ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

DA UNIÃO EUROPEIA (Primeira Secção)

6 de outubro de 2015 ( *1 )

«Função pública — Recrutamento — Concurso geral — Inscrição na lista de reserva — Decisão da AIPN de não recrutar um candidato aprovado — Competências, respetivamente, do júri e da AIPN — Requisitos de admissão ao concurso — Duração mínima da experiência profissional — Modalidades de cálculo — Erro manifesto de apreciação do júri — Inexistência — Perda de oportunidade de ser recrutado — Indemnização»

No processo F‑119/14,

que tem por objeto um recurso interposto nos termos do artigo 270.o TFUE, aplicável ao Tratado CEEA por força do seu artigo 106.o‑A,

FE, residente no Luxemburgo (Luxemburgo), representada por L. Levi e A. Blot, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Currall e G. Gattinara, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Primeira Secção),

composto por: R. Barents, presidente, E. Perillo (relator) e J. Svenningsen, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de junho de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 24 de outubro de 2014, FE interpôs o presente recurso destinado a obter a anulação da decisão da Autoridade Investida do Poder de Nomeação da Comissão Europeia (a seguir «AIPN»), de 17 de dezembro de 2013, que recusou o seu recrutamento pela Direção‑Geral (DG) «Justiça» a partir da lista de reserva do concurso EPSO/AD/42/05, bem como a indemnização do prejuízo patrimonial e moral alegadamente sofrido devido a essa decisão.

Quadro jurídico

2

Em matéria de recrutamento de funcionários, o artigo 5.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na sua versão em vigor à data dos factos em causa (a seguir «Estatuto»), prevê, em especial, no seu n.o 3, o seguinte:

«A nomeação para um lugar de funcionário requer, no mínimo:

[...]

c)

Para os graus 7 a 16 do grupo de funções [dos administradores]:

i)

habilitações de um nível que corresponda a estudos universitários completos, comprovadas por um diploma, quando a duração normal desses estudos seja igual ou superior a quatro anos, ou

ii)

habilitações de um nível que corresponda a estudos universitários completos, comprovadas por um diploma, e uma experiência profissional adequada de, pelo menos, um ano, quando a duração normal daqueles estudos seja de, pelo menos, três anos, ou

iii)

sempre que o interesse do serviço o justifique, formação profissional de nível equivalente.»

3

O artigo 28.o do Estatuto tem a seguinte redação:

«Não pode ser nomeado funcionário quem:

a)

[n]ão for nacional de um Estado‑Membro da União, salvo derrogação consentida pela [AIPN], e não se encontrar no gozo dos seus direitos civis;

b)

[n]ão se encontrar em situação regular face às leis de recrutamento que lhe forem aplicáveis em matéria militar;

c)

[n]ão oferecer as garantias de moralidade requeridas para o exercício das suas funções;

d)

[n]ão tiver sido selecionado, sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 29.o [do Estatuto], em concurso documental, por prestação de provas, ou documental e por prestação de provas, de acordo com o disposto no anexo III [do Estatuto];

e)

[n]ão preencher as condições de aptidão física requeridas para o exercício das suas funções;

f)

[n]ão provar que possui um conhecimento aprofundado de uma das línguas e um conhecimento satisfatório de outra língua, na medida necessária às funções que for chamado a exercer.»

4

O artigo 30.o do Estatuto prevê:

«A [AIPN] constitui um júri para cada concurso. O júri elabora a lista dos candidatos aprovados.

A [AIPN] escolhe desta lista o ou os candidatos que nomeia para os lugares vagos.»

5

O artigo 4.o do anexo III do Estatuto prevê o seguinte:

«A [AIPN] aprovará a lista dos candidatos que preencham as condições previstas nas parágrafos a), b) e c) do artigo 28.o do Estatuto e enviá‑la‑á ao presidente do júri, acompanhada dos processos de candidatura.»

6

O artigo 5.o deste mesmo anexo III do Estatuto indica:

«Após ter tomado conhecimento destes processos, o júri fixará a lista dos candidatos que preencham as condições fixadas no aviso do concurso.

Se o concurso for por prestações de provas, todos os candidatos que constem desta lista são admitidos às mesmas.

[...]»

7

Por último, o título A, ponto II, do anúncio de concurso EPSO/AD/42/05 (v. n.o 8 do presente acórdão) tem, a propósito do perfil exigido e dos dois primeiros requisitos de admissão, a seguinte redação:

Factos na origem do litígio

8

Em 8 de dezembro de 2005, o Serviço Europeu de Seleção do Pessoal (EPSO) publicou o anúncio de concurso geral EPSO/AD/42/05 (a seguir «concurso») para a constituição de uma reserva de recrutamento de juristas‑linguistas de grau AD 7 de língua polaca, destinada a preencher lugares vagos nas instituições europeias, designadamente, no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (JO C 310 A, p. 3, a seguir «anúncio de concurso»). A data limite de inscrição no concurso foi fixada em 11 de janeiro de 2006.

9

No título A, ponto I, sob a epígrafe «N[atureza das funções]», do anúncio de concurso, as funções a exercer estavam descritas nos seguintes termos:

«—

Tradução e/ou revisão em polaco de textos jurídicos a partir de, pelo menos, duas das línguas oficiais da União Europeia.

Verificação da concordância linguística e jurídica de textos legislativos em polaco, já traduzidos e revistos, relativamente às outras versões linguísticas destes textos, controlo da respetiva qualidade da redação e do respeito das regras em matéria de apresentação formal.

[...]»

10

O título A, ponto II.2, do anúncio de concurso precisava, entre outros, que para ser admitido a realizar as provas, os candidatos deviam, na data limite fixada para a inscrição no concurso, demonstrar ter «[uma] experiência profissional de, no mínimo, dois anos, depois do ciclo de estudos universitários exigido [...]».

11

A recorrente apresentou candidatura ao concurso em 27 de dezembro de 2005. Indicou, na rubrica «E[xperiência profissional]» do seu ato de candidatura ao concurso (a seguir «ato de candidatura»), que dispunha de seis experiências profissionais de uma duração total de trinta e um mês, de entre os quais quinze meses de atividade como jurista‑linguista freelance para o Tribunal de Justiça, isto é, de 15 de outubro de 2004 até à data do seu ato de candidatura, bem como três meses de estágio no escritório de advogados W., em Bruxelas (Bélgica), de 1 de julho a 30 de setembro de 2005.

12

A recorrente foi admitida a participar nas provas do concurso. Findos os trabalhos, o júri inscreveu o seu nome na lista de reserva do concurso, cuja validade, inicialmente fixada em 31 de dezembro de 2007, foi adiada, depois de várias prorrogações, para 31 de dezembro de 2013, data em que expirou definitivamente.

13

Por mensagem de correio eletrónico de 22 de maio de 2013, a recorrente foi convidada pelos serviços da DG «Justiça» a realizar, em 28 de maio seguinte, uma entrevista com vista ao seu eventual recrutamento para um lugar de administrador na referida Direção‑Geral. Na perspetiva deste recrutamento, os serviços da DG «Recursos Humanos e Segurança» (a seguir «DG ‘Recursos Humanos’») assinalaram igualmente à recorrente, por correio eletrónico endereçado a esta última em 24 de maio de 2013 com cópia para a DG «Justiça», que, uma vez que era atualmente agente temporária no Tribunal de Justiça, «o exame médico [que precede a admissão] não [era] necessário, pois, em caso de recrutamento na Comissão, [a DG ‘Recursos Humanos’] [ia] pedir a transferência da [sua] aptidão médica».

14

No mês de junho de 2013, a recorrente foi informada pela DG «Justiça» de que tinha sido escolhida para o lugar de administrador e que tinha sido transmitido à DG «Recursos Humanos» um pedido de recrutamento.

15

Resulta dos documentos dos autos que, em junho de 2013, os serviços competentes da Comissão informaram igualmente a recorrente de que «[d]ado que a Comissão não tinha participado na organização do concurso [...] e que a lista de reserva resultante do referido concurso, em que a [recorrente] estava inscrita, era uma lista de juristas‑linguistas e não de administradores, devia ser pedida uma derrogação ao [r]esponsável pelos recursos humanos e pela segurança, uma vez que a política da Comissão era a de não utilizar estas listas, salvo exceções notáveis para o seu [s]erviço jurídico e para algumas funções especializadas noutras [Direções‑Gerais], em determinadas condições».

16

Por mensagem de correio eletrónico de 26 de julho de 2013, o chefe da unidade «Direito dos Contratos» da DG «Justiça» comunicou à recorrente que a DG «Recursos Humanos» deu «o seu acordo para a sua admissão [derrogatória] como administradora [a partir] da lista de reserva dos juristas‑linguistas», sublinhando que a DG «Recursos Humanos» a contactaria e que não devia proceder a nenhuma diligência antes de receber uma comunicação oficial da parte desta.

17

No final do mês de agosto de 2013, a DG «Recursos Humanos» pediu à recorrente que apresentasse documentos comprovativos das suas experiências profissionais anteriores ao seu ato de candidatura à luz do requisito de admissão relativo à experiência profissional mínima de dois anos que figurava no anúncio de concurso.

18

Durante o período compreendido entre o final do mês de agosto e o mês de novembro de 2013, a recorrente teve várias entrevistas com representantes da DG «Recursos Humanos» e apresentou diferentes documentos e explicações a fim de esclarecer a questão das experiências profissionais que tinha referido no seu ato de candidatura. Durante este período, os representantes da DG «Justiça» confirmaram, várias vezes, o respetivo interesse no seu recrutamento.

