurança dos doentes, nem a segurança nem a saúde dos utilizadores e, eventualmente, de terceiros, nem a segurança da propriedade, quando utilizados nas condições e para os fins previstos. Os eventuais riscos associados à sua utilização devem ser aceitáveis, quando comparados com as vantagens para os doentes, e devem igualmente ser compatíveis com um elevado grau de proteção da saúde e segurança.

7.

Segundo o ponto 8.1 da parte B do anexo I, cada dispositivo deve ser acompanhado das informações necessárias para a sua utilização correta e com segurança e para a identificação do fabricante, tendo em conta a formação e os conhecimentos dos potenciais utilizadores ( 6 ). Essas informações serão constituídas pelas indicações constantes da rotulagem e das instruções de utilização ( 7 ). Relativamente aos testes de autodiagnóstico, as instruções de utilização e o rótulo têm de incluir uma tradução na ou nas línguas oficiais do Estado‑Membro no qual o teste de diagnóstico é posto à disposição do utilizador final ( 8 ).

8.

O artigo 4.o da diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros não obstarão à colocação no mercado e entrada em serviço no respetivo território de dispositivos que ostentem a marcação ‘CE’ […] se esses dispositivos tiverem sido objeto de uma avaliação de conformidade nos termos do artigo 9.o

[…]

4.   Os Estados‑Membros podem exigir que, aquando da entrega ao utilizador final, as instruções a fornecer, de acordo com a parte B, ponto 8, do anexo I, sejam redigidas na sua língua ou línguas oficiais.

[…].»

9.

Resulta da leitura conjugada do artigo 9.o, n.o 3, e do nono travessão da lista B do anexo II, que o fabricante de dispositivos de autodiagnóstico para medição da glucose no sangue deve, para efeitos de aposição da marcação «CE», optar pelo procedimento relativo à declaração «CE» de conformidade constante do anexo IV (sistema completo de garantia de qualidade) ou pelo procedimento relativo ao exame «CE» de tipo constante do anexo V, em combinação com o procedimento relativo à verificação «CE» constante do anexo VI, ou com o procedimento relativo à declaração «CE» de conformidade constante do anexo VII (garantia de qualidade de produção).

10.

O artigo 9.o, n.o 11, exige que os processos e a correspondência referentes aos procedimentos de avaliação da conformidade sejam redigidos numa das línguas oficiais do Estado‑Membro em que estes têm lugar e/ou numa língua comunitária aceite pelo organismo notificado.

11.

O artigo 11.o («Processo de vigilância») estabelece, designadamente:

«1.   Os Estados‑Membros adotarão todas as medidas necessárias para assegurar que quaisquer dados de que tomem conhecimento, nos termos do disposto na [...] diretiva, relativos aos incidentes adiante referidos com dispositivos que ostentem a marcação ‘CE’, conduzam ao registo e avaliação central de:

a)

[…] quaisquer deficiências na rotulagem ou instruções de utilização que, direta ou indiretamente, possam ter causado, ou sejam suscetíveis de causar, a morte de um doente, utilizador ou de quaisquer outras pessoas, ou possam conduzir ou ter conduzido a um sério agravamento do seu estado de saúde;

[…]

3.   Após terem procedido a uma avaliação, se possível em associação com o fabricante, […] os Estados‑Membros informarão imediatamente a Comissão e os restantes Estados‑Membros dos incidentes referidos no n.o 1 em relação aos quais tenham sido adotadas ou estejam previstas medidas adequadas, que poderão ir até à retirada do mercado.»

12.

O artigo 15.o, n.o 1, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de notificar à Comissão e aos restantes Estados‑Membros os organismos que tiverem designado para executar as tarefas correspondentes aos procedimentos referidos no artigo 9.o e as tarefas específicas atribuídas a cada um desses organismos.

13.

O artigo 16.o, n.o 1, estipula que os dispositivos, com exceção dos destinados à avaliação do comportamento funcional, que se considere satisfazerem os requisitos essenciais pertinentes referidos no anexo I devem ostentar a marcação «CE» de conformidade aquando da sua colocação no mercado.

Direito alemão

14.

A Medizinproduktegesetz (Lei alemã relativa aos dispositivos médicos) e o Medizinprodukte‑Verordnung (Regulamento alemão sobre os produtos médicos) transpõem, designadamente, os artigos 2.°, 3.° e 16.° da diretiva. Nesse sentido, nos termos do § 6, n.o 1, primeiro período, da Medizinproduktegesetz, os dispositivos médicos de diagnóstico in vitro só podem ser introduzidos no mercado na Alemanha se estiverem providos da marcação «CE». De acordo com o § 6, n.o 2, os dispositivos médicos só podem ser revestidos da marcação «CE» se cumprirem os requisitos essenciais que lhes são aplicáveis. O § 5, n.o 2, do Medizinprodukte‑Verordnung estabelece que os dispositivos para medição da glicemia devem ser sujeitos a um dos procedimentos de avaliação da conformidade enunciados no artigo 9.o, n.o 3, da diretiva.

Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

15.

