ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

12 de maio de 2015 ( *1 )

«Regime das especialidades tradicionais garantidas — Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Rejeição do pedido de registo da denominação ‘pomazánkové máslo’ (manteiga para barrar) como especialidade tradicional garantida — Articulação com as disposições do Regulamento (CE) n.o 1234/2007 que estabelecem os requisitos de utilização da denominação de venda ‘manteiga’»

No processo T‑51/14,

República Checa, representada por M. Smolek, J. Vláčil e J. Vitáková, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Guillem Carrau, Z. Malůšková e K. Walkerová, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão de Execução 2013/658/UE da Comissão, de 13 de novembro de 2013, relativa à rejeição de um pedido de inscrição no Registo das especialidades tradicionais garantidas previst[o] no Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho [Pomazánkové máslo (ETG)] (JO L 305, p. 22),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Gervasoni (relator) e L. Madise, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de janeiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

Regulamentos n.o 1234/2007 e n.o 445/2007

1

O Regulamento (CE) n.o 1234/2007 do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento «OCM única») (JO L 299, p. 1), reuniu as 21 organizações comuns dos mercados que abrangem diferentes produtos ou grupos de produtos, que anteriormente eram regulados por vários regulamentos de base distintos e por vários regulamentos do Conselho que os completavam. No que respeita ao leite, aos produtos lácteos e às matérias gordas, tinham sido adotados diversos instrumentos jurídicos com o objetivo de regular a sua comercialização e denominação, como o Regulamento (CE) n.o 2991/94 do Conselho, de 5 de dezembro de 1994, que institui normas relativas às matérias gordas para barrar (JO L 316, p. 2).

2

O Regulamento n.o 1234/2007, que revogou e substituiu, designadamente, o Regulamento n.o 2991/94, retomando todas as suas disposições, visa, nomeadamente, conforme resulta, em especial, do seu considerando 51, uniformizar a utilização das denominações comerciais para preservar a concorrência e proteger os consumidores (acórdão de 18 de outubro de 2012, Comissão/República Checa, C‑37/11, Colet., a seguir «acórdão C‑37/11», EU:C:2012:640, n.os 2 e 61).

3

Desta forma, o artigo 115.o do Regulamento n.o 1234/2007 fixa as normas de comercialização das matérias gordas aplicáveis aos produtos cujo teor de matérias gordas seja igual ou superior a 10% e inferior a 90%, em peso, destinados ao consumo humano, remetendo para o seu Anexo XV.

4

O apêndice ao Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, para o qual o artigo 115.o deste regulamento remete, prevê que a denominação de venda «manteiga» está reservada para «[p]roduto[s] com um teor de matéria gorda láctea mínimo de 80% e máximo de 90% e teores máximos de água de 16%, e de matérias lácteas secas e não gordas de 2%». As exceções a esta regra encontram‑se enumeradas no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, deste anexo e abrangem:

a)

a designação de produtos cuja natureza exata seja claramente dedutível da utilização tradicional dos mesmos ou cujas designações sejam claramente utilizadas para descrever uma qualidade característica dos produtos;

b)

os produtos concentrados (manteiga, margarina, compostos) com teor de matérias gordas igual ou superior a 90%.

5

Aos produtos cujo teor de matéria gorda láctea seja inferior a 80% e cujo teor de água seja superior a 16% deve ser conferida uma das outras denominações que figuram na parte A do apêndice ao Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007. Assim, o ponto 4 da parte A do referido apêndice prevê que aos produtos com teor de matéria gorda inferior a 39%, superior a 41% e inferior a 60%, ou superior a 62% e inferior a 80%, deve ser conferida a menção «[c]reme para barrar a X%».

6

O artigo 121.o, alínea c), i), do Regulamento n.o 1234/2007 atribui poderes à Comissão Europeia para aprovar as regras de execução das derrogações às regras prescritas neste regulamento e, em particular, para elaborar a lista dos produtos que, com base nas listas enviadas pelos Estados‑Membros, beneficiam das referidas derrogações.

