Processo T‑340/14

Andriy Klyuyev

contra

Conselho da União Europeia

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na Ucrânia — Congelamento de fundos — Lista de pessoas, entidades e organismos aos quais se aplica o congelamento dos fundos e dos recursos económicos — Inclusão do nome do recorrente — Direitos de defesa — Dever de fundamentação — Base legal — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Desrespeito dos critérios de inclusão na lista — Erro manifesto de apreciação — Direito de propriedade — Direito ao bom nome»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção alargada) de 15 de setembro de 2016

  1. União Europeia — Fiscalização jurisdicional da legalidade dos atos das instituições — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na Ucrânia — Alcance da fiscalização — Prova do fundamento da medida — Obrigação da autoridade competente da União de demonstrar, em caso de contestação, o fundamento dos motivos considerados contra as pessoas ou as entidades em causa

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.o; Decisão 2014/119/PESC do Conselho; Regulamento n.o 208/2014 do Conselho)

  2. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas tendo em conta a situação na Ucrânia — Decisão de congelamento de fundos — Direitos de defesa — Comunicação das provas incriminatórias — Decisão subsequente que mantém o nome do recorrente na lista das pessoas visadas por essas medidas — Apoio desta decisão em elementos novos que não figuravam na decisão inicial — Violação dos direitos de defesa e do direito à proteção jurisdicional efetiva — Inexistência

    [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 41.°, n.o 2, alínea a), e 47.°; Decisão 2014/119/PESC do Conselho, conforme alterada pelas Decisões 2015/143/PESC e 2015/364/PESC; Regulamento n.o 208/2014 do Conselho, conforme alterado pelos Regulamentos n.os 2015/138 e 2015/357]

  3. Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Medidas restritivas adotadas contra certas pessoas e entidades tendo em conta a situação na Ucrânia — Congelamento dos fundos das pessoas implicadas em desvios de fundos públicos — Decisão que se inscreve num contexto do conhecimento do interessado que lhe permite compreender o alcance da medida tomada a seu respeito — Admissibilidade de uma fundamentação sumária — Limites — Fundamentação que não pode consistir numa formulação geral e estereotipada

    [Artigo 296.o TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.o, n.o 2, alínea c); Decisão 2014/119/PESC do Conselho, conforme alterada pelas Decisões 2015/143/PESC e 2015/364/PESC; Regulamento n.o 208/2014 do Conselho, conforme alterado pelos Regulamentos n.os 2015/138 e 2015/357]

  4. Direito da União Europeia — Valores e objetivos da União — Valores — Respeito pelo Estado de direito — Estado de direito — Conceito

    (Artigo 2.o TUE e 49.° TUE)

  5. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra certas pessoas e entidades tendo em conta a situação na Ucrânia — Congelamento dos fundos das pessoas responsáveis pelo desvio de fundos públicos pertencentes ao Estado ucraniano — Desvio de fundos públicos — Conceito — Factos constitutivos de desvio de fundos ou de bens públicos suscetíveis de atentar contra os fundamentos institucionais e jurídicos da Ucrânia e o respeito do Estado de direito nesses país

    [Decisão 2014/119/PESC do Conselho, artigo 1.o, n.o 1, alínea a), conforme alterada pela Decisão 2015/143/PESC]

  6. Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra certas pessoas e entidades tendo em conta a situação na Ucrânia — Congelamento dos fundos das pessoas implicadas em desvios de fundos públicos — Restrição do direito de propriedade — Violação do princípio da proporcionalidade — Inexistência — Violação do direito ao bom nome — Inexistência

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, art. 17; Decisão 2014/119/PESC do Conselho, conforme alterada pelas Decisões 2015/143/PESC e 2015/364/PESC; Regulamento n.o 208/2014 do Conselho, conforme alterado pelos Regulamentos n.os 2015/138 e 2015/357)

  1.  Embora o Conselho disponha de um amplo poder de apreciação no que respeita aos critérios gerais a tomar em consideração na adoção de medidas restritivas, a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia exige que, ao abrigo da fiscalização da legalidade dos motivos em que se baseia a decisão de incluir o nome de uma determinada pessoa na lista das pessoas objeto de medidas restritivas, o juiz da União Europeia se assegure que esta decisão, que reveste um alcance individual para esta pessoa, assente numa base factual suficientemente sólida. Isso implica uma verificação dos factos alegados na exposição de motivos subjacentes à referida decisão, pelo que a fiscalização jurisdicional não se limita à apreciação da probabilidade abstrata dos motivos invocados, antes tendo por objeto a questão de saber se estes motivos, ou pelo menos um deles, considerado, por si só, suficiente para fundamentar esta mesma decisão, têm fundamento suficientemente preciso e concreto.

    A este respeito, a instauração de um processo judicial nos termos do Código de Processo Penal nacional e a eventual adoção de medidas cautelares a nível nacional podem constituir indícios importantes para efeitos de demonstração da existência dos factos que justificam a adoção das medidas restritivas a nível da União e para efeitos de apreciação da necessidade de adoção de tais medidas para garantir os resultados das ações conduzidas pelas autoridades nacionais. Não é menos certo que a adoção das medidas restritivas resulta da competência do Conselho, que decide de forma autónoma da necessidade e da oportunidade de adotar tais medidas, à luz dos objetivos da política externa e de segurança comum, independentemente de uma petição nesse sentido das autoridades do país terceiro em causa e de qualquer outra disposição tomada por estas a nível nacional, desde que se apoie numa base factual sólida.