A Roche Diagnostics GmbH (a seguir «Roche»), uma filial da Hoffmann‑La Roche AG, fabrica tiras de teste para utilização em aparelhos eletrónicos de medição, para autocontrolo do nível de glicemia dos diabéticos. Antes da sua colocação no mercado, sob as designações «Accu‑Chek Aviva» e «Accu‑Chek Compact», a Roche submeteu estes produtos a um procedimento de avaliação da conformidade por um organismo notificado no Reino Unido, nos termos do disposto no artigo 9.o da diretiva. Por conseguinte, tanto o rótulo como as instruções de utilização estavam redigidos em inglês. As tiras de teste receberam a marcação «CE», pelo que, em princípio, podiam circular livremente dentro da União Europeia. Nenhum dos elementos ao dispor do Tribunal de Justiça sugere que a marcação «CE» tenha sido (por qualquer motivo) aposta indevidamente nos produtos ou que a avaliação da conformidade estivesse viciada por deficiência ou erro.

16.

A Roche Diagnostics Deutschland GmbH (a seguir «Roche Deutschland»), uma sociedade distribuidora da Roche, comercializa Accu‑Chek Aviva e Accu‑Chek Compact na Alemanha, com um rótulo e instruções de utilização em alemão. Deste modo, quando são comercializadas na Alemanha, as tiras de teste ostentam informações em alemão na embalagem exterior e incluem instruções de utilização em alemão na embalagem comercial. Nas caixas de tiras de teste encontra‑se também uma solução de controlo, para verificar a precisão do aparelho de medição da glicemia. Antes de medir o nível de glicemia, o utilizador coloca uma gota da solução de controlo na tira de teste, que é introduzida no aparelho de medição. O valor medido é comparado com os valores indicados na caixa das tiras de teste. Quando o valor medido está fora dos valores‑limite, isso significa que o aparelho de medição da glicemia não é suficientemente preciso. Os aparelhos de medição da glicemia comercializados pela Roche Deutschland na Alemanha utilizam tanto a unidade de medida «mmol/l» (milimoles por litro) como «mg/l» (miligramas por litro) ( 9 ). Portanto, nas caixas das tiras de teste comercializadas nesse Estado‑Membro, os valores‑limite são indicados em ambas as unidades de medida. Em contrapartida, no Reino Unido, a Roche vende os mesmos aparelhos de medição da glicemia e as mesmas tiras de teste, indicando apenas a unidade de medida «mmol/l».

17.

A Servoprax GmbH (a seguir «Servoprax») distribuía na Alemanha Accu‑Chek Aviva e Accu‑Chek Compact que tinham sido fabricados para o mercado do Reino Unido. Nos novos rótulos que colava nas embalagens exteriores, a Servoprax identificava‑se como «importadora e distribuidora» desses produtos na Alemanha. Os rótulos colados na embalagem exterior do Accu‑Chek Aviva continham ainda uma descrição, redigida em alemão, do produto, da sua finalidade e do seu modo de utilização. A Servoprax juntou a todos os produtos um documento, em alemão, que correspondia textualmente às instruções para utilização fornecidas com as tiras de teste destinadas à distribuição pela Roche Deutschland na Alemanha. Entre junho de 2010 e o outono do mesmo ano, o Accu‑Chek Aviva distribuído na Alemanha pela Servoprax indicava apenas a unidade de medida «mmol/l».

18.

A Roche Deutschland contestou a atividade de distribuição da Servoprax, alegando que esta não podia vender no mercado alemão as tiras de teste Accu‑Chek Aviva e Accu‑Chek Compact que tinha adquirido no Reino Unido sem um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade, de acordo com o artigo 9.o da diretiva. A Roche Deutschland interpelou a Servoprax acerca da distribuição paralela e esta, embora sem transigir, submeteu os produtos em causa a um novo procedimento de avaliação da conformidade por um organismo notificado nos Países Baixos, obtendo a certificação em 13 de dezembro de 2010.

19.

A Roche Deutschland instaurou uma ação judicial contra a Servoprax na Alemanha, pedindo a sua condenação na prestação de informações, no pagamento de uma compensação indemnizatória e no reembolso das despesas do processo. A sentença que negou provimento à ação em primeira instância foi anulada em sede de recurso, apenas no respeitante à comercialização das tiras de teste antes de 13 de dezembro de 2010. A Servoprax recorreu para o Bundesgerichtshof.

20.