7

O Regulamento (CE) n.o 445/2007 da Comissão, de 23 de abril de 2007, que estabelece determinadas regras de execução do Regulamento n.o 2991/94 e do Regulamento (CEE) n.o 1898/87 do Conselho, relativo à proteção da denominação do leite e dos produtos lácteos aquando da sua comercialização (JO L 106, p. 24), que substituiu o Regulamento (CE) n.o 577/97 da Comissão, de 1 de abril de 1997, que estabelece determinadas regras de execução do Regulamento n.o 2991/94 e do Regulamento (CEE) n.o 1898/87 do Conselho, relativo à proteção da denominação do leite e dos produtos lácteos aquando da sua comercialização (JO L 87, p. 3), contém, no seu Anexo I, a lista dos produtos que beneficiam da derrogação prevista no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007. De acordo com o considerando 4 do Regulamento n.o 445/2007, esta lista é exaustiva, característica que o Tribunal de Justiça recordou no acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra (EU:C:2012:640, n.o 59).

Regulamentos n.o 509/2006 e n.o 1151/2012

8

O Regulamento (CE) n.o 509/2006 do Conselho, de 20 de março de 2006, relativo às especialidades tradicionais garantidas dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 93, p. 1), instituiu um registo das especialidades tradicionais garantidas que permite que sejam registados os produtos agrícolas ou de géneros alimentícios produzidos a partir de matérias‑primas tradicionais ou que se caracterizem por uma composição tradicional ou por um modo de produção ou de transformação que reflita o tipo de produção ou de transformação tradicional.

9

O Regulamento n.o 509/2006 foi revogado e substituído, a partir de 3 de janeiro de 2013, pelo Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 343, p. 1). Este novo regulamento tinha por objetivo, por um lado, incorporar os diferentes textos relativos à qualidade dos produtos agrícolas (considerandos 10 a 13) e, por outro, melhorar, clarificar e afinar as disposições do Regulamento n.o 509/2006, a fim de tornar o regime das especialidades tradicionais garantidas (a seguir «ETG») mais atrativo, sendo que apenas algumas denominações foram registadas (considerando 34).

10

O Regulamento n.o 1151/2012 estabelece, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, regimes de qualidade que constituem a base para a identificação e, se for caso disso, a proteção de denominações e menções que, designadamente, indicam ou descrevem produtos agrícolas com características que oferecem uma mais‑valia ou atributos que constituem uma mais‑valia em virtude dos métodos agrícolas ou de transformação utilizados na respetiva produção, ou em virtude do local de produção ou comercialização. Reagrupa três regimes de qualidade distintos: as denominações de origem protegidas e indicações geográficas protegidas, as ETG e as menções de qualidade facultativas.

11

O artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 dispõe que «[o] presente regulamento não prejudica a aplicação de outras disposições específicas da União relativas à colocação dos produtos no mercado, e em especial à organização comum de mercado única e à rotulagem de alimentos».

12

Nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, podem ser registadas como ETG as denominações que descrevam um determinado produto ou género alimentício que resulte de um modo de produção, transformação ou composição que correspondam a uma prática tradicional para esse produto ou género alimentício, ou que seja produzido a partir de matérias‑primas ou ingredientes utilizados tradicionalmente. O artigo 18.o, n.o 2, do referido regulamento dispõe, além disso, que, para ser registada como ETG, uma denominação deve ter sido tradicionalmente utilizada para fazer referência ao produto específico ou designar o caráter tradicional ou a especificidade do produto. O registo da denominação de um produto ou de um género alimentício como ETG deve, para esse efeito, preencher os requisitos previstos neste regulamento e, em especial, respeitar um caderno de especificações definido no artigo 19.o do mesmo regulamento. O registo confere à referida denominação a proteção definida nos artigos 23.° e 24.° do regulamento em questão.

13

Os artigos 49.° a 52.° do Regulamento n.o 1151/2012 definem o processo de registo que permite aos agrupamentos que trabalhem com os produtos em causa ou às pessoas singulares ou coletivas que preencham determinados requisitos apresentar um pedido de registo de uma ETG no Estado‑Membro em que o agrupamento esteja estabelecido. O Estado‑Membro verifica que o pedido se justifica e, sendo caso disso, apresenta à Comissão um processo de pedido. Nos casos em que a Comissão considerar que o pedido não preenche os requisitos para que se proceda ao registo, adota atos de execução que rejeitam esse pedido.