    Além disso, não é menos verdade que cabe à autoridade competente da União, em caso de contestação, demonstrar que os motivos invocados contra a pessoa em causa têm fundamento, e não a esta última apresentar a prova negativa de que os referidos motivos não têm fundamento.

    (cf. n.os 36, 44, 99, 119, 120)

  2.  O respeito dos direitos de defesa, que é consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a que o Tratado UE reconhece o mesmo valor jurídico dos Tratados, contém o direito a ser ouvido e o direito a ter acesso ao processo, enquanto o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, que é afirmado no artigo 47.o da referida Carta, exige que o interessado possa conhecer os fundamentos em que se baseia a decisão tomada a seu respeito. De onde resulta que, no âmbito da adoção de uma decisão que mantém a inclusão do nome de uma pessoa, de uma entidade ou de um organismo numa lista de pessoas, entidades ou organismos objeto de medidas restritivas, o Conselho deve respeitar o direito dessa pessoa, dessa entidade ou desse organismo a ser previamente ouvido quando lhe imputa, na decisão que mantém a inclusão na lista, novos elementos, ou seja, elementos que não constavam na decisão inicial de inclusão nessa lista.

    Ora, quando o recorrente teve acesso às informações e aos elementos de prova que levaram o Conselho a manter as medidas restritivas a seu respeito e pôde formular, em tempo útil, observações, não se pode concluir por uma violação dos direitos de defesa e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva do recorrente.

    (cf. n.os 55, 56, 59, 61)

  3.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 65‑71)

  4.  O respeito pelo Estado de direito é um dos valores primeiros em que assenta a União, como resulta do artigo 2.o TUE e dos preâmbulos do Tratado UE e da Carta dos Direitos Fundamentais. O respeito pelo Estado de direito constitui, além disso, uma condição prévia à adesão à União, por força do artigo 49.o TUE. O conceito de Estado de direito é também consagrado, sob a formulação alternativa de «primado do direito», no preâmbulo da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem.

    A jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assim como os trabalhos do Conselho da Europa, através da Comissão Europeia para a Democracia através do Direito, fornecem uma lista não exaustiva dos princípios e das normas que se podem inscrever no conceito de Estado de direito. Entre eles figuram os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da proibição de arbitrariedade do poder executivo; órgãos jurisdicionais independentes e imparciais; uma fiscalização jurisdicional efetiva, incluindo o respeito pelos direitos fundamentais, e a igualdade perante a lei. Além disso, no contexto da ação externa da União, alguns instrumentos jurídicos como o Regulamento n.o 1638/2006 que estabelece disposições gerais relativas à criação do Instrumento Europeu de Vizinhança e Parceria mencionam, nomeadamente, a luta contra a corrupção enquanto princípio inscrito no conceito de Estado de direito.

    (cf. n.os 87, 88)

  5.  Ora, se não se pode excluir que alguns comportamentos relativos a factos constitutivos de desvio de fundos públicos possam lesar o Estado de direito, não se pode admitir que qualquer ato de desvio de fundos públicos, cometido num país terceiro, justifique uma intervenção da União com a finalidade de consolidar e apoiar o Estado de direito nesse país, no âmbito das suas competências em matéria de política externa e de segurança comum. Para que se possa determinar que um desvio de fundos públicos é suscetível de justificar uma ação da União no âmbito da referida política, baseada no objetivo de consolidar e apoiar o Estado de direito, é, pelo menos, necessário que os factos contestados sejam suscetíveis de lesar os fundamentos institucionais e jurídicos do país em causa.

    No que respeita a um critério de inclusão como o enunciado no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2014/119/PESC, que impõe medidas restritivas dirigidas a certas pessoas, entidades e organismos, tendo em conta a situação na Ucrânia, conforme alterada pela Decisão 2015/143/PESC, que visa nomeadamente pessoas identificadas como responsáveis por desvios de fundos estatais ucranianos, esse critério só pode ser considerado conforme com a ordem jurídica da União na medida em que seja possível atribuir‑lhe lhe um sentido compatível com as exigências das regras superiores a cujo respeito está sujeito, e mais precisamente com o objetivo de consolidar e apoiar o Estado de direito na Ucrânia. Além disso, esta interpretação permite respeitar a ampla margem de apreciação de que o Conselho beneficia para definir os critérios gerais de inclusão, garantindo uma fiscalização, em princípio completa, da legalidade dos atos da União à luz dos direitos fundamentais. Assim sendo, o referido critério deve ser interpretado no sentido de que não se destina, de modo abstrato, a qualquer ato que constitua um desvio de fundos públicos, mas sobretudo aos atos de desvio de fundos ou ativos públicos que, tendo em conta o montante ou o tipo de fundos ou ativos desviados ou o contexto em que ocorreram, são, pelo menos, suscetíveis de lesar os fundamentos institucionais e jurídicos da Ucrânia, nomeadamente os princípio da legalidade, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da fiscalização jurisdicional efetiva e da igualdade perante a lei e, em última instância, de lesar o respeito pelo Estado de direito nesse país. Assim interpretado, o critério da inclusão é conforme e proporcional aos objetivos pertinentes do Tratado UE.

    (cf. n.os 89‑91)

  6.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 130‑135)