O Bundesgerichtshof considerou que a decisão do recurso depende da interpretação dos artigos 1.°, n.o 2, alínea f), 2.°, 3.°, 4.°, n.o 1, 9.°, n.o 3, e 16.° da diretiva e dos seus anexos I e IV a VII. Consequentemente, suspendeu a instância e apresentou um pedido de decisão prejudicial sobre as seguintes questões:

«Um terceiro tem a obrigação de submeter um dispositivo médico de diagnóstico in vitro para autocontrolo do nível de glicemia, que foi submetido pelo fabricante a um procedimento de avaliação da conformidade num Estado‑Membro A (em concreto, no Reino Unido), nos termos do artigo 9.o [da diretiva], que ostenta a marcação «CE» em conformidade com o artigo 16.o da diretiva e que cumpre os requisitos essenciais previstos no artigo 3.o e no anexo I da diretiva, a um novo procedimento de avaliação da conformidade ou a um procedimento de avaliação complementar nos termos do artigo 9.o da diretiva, antes de introduzir o produto no mercado num Estado‑Membro B (em concreto, na República Federal da Alemanha), em embalagens nas quais as indicações estão escritas na língua oficial do Estado‑Membro B, diferente da língua oficial do Estado‑Membro A (em concreto, em alemão em vez do inglês) e acompanhadas do manual do utilizador escrito na língua oficial do Estado‑Membro B em vez da do Estado‑Membro A?

A apreciação é diferente se o manual do utilizador anexado pelo terceiro corresponder textualmente ao que o fabricante do produto fornece no contexto da comercialização do produto no Estado‑Membro B?»

21.

A Servoprax, a Roche Deutschland, os Governos alemão e lituano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. As mesmas partes, à exceção do Governo lituano, apresentaram observações orais na audiência de 6 de abril de 2016.

Apreciação

Observações preliminares

22.

Constitui matéria assente que as tiras de teste para autocontrolo dos níveis de glicemia constituem dispositivos de autodiagnóstico na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da diretiva e que, consequentemente, devem ser objeto de uma avaliação de conformidade nos termos do artigo 9.o, n.o 3, desse diploma ( 10 ).

23.

A diretiva prossegue um objetivo duplo, visando simultaneamente assegurar a livre circulação dos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro no mercado interno e proporcionar aos doentes, utilizadores e terceiros um elevado nível de proteção sanitária ( 11 ).

24.

O sistema de marcação «CE» de conformidade estabelecido no artigo 16.o da diretiva reflete esses dois objetivos. Por um lado, os dispositivos que se considere satisfazerem os requisitos essenciais referidos no anexo I devem ostentar a marcação «CE» de conformidade aquando da sua colocação no mercado. Ambos os procedimentos de avaliação da conformidade a que esta disposição faz referência exigem a intervenção de um organismo notificado e compreendem o exame do rótulo e das instruções de utilização ( 12 ).

25.

Por outro lado, a observância destas formalidades é recompensada. Uma vez que os dispositivos tenham sido objeto da avaliação de conformidade e que, portanto, ostentem a marcação «CE» ( 13 ), não podem os Estados‑Membros obstar à colocação no mercado e à entrada em serviço no respetivo território ( 14 ), sem prejuízo da cláusula de salvaguarda do artigo 8.o e do processo de vigilância previsto no artigo 11.o da diretiva ( 15 ).

26.

Com as questões submetidas ao Tribunal de Justiça, pede‑se essencialmente orientações sobre a seguinte situação. Nos casos em que um distribuidor paralelo tenha adquirido produtos aos quais se aplica a diretiva, que tenham sido objeto de uma avaliação da conformidade e que ostentem a marcação «CE» de conformidade, e em que, para o efeito da sua comercialização noutro Estado‑Membro, lhes aponha um novo rótulo e lhes junte instruções de utilização na língua oficial desse Estado‑Membro que sejam substancialmente idênticos aos que são fornecidos pelo fabricante quando este distribui os seus produtos por intermédio do seu próprio distribuidor, impende sobre aquele distribuidor paralelo a obrigação de submeter os produtos que pretende vender e que ostentam a marcação «CE» a um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade antes de os poder comercializar legalmente?

27.

O requisito, estabelecido no artigo 9.o da diretiva, de submissão de qualquer dispositivo abrangido por esta diretiva a um procedimento de avaliação da conformidade aplica‑se exclusivamente ao «fabricante» desse dispositivo. Por conseguinte, para responder àquela questão, é fundamental definir esse conceito.

Circulação transfronteiras dos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro que ostentam a marcação «CE » na União Europeia

28.

O artigo 9.o, n.o 11, da diretiva exige que os processos e a correspondência referentes aos procedimentos de avaliação da conformidade sejam «redigidos numa das línguas oficiais do Estado‑Membro em que têm lugar estes procedimentos e/ou numa língua da [UE] aceite pelo organismo notificado» (o sublinhado é meu). Consequentemente, como ilustra o processo principal, o procedimento de avaliação da conformidade não versa sobre as diferentes versões linguísticas do rótulo e das instruções de utilização de um dispositivo com vista à sua comercialização em vários Estados‑Membros. Exigir a cada organismo notificado que proceda a procedimentos de avaliação da conformidade nas várias línguas oficiais de todos os Estados‑Membros em que o fabricante pretenda comercializar um novo dispositivo seria incongruente com a letra do artigo 9.o, n.o 11. E seria também impossível de implementar na prática.

29.