Antecedentes do litígio

14

Em 22 de dezembro de 2010, a República Checa apresentou à Comissão um pedido de inscrição da denominação «pomazánkové máslo» (manteiga para barrar) no Registo das ETG, ao abrigo das disposições do Regulamento n.o 509/2006.

15

Em 1 de abril de 2011, a Comissão informou a República Checa de que tinha concluído o exame previsto nas disposições do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 509/2006 e que considerava que o pedido não preenchia os requisitos fixados neste regulamento, designadamente o enunciado no artigo 4.o, n.o 3, alínea b), do referido regulamento, segundo o qual não pode ser registado um nome que exprima a especificidade de um produto agrícola ou de um género alimentício que «[s]eja abusiv[o], isto é, nomeadamente, faça referência a uma característica [que] não correspond[e] ao caderno de especificações e seja, por conseguinte, suscetível de induzir o consumidor em erro sobre as características do produto».

16

Assim, a Comissão considerou que o nome «pomazánkové másl» continha o termo «máslo» (manteiga), enganoso para o consumidor, dado que sugeria que o produto possuía características que não detinha. Com efeito, o teor de matérias gordas do produto não respeitava, em sua opinião, as exigências definidas no Regulamento n.o 1234/2007.

17

Em 30 de maio de 2011, a República Checa respondeu à Comissão dizendo que iria proceder à análise jurídica da posição desta à luz do processo que correu no Tribunal de Justiça e que deu origem ao acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra (EU:C:2012:640).

18

Com efeito, a República Checa tinha pedido à Comissão, por duas vezes, em 18 de junho de 2004 e 14 de março de 2007, que aplicasse ao produto «pomazánkové máslo» a derrogação prevista no artigo 2.o, n.o 2, terceiro parágrafo, primeiro travessão, do Regulamento n.o 2991/94 [retomada no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007], mas a Comissão tinha recusado, por cartas de 23 de setembro de 2005 e 27 de agosto de 2007, dar seguimento favorável aos seus pedidos. Por a República Checa não ter alterado a sua legislação, a Comissão enviou‑lhe em 6 de junho de 2008 uma notificação para cumprir. Em 3 de novembro de 2009, a Comissão enviou‑lhe um parecer fundamentado, e em seguida, em 25 de janeiro de 2011, intentou uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça.

19

Através do acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra, o Tribunal de Justiça considerou que, ao autorizar a venda de «pomazánkové máslo» sob a denominação «máslo», embora este produto tivesse um teor de matérias gordas lácteas inferior a 80% e teores de água e matérias secas não gordas, superiores, respetivamente, a 16% e a 2%, a República Checa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do disposto no artigo 115.o do Regulamento n.o 1234/2007, lido em conjugação com o ponto I, n.o 2, primeiro e segundo parágrafos, do Anexo XV do referido regulamento, bem como com a parte A, pontos 1 e 4, do apêndice a este anexo.

20

Por carta de 23 de outubro de 2012, a República Checa indicou à Comissão que em sua opinião nada impedia a prossecução do processo de inscrição da denominação «pomazánkové máslo» no Registo das ETG e que um inquérito nacional tinha revelado que os consumidores checos não consideravam que a referida denominação era enganosa.

21

O Regulamento n.o 1151/2012, que entrou em vigor em 3 de janeiro de 2013, revogou e substituiu o Regulamento n.o 509/2006.

22

Em 14 de maio de 2013, a República Checa informou a Comissão de que, na sequência do acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra (EU:C:2012:640), iria dar início a um processo legislativo que deveria conduzir à substituição da denominação de venda «pomazánkové máslo» por «tradiční pomazánkové» (produto tradicional para barrar), denominação que era acompanhada da menção «mléčná pomazánka 34%» (matéria gorda láctea para barrar a 34%).