19

Por carta de 17 de dezembro de 2013, a AIPN informou a recorrente de que o seu recrutamento na DG «Justiça» não podia ter lugar, dado que não cumpria o requisito de admissão ao concurso relativo à experiência profissional exigida (a seguir «decisão controvertida»). Segundo a AIPN, à data limite de inscrição no concurso, a recorrente apenas dispunha de vinte e dois meses de experiência profissional em vez dos dois anos exigidos pelo anúncio de concurso. Para chegar a esta conclusão, a AIPN apenas considerou, a título da experiência profissional como «tradut[or] freelance» para o Tribunal de Justiça, uma duração de sete meses e, a título da experiência profissional como estagiária no escritório de advogados W., uma duração de dois meses, o que não correspondia aos quinze ou aos três meses declarados pela recorrente no ato de candidatura. A decisão controvertida precisava igualmente que, no que respeita à atividade «freelance para o [Tribunal de Justiça]», a duração da experiência profissional da recorrente tinha sido calculada com base no número total de páginas traduzidas, ou seja, 721, e numa norma de 5 páginas por dia, considerada adequada pela Comissão e sensivelmente inferior à de 8 páginas por dia utilizada no Tribunal de Justiça.

20

Em 14 de março de 2014, a recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão controvertida. Esta reclamação foi indeferida por decisão da AIPN em 14 de julho de 2014 (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

Pedidos das partes

21

A recorrente conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

anular a decisão controvertida;

anular a decisão de indeferimento da reclamação;

condenar a Comissão no pagamento de um montante de 26132,85 euros, acrescido de juros de mora, e das contribuições para o regime de pensões a partir do mês de setembro de 2013, bem como no pagamento de um euro simbólico pelo prejuízo moral causado;

condenar a Comissão nas despesas.

22

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso por ser, em parte, inadmissível e, em parte, improcedente;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

1. Quanto ao objeto do recurso

23

Segundo jurisprudência constante, os pedidos de anulação formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento de uma reclamação, sempre que aquela decisão seja desprovida de conteúdo autónomo, têm por efeito submeter à apreciação do Tribunal o ato contra o qual foi apresentada a reclamação (v., neste sentido, acórdão de 17 de janeiro de 1989, Vainker/Parlamento,293/87, EU:C:1989:8, n.o 8).

24

No caso em apreço, a decisão de indeferimento da reclamação confirma a decisão controvertida. O pedido de anulação contra esta dirigido é, assim, desprovido de conteúdo autónomo e, por conseguinte, deve ser considerado formalmente dirigido contra a decisão controvertida, como precisado pela decisão de indeferimento da reclamação (v., neste sentido, acórdão de 10 de junho de 2004, Eveillard/Comissão,T‑258/01, EU:T:2004:177, n.o 32).

2. Quanto ao pedido de anulação da decisão controvertida

25

A recorrente invoca quatro fundamentos para sustentar o seu pedido de anulação, relativos, em substância:

o primeiro, à incompetência da AIPN;

o segundo, invocado a título subsidiário, ao erro manifesto de apreciação da AIPN, bem como à violação do anúncio de concurso e dos princípios da segurança jurídica e da igualdade de tratamento;

o terceiro, à violação do princípio da boa administração e do dever de assistência, bem como ao não respeito do prazo razoável;

o quarto, à ilegalidade do requisito de admissão ao concurso relativo à experiência profissional.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência da AIPN

Argumentos das partes

26

Segundo a recorrente, a AIPN excedeu os limites do seu poder de fiscalização das decisões do júri do concurso, conforme fixadas pela jurisprudência, uma vez que, no caso em apreço, nada mostra que a decisão do júri de a admitir a realizar as provas do concurso para, em seguida, a inscrever na lista de reserva padecia de um erro manifesto de apreciação.

27

A este respeito, a recorrente alega, em primeiro lugar, que o anúncio de concurso não precisava, quanto à experiência profissional de dois anos exigida, se se devia tratar de empregos a tempo inteiro ou a tempo parcial.

28

Em segundo lugar, relativamente ao trabalho de jurista‑linguista efetuado pela recorrente para o Tribunal de Justiça, tanto o caráter freelance desta atividade, como o facto de ter prosseguido, paralelamente, os estudos, resultam inequivocamente dos documentos que anexou ao seu ato de candidatura. Além disso, nenhuma regra impõe a divisão do número total de páginas traduzidas por uma norma diária a fim de determinar a duração a tempo inteiro dessa experiência profissional.

29

Em terceiro lugar, no que respeita ao estágio junto do escritório de advogados W., nada impediu o júri do concurso de comparar as declarações feitas pela recorrente no seu ato de candidatura com os documentos comprovativos que aí anexou, de maneira que não existe razão para considerar que o júri tenha sido induzido em erro pela maneira como a duração desta experiência profissional foi apresentada no ato de candidatura.

30

Por conseguinte, a AIPN, que não conhecia a metodologia ou as regras de cálculo aplicadas pelo júri para avaliar a duração da experiência profissional da recorrente, não pode justificar o reexame da admissibilidade da sua candidatura ao concurso sem violar os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima que devem caracterizar o sistema de seleção dos funcionários das instituições da União Europeia.

31

Pelo seu lado, a Comissão recorda, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência, sempre que uma experiência profissional com uma duração mínima for exigida por um anúncio de concurso, esta exigência deve ser entendida como se referindo a um período de trabalho efetuado a tempo inteiro durante a referida duração ou a um período de trabalho efetuado a tempo parcial equivalente, em termos de tempo de trabalho, ao período exigido a tempo inteiro.

32

Tendo em conta a redação do anúncio de concurso e o facto de a atividade de «tradut[or] ‘freelance’» junto do Tribunal de Justiça exercida pela recorrente não poder ser equiparada a um trabalho a tempo inteiro, uma vez que era totalmente livre para gerir o seu tempo de trabalho e tinha mesmo prosseguido os estudos paralelamente, o júri do concurso devia ter «contabilizado» esta experiência profissional como trabalho a tempo inteiro.

33

Ora, a inscrição do nome da recorrente na lista de reserva do concurso demonstra, segundo a Comissão, o erro manifesto de apreciação do júri que considerou a duração da experiência profissional de «tradu[tor] ‘freelance’» junto do Tribunal de Justiça, baseando‑se nas datas de início e de fim desta atividade, como indicadas no ato de candidatura, sem se preocupar com o facto de não se tratar de trabalho a tempo inteiro, sem se dar conta do caráter freelance da atividade e, definitivamente, sem aplicar nenhum método a fim de calcular a duração a tempo inteiro correspondente à experiência profissional em questão.

34

Em segundo lugar, ainda de acordo com a Comissão, o júri não podia, sem erro manifesto de apreciação, considerar três meses de experiência profissional pelo estágio junto do escritório de advogados W., como indicado pela recorrente no ato de candidatura, uma vez que o único documento comprovativo à sua disposição, a saber, o certificado de estágio anexo ao ato de candidatura, apenas dava conta de quarenta dias de estágio, repartidos pelo período de maio a setembro de 2005.

35

Por conseguinte, o júri, cuja vigilância devia aliás ter sido despertada pelos documentos anexos ao ato de candidatura, cometeu vários erros manifestos de apreciação ao considerar que a recorrente cumpria o requisito de admissão ao concurso relativo à experiência profissional. Nestas circunstâncias, a AIPN viu‑se obrigada a não dar seguimento à decisão do júri de a inscrever na lista de reserva e a recusar o recrutamento da recorrente. O primeiro fundamento do recurso deve, portanto, ser julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

36

O fundamento da incompetência invocado pela recorrente respeita, essencialmente, à questão de saber quais são as condições de exercício e o alcance jurídico do poder de fiscalização da AIPN das decisões tomadas pelo júri de concurso no âmbito das competências que lhe são próprias.

37

Ora, tendo em conta os diferentes e muitos argumentos apresentados a este respeito pela recorrente e pela Comissão, há que organizar a análise do primeiro fundamento em cinco partes distintas, mas estreitamente ligadas entre elas, a saber: uma primeira parte relativa à repartição das competências entre a AIPN e o júri de concurso; uma segunda parte sobre o caráter de tempo inteiro ou de tempo parcial da duração da experiência profissional exigida pelo anúncio de concurso; uma terceira parte sobre o modo de cálculo da duração mínima de dois anos de experiência profissional; uma quarta parte sobre o alcance do poder da AIPN de afastar um candidato aprovado da lista de reserva; e, por último, uma quinta parte sobre o erro manifesto eventualmente cometido pelo júri do concurso na apreciação da duração da experiência profissional da recorrente.

38

No seguimento desta análise, haverá que acolher o primeiro fundamento, pois a AIPN, ao decidir na fase do recrutamento afastar a recorrente da lista de reserva por motivos de admissão que não figuram no anúncio de concurso, excedeu os limites da sua competência, tais como fixados precisamente pelo anúncio de concurso em causa e que o júri, quanto a ele, respeitou devidamente.

– Quanto à repartição das competências entre a AIPN e o júri de concurso

39

No domínio do recrutamento do pessoal das instituições europeias efetuado através da organização de um concurso geral, o juiz da União afirmou constantemente que, devido ao princípio da independência que regula o exercício das funções próprias dos júris de concursos, a AIPN não dispõe do poder de anular ou de alterar uma decisão que o júri tomou no âmbito das suas competências, como fixadas designadamente pelo artigo 30.o do Estatuto bem como pelo artigo 5.o, do seu anexo II (v. acórdão de 20 de fevereiro de 1992, Parlamento/Hanning,C‑345/90 P, EU:C:1992:79, n.o 22, e despacho de 10 de julho de 2014, Mészáros/Comissão,F‑22/13, EU:F:2014:189, n.o 48).