Além disso, a diretiva não impõe ao fabricante cujo dispositivo já tenha sido objeto de uma avaliação de conformidade por um organismo notificado num Estado‑Membro a obrigação de submeter esse dispositivo a um procedimento de avaliação da conformidade novo ou adicional noutro Estado‑Membro onde pretenda comercializá‑lo, ainda que nesse Estado‑Membro a língua oficial seja outra. Resulta do artigo 4.o, n.o 1, que os Estados‑Membros não podem obstar à colocação no mercado e entrada em serviço no respetivo território de dispositivos que ostentem a marcação «CE» se esses dispositivos tiverem sido objeto de uma avaliação de conformidade, sem prejuízo da cláusula de salvaguarda do artigo 8.o e do processo de vigilância do artigo 11.o A interpretação do artigo 9.o da diretiva no sentido de que o fabricante estaria obrigado a submeter um dispositivo com marcação «CE» a um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade cada vez que o pretendesse comercializar num Estado‑Membro com uma língua oficial diferente daquela em que decorreu o procedimento inicial de avaliação da conformidade seria manifestamente incompatível com esse objetivo de livre circulação.

30.

Porém, a diretiva estabelece um cuidadoso equilíbrio entre o objetivo de livre circulação e o objetivo de proteção sanitária. Decorre do artigo 4.o, n.o 4, que a regra da livre circulação consagrada no artigo 4.o, n.o 1, não prejudica a possibilidade de os Estados‑Membros exigirem, nomeadamente, que, aquando da entrega ao utilizador final, as instruções necessárias para a utilização segura e correta do dispositivo ou as informações de menção obrigatória no rótulo ( 16 ) sejam redigidas na sua língua ou línguas oficiais. Relativamente aos dispositivos de autodiagnóstico, a própria diretiva converte essa faculdade numa obrigação. Nos termos do artigo 3.o, lido em conjugação com o sexto parágrafo do ponto 8.1 da parte B do anexo I, o fabricante que pretenda comercializar um dispositivo de autodiagnóstico deverá fornecer uma tradução do rótulo e das instruções de utilização na ou nas línguas oficiais do(s) Estado(s)‑Membro(s) em que o dispositivo em causa é posto à disposição do utilizador final ( 17 ). Mais uma vez, essa obrigação não implica a realização de um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade.

31.

Aplicar‑se‑ão os mesmos princípios nos casos em que um distribuidor independente comercializa num Estado‑Membro dispositivos que receberam a marcação «CE» na sequência de um procedimento de avaliação da conformidade num Estado‑Membro diferente e fornece uma tradução do rótulo e das instruções de utilização na língua oficial do primeiro Estado‑Membro?

32.

No meu entender, a resposta é afirmativa. Esta conclusão resulta, antes de mais, da leitura conjugada de várias disposições da diretiva.

33.

Da definição constante do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), primeiro parágrafo, da diretiva parece resultar que o ato de colocação no mercado sob o próprio nome funciona como critério de identificação do «fabricante» ( 18 ). O mesmo é válido para o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), segundo parágrafo, que só aplica as mesmas obrigações impostas aos «fabricantes» às pessoas singulares ou coletivas que montam, acondicionam, executam, renovam e/ou rotulam um ou vários produtos pré‑fabricados e/ou lhes atribuem uma finalidade nos casos em que os coloquem no mercado em seu próprio nome.

34.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea i), um dispositivo é colocado no mercado aquando da primeira colocação à disposição com vista à sua distribuição e/ou utilização no mercado comunitário. Quando, em seu próprio nome, um fabricante vende dispositivos a um operador económico que pretende distribuí‑los noutro Estado‑Membro, esses dispositivos são primeiro colocados no mercado pelo fabricante, e não pelo operador económico independente.

35.

Por conseguinte, rejeito o argumento da Roche Deutschland de que, ao juntar aos dispositivos de autodiagnóstico que distribuiu na Alemanha um rótulo e instruções de utilização redigidos em alemão, a Servoprax agiu como um «fabricante» que coloca esses dispositivos no mercado alemão. Decorre inequivocamente dos elementos ao dispor do Tribunal de Justiça que a Servoprax não colocou esses dispositivos no mercado em seu próprio nome, mas vendeu‑os na Alemanha, após terem sido «colocados no mercado» noutro Estado‑Membro. É verdade que a Servoprax se identificou claramente como importadora e distribuidora dos dispositivos na Alemanha, mas isso não significa que os tenha comercializado nesse Estado‑Membro «em seu próprio nome», o que implicaria que a Servoprax se identificasse perante os compradores como fabricante dos dispositivos ( 19 ).

36.

Consequentemente, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o distribuidor não pode ser considerado um «fabricante», na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), primeiro parágrafo, da diretiva, nem uma pessoa à qual, nos termos do segundo parágrafo dessa disposição, se aplicam as mesmas obrigações impostas aos fabricantes ( 20 ). Por conseguinte, não é exigido a esse distribuidor que submeta os dispositivos que vende na União Europeia a um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade, nos termos do artigo 9.o da diretiva.

37.