23

Em 2 de julho de 2013, a Comissão informou a República Checa de que, atendendo ao exame efetuado nos termos das disposições do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, o pedido de registo não preenchia os requisitos definidos neste regulamento, dado que não respeitava as disposições do Regulamento n.o 1234/2007, violando o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012.

24

Na audiência do Comité para a Política de Qualidade dos Produtos Agrícolas, de 17 de outubro de 2013, a Comissão solicitou que o pedido de registo da denominação «pomazánkové máslo» como ETG fosse rejeitado. O referido Comité emitiu, por maioria, um parecer favorável à proposta da Comissão.

25

Por decisão de 13 de novembro de 2013 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão adotou a Decisão de Execução 2013/658/UE, relativa à rejeição de um pedido de inscrição no Registo das ETG previst[o] no Regulamento n.o 1151/2012 [Pomazánkové máslo (ETG)] (JO L 305, p. 22).

Tramitação processual e pedidos das partes

26

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de janeiro de 2014, a República Checa interpôs o presente recurso.

27

A República Checa conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

28

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a República Checa nas despesas.

Questão de direito

29

Em apoio do recurso, a República Checa invoca um único fundamento, relativo à violação das disposições dos artigos 50.° e 52.° do Regulamento n.o 1151/2012, lidos em conjugação com o artigo 18.o do mesmo regulamento, por a Comissão não ter examinado os requisitos que devem ser preenchidos para que se proceda à inscrição de «pomazánkové máslo» no Registo das ETG e por a Comissão ter rejeitado o seu pedido com um fundamento diferente do fundamento relativo à inobservância daqueles requisitos.

30

Deste modo, a República Checa sustenta que a Comissão baseou a sua recusa em proceder ao registo da denominação «pomazánkové máslo» na inobservância do caderno de especificações previsto no Regulamento n.o 1234/2007, que fixa designadamente as regras relativas à utilização da denominação de venda de manteiga e das outras matérias gordas para barrar, embora nenhuma disposição do Regulamento n.o 1151/2012 preveja esse requisito. Considera que estes regulamentos constituem formas alternativas de proceder ao registo das denominações dos produtos agrícolas, pretendendo os dois garantir a informação que é transmitida aos consumidores a respeito das propriedades de um produto devido à sua denominação. A República Checa considera que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, nos termos do qual este último é aplicável sem prejuízo da aplicação de outras disposições específicas da União Europeia relativas à colocação de produtos no mercado, e em especial à organização comum de mercado única e à rotulagem de alimentos, constitui uma mera declaração que indica que este texto não regulamenta de maneira exaustiva a questão da colocação no mercado e da designação dos produtos alimentares.

31

Nos termos do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, «[a] Comissão examina, pelos meios adequados, cada um dos pedidos recebidos de acordo com o artigo 49.o, a fim de verificar se o pedido se justifica e satisfaz as condições do respetivo regime». O artigo 52.o, n.o 1, do referido regulamento especifica que, «[s]e, com base nas informações de que dispõe em resultado do exame realizado nos termos do artigo 50.o, n.o 1, primeiro parágrafo, a Comissão considerar que as condições de registo não se encontram preenchidas, adota atos de execução que recusam o pedido» e que «[o]s referidos atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 57.o, n.o 2».

32

De acordo com o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, «[p]odem ser registadas como especialidades tradicionais garantidas as denominações que descrevam um determinado produto ou género alimentício que […] [r]esulte de um modo de produção, transformação ou composição que correspondam a uma prática tradicional para esse produto ou género alimentício[,] ou […] [s]eja[,] produzido a partir de matérias‑primas ou ingredientes utilizados tradicionalmente». O artigo 18.o, n.o 2, do referido regulamento indica, além disso, que, «[p]ara ser registada como especialidade tradicional garantida, a denominação deve […] [t]er sido tradicionalmente utilizada para fazer referência ao produto específico […] ou […] [d]esignar o caráter tradicional ou a especificidade do produto».