40

Todavia, estando obrigada a tomar decisões isentas de ilegalidade, a AIPN não pode estar vinculada pela decisão de um júri cuja ilegalidade é suscetível de ferir, consequentemente, as suas próprias decisões administrativas (v., neste sentido, acórdão de 22 de fevereiro de 1992, Parlamento/Hanning,C‑345/90 P, EU:C:1992:79, n.o 22). É por esta razão que a AIPN, antes de proceder à nomeação de um funcionário, tem a obrigação de verificar se o candidato em causa preenche os requisitos que o Estatuto impõe, sob pena de nulidade da decisão de recrutamento, para que ele possa ser regularmente recrutado pela União. Quando, por exemplo, for evidente que a decisão do júri de admitir um candidato a realizar as provas do concurso é ilegal, por padecer de um erro manifesto, a AIPN, a quem o júri transmitiu a lista de reserva em que figura o nome desse candidato que, entretanto, passou nas provas, deve, então, recusar proceder à nomeação do referido candidato aprovado (v., neste sentido, acórdãos de 23 de outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas,142/85, EU:C:1986:405, n.os 19 e 20, e de 23 de outubro de 2012, Eklund/Comissão,F‑57/11, EU:F:2012:145, n.o 49).

41

Assim sendo, no que respeita ainda à repartição das competências entre a AIPN e o júri de concurso, há igualmente que recordar que o objeto de um anúncio de concurso é essencialmente o de informar, da forma mais transparente, exaustiva e tão exata quanto possível, os membros do júri bem como as pessoas que apresentam candidatura ao referido concurso sobre os requisitos legais para poder ser nomeado, se for caso disso, para o emprego visado. Esta finalidade do anúncio de concurso obedece, aliás, precisamente, a uma exigência elementar do respeito do princípio da segurança jurídica.

42

Por conseguinte, o anúncio de concurso ficaria privado do seu objeto se a AIPN pudesse afastar da lista de reserva um candidato aprovado, invocando um requisito ou uma modalidade de admissão que não figura nem no referido anúncio nem no Estatuto, ou que não foi, em todo o caso, objeto, anteriormente à adoção do anúncio de concurso, de publicação acessível ou necessariamente conhecida do júri ou dos candidatos interessados (v., nesse sentido, relativamente ao anúncio de vaga, acórdãos de 14 de abril de 2011, Šimonis/Comissão,F‑113/07, EU:F:2011:44, n.o 74, e de 15 de outubro de 2014, Moschonaki/Comissão, F‑55/10 RENV, EU:F:2014:235, n.o 42).

43

O anúncio de concurso constitui, assim, o quadro legal de qualquer processo de seleção para o preenchimento de um lugar nas instituições da União, na medida em que, sob reserva das disposições superiores do Estatuto pertinentes, incluindo o anexo III do Estatuto, regula, por um lado, a repartição das competências entre a AIPN e o júri na organização e no desenrolar das provas do concurso e fixa, por outro, os requisitos relativos à participação dos candidatos, em especial o seu perfil, os seus direitos e as suas obrigações específicas.

44

Ora, no caso em apreço, relativamente à repartição das competências entre a AIPN e o júri no âmbito do concurso, o anúncio de concurso precisava, no título B, dedicado ao desenrolar do concurso, ponto 1, alínea a), que, tratando‑se da admissão ao concurso, «[a AIPN] aprova a lista dos candidatos que preenchem os requisitos previstos no título A, ponto II.4, [do anúncio de concurso] e transmite‑a ao presidente do júri, acompanhada dos processos de candidatura», uma vez que «os requisitos previstos no título A, ponto II.4, [do anúncio de concurso]» são os requisitos gerais de admissão ao concurso, de resto, retomados do artigo 28.o do Estatuto (v. n.o 3 do presente acórdão).

45

Em contrapartida, de acordo com a redação do título B, ponto 1, alínea b), «[d]epois de ter tido conhecimento dos processos dos candidatos, o júri [deve, em conformidade, aliás, com as disposições do artigo 5.o do anexo III do Estatuto], determina[r] a lista dos que preenchem os requisitos que figuram no título A, pontos II.1, 2 e 3 [do anúncio de concurso] e que são, consequentemente, admitidos no concurso», uma vez que «os requisitos que figuram no título A, pontos II. 1, 2 e 3 [do anúncio de concurso]» são os requisitos relativos aos títulos ou diplomas, à experiência profissional e aos conhecimentos linguísticos exigidos para ser admitido a concorrer (v. n.o 7 do presente acórdão).

46

Em especial, segundo o título A, ponto II.2, do anúncio de concurso, os candidatos, para serem admitidos a realizar as provas, deviam preencher não só o requisito previsto no artigo 5.o, n.o 3, alínea c), do Estatuto, ou seja, ser titular de um diploma universitário polaco em direito, mas deviam igualmente provar, como requisito adicional, ter tido, depois do fim do ciclo completo de estudos universitários exigido, «uma experiência profissional de, no mínimo, dois anos». Nem esta última disposição nem a do título B, ponto 1, alínea b), do anúncio de concurso forneciam, porém, ao júri do concurso instruções precisas a seguir ou indicações quanto à natureza desta experiência profissional mínima de dois anos ou à sua relação com as funções a exercer como funcionário da União. Estas disposições também não davam precisões quanto às modalidades de execução do trabalho efetuado durante esses dois anos de experiência profissional, por exemplo, se se devia tratar de trabalho a tempo inteiro ou a tempo parcial, exercido como assalariado ou como trabalhador independente.

47

Além disso, o «Guia destinado aos candidatos» (JO C 327 A, p. 3), cuja leitura o anúncio de concurso, na introdução do seu título C, sob a epígrafe, «C[omo se candidatar]?», recomendava aos candidatos para uma apresentação correta da sua candidatura (a seguir «guia destinado aos candidatos»), também não continha explicações úteis, suscetíveis de efetivamente guiar, por um lado, os membros do júri na execução das tarefas que figuram no anúncio de concurso e, por outro, de guiar os candidatos na redação do seu ato de candidatura. Este guia limitava‑se, com efeito, a precisar no título A, ponto II.4, na rubrica «Informações relativas à experiência profissional [...]», que os candidatos deviam «[i]ndicar, no [seu] ato de candidatura, as datas exatas do início e do fim de cada um dos [seus] empregos bem como a função e a natureza das tarefas efetuadas». Em especial, «[q]anto às atividades profissionais não assalariadas (independentes, profissões liberais[, etc.]), podiam ser admitidos como prova extratos da declaração fiscal ou de qualquer outro documento oficial comprovativo».

48

Uma vez que eram estas as disposições relativas à repartição das competências entre a AIPN e o júri que figuravam no anúncio de concurso e no guia destinado aos candidatos, há, por conseguinte, que constatar que, no que respeita ao órgão responsável por verificar a natureza e a duração da experiência profissional exigida para participar no concurso bem como o respeito dos critérios que permitem calcular a sua duração, o quadro legal composto por estes dois textos era, quanto a este ponto, omisso, confiando, todavia, o anúncio de concurso unicamente ao júri a tarefa de elaborar, no exercício das suas funções e no âmbito do seu amplo poder de apreciação, a lista dos candidatos admitidos a realizar as provas do concurso.

– Quanto ao caráter de tempo inteiro ou de tempo parcial da experiência profissional exigida pelo anúncio de concurso

49

A este respeito, tratando‑se, em especial, da experiência profissional adquirida pela recorrente junto do Tribunal de Justiça como jurista‑linguista freelance, a saber, uma atividade profissional que é, por definição, exercida de forma independente e que era, no caso em apreço, a mais pertinente à luz do objeto do concurso destinado precisamente a recrutar juristas‑linguistas, nem o anúncio de concurso nem outros atos suscetíveis de entrar juridicamente em linha de conta no âmbito do concurso continham indicações sobre o que havia de ser entendido por «experiência profissional» nem sobre as modalidades de cálculo do tempo de trabalho relativo à referida «experiência profissional», como, por exemplo, o número de horas de trabalho efetuadas ou o número de páginas traduzidas per diem, e, nesse caso, se havia que distinguir entre a tradução de textos jurídicos complexos e a de textos de outro género.

50

Perante a omissão, como pretendido pela AIPN competente, do anúncio de concurso e do guia destinado aos candidatos quanto aos elementos que permitem apreciar a duração da experiência profissional exigida, a Comissão afirma, contudo, que quando um anúncio de concurso prevê, como requisito de admissão às provas, ter uma experiência profissional de uma duração mínima, este período de trabalho deve ser entendido, tanto pelo júri como pelos candidatos, como respeitando, por definição, a uma atividade profissional exercida a tempo inteiro.

51

A este propósito, antes de mais, há que sublinhar que, nos processos referidos pela Comissão e que deram origem ao acórdão de 31 de janeiro de 2006, Giulietti/Comissão (T‑293/03, EU:T:2006:37), e aos despachos de 14 de dezembro de 2006, Klopfer/Comissão (F‑118/05, EU:F:2006:137), e de 10 de julho de 2014, Mészáros/Comissão (F‑22/13, EU:F:2014:189), é verdade que o juiz da União considerou que a duração da experiência profissional exigida, mesmo na falta de uma indicação precisa nos anúncios de concurso em causa, devia ser entendida como a duração de uma experiência profissional exercida a tempo inteiro. Todavia, nos processos acima referidos, tratavam‑se de atividades profissionais exercidas sobretudo como assalariado e cuja duração era, assim, facilmente determinável à luz dos contratos de trabalho ou dos certificados de trabalho dos empregadores. Em contrapartida, no caso em apreço, embora o anúncio de concurso exigisse uma duração mínima de dois anos de experiência profissional no domínio da tradução ou, mais provavelmente, no da tradução jurídica, a forma de tomar em conta e de contabilizar, em termos de duração, uma experiência profissional exercida sob o estatuto de trabalhador independente não era, todavia, explicitada, quando este tipo de experiência de trabalho freelance corresponde inteiramente à natureza das funções descritas no anúncio de concurso.