Tal corresponde, no essencial, à recomendação da Comissão na sua Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro (a seguir «proposta de regulamento») ( 21 ). Nessa proposta de regulamento, a Comissão sugere que se apliquem ao distribuidor as mesmas obrigações que incumbem aos fabricantes (nomeadamente no que respeita à avaliação da conformidade) ( 22 ) nos casos em que o distribuidor altere um dispositivo já colocado no mercado ou posto em serviço, de tal modo que a conformidade com os requisitos aplicáveis a esse dispositivo possa ser afetada ( 23 ). Todavia, essa regra não se aplica quando o distribuidor se limita a disponibilizar a tradução do rótulo e das instruções de utilização fornecidas pelo fabricante relativamente a um dispositivo já colocado no mercado, bem como de outras informações que sejam necessárias para a comercialização do produto no Estado‑Membro relevante ( 24 ).

38.

No meu entender, é irrelevante que as instruções de utilização que o distribuidor anexa aos dispositivos comercializados no Estado‑Membro de distribuição correspondam ou não textualmente às instruções de utilização fornecidas pelo fabricante com os dispositivos nesse Estado‑Membro. Esse aspeto em nada contribui para apurar se o distribuidor coloca o dispositivo no mercado em seu próprio nome, pelo que é irrelevante para determinar se está obrigado a submeter o dispositivo a um novo procedimento de avaliação da conformidade, nos termos do artigo 9.o da diretiva.

39.

Além do mais, a minha conclusão não compromete o objetivo da diretiva de assegurar um elevado nível de proteção sanitária.

40.

De acordo com o artigo 3.o da diretiva, os dispositivos devem cumprir os requisitos essenciais constantes do anexo I que lhes são aplicáveis atendendo à respetiva finalidade ( 25 ). Assim, numa situação como a do processo principal, o distribuidor tem de assegurar que as instruções de utilização e o rótulo do dispositivo de autodiagnóstico que põe em venda num Estado‑Membro contêm todas as informações necessárias para a utilização correta e com segurança desse dispositivo e incluem a tradução na ou nas línguas oficiais desse Estado‑Membro ( 26 ). Esta obrigação reflete os requisitos aplicáveis aos próprios fabricantes quando estes alargam a comercialização de um dispositivo de autodiagnóstico a outros Estados‑Membros da União Europeia ( 27 ).

41.

Os diversos mecanismos de aplicação coerciva são de molde a encorajar o cumprimento desses requisitos.

42.

Assim, um distribuidor faltoso pode ser responsabilizado pelos danos resultantes da sua negligência e, consequentemente, ser condenado a indemnizar as vítimas (aplicação privada).

43.

Além disso, o artigo 2.o da diretiva impõe aos Estados‑Membros o dever de assegurarem que os dispositivos observam os requisitos previstos na diretiva, quando são «colocados no mercado». Em minha opinião, tendo em conta o objetivo da diretiva de garantir um nível elevado de proteção sanitária, tal implica controlar a segurança e a qualidade dos dispositivos vendidos no seu território por distribuidores independentes (como a Servoprax), nomeadamente no que respeita à qualidade e à acessibilidade das informações necessárias para a utilização correta e com segurança dos dispositivos (aplicação pública) ( 28 ).

44.

Esse dever de controlo é complementado pelo processo de vigilância instituído pelo artigo 11.o da diretiva, que exige que os Estados‑Membros procedam ao registo e avaliação central de quaisquer dados de que tomem conhecimento, relativos, designadamente, a «quaisquer deficiências na rotulagem ou nas instruções de utilização» de um dispositivo que ostente a marcação «CE» que sejam suscetíveis de pôr em perigo a vida ou de conduzir a um sério agravamento do estado de saúde de um doente, de um utilizador ou de qualquer outra pessoa, e que comuniquem imediatamente à Comissão (e aos restantes Estados‑Membros) se foram adotadas ou se estão previstas medidas adequadas (incluindo a possibilidade de retirada do mercado do dispositivo). Na minha perspetiva, esse processo de vigilância deve ser acionado se um Estado‑Membro tomar conhecimento de que um distribuidor vendeu no seu território um dispositivo médico de diagnóstico in vitro acompanhado de um rótulo e/ou de instruções de utilização suscetíveis de constituírem um risco para a saúde e para a segurança das pessoas.

45.

Feitas estas considerações, não posso perfilhar o entendimento da Comissão de que, num caso como o do processo principal, o distribuidor está obrigado a notificar o fabricante do dispositivo médico de diagnóstico in vitro antes da sua reembalagem e disponibilização para venda, para permitir que o fabricante verifique se a rotulagem e as informações fornecidas com o dispositivo cumprem todos os requisitos aplicáveis ( 29 ). A Comissão tentou estabelecer uma analogia entre a marcação «CE» de conformidade e a proteção devida aos titulares de uma marca quando os seus produtos farmacêuticos que ostentam uma marca são objeto de distribuição paralela no mercado interno ( 30 ), alegando que esta tese corresponde, no essencial, ao que é propugnado na proposta de regulamento.

46.

Não vislumbro na formulação atual do direito da União qualquer fundamento legal para um processo de notificação prévia como o referido no número anterior.

47.