33

Embora a República Checa considere que a Comissão deve limitar o seu exame do pedido de registo à verificação de que a denominação em causa preenche os requisitos previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 1151/2012, a Comissão, baseando‑se no artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, entende que deve igualmente verificar se a denominação preenche os requisitos previstos no Regulamento n.o 1234/2007. Segundo aquele número, que faz parte das disposições gerais aplicáveis ao regulamento e que determina o seu âmbito de aplicação, «[o] presente regulamento não prejudica a aplicação de outras disposições específicas da União relativas à colocação dos produtos no mercado, e em especial à organização comum de mercado única e à rotulagem de alimentos».

34

Nos termos de jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não apenas os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que aquela disposição faz parte (v. acórdão de 7 de junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, Colet., EU:C:2005:362, n.o 41 e jurisprudência referida; acórdão de 26 de outubro de 2010, Alemanha/Comissão, T‑236/07, Colet., EU:T:2010:451, n.o 44). Importa assim tomar em consideração a finalidade das regras da União para que lhes seja dada uma interpretação que assegure todo o seu efeito útil (acórdão de 13 de julho de 2004, Comissão/Conselho, C‑27/04, Colet., EU:C:2004:436, n.o 74).

35

É à luz destes princípios que há que examinar se as disposições do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, de acordo com as quais este regulamento «não prejudica a aplicação de outras disposições específicas da União relativas à colocação dos produtos no mercado, e em especial à organização comum de mercado única e à rotulagem de alimentos», devem ser entendidas no sentido de que significam que uma denominação só pode ser inscrita no Registo das ETG se respeitar os requisitos de comercialização definidos no Regulamento n.o 1234/2007.

36

Em primeiro lugar, verifica‑se que a resposta a esta questão pode ser deduzida de uma interpretação literal do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, à luz do sentido claro da expressão «não prejudica a aplicação de outras disposições específicas da União relativas à colocação dos produtos no mercado, e em especial à organização comum de mercado única e à rotulagem de alimentos». Com efeito, esta expressão significa que o referido regulamento não pode constituir um obstáculo à aplicação do Regulamento n.o 1234/2007, que fixa as regras desta organização comum.

37

Em segundo lugar, a interpretação acima acolhida no n.o 36 é conforme com a economia geral do Regulamento n.o 1234/2007. Há que recordar, a este respeito, o papel fundamental deste regulamento no funcionamento da política agrícola europeia. Em conformidade com o artigo 288.o, n.o 2, TFUE, o referido regulamento é, como qualquer regulamento, obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros. Comporta um conjunto de regras relativas à gestão dos mercados agrícolas, às normas de comercialização e à produção dos produtos agrícolas, bem como às suas exportações e importações.

38

No que respeita ao leite, aos produtos lácteos e às matérias gordas, tinham sido adotados diversos instrumentos jurídicos para regular, comercializar e denominar estes produtos, os quais tinham por objetivo, «por um lado, melhorar a posição do leite e produtos lácteos no mercado e, por outro, assegurar uma concorrência leal entre matérias gordas para barrar de origem láctea ou não láctea, em benefício de produtores e consumidores» (considerando 51 do Regulamento n.o 1234/2007). Assim, o Regulamento n.o 2991/94, que incluía uma classificação acompanhada de regras relativas à denominação, definia as normas de comercialização dos produtos lácteos e não lácteos (considerando 51 do Regulamento n.o 1234/2007). O Regulamento n.o 1234/2007, que revogou e substituiu o Regulamento n.o 2991/94, do qual retomou todas as disposições (acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra, EU:C:2012:640, n.o 2), conservou esta classificação, que convém manter (acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra, EU:C:2012:640, n.o 56). Assim, visa igualmente uniformizar a utilização das denominações comerciais, para preservar a concorrência e proteger os consumidores (considerando 51 do Regulamento n.o 1234/2007 e acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra, EU:C:2012:640, n.o 61).

39

O apêndice ao Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, para o qual o artigo 115.o deste regulamento remete, prevê que a denominação de venda «manteiga» está reservada aos «[p]roduto[s] com um teor de matéria gorda láctea mínimo de 80% e máximo de 90% e teores máximos de água de 16%, e de matérias lácteas secas e não gordas de 2%». As únicas exceções a esta regra encontram‑se enumeradas no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, do referido anexo e abrangem:

a)

a designação de produtos cuja natureza exata seja claramente dedutível da utilização tradicional dos mesmos ou cujas designações sejam claramente utilizadas para descrever uma qualidade característica dos produtos;

b)

os produtos concentrados (manteiga, margarina, compostos) com teor de matérias gordas igual ou superior a 90%.