52

Consequentemente, não havendo indicação expressa no anúncio de concurso quanto ao modo de cálculo da duração da experiência profissional exigida ou qualquer outra indicação útil a este respeito, a ratio juris deste requisito de admissão, no que respeita, em especial, aos candidatos, como a recorrente, que podia invocar uma experiência específica de jurista‑linguista freelance, não podia certamente ser a de exigir por parte destes candidatos, a fim de provar que se tratava de uma atividade profissional equivalente à de um trabalho exercido a tempo inteiro, que tivessem traduzido em cada dia de trabalho realizado nessa qualidade durante o período de referência de dois anos um número de páginas de textos jurídicos determinado. Com efeito, este requisito não estava previsto pelo anúncio de concurso, nem explicita nem implicitamente, designadamente, para efeitos de outros requisitos que figuravam no anúncio de concurso.

53

Por conseguinte, na falta de critérios ou de modalidades de cálculo da experiência profissional exigida para ser admitido a concorrer no anúncio de concurso, há que considerar que o júri, mesmo que a duração da experiência profissional em causa devesse corresponder à de uma atividade exercida a tempo inteiro, pôde basear‑se, para a apreciação da admissão da recorrente a participar nas provas, por um lado, no facto de que devia tratar‑se de uma atividade «profissional» de jurista‑linguista — portanto, de uma atividade que não podia ter um caráter «ocasional» e que devia principalmente respeitar à tradução de textos jurídicos — exercida de forma constante, a saber, durante um período significativo de tempo, ao serviço de um comitente profissional, pessoa pública ou privada que, com base no contrato em causa, podia pedir traduções jurídicas a qualquer momento e, se fosse caso disso, em prazos imperativos, em razão precisamente da sua atividade profissional ou institucional que exigia traduções jurídicas de um determinado nível.

54

Por outro lado, ainda para efeitos da apreciação da experiência profissional exigida, o júri devia basear‑se, em conformidade com as disposições pertinentes do guia destinado aos candidatos, na prova de que as prestações profissionais tinham sido efetivamente exercidas, não apenas durante um período constante no tempo, mas também em medida quantitativa consistente que cabia precisamente ao júri, composto por pessoas peritas na matéria, apreciar em relação à natureza das funções descritas no anúncio de concurso e em relação à totalidade das outras atividades eventualmente exercidas, por cada candidato, durante o período de referência de dois anos.

55

Assim, uma vez que o guia destinado aos candidatos exigia que os candidatos precisassem, no ato de candidatura, a natureza das tarefas que tinham efetuado, cabia ao júri, no âmbito das competências que lhe foram confiadas pelo anúncio de concurso, apreciar, de forma diferente, o caráter profissional da experiência adquirida consoante se tratasse de uma atividade exercida como «tradu[tor] freelance» ou como «jurista‑linguista freelance», em especial, quando esta segunda atividade tivesse sido prestada em benefício de uma instituição da União que, como o Tribunal de Justiça, apenas pede aos seus prestatários a tradução de textos com conteúdo exclusivamente jurídico.

56

Por conseguinte, não podendo atribuir a este requisito de admissão adicional, à luz da omissão do anúncio de concurso a este respeito, um alcance diferente do que precede, sob pena de violar, no caso contrário, o princípio da segurança jurídica (v. n.o 41 do presente acórdão), a tese da Comissão de que a duração mínima de dois anos de experiência profissional deve, no caso específico do concurso, ser entendida como se referindo, por definição, a uma atividade profissional exercida a tempo inteiro, a calcular por sinal segundo as modalidades que figuram na decisão controvertida (v. n.o 19 do presente acórdão), não pode ser acolhida, por não ter indicado, com efeito, no anúncio de concurso que, no que respeita designadamente aos candidatos que referem uma experiência profissional de jurista‑linguista freelance, o tempo inteiro em questão devia corresponder necessariamente ao calculado segundo as modalidades internas desta instituição ou, em qualquer caso, segundo modalidades específicas.

– Quando ao modo de cálculo da duração mínima de dois anos de experiência profissional

57

A este respeito, há que considerar que o júri, que não estava obrigado a nenhuma modalidade que figurasse explicitamente no anúncio de concurso quanto à forma de calcular a duração da experiência profissional mínima de dois anos exigida para se ser admitido a concorrer, pôde razoavelmente considerar, com base no seu amplo poder de apreciação na matéria, que não havia que se conformar especificamente ao modo de cálculo de uma ou outra instituição, uma vez que a Comissão não era, em qualquer caso, a principal instituição afetada pelo procedimento do concurso. De facto, nos termos do título A, segundo parágrafo, do anúncio de concurso, a lista de reserva em questão destinava‑se a «preencher lugares vagos nas instituições europeias, designadamente no Tribunal de Justiça [...]».

58

Ora, embora, para calcular o período de dois anos de experiência profissional, tenha eventualmente tido de se inspirar num modo de cálculo já existente numa ou noutra das instituições da União, o júri podia, com base no critério da boa administração do concurso e do efeito útil deste procedimento, referir‑se em primeiro lugar ao modo de cálculo utilizado pelo Tribunal de Justiça e não necessariamente ou exclusivamente ao da Comissão, que, como resulta do n.o 15 do presente acórdão, considera, aliás, não ter participado na organização do concurso.

59

Aliás, sobre este ponto, o argumento da Comissão de que o modo de cálculo em vigor no Tribunal de Justiça, no que respeita à ratio de páginas traduzidas por dia de trabalho efetuado, é, em relação à experiência profissional da recorrente, menos favorável do que o tido em consideração pela Comissão (v. n.o 19 do presente acórdão) não é pertinente, uma vez que, segundo a tese da Comissão, trata‑se aqui de saber se o júri devia utilizar o modo de cálculo da Comissão e não o de outras instituições ou o seu próprio modo de cálculo.

60

Ainda a este respeito, há igualmente que constatar que a Comissão, tanto na decisão de indeferimento da reclamação como na sua contestação, se refere à experiência profissional da recorrente como «tradu(tor] ‘freelance’» quando resulta dos documentos anexos ao ato de candidatura que forneceu ao júri certificados de trabalho exercido como «jurista‑linguista»freelance junto do Tribunal de Justiça. Ora, trata‑se, no caso em apreço, de funções claramente diferentes, o que o júri do concurso, composto de especialistas na matéria, não podia certamente ignorar, tratando‑se de um concurso destinado precisamente ao recrutamento de juristas‑linguistas (que, no plano administrativo, são, assim, recrutados, em princípio, diretamente no grau AD 7) e não de tradutores (que, em contrapartida, são recrutados no grau de base, isto é, AD 5, do grupo de funções dos administradores).

61

Daí resulta que o facto de o júri do concurso não ter adotado o modo de cálculo que os serviços da Comissão utilizam para calcular a duração mínima de uma experiência profissional considerada como dizendo respeito a uma experiência de trabalho a tempo inteiro não significa, automaticamente, que o júri tenha apreciado de forma errada o requisito da duração mínima de dois anos de experiência profissional que a recorrente devia demonstrar para a sua admissão a participar nas provas do concurso.

– Quanto ao poder da AIPN de afastar a recorrente da lista de reserva dos candidatos aprovados

62

Com base nas considerações que precedem e, designadamente, nas que figuram nos n.os 39 a 48 do presente acórdão a propósito da repartição das competências entre a AIPN e o júri do concurso, há que sublinhar que, quando, como no caso em apreço, relativamente à experiência profissional anterior exigida, um anúncio de concurso preveja um requisito específico de admissão às provas de, pelo menos, dois anos de experiência profissional, a AIPN não pode, no momento em que pretende recrutar um candidato aprovado no concurso selecionado como tal pelo júri, afastar esse candidato aprovado da lista de reserva invocando, para o efeito, modalidades de apreciação e de cálculo da experiência profissional exigida que ela própria não inscreveu no anúncio de concurso ou que não figuram num ato juridicamente oponível aos membros do júri ou a qualquer candidato do concurso.

63

No caso contrário, o princípio da segurança jurídica, que é um dos princípios reguladores de qualquer procedimento de concurso (v. n.o 41 do presente acórdão), ficaria irremediavelmente comprometido se um candidato que forneceu devidamente as datas exatas de início e de fim de cada um dos seus contratos, totalizando, assim, a duração suficiente da experiência profissional exigida por um anúncio de concurso, tivesse conhecimento da existência de outras modalidades necessárias para satisfazer o referido requisito de duração da experiência profissional unicamente no momento em que, depois de ter recebido uma proposta de recrutamento como candidato aprovado nesse concurso, a AIPN em causa o informasse da existência destas modalidades e do facto de que, devido a estas, não devia ter sido admitido a participar nas provas.