A jurisprudência em matéria de marcas invocada pela Comissão não pode conduzir, por analogia, a esse resultado. O procedimento de notificação e autorização prévias que teve origem nessa jurisprudência visa compatibilizar a livre circulação dos medicamentos com a proteção dos interesses legítimos dos titulares de marcas, em especial contra a reembalagem efetuada pelos importadores paralelos nos casos em que afete o estado originário do produto ou seja suscetível de prejudicar a reputação da marca ( 31 ). Tais interesses legítimos resultam do objeto específico do direito de marca, que consiste, nomeadamente, em assegurar ao seu titular o direito exclusivo de usar a marca para a primeira colocação do produto no mercado, protegendo‑o, assim, contra os concorrentes que pretendam abusar da posição e da reputação da marca, vendendo produtos que a utilizem indevidamente ( 32 ). Não obstante ter concluído que, em virtude da livre circulação de mercadorias, o titular não pode invocar o seu direito de marca para se opor à comercialização, sob a sua marca, de produtos reembalados por um importador paralelo, o Tribunal de Justiça reconheceu a necessidade de proteger o titular contra qualquer abuso da sua marca ( 33 ).

48.

A marcação «CE» de um produto não confere um direito exclusivo ao fabricante do produto. O objetivo da marcação «CE» é outro. Conforme resulta claramente do artigo 30.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 765/2008 ( 34 ), a aposição da marcação «CE» num produto indica apenas que o fabricante «assume a responsabilidade pela conformidade do produto com todos os requisitos aplicáveis definidos na legislação comunitária de harmonização que prevê a sua aposição», incluindo (quando aplicável) os requisitos estabelecidos na diretiva relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro ( 35 ). Esse compromisso não confere ao fabricante um direito exclusivo que justifique a imposição a um distribuidor independente, numa situação como a do processo principal, da obrigação de obter a autorização do fabricante antes da comercialização do dispositivo no Estado‑Membro de distribuição. É evidente que esta conclusão não prejudica os deveres que identifiquei no n.o 40 das presentes conclusões e que, em tais circunstâncias (de acordo com a legislação já em vigor), incumbem ao distribuidor.

49.

Por último, as partes debruçaram‑se sobre a diferença entre as unidades de medida relativas aos valores‑limite da solução de controlo que constavam do Accu‑Chek Aviva comercializado pela Roche Deutschland no mercado alemão (ou seja, mmol/l e mg/dl) e do mesmo produto quando vendido pela Servoprax nesse Estado‑Membro, de junho de 2010 até ao outono desse ano (apenas mmol/l). Na audiência, a Roche Deutschland confirmou, essencialmente, que a unidade de medida «mg/dl» foi acrescentada às tiras de teste que vendia na Alemanha, para ter em conta os usos e requisitos legais em vigor nesse Estado‑Membro. Referiu ainda que, além da «mmol/l», a unidade de medida «mg/dl» tinha sido considerada na avaliação da conformidade efetuada pelo organismo notificado no Reino Unido. Com base nesses factos, a Roche Deutschland argumentou que as atividades da Servoprax eram suscetíveis de comprometer a segurança dos doentes e que, por esse motivo, se impunha a realização de uma avaliação complementar da conformidade.

50.

Não subscrevo esse entendimento.

51.

Em primeiro lugar, recordo que a alegação da Roche Deutschland de que seria ilegal comercializar na Alemanha o Accu‑Chek Aviva e o Accu‑Chek Compact com «mmol/l» como única unidade de medida foi categoricamente refutada pelo Governo alemão na audiência. Além disso, nos elementos ao dispor do Tribunal de Justiça nada sugere que exista tal proibição na Alemanha.

52.

Acresce que, em qualquer caso, os dispositivos distribuídos pela Servoprax no mercado alemão ostentavam a marcação «CE» e tinham sido objeto de uma avaliação da conformidade, nos termos do artigo 9.o Portanto, o fabricante desses dispositivos assumiu a responsabilidade pela sua conformidade com todos os requisitos aplicáveis ao abrigo da diretiva ( 36 ). Consequentemente, os dispositivos podiam ser comercializados em toda a União Europeia, sem necessidade de uma nova avaliação da conformidade ou de uma avaliação complementar da conformidade, sob reserva (designadamente) do cumprimento dos requisitos previstos no primeiro, segundo e sexto parágrafos do ponto 8.1 da parte B do anexo I da diretiva. Conforme já expliquei, um distribuidor que infrinja estes requisitos pode ser responsabilizado em sede de ação cível ou ser objeto de medidas de aplicação coerciva por parte das autoridades nacionais competentes ( 37 ).

53.