40

O Regulamento n.o 445/2007 contém, no seu Anexo I, a lista dos produtos que beneficiam da derrogação prevista no artigo 2.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2991/94. Como as partes reconheceram na audiência, embora o Regulamento n.o 1234/2007 tenha revogado o Regulamento n.o 2991/94, tal não significa que o Regulamento n.o 445/2007 tenha sido revogado, uma vez as disposições do artigo 2.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 2991/94 foram retomadas de forma idêntica no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007. A referida lista permaneceu, assim, em vigor e especifica o âmbito do ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do referido anexo. Como o Tribunal de Justiça recordou no acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra (EU:C:2012:640, n.o 57), as derrogações previstas no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), deste anexo constituem necessariamente uma exceção, uma vez que, nos termos do considerando 7 do Regulamento n.o 2991/94, este visa estabelecer uma classificação uniforme das matérias gordas para barrar. Conforme o considerando 4 do Regulamento n.o 445/2007 indica e conforme resulta do acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra (EU:C:2012:640, n.o 59), esta lista é exaustiva.

41

Neste contexto, caracterizado pela importância que o legislador europeu atribui à uniformização da utilização das denominações comerciais dos produtos agrícolas para preservar a concorrência e proteger os consumidores, há que conferir às regras relativas à denominação de venda «manteiga» uma interpretação que garanta todo o seu efeito útil. Ora, a interpretação do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 proposta pela República Checa teria por efeito permitir que um Estado‑Membro utilizasse o regime das ETG para contornar as regras relativas às normas de comercialização fixadas pelo Regulamento n.o 1234/2007, bem como, admitindo que o produto em causa possa ser comercializado, conferisse a este último uma vantagem concorrencial injustificada e induzisse em erro o consumidor. Inversamente, a interpretação desta disposição acolhida pela Comissão na decisão impugnada, e acima recordada no n.o 36, permite respeitar as regras relativas à denominação de venda «manteiga».

42

Em terceiro lugar, a interpretação do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 acima acolhida no n.o 36 é conforme com os objetivos deste diploma.

43

Com efeito, nos termos do considerando 34 do Regulamento n.o 1151/2012, o regime das ETG tem por objetivo específico ajudar os produtores de produtos tradicionais a comunicarem aos consumidores as informações sobre os atributos dos seus produtos que apresentem uma mais‑valia. O artigo 17.o do referido regulamento indica, do mesmo modo, que o regime das ETG «[é] estabelecido […] a fim de salvaguardar os métodos de produção e as receitas tradicionais, ajudando os produtores de produtos tradicionais a comercializar esses produtos e a comunicar aos consumidores os atributos dos seus produtos e receitas tradicionais que lhes oferecem uma mais‑valia». Em contrapartida, não se trata, de modo nenhum, de instituir um regime de normas de comercialização dos produtos agrícolas paralelo e alternativo ao que foi instituído pelo Regulamento n.o 1234/2007, e, ainda menos, de derrogar as regras estabelecidas neste último diploma.

44

Além disso, se a tese da República Checa devesse ser admitida, teria por efeito permitir o registo como ETG de produtos que não respeitam as normas de comercialização previstas no Regulamento n.o 1234/2007 e que, consequentemente, em princípio, não podem ser comercializados, embora, nos termos das disposições do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1151/2012, as denominações registadas como ETG possam ser utilizadas por qualquer operador que comercialize um produto conforme com o caderno de especificações correspondente.

45

Em quarto e último lugar, os outros argumentos apresentados pela República Checa não logram pôr em causa a interpretação do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 acolhida pela Comissão na decisão impugnada e acima recordada no n.o 36.

46

A República Checa alega que a interpretação que propõe do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012 é coerente, uma vez que os requisitos fixados no artigo 18.o do Regulamento n.o 1151/2012 coincidem com os previstos no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007.