64

Além disso, nas circunstâncias, como as do caso em apreço, de um concurso geral interinstitucional, ao não respeito do princípio da segurança jurídica acrescentar‑se‑ia igualmente o não respeito do princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, a AIPN de cada uma das instituições eventualmente afetadas pelo concurso poderia, na fase do recrutamento, considerar que dispõe legitimamente da competência para apreciar, de forma autónoma, o requisito de admissão relativo à experiência profissional exigida e que, cada vez que o júri utilizasse um modo de cálculo da duração mínima da experiência profissional exigida que não correspondesse ao seu, o júri cometeria, necessariamente, um erro manifesto de apreciação que justificaria que a AIPN pudesse rever a apreciação do júri. Se esse raciocínio devesse ser seguido, cada AIPN tinha, então, o direito de substituir o modo de cálculo que o próprio júri tinha indistintamente aplicado a todos os candidatos no cálculo da duração da experiência profissional exigida pelo seu próprio modo de cálculo. Ora, a integralidade do trabalho que o júri realizou no âmbito das suas responsabilidades e no interesse de todas as instituições afetadas por um concurso poderia, no final, ser posta em causa em função das exigências que variam de uma instituição para outra, ou mesmo, de uma certa propensão dos serviços responsáveis pelo recrutamento de uma ou de outra instituição para querer substituir a apreciação do júri pela sua própria apreciação.

65

É certo que, no caso em apreço, o anúncio de concurso previa, como habitualmente, no seu título D, sob a epígrafe «I[nformações gerais]», que «[o]s candidatos aprovados inscritos na lista de reserva a quem um emprego será proposto devem posteriormente apresentar os originais de todos os documentos exigidos, dos quais tinham transmitido fotocópias, sejam diplomas, certificados vários ou certificados de trabalho» e que «[o] recrutamento se fará em função das disposições estatutárias [...]».

66

No entanto, estas cláusulas não podem constituir, por si só, a base jurídica que confere à AIPN a competência para poder legitimamente afastar a posteriori da lista de reserva elaborada pelo júri um candidato aprovado que não tenha respeitado um requisito de admissão que não figurava no anúncio de concurso que ela própria adotou e que também não figurava numa disposição do Estatuto ou noutro texto de direito oponível aos candidatos.

67

Com efeito, a ilegalidade que a AIPN quer opor ao candidato aprovado do concurso não resulta, neste caso, de um erro manifesto que o júri cometeu na apreciação de um requisito de admissão específico exigido pelo anúncio de concurso ou que figura numa disposição do Estatuto, mas resulta do erro cometido pela própria AIPN de não ter inscrito, no anúncio de concurso, a cláusula adicional de que a experiência profissional mínima de dois anos exigida para ser admitido a participar nas provas devia ser uma experiência profissional exercida a tempo inteiro durante dois anos e devia ser calculada segundo critérios específicos claramente pré‑instituídos, cujo não respeito resultaria na não admissão à participação nas provas do concurso. Em última análise, essa regularização ex post do anúncio de concurso pela AIPN no momento do recrutamento não pode ser feita nem invadindo a competência do júri que, no desenrolar do concurso, está, com efeito, vinculado pelos termos que figuram no anúncio de concurso nem em detrimento do candidato aprovado em causa.

68

Consequentemente, o argumento destinado a defender que a AIPN não pode adotar, em qualquer caso, uma decisão de recrutamento ilegal devido a uma decisão ilegal anteriormente adotada pelo júri é inoperante, pois, no caso em apreço, a decisão do júri invocada pela AIPN não padece de nenhuma ilegalidade em relação às disposições estatutárias ou aos requisitos que figuram claramente no anúncio de concurso. Trata‑se, quando muito, de uma diferença entre o modo como o júri apreciou, no âmbito das suas competências, a experiência profissional mínima prevista pelo anúncio de concurso e o modo de cálculo do tempo inteiro segundo critérios específicos que a AIPN considera poder utilizar na fase da nomeação. No entanto, uma vez que a AIPN não indicou no anúncio de concurso que o requisito de dois anos de experiência profissional devia ser entendido como experiência profissional exercida durante dois anos a tempo inteiro, o que teria feito dele uma modalidade juridicamente vinculativa tanto para o júri como para os candidatos e cujo não respeito teria resultado na sua eliminação do concurso, esta diferença de apreciação resultante da escolha metodológica da AIPN só a ela é imputável, pois pertence‑lhe exclusivamente, e não ao júri, a competência de instituir, no anúncio de concurso, os requisitos de admissão.

69

A este respeito, a Comissão defende ainda que, no caso em apreço, o júri, em violação das disposições do anúncio de concurso que o encarregam especificamente de verificar, candidato a candidato, o respeito do requisito de admissão da experiência profissional, não teve, na prática, minimamente em conta esta cláusula. Com efeito, os serviços da DG «Recursos Humanos» da Comissão, que tentaram compreender como o júri tinha podido calcular a duração da experiência profissional da recorrente, tiveram que concluir que este último não tinha aplicado nenhum método para calcular a duração desta experiência profissional. Esta omissão justifica, assim, a competência da AIPN para legitimamente afastar a recorrente da lista de reserva.

70

Todavia, tal não é a situação no caso em apreço, uma vez que a Comissão não apresentou a prova dessa omissão manifesta da parte do júri ou, em qualquer caso, a prova de uma admissão às provas do concurso da recorrente decidida pelo júri de forma manifestamente arbitrária em relação aos termos do anúncio de concurso. Com efeito, resulta dos documentos dos autos submetidos ao Tribunal que, no que respeita à admissão da recorrente às provas, o júri dispunha de documentos, anexados por esta ao seu ato de candidatura, comprovativos de uma atividade profissional como jurista‑linguista freelance junto do Tribunal de Justiça durante quinze meses sem interrupção e que nada permitia afirmar que o júri não tinha examinado esses documentos, por exemplo, com base no critério indicado nos n.os 53 e 55 do presente acórdão, que é um critério que a AIPN, considerando‑se vinculada pelo seu próprio modo de cálculo interno da instituição, em contrapartida, não tomou certamente em conta.

71

Daqui resulta que, ao adotar a decisão controvertida, a AIPN excedeu a sua competência em matéria de fiscalização do respeito do requisito de admissão adicional relativo à experiência profissional, invadindo, assim, a competência que, quanto a este ponto, o anúncio de concurso reservou expressamente ao júri e invadindo também as prerrogativas de autonomia e de independência próprias dos júris de concursos.

72

Quanto ao resto, a Comissão também não demonstrou que o júri de concurso, na eventualidade de ter, contudo, procedido, candidato a candidato, à apreciação da duração da experiência profissional exigida pelo anúncio de concurso, cometeu, nesta fase, um erro manifesto no cálculo desta duração, justificando, assim, que a AIPN pudesse rever a lista dos candidatos admitidos a concorrer e, assim, justificar a sua competência para afastar a recorrente da lista de reserva, mesmo na véspera de um eventual recrutamento.

– Quanto ao erro manifesto eventualmente cometido pelo júri do concurso na apreciação da duração da experiência profissional da recorrente

73

A este respeito, há que recordar que um erro é manifesto quando puder ser facilmente detetado à luz dos critérios aos quais o legislador pretendeu subordinar o exercício pela Administração do seu amplo poder de apreciação. Em especial, não pode existir erro manifesto se a apreciação posta em causa puder ser admitida como verdadeira ou válida (acórdão de 23 de outubro de 2012, Eklund/Comissão,F‑57/11, EU:F:2012:145, n.o 51, e despacho de 10 de julho de 2014, Mészáros/Comissão,F‑22/13, EU:F:2014:189, n.o 52).

74

Ora, como salientado nos n.os 45 e 48 do presente acórdão, o júri do concurso, ao qual o anúncio de concurso confiou expressamente a fiscalização do requisito da admissão relativo à experiência profissional e, designadamente, a duração da referida experiência, sem a subordinar, todavia, ao respeito de um critério preciso de cálculo, devia executar esta tarefa com base nos certificados que cada candidato devia apresentar, em conformidade com as disposições que figuram no guia destinado aos candidatos (v. n.o 47 do presente acórdão), no que respeita, designadamente, «às datas exatas de início e de fim de cada um dos [seus] empregos bem como à função e à natureza das tarefas efetuadas».

75

No caso em apreço, há que concluir que, no seu ato de candidatura, a recorrente invocou de forma precisa várias experiências profissionais de uma duração total de 31 meses. Por um lado, dá nota de várias atividades profissionais de uma duração acumulada de treze meses, que não foram objeto de nenhuma contestação por parte da Comissão. Por outro, indicou ter efetuado quinze meses de atividade como jurista‑linguista freelance para o Tribunal de Justiça e três meses de estágio junto do escritório de advogados W., que a AIPN, todavia, apenas contabilizou como, respetivamente, sete e dois meses de experiência profissional.

76

A Comissão, em contrapartida, alega que o júri não tomou efetivamente em conta o caráter freelance da atividade de «tradu[tor]» exercida pela recorrente para o Tribunal de Justiça, uma vez que a recorrente «não recebia um salário em contra[partida], não estava sujeita a um horário de trabalho ou a uma hierarquia e a sua presença no Tribunal [de Justiça] não era exigida para o exercício das suas tarefas» (v., a este respeito, n.o 87 do presente acórdão).

77

Todavia, resulta claramente do certificado do Tribunal de Justiça e dos pedidos de tradução que, entre 1 de outubro de 2004 e a apresentação do seu ato de candidatura, a recorrente foi chamada a trabalhar, sem solução de continuidade, como «jurista‑linguista freelance» para o Tribunal de Justiça. Não há, assim, nenhuma razão para considerar, como sugere a Comissão, que o júri, composto por peritos na matéria, ignorou o caráter freelance desta atividade profissional que, por natureza, não está sujeita a obrigações de horário de trabalho pré‑definidas. Eventualmente, é a Comissão que parece confundir, tratando‑as da mesma maneira, a atividade de «tradutor»freelance com a de «jurista‑linguista»freelance.