Na audiência, a Roche Deutschland invocou a seu favor o acórdão Laboratoires Lyocentre ( 38 ) . Nesse processo, o Tribunal de Justiça analisou a questão de saber se a classificação de um produto num Estado‑Membro como dispositivo médico com marcação «CE», em conformidade com a Diretiva 93/42/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa aos dispositivos médicos ( 39 ), obsta a que as autoridades competentes de outro Estado‑Membro classifiquem esse mesmo produto, por causa da sua ação farmacológica, imunológica ou metabólica, como medicamento na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano ( 40 ). Não obstante responder negativamente a essa questão, o Tribunal de Justiça salientou que, antes da reclassificação do produto, as autoridades nacionais competentes devem aplicar o procedimento previsto no artigo 18.o da Diretiva 93/42 para os casos de aposição indevida da marcação. Em contrapartida, no caso presente, não se verifica a circunstância de as autoridades de um Estado‑Membro considerarem que a marcação foi indevidamente aposta num dispositivo comercializado no território desse Estado‑Membro ou de que foi aposta em conformidade com a Diretiva relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro num produto que, na realidade, não está abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva ( 41 ). Pelo contrário, não há qualquer sugestão de que a marcação «CE» tenha sido aposta indevidamente nas tiras de teste que estão em causa no processo principal ( 42 ).

Conclusão

54.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda nos seguintes termos às questões do Bundesgerichtshof:

1)

A Diretiva 98/79/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro de 1998, relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro, com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2011/100/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2011, deve ser interpretada no sentido de não exigir que um distribuidor paralelo submeta dispositivos médicos de diagnóstico in vitro a um procedimento novo ou complementar de avaliação da conformidade na ou nas línguas oficiais do Estado‑Membro em que esse distribuidor paralelo os pretende comercializar, nos casos em que os dispositivos em causa já tenham sido submetidos a um procedimento de avaliação da conformidade, nos termos do artigo 9.o da Diretiva 98/79, noutro Estado‑Membro e numa língua diferente e, por conseguinte, ostentem a marcação «CE» de conformidade, e em que o distribuidor paralelo faça acompanhar esses dispositivos de um novo rótulo e de instruções de utilização nessa ou nessas línguas oficiais.

2)

É irrelevante que as instruções de utilização que o distribuidor paralelo anexa aos dispositivos comercializados no Estado‑Membro de distribuição correspondam ou não textualmente às instruções de utilização fornecidas pelo fabricante com os dispositivos nesse Estado‑Membro.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva 98/79/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro de 1998 (JO L 331, p. 1). Para os factos do processo principal é pertinente a versão da diretiva com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2011/100/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2011 (JO L 341, p. 50).

( 3 ) Considerandos 2 e 3.

( 4 ) Considerando 5.

( 5 ) V. também considerando 19, que estipula que «a atividade de fabrico [...] inclui também a embalagem dos dispositivos, na medida em que a mesma está ligada aos aspetos de segurança e de comportamento funcional do dispositivo».

( 6 ) Primeiro parágrafo.

( 7 ) Segundo parágrafo.

( 8 ) Sexto parágrafo.

( 9 ) 1 mmol/l corresponde aproximadamente a 18 mg/dl.

( 10 ) Anexo II, lista B, nono travessão.

( 11 ) Considerandos 2, 3 e 5.

( 12 ) V. anexo IV, ponto 3.2.c, e anexo V, ponto 3, lidos em conjugação com o décimo segundo travessão do ponto 3 do anexo III.

( 13 ) Parece resultar dos elementos à disposição do Tribunal de Justiça que os produtos Accu‑Chek Aviva e Accu‑Chek Compact adquiridos pela Servoprax para efeitos de distribuição paralela na Alemanha satisfaziam essas condições.

( 14 ) Artigo 4.o, n.o 1, da diretiva.

( 15 ) V., acerca deste último processo, n.o 44 das presentes conclusões.

( 16 ) Pontos 8.1 e 8.4 da parte B do anexo I.

( 17 ) O controlo do cumprimento desse requisito é uma das obrigações impostas aos Estados‑Membros pelo artigo 2.o da diretiva. V. n.o 43 das presentes conclusões.

( 18 ) Esse último elemento também é parte essencial da definição de «fabricante» do artigo R1, n.o 3, do anexo I da Decisão n.o 768/2008/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, relativa a um quadro comum para a comercialização de produtos, e que revoga a Decisão 93/465/CEE (JO L 218, p. 82), o qual faz referência à pessoa singular ou coletiva que comercialize um produto «em seu nome ou sob a sua marca».

( 19 ) Se fosse esse o caso, impenderiam efetivamente sobre a Servoprax as mesmas obrigações impostas aos «fabricantes», nas condições previstas no artigo 1.o, n.o 2, alínea f), da diretiva.

( 20 ) Logo, não é necessário analisar a exceção compreendida no segundo período do segundo parágrafo do artigo 1.o, n.o 2, alínea f), da diretiva, que respeita às pessoas que, não sendo fabricantes, montam ou adaptam a um doente específico dispositivos já colocados no mercado com a mesma finalidade.

( 21 ) COM(2012) 541 final. Em 24 de maio de 2016, a Presidência neerlandesa do Conselho e representantes do Parlamento Europeu alcançaram um acordo político sobre uma nova regulamentação relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro (v. comunicado de imprensa do Conselho «Dispositivos médicos de diagnóstico: alcançado acordo sobre novas normas da UE», de 25 de maio de 2016, http://www.consilium.europa.eu/en/press/press‑releases/2016/05/25‑medical‑devices/). Porém, no momento de redigir as presentes conclusões, o acordo teria de ser aprovado pelo Comité de Representantes Permanentes do Conselho e pela Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar do Parlamento.