47

No entanto, há que recordar, em primeiro lugar e em quaisquer circunstâncias, que, ainda que se admita que existe uma coincidência entre os requisitos previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 1151/2012 e as disposições do ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007, a Comissão continua a estar vinculada pelas disposições do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, que lhe impõem que respeite as disposições do Regulamento n.o 1234/2007. Além disso, o âmbito das disposições do ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 é delimitado pela lista exaustiva constante do Anexo I do Regulamento n.o 445/2007 (v. n.o 40 supra).

48

A título subsidiário, há que constatar, como a Comissão sustenta, que são diferentes os requisitos previstos no ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 e os requisitos constantes do artigo 18.o do Regulamento n.o 1151/2012. O Regulamento n.o 1234/2007, que prevê a aplicação de uma derrogação às regras de denominação das matérias gordas para barrar, designadamente no que respeita à «designação de produtos cuja natureza exata seja claramente dedutível da utilização tradicional dos mesmos», deve, com efeito, ser interpretado no sentido de que impõe não apenas que a denominação em causa seja objeto de uma utilização tradicional mas também que a natureza exata do produto em causa se distinga da natureza do produto cuja denominação é protegida. Em contrapartida, o Regulamento n.o 1151/2012 exige unicamente que o produto em causa resulte de um modo de produção, transformação ou composição que corresponda a uma prática tradicional e que se trate de uma denominação tradicionalmente utilizada ou que designe o caráter tradicional do produto.

49

Tal interpretação do ponto I, n.o 2, terceiro parágrafo, alínea a), do Anexo XV do Regulamento n.o 1234/2007 é, efetivamente, conforme com os objetivos de proteção dos consumidores e de preservação da concorrência prosseguidos por este regulamento, que só admite derrogações para produtos cuja real natureza não possa ser confundida com a dos produtos cuja denominação é protegida.

50

Do mesmo modo, não procede o argumento da República Checa segundo o qual o raciocínio da Comissão tem como consequência reduzir o efeito útil do Regulamento n.o 1151/2012 ao impor um processo adicional e ao limitar a atratividade da qualificação de ETG. Com efeito, os dois regulamentos visam objetivos em parte distintos (v. n.os 38 e 43 supra) e preveem requisitos diferentes (v. n.o 48 supra). É coerente que aos requisitos gerais de comercialização dos produtos agrícolas, previstos no Regulamento n.o 1234/2007, acresça o processo específico e distinto previsto no Regulamento n.o 1151/2012, destinado a garantir aos consumidores que certos produtos agrícolas podem reivindicar, com razão, características que lhes conferem uma mais‑valia.

51

Por último, embora seja certo, como a República Checa alega, que o Tribunal de Justiça não se pronunciou, no acórdão C‑37/11, referido no n.o 2 supra (EU:C:2012:640), sobre a questão de saber se a «pomazánkové máslo» preenchia os requisitos previstos nas disposições do Regulamento n.o 1151/2012, esta circunstância não tem efeitos na legalidade da decisão impugnada. Com efeito, no n.o 2 desta última decisão, a Comissão referiu‑se à conclusão do Tribunal de Justiça segundo a qual a denominação controvertida não era conforme com o Regulamento n.o 1234/2007, conclusão que, com base no artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, justificava a rejeição do pedido de registo em causa.

52

Resulta de todas as considerações precedentes que a Comissão não cometeu um erro de direito quando, ao interpretar o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1151/2012, considerou que uma denominação não pode ser inscrita no Registo das ETG se não respeitar os requisitos de comercialização definidos no Regulamento n.o 1234/2007.

53

O fundamento único, relativo à violação das disposições dos artigos 50.° e 52.° do Regulamento n.o 1151/2012, lidos em conjugação com o artigo 18.o do mesmo regulamento, deve, assim, ser julgado improcedente, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso na totalidade.

Quanto às despesas

54

Nos termos do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

55

Tendo a República Checa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República Checa é condenada nas despesas.

 

Martins Ribeiro

Gervasoni

Madise

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de maio de 2015.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: checo.