78

Pela mesma razão, no que respeita aos estudos especializados de direito internacional prosseguidos pela recorrente do mês outubro de 2004 ao mês de junho de 2005, em paralelo com uma parte da sua atividade de jurista‑linguista freelance junto do Tribunal de Justiça, basta observar que os documentos anexos ao ato de candidatura comprovavam inequivocamente este facto. Não há também razão para considerar que o júri não o tomou devidamente em consideração para efeitos da apreciação da duração da experiência profissional necessária para a admissão ao concurso.

79

Em seguida, há que constatar que os pedidos de tradução anexos ao ato de candidatura evidenciavam, tendo em conta a periodicidade e a dimensão dos pedidos feitos pelo Tribunal de Justiça e executados pela recorrente durante os quinze meses de colaboração com esta instituição, o caráter tanto constante como consistente do trabalho realizado por esta última como jurista‑linguista freelance (e, portanto, não como «tradu[tor] ‘freelance’»), apesar dos estudos de direito internacional realizados em paralelo.

80

Por último, como já foi salientado no n.o 57 do presente acórdão, o júri dispunha de um amplo poder de apreciação no que respeita à equivalência, em termos de tempo de trabalho, entre uma atividade exercida em horários variáveis em freelance e um trabalho a tempo inteiro e dispunha, designadamente, para este efeito de uma margem significativa resultante do facto de a duração acumulada das experiências profissionais da recorrente, no seu conjunto, exceder em sete meses a duração mínima de dois anos exigida.

81

Tendo em conta estas apreciações, há que concluir que a Comissão também não apresentou a prova de que o júri cometeu um erro manifesto no cálculo da duração da experiência profissional da recorrente.

82

Tendo em conta todas as considerações precedentes, o primeiro fundamento, relativo à incompetência da AIPN, deve assim ser julgado procedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo, a título subsidiário, ao erro manifesto de apreciação da AIPN e à violação do anúncio de concurso e dos princípios da segurança jurídica e da igualdade de tratamento

83

Uma vez que este fundamento diz essencialmente respeito à avaliação dos factos que são objeto do presente processo, o Tribunal considera, a este título e com o objetivo de uma boa administração da justiça, poder examiná‑lo, mesmo depois de ter julgado procedente o primeiro fundamento invocado a título principal.

Argumentos das partes

84

A recorrente alega que, pressupondo que a AIPN pôde legalmente substituir pela sua a apreciação do requisito relativo à experiência profissional do júri, esta examinou, contudo, o requisito da experiência profissional de forma manifestamente errada, designadamente, no que respeita, primeiro, ao cálculo a tempo inteiro da sua experiência profissional enquanto jurista‑linguista freelance junto do Tribunal de Justiça, depois, à duração do seu estágio no escritório de advogados W. e, por último, à aplicação à sua experiência profissional de jurista‑linguista freelance junto do Tribunal de Justiça da norma diária de um número determinado de páginas a traduzir que, no entanto, não era referido no anúncio de concurso.

85

A Comissão pede que o segundo fundamento seja considerado improcedente.

Apreciação do Tribunal

86

A fim de examinar se a apreciação feita pela AIPN quanto à duração da experiência profissional da recorrente é manifestamente errada, há que verificar, antes de mais, se as modalidades ou os critérios utilizados pela AIPN a este respeito assentam numa base jurídica pertinente em relação ao quadro legal representado pelo anúncio de concurso e que justifica, assim, a utilização, por parte da AIPN, na apreciação de um requisito de admissão com caráter eliminatório, de um critério de cálculo específico e legal em relação a pessoas externas à instituição.

87

Ora, resulta da decisão de indeferimento da reclamação que a AIPN considerou que «o júri não tinha provavelmente tido em conta o facto de que o trabalho da [recorrente] para o Tribunal de [Justiça] era [...] freelance e que devia, por conseguinte, ser contabilizado não com base nos meses durante os quais a [recorrente] tinha cooperado com esta instituição, mas com base no trabalho efetivamente realizado, uma vez que a [recorrente] não recebia um salário em contra[partida], não estava sujeita a um horário ou a uma hierarquia e a sua presença no Tribunal [de Justiça] não era exigida para o exercício das suas tarefas [; p]or conseguinte, impunha‑se um cálculo do número de dias de trabalho efetivo neste contexto, por exemplo, com base no número de páginas traduzidas. Tal era o caso tanto mais que os pedidos de tradução figuravam no processo e a possibilidade de se servir deles para as atividades profissionais não assalariadas estava prevista no [g]uia [destinado aos candidatos]» (sublinhado deste Tribunal).

88

Segundo a Comissão, o guia destinado aos candidatos, constitui, assim, a base jurídica suficiente para utilizar os mecanismos de conversão da quantidade de trabalho produzido em dias de trabalho realizados, como os utilizados pelos serviços da Comissão para o trabalho de tradução nesta instituição. Daí resulta que, segundo a Comissão, a AIPN «podia verificar o tempo de trabalho da recorrente como freelance para o Tribunal de Justiça» (sublinhado deste Tribunal).

89

Na sua contestação, a Comissão sublinha igualmente que, «como a recorrente t[inha] pedido para ser recrutada pela Comissão, era inevitável que a AIPN se baseasse nos seus próprios critérios para calcular a experiência profissional a tempo inteiro» (sublinhado deste Tribunal).

90

Ora, embora seja incontestável que, no caso em apreço, o recrutamento da recorrente devesse, se fosse caso disso, ter lugar na Comissão, há, no entanto, que constatar que a Comissão não indica em lado algum, nem na fase da decisão de indeferimento da reclamação nem no âmbito do presente processo, segundo qual base jurídica, diretamente oponível à recorrente, a AIPN estava obrigada a corrigir o eventual erro manifesto cometido pelo júri no cálculo da experiência profissional da recorrente ao utilizar o critério do número de páginas traduzidas por dia segundo a ratio utilizada pelos serviços de tradução da Comissão, a saber, cinco páginas por dia útil, e tal independentemente do facto de se tratar, no caso em apreço, de traduzir especificamente textos jurídicos e/ou de verificar a concordância linguística e jurídica de textos legislativos.

91

Com efeito, esse modo de cálculo, mesmo admitindo que possa resultar da comunicação do vice‑presidente da Comissão SEC (2004) 638, de 25 de maio de 2004, relativa às necessidades em termos de tradução, não foi inscrito neste documento como critério obrigatório de seleção para a admissão às provas de um concurso destinado especificamente ao recrutamento de juristas‑linguistas. Em todo o caso, este modo de cálculo não figurava no anúncio de concurso e também não tinha sido objeto de uma publicação acessível ou necessariamente conhecida do júri ou dos candidatos em causa. Além disso, esse critério, como, aliás, a própria Comissão afirmou, não corresponde aos critérios utilizados pelos serviços de tradução das outras instituições que têm acesso à lista de reserva do concurso para o recrutamento, se for caso disso, dos seus juristas‑linguistas. Por conseguinte, não se trata de um critério comum às instituições da União.

92

Consequentemente, a AIPN, que opera no lugar do júri do concurso para garantir o respeito de um requisito de admissão nas provas, requisito de admissão cuja apreciação e aplicação de forma uniforme se impunha em relação a todos os participantes no concurso, não podia utilizar um modo de cálculo exclusivamente interno da Comissão e, por conseguinte, não interinstitucional, que se revela, assim, não pertinente, no que respeita, no caso em apreço, a recrutar juristas‑linguistas, e não vinculativo em relação a pessoas externas à instituição.

93

Daí resulta que a análise da experiência profissional da recorrente feita pela Comissão destinada a calcular, segundo os critérios utilizados pelos seus serviços de tradução, o número de páginas traduzidas pela recorrente durante o seu período de atividade como jurista‑linguista freelance junto do Tribunal de Justiça como se se tratasse do trabalho de um «tradutor» da Comissão, ainda que fosse plausível, não assenta em nenhuma disposição legal pertinente e diretamente oponível à recorrente e constitui, por conseguinte, um erro manifesto da parte da AIPN, facilmente detetável pelo Tribunal (v. n.o 70 do presente acórdão).

94

Tendo em conta o que precede, há, assim, que julgar procedente o segundo fundamento, ainda que invocado a título subsidiário, sem que seja necessário examinar os outros argumentos apresentados a este respeito pela recorrente.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração e do dever de solicitude bem como ao não respeito do prazo razoável

95

Uma vez que este fundamento diz essencialmente respeito à avaliação dos factos que são objeto do presente processo, o Tribunal considera, a este título e com o objetivo de uma boa administração da justiça, poder examiná‑lo, mesmo depois de ter julgado procedente o primeiro fundamento invocado a título principal.

Argumentos das partes

96

A recorrente critica, antes de mais, a AIPN por ter posto em causa a validade da decisão do júri de a admitir ao concurso na última fase do processo do seu recrutamento, quase sete anos depois da elaboração da lista de reserva, e, mais especialmente, depois de a DG «Recursos Humanos» ter concedido uma derrogação com vista ao seu recrutamento como administrador. Além disso, a validade da lista de reserva foi prorrogada várias vezes e a recorrente foi convidada para várias entrevistas de emprego no entretanto, sem que a sua admissibilidade no concurso alguma vez tivesse sido verificada ou posta em questão.

97

Em seguida, a recorrente alega que os agentes da DG «Recursos Humanos» lhe negaram o acesso ao seu processo EPSO aquando das entrevistas que teve com eles em setembro e em outubro de 2013, acesso que apenas lhe foi concedido no mês de novembro seguinte.