( 22 ) Artigo 40.o do projeto de regulamento.

( 23 ) V. alínea c) do primeiro parágrafo do artigo 14.o, n.o 1, do projeto de regulamento.

( 24 ) Artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do projeto de regulamento. Porém, segundo o projeto de regulamento, o distribuidor deve indicar no dispositivo, ou, se tal não for possível, na respetiva embalagem ou documento que o acompanhe, a atividade realizada, bem como o seu nome, o nome comercial registado ou a marca registada e o endereço onde possa ser contactado e onde a sua localização possa ser estabelecida (artigo 14.o, n.o 3, primeiro parágrafo). Além disso, o distribuidor deve dispor de um sistema de gestão da qualidade que inclua procedimentos destinados a garantir que a tradução das informações é exata e atualizada (artigo 14.o, n.o 3, segundo parágrafo).

( 25 ) Esta regra aplica‑se independentemente de os dispositivos serem «colocados no mercado» ou simplesmente «postos em serviço».

( 26 ) Anexo I, parte B, primeiro e sexto parágrafos do ponto 8.1. V., por analogia, acórdão de 8 de setembro de 2005, Yonemoto, C‑40/04, EU:C:2005:519, n.os 47 e 48. Em alguns casos — ao contrário do que acontece no processo principal —, o fabricante não comercializa o dispositivo no Estado‑Membro em que um distribuidor independente o distribui e, consequentemente, as informações fornecidas pelo fabricante no rótulo e nas instruções de utilização podem não estar disponíveis na língua ou línguas oficiais desse Estado‑Membro. Nessas circunstâncias, o distribuidor fica obrigado a fornecer essas informações através da tradução das informações disponibilizadas com o dispositivo numa língua diferente.

( 27 ) V. n.o 30 das presentes conclusões. E evoca também a Decisão n.o 768/2008, que dispõe que os distribuidores devem, designadamente, «agir com a devida diligência em relação aos requisitos aplicáveis» e, antes de disponibilizarem um produto no mercado, «verificar se o produto ostenta a marcação de conformidade exigida» e se vem «acompanhado dos necessários documentos e das instruções e informações respeitantes à segurança, numa língua que possa ser facilmente compreendida pelos consumidores e outros utilizadores finais no Estado‑Membro no qual o produto é disponibilizado no mercado» (artigo R5, n.os 1 e 2, do anexo I da Decisão n.o 768/2008). Todavia, a Decisão n.o 768/2008 limita‑se a estabelecer o quadro comum de princípios gerais e disposições de referência para a formulação da futura legislação da UE de harmonização das condições de comercialização de produtos, não impondo, ela própria, obrigações aos distribuidores que se encontram numa situação como a do processo principal.

( 28 ) Anexo I, parte B, ponto 8.1.

( 29 ) As alegações da Comissão na audiência não permitiram determinar claramente se este entendimento se baseava na legislação atualmente em vigor ou na proposta de regulamento.

( 30 ) V., entre outros, acórdãos de 23 de maio de 1978, Hoffmann‑La Roche, 102/77, EU:C:1978:108; de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282; e de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o., C‑143/00, EU:C:2002:246.

( 31 ) Acórdãos de 23 de maio de 1978, Hoffmann‑La Roche, 102/77, EU:C:1978:108, n.os 7 a 12, e de 23 de abril de 2002, Boehringer Ingelheim e o., C‑143/00, EU:C:2002:246, n.os 61 e 62.

( 32 ) Acórdão de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.o 44.

( 33 ) Acórdãos de 23 de maio de 1978, Hoffmann‑La Roche, EU:C:1978:108, n.os 11 e 12, e de 11 de julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, EU:C:1996:282, n.os 68 e 69.

( 34 ) Do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho de 2008, que estabelece os requisitos de acreditação e fiscalização do mercado relativos à comercialização de produtos, e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 339/93 (JO L 218, p. 30). O Regulamento n.o 765/2008 estabelece os princípios gerais da marcação «CE» (artigo 1.o, n.o 4).

( 35 ) Esse entendimento é consentâneo com a definição de «marcação CE», como «uma marcação através da qual o fabricante evidencia que o produto cumpre todos os requisitos aplicáveis, previstos na legislação comunitária de harmonização que prevê a sua aposição» (artigo 2.o, n.o 20, do Regulamento n.o 765/2008).

( 36 ) V. n.o 48 das presentes conclusões.

( 37 ) V. n.os 42 e 43 das presentes conclusões.

( 38 ) Acórdão de 3 de outubro de 2013, Laboratoires Lyocentre, C‑109/12, EU:C:2013:626.

( 39 ) JO L 169, p. 1.

( 40 ) JO L 311, p. 67.

( 41 ) O artigo 17.o da Diretiva relativa aos dispositivos médicos de diagnóstico in vitro regula especificamente a questão da marcação «CE» indevidamente aposta.

( 42 ) V. n.o 15 das presentes conclusões.