98

Além disso, segundo a recorrente, ao demorar quatro meses para adotar a decisão controvertida, a AIPN excedeu o prazo razoável de exame do processo. Tendo em conta, por um lado, a natureza da fiscalização que a AIPN era levada a efetuar no caso em apreço, limitada ao erro manifesto de apreciação do júri, e, por outro, o interesse constante manifestado pela DG «Justiça» pelo recrutamento da recorrente, inicialmente previsto para setembro de 2013, esse prazo é excessivo e, aliás, inteiramente imputável à DG «Recursos Humanos».

99

Por último, a AIPN tratou o processo de forma não equitativa, uma vez que os representantes da DG «Recursos Humanos» emitiram opiniões contraditórias e confusas quanto aos elementos pertinentes para o cálculo da duração da experiência profissional e aos documentos a apresentar a este respeito e que, posteriormente, não foram acolhidos. Este comportamento atrasou igualmente o processo de recrutamento.

100

A Comissão pediu que o terceiro fundamento fosse julgado improcedente.

Apreciação do Tribunal

101

Primeiro, há que recordar que a AIPN apenas deve examinar a legalidade da decisão de um júri de inscrever um candidato na lista de reserva de um concurso no momento em que se coloca a questão do recrutamento efetivo deste último e de forma alguma no momento em que o júri lhe comunica a lista de reserva (acórdão de 15 de setembro de 2005, Luxem/Comissão,T‑306/04, EU:T:2005:326, n.o 24). O tempo decorrido deste a elaboração da lista de reserva ou o número de prorrogações da validade desta lista não são circunstâncias pertinentes para apreciar no caso em apreço se a AIPN violou o princípio da boa administração ao pôr em causa a decisão do júri de admitir a recorrente a passar as provas do concurso.

102

Em seguida, quanto à derrogação da lista de reserva em questão (v. n.o 15 do presente acórdão), há que observar que esta decisão foi tomada necessariamente depois da decisão do júri de inscrever a recorrente na referida lista, mas antes da indispensável verificação, por parte dos serviços da AIPN, da sua aptidão para ser nomeada funcionária. Ora, esta decisão de derrogação, ainda que intempestiva, a saber, muito antes de AIPN ter podido verificar a aptidão da recorrente para ser nomeada para o lugar em causa, não implica de jure que a AIPN já não pudesse verificar, nos limites das suas competências, o respeito dos referidos requisitos de nomeação impostos imperativamente pelo Estatuto. Por outras palavras, uma decisão de derrogação como a que está aqui em causa não equivale, automaticamente, a uma decisão de aptidão para ser nomeado funcionário. Ora, entre os requisitos estatutários de nomeação, figura o, enunciado no artigo 28.o do Estatuto, de ter passado um concurso documental e por prestação de provas que, no caso em apreço, apenas pode ser o concurso em causa no presente processo.

103

Em segundo lugar, no que respeita ao acesso ao processo EPSO, há que observar que a alegação da recorrente relativa à recusa alegadamente oposta pelos agentes da DG «Recursos Humanos» aos seus pedidos orais de acesso não foi demonstrada por nenhum elemento de prova. Ainda que a recorrente se refira a essa recusa numa mensagem de correio eletrónico de 11 de novembro de 2013, endereçada à DG «Recursos Humanos», a sua afirmação não é confirmada pelo destinatário, que, pelo contrário, a convidou a aceder ao seu processo a partir do dia seguinte. Além disso, a recorrente, que admite ter tido acesso ao seu ato de candidatura e aos anexos em 12 de novembro de 2013, não indica como a alegada recusa anterior era constitutiva de uma violação do princípio da boa administração ou do dever de solicitude.

104

Em terceiro lugar, tratando‑se do prazo considerado pela AIPN para tomar a sua decisão, há que salientar que nenhuma disposição do direito da União fixa um prazo de decisão quanto ao recrutamento de um funcionário no âmbito de um procedimento concursal como aquele em que a recorrente participou. Daí resulta que, segundo jurisprudência constante, o caráter razoável do prazo tomado pela instituição para adotar o ato em causa deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, designadamente da importância da questão em causa para o interessado, da complexidade do processo e do comportamento das partes em causa (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.o 28, e jurisprudência referida).

105

No caso em apreço, no seguimento da entrevista de emprego de 28 de maio de 2013, a DG «Justiça» transmitiu o pedido de recrutamento relativo à recorrente à DG «Recursos Humanos» no mês de junho de 2013 e, no mês de julho de 2013, a DG «Recursos Humanos» concedeu a derrogação necessária para a contratação, num lugar de administrador, de um candidato que figurava numa lista de reserva de juristas‑linguistas. O processo EPSO foi comunicado à Comissão no mês de setembro de 2013 e a decisão controvertida foi adotada em 17 de dezembro de 2013. Entretanto, no fim do mês de agosto de 2013, a recorrente informou‑se junto da DG «Recursos Humanos» quanto ao estado do processo de recrutamento.

106

Tratando‑se, primeiro, do critério da importância da questão em causa, embora a perspetiva do seu recrutamento apresentasse uma importância inegável para a recorrente, esta não pode invocar nenhum direito a ser nomeada funcionária e, na falta de um acordo da DG «Recursos Humanos», também não pode invocar a confiança legítima a este respeito, apesar do interesse constante manifestado pela DG «Justiça» no seu recrutamento (v. acórdão de 19 de maio de 2015, Brune/Comissão,F‑59/14, EU:F:2015:50, n.o 78, e jurisprudência referida). Em seguida, tendo a AIPN considerado, ainda que erradamente, que o júri tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao admitir a recorrente a participar no concurso, a verificação do respeito do requisito de admissão relativo à experiência profissional exigida pelo anúncio de concurso apresentava, enquanto tal e nos limites referidos nos n.os 53 a 55 do presente acórdão, uma certa complexidade. Por último, considerando que as informações contidas no processo EPSO eram, em alguns aspetos, contraditórias e insuficientes, a AIPN pediu à recorrente documentos e explicações adicionais. Nenhum atraso injustificado no processo de recrutamento pode assim ser imputado à AIPN.

107

Por conseguinte, o prazo de cerca de seis meses decorrido entre o pedido de recrutamento dirigido pela DG «Justiça» à DG «Recursos Humanos» em junho de 2013, e a adoção da decisão controvertida, em 17 de dezembro seguinte, não pode, no caso em apreço, ser considerado globalmente excessivo.

108

Em quarto lugar, o facto de os agentes da DG «Recursos Humanos» terem mantido a recorrente informada, em diferentes etapas intermédias do processo de recrutamento, de elementos que consideravam pertinentes para o cálculo da duração da sua experiência profissional e dos elementos de prova a apresentar a este respeito não equivale a um tratamento iníquo da sua situação. Pelo contrário, a recorrente teve, assim, a oportunidade de tomar posição sobre os aspetos controversos do seu processo e de invocar em seu favor, no decurso do processo de recrutamento, todos os argumentos e os elementos de prova de que dispunha. A AIPN podia, de resto, apreciar a força probatória desses elementos.

109

Daí resulta que nenhuma violação do princípio da boa administração, do dever de solicitude e do prazo razoável pode ser declarada com base nos elementos apresentados pela recorrente e que, por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, relativo à ilegalidade do requisito de admissão ao concurso respeitante à experiência profissional

Argumentos das partes

110

A recorrente alega, pela via da exceção de ilegalidade, que o requisito de admissão relativo à experiência profissional que figura no anúncio de concurso é contrário ao princípio da igualdade de tratamento, na medida em que os anúncios de concurso para o recrutamento de juristas‑linguistas não preveem nenhum requisito deste tipo.

111

A Comissão pede que o quarto fundamento seja rejeitado, a título principal, por ser inadmissível e, a título subsidiário, por ser improcedente.

Apreciação do Tribunal

112

Tendo o primeiro fundamento de anulação, relativo à incompetência da AIPN, sido julgado procedente, já não há que examinar o quarto fundamento. Além disso, uma vez que, em relação aos requisitos que figuram no anúncio de concurso quanto à repartição das competências entre a AIPN e o júri, foi decidido que a AIPN estava vinculada pela decisão do júri de admitir a recorrente ao concurso a título do requisito relativo à experiência profissional, na medida em que esta decisão estava isenta de erro manifesto, a eventual ilegalidade deste requisito de admissão não origina um prejuízo pessoal adicional indemnizável para a recorrente.

3. Quanto aos pedidos de indemnização

Argumentos das partes

113

A recorrente alega que teria sido, certamente, recrutada em setembro de 2013 se a ilegalidade de que a decisão controvertida padece não tivesse sido praticada. Uma vez que, entre 1 de setembro de 2013 e 1 de fevereiro de 2014, data em que a recorrente afirma ter sido contratada como referendária junto de um membro do Tribunal Geral da União Europeia, ficou sem emprego, aguardando a decisão da AIPN, a referida ilegalidade causou‑lhe um prejuízo patrimonial representado pela perda de rendimentos que teria recebido bem como outras vantagens ligadas a uma nomeação, incluindo a possibilidade de ser contratada como funcionária ao abrigo de disposições estatutárias mais favoráveis em vigor até 31 de dezembro de 2013.

114

Consequentemente, a recorrente considera que deve ser indemnizada, sendo‑lhe reconhecidos «todos os efeitos» de uma nomeação em setembro de 2013, como administrador de grau AD 7, escalão 1, colocada na DG «Justiça», a saber, «entre outros», a antiguidade de grau em 1 de setembro de 2013, a reconstituição da sua carreira, o pagamento retroativo das contribuições para o regime de pensões e o pagamento da remuneração pelo período durante o qual ficou sem emprego, remuneração avaliada, sob reserva de majoração, em 26132,85 euros, acrescidos de juros de mora calculados à taxa fixada pelo Banco Central Europeu para as principais operações de refinanciamento no período em causa aumentada em dois pontos.

115

A recorrente acrescenta que sofreu igualmente, devido à decisão controvertida, um prejuízo moral resultante do stress e da angústia gerados por terem sido postos em causa, quase sete anos depois da sua inscrição na lista de reserva, direitos que tinha adquirido como candidato aprovado no concurso, bem como da obrigação de efetuar diligências junto dos seus antigos empregadores para obter as informações exigidas pela DG «Recursos Humanos» para efeitos da avaliação da sua experiência profissional. A este título, a recorrente limita o seu pedido a um euro simbólico.

116

Por seu lado, a Comissão pede que se julguem improcedentes os pedidos de indemnização. Tratando‑se do prejuízo patrimonial por perda de oportunidade, o pedido de reparação tem uma ligação estreita com os pedidos de anulação e deve, assim, ser julgado improcedente. Além disso, a recorrente não pode invocar nenhuma oportunidade séria de recrutamento e também não pode considerar que a sua nomeação devia ter ocorrido em data determinada. De qualquer forma, como especificado pela Comissão na audiência em resposta a uma questão que figurava no relatório preparatório de audiência, não teria sido possível no caso em apreço um recrutamento antes de 1 de março de 2014, incluindo o eventual prazo de pré‑aviso.

117

Além disso, os pedidos de reconhecimento em benefício da recorrente de «todos os efeitos» de uma nomeação e de reconstituição da sua carreira são manifestamente inadmissíveis, o primeiro devido à sua imprecisão e o segundo devido ao facto de, segundo a jurisprudência, não competir ao juiz da União dirigir injunções à Administração no âmbito da fiscalização da legalidade baseada no artigo 91.o do Estatuto.

118

Quanto ao prejuízo moral, o pedido de indemnização é inadmissível por falta de um pedido prévio nos termos do artigo 90.o do Estatuto, uma vez que esse prejuízo resulta, segundo a Comissão, de um comportamento não decisório da Administração, a saber, o atraso na gestão do processo da recorrente.

119

O pedido de reparação do prejuízo moral é, no entanto, infundado. Assim, o stress e a angústia alegados são pouco plausíveis nas circunstâncias do caso em apreço, tanto mais que o estatuto de candidato aprovado num concurso não confere ao interessado nenhum direito a ser nomeado funcionário e que cabe a cada candidato apresentar os elementos necessários à apreciação da existência e da pertinência dos seus títulos e experiência profissional.

Apreciação do Tribunal

120

Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade de uma instituição pressupõe a reunião de um conjunto de requisitos relativos à ilegalidade do comportamento imputado às instituições, à realidade dos danos alegados e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (v., nomeadamente, acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, EU:C:1994:211, n.o 42, e de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/Girardot, C‑348/06 P, Colet.,EU:C:2008:107, n.o 52).

121

Uma vez que a decisão controvertida, como considerado no âmbito do exame do primeiro fundamento, padece de ilegalidade, há que examinar se a recorrente sofreu um prejuízo causado por esta decisão.

122

No que respeita ao prejuízo patrimonial, há que constatar que, por efeito da decisão controvertida, a recorrente perdeu uma oportunidade real de ser recrutada na qualidade de funcionária para o emprego vago na DG «Justiça», para cujo preenchimento esta Direção‑Geral tinha manifestado, várias vezes, interesse pela recorrente (v. n.o 18 do presente acórdão e, neste sentido, acórdão de 7 de outubro de 2013, Thomé/Comissão,F‑97/12, EU:F:2013:142, n.o 76).

123

Assim, independentemente das medidas que a Comissão deverá adotar, em conformidade com o artigo 266.o TFUE, para executar o presente acórdão de anulação, há que considerar que a recorrente perdeu definitivamente a oportunidade de ser nomeada para um emprego de administrador de grau AD 7 no lugar que estava vago na DG «Justiça» para o qual, aliás, esta Direção‑Geral obteve, a fim de propor este emprego à recorrente, uma derrogação administrativa à lista de reserva do concurso que estava destinada, com efeito, a permitir o recrutamento, em primeiro lugar, de juristas‑linguistas. Este prejuízo confere, portanto, o direito, no respeito dos outros requisitos legais, à reparação (v., neste sentido, acórdão de 13 de setembro de 2011, AA/Comissão,F‑101/09, EU:F:2011:133, n.os 79 a 82).

124

Em seguida, a recorrente afirma, baseando‑se no interesse da unidade da DG «Justiça» em que deveria ter sido colocada, interesse aliás não contestado pela Comissão, que, na inexistência da ilegalidade de que a decisão controvertida padece, teria sido recrutada a partir de 1 de setembro de 2013.

125

Ora, a este respeito, há que recordar, por um lado, que o processo EPSO apenas chegou à AIPN no mês de setembro de 2013.

126

Por outro lado, embora a Comissão defenda que, no plano administrativo, a primeira data possível de recrutamento para o lugar vago foi 1 de março de 2014, não é menos verdade que, se a AIPN não tivesse considerado erradamente que o júri tinha cometido um erro manifesto de apreciação, a duração da análise do processo da recorrente teria sido provavelmente mais curta, devido, nomeadamente, ao interesse manifestado, várias vezes, pela DG «Justiça» para o preenchimento deste lugar.

127

Nas circunstâncias do caso em apreço, há, assim, que considerar que a oportunidade de a recorrente ser recrutada, na inexistência da ilegalidade imputada à Comissão, para o lugar de administrador em causa surgiu não antes de 1 de novembro de 2013, tomando também em conta o facto de que, como resulta da mensagem de correio eletrónico de 24 de maio de 2013 enviado pela DG «Recursos Humanos» à recorrente (v. n.o 13 do presente acórdão), a visita médica, em caso de recrutamento pela Comissão, não seria necessária, uma vez que a recorrente já tinha efetuado esta visita antes junto do Tribunal de Justiça.

128

Por último, a recorrente alega que o montante do seu prejuízo patrimonial ascende, pelo período compreendido entre 1 de setembro de 2013 e 1 de fevereiro de 2014, durante o qual ficou sem emprego aguardando a adoção da decisão controvertida, ao montante de 26132,85 euros, que representa o rendimento que teria obtido como funcionária de grau AD 7, escalão 1. A recorrente acrescenta que a Comissão deve igualmente ser condenada no pagamento das contribuições para o regime de pensões a contar do mês de setembro de 2013.

129

Todavia, sem que seja necessário tomar posição quanto à inadmissibilidade deduzida pela Comissão dos pedidos destinados a que «todos os efeitos» da nomeação sejam reconhecidos e à reconstituição da carreira, basta recordar que o prejuízo patrimonial em que a recorrente se baseia para obter a indemnização não está ligado a uma perda de rendimentos, mas à perda de oportunidade de ter sido recrutada na qualidade de funcionária para o lugar que era objeto do processo de recrutamento em causa.

130

Consequentemente, tomando em conta as circunstâncias do caso em apreço e utilizando a faculdade do Tribunal de avaliar o prejuízo ex æquo et bono, far‑se‑á uma justa reparação da totalidade do prejuízo patrimonial sofrido pela recorrente, tendo em conta a remuneração mensal correspondente ao lugar a preencher, o caráter real da oportunidade perdida, a primeira data possível de recrutamento e a situação profissional da recorrente durante o período de referência, ao condenar a Comissão no pagamento do montante fixo de 10000 euros.

131

Tratando‑se do prejuízo moral, há que, a título preliminar, observar que, ao contrário do que a Comissão alega, o dano alegadamente sofrido não resulta de um comportamento da Administração desprovido de caráter decisório, a saber, o atraso na gestão do processo da recorrente, mas da decisão controvertida.

132

Todavia, há que decidir que a anulação da decisão controvertida constitui em si mesma uma reparação adequada e suficiente do prejuízo moral alegado pela recorrente, uma vez que esta não demonstra ter sofrido um prejuízo moral separável da ilegalidade em que assenta a anulação da decisão controvertida.

133

Daí resulta que a Comissão deve ser condenada a pagar à recorrente a título de indemnização o montante de 10000 euros.

Quanto às despesas

134

Nos termos do artigo 101.o do Regulamento de Processo, sem prejuízo de outras disposições do capítulo VIII do título II do referido regulamento, a parte vencida suporta as suas próprias despesas e é condenada nas despesas da outra parte se tal tiver sido requerido. Ao abrigo do artigo 102.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida suporte as suas próprias despesas, mas que seja condenada apenas parcialmente nas despesas efetuadas pela outra parte, ou mesmo que não deva ser condenada a suportar tais despesas.

135

Resulta dos fundamentos expostos no presente acórdão que a Comissão é, no essencial, a parte vencida. Além disso, no seu pedido, a recorrente requereu expressamente que a Comissão fosse condenada nas despesas. As circunstâncias do caso concreto não justificam a aplicação das disposições do artigo 102.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, pelo que a Comissão deve suportar as suas próprias despesas e ser condenada a suportar as despesas efetuadas pela recorrente.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção),

decide:

 

1)

É anulada a decisão de 17 de dezembro de 2013 através da qual a Comissão Europeia recusou recrutar FE.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada a pagar a FE o montante de 10000 euros.

 

3)

É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 

4)

A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas e é condenada a suportar as despesas efetuadas por FE.

 

Barents

Perillo

Svenningsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de outubro de 2015.

O secretário

W. Hakenberg

O presidente

R. Barents


( *1 )   Língua do processo: francês.