ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

27 de abril de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Pauta aduaneira comum — Regulamento (CE) n.o 1186/2009 — Artigo 3.o — Franquia de direitos de importação — Bens pessoais — Transferência de residência de um país terceiro para um Estado‑Membro — Conceito de ‘residência habitual’ — Impossibilidade de estabelecer residência habitual simultaneamente num Estado‑Membro e num país terceiro — Critérios de determinação do lugar da residência habitual»

No processo C‑528/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo dos Países Baixos, Países Baixos), por decisão de 14 de novembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de novembro de 2014, no processo

X

contra

Staatssecretaris van Financiën,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Lycourgos, E. Juhász, C. Vajda e K. Jürimäe (relator), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de X, por B. J. B. Boersma, adviseur,

em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e M. Noort, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Grønfeldt e H. Kranenborg, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 17 de dezembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 1186/2009 do Conselho, de 16 de novembro de 2009, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 324, p. 23).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X ao Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças), a propósito da recusa deste em admitir a transferência dos bens pessoais de X, entre o Catar e os Países Baixos, com franquia de direitos de importação.

Quadro jurídico

Diretiva 83/182

3

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade, em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 156), conforme alterada pela Diretiva 2006/98/CEE do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 129, a seguir «Diretiva 83/182»), dispõe:

«Para aplicação da presente diretiva, entende‑se por ‘residência normal’ o lugar onde uma pessoa vive habitualmente, isto é, durante pelo menos 185 dias por ano civil, em consequência de vínculos pessoais e profissionais ou, no caso de uma pessoa sem vínculos profissionais, em consequência de vínculos pessoais indicativos de relações estreitas entre ela própria e o local onde vive.

Todavia, a residência normal de uma pessoa cujos vínculos profissionais se situem num lugar diferente do lugar onde possui os seus vínculos pessoais e que, por esse facto, viva alternadamente em lugares distintos situados em dois ou mais Estados‑Membros, considera‑se como estando situada no lugar dos seus vínculos pessoais, desde que aí se desloque regularmente. [...]»

Diretiva 83/183/CEE

4

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro (JO L 105, p. 64; EE 09 F1 p. 161), que foi revogada pela Diretiva 2009/55/CE do Conselho, de 25 de maio de 2009, relativa às isenções fiscais aplicáveis às entradas definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro (JO L 145, p. 36), tinha um conteúdo idêntico ao artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 83/182.

Regulamento n.o 1186/2009

5

O Regulamento n.o 1186/2009 revogou o Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho, de 28 de março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 105, p. 1; EE 02 F9 p. 276).

6

Os considerandos 3 e 4 do Regulamento n.o 1186/2009 enunciam:

«(3)

[...] uma [...] tributação não se justifica quando, em certas circunstâncias bem definidas, as condições particulares de importação das mercadorias não exigem a aplicação das medidas habituais de proteção da economia.

(4)

Convém prever, como é tradicional na maior parte das legislações em matéria aduaneira, que em tais casos a importação se possa efetuar com o benefício de um regime de franquia que isente as mercadorias da aplicação dos direitos de importação de que seriam normalmente passíveis.»

7

O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), desse regulamento tem a seguinte redação:

«[...] Os bens pessoais não devem traduzir, pela sua natureza ou quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial;».

8

O artigo 3.o do referido regulamento dispõe:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 4.° a 11.°, são admitidos com franquia de direitos de importação os bens pessoais importados por pessoas singulares que transfiram a sua residência habitual para o território aduaneiro da Comunidade.»

9

O artigo 4.o do mesmo regulamento prevê:

«A franquia limita‑se aos bens pessoais:

a)

Que, salvo casos especiais que as circunstâncias justifiquem, tenham estado na posse do interessado e, tratando‑se de bens não consumíveis, tenham sido por ele utilizados na sua anterior residência habitual durante pelo menos seis meses antes da data em que deixou de ter essa residência no país terceiro de partida;

b)

Se destinem a ser utilizados para os mesmos fins no lugar da nova residência habitual.

[...]»

10

O artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1186/2009 tem a seguinte redação:

«Só podem beneficiar da franquia as pessoas que tenham a sua residência habitual fora do território aduaneiro da Comunidade há pelo menos doze meses consecutivos.»

11

De acordo com o artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento, a franquia só é concedida para bens pessoais declarados para livre prática antes de findo um prazo de doze meses a contar da data do estabelecimento pelo interessado da sua residência habitual no território aduaneiro da União Europeia.

12

O artigo 9.o do referido regulamento prevê a possibilidade de a franquia ser concedida para os bens pessoais declarados para livre prática antes do interessado estabelecer a sua residência habitual no território aduaneiro da União, mediante compromisso por ele assumido de aí a estabelecer efetivamente no prazo de seis meses.

13

Nos termos do artigo 10.o do mesmo regulamento, quando, devido às suas obrigações profissionais, o interessado abandonar o país terceiro onde tinha a sua residência habitual sem estabelecer simultaneamente residência habitual no território aduaneiro da União, mas com a intenção de aí a fixar posteriormente, as autoridades competentes podem autorizar a admissão com franquia dos bens pessoais que ele transfira para esse efeito.

14

O artigo 11.o do Regulamento n.o 1186/2009 confere às autoridades competentes a possibilidade de derrogar certas condições de aplicação da franquia de direitos à importação prevista no artigo 3.o do mesmo regulamento.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15

Até 1 de março de 2008, o recorrente no processo principal residiu e trabalhou nos Países Baixos. De 1 de março de 2008 a 1 de agosto de 2011, trabalhou no Catar, onde lhe foi disponibilizada uma habitação pelo seu empregador. O recorrente no processo principal tinha vínculos tanto profissionais como pessoais neste país terceiro. A sua esposa continuou a residir e a trabalhar nos Países Baixos. Visitou‑o seis vezes no Catar, durante 83 dias no total. No período considerado, o recorrente no processo principal esteve ausente do Catar 281 dias, durante os quais visitou a esposa, os filhos maiores de idade e a família que tinha permanecido nos Países Baixos e gozou férias noutros Estados.

16

Com vista ao seu regresso aos Países Baixos, o recorrente no processo principal pediu que lhe fosse concedida autorização para importar os seus bens pessoais do Catar para a União sob o regime de franquia de direitos de importação, nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009. Este pedido foi indeferido, por decisão do inspetor tributário, com o fundamento de que não havia transferência da sua residência habitual para os Países Baixos, na aceção desse artigo. Com efeito, manteve a sua residência habitual neste Estado‑Membro durante a sua permanência no Catar e, portanto, a sua residência habitual nunca se situou neste país terceiro.

17

O recorrente no processo principal interpôs recurso da referida decisão de indeferimento para o Rechtbank te Haarlem (Tribunal de Haarlem), que julgou o seu pedido procedente. O inspetor tributário interpôs recurso da decisão deste órgão jurisdicional para o Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amsterdão). Este tribunal recordou que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a residência habitual é o lugar onde o interessado tem o centro permanente dos seus interesses. Afirmou depois que, tendo em conta os vínculos pessoais e profissionais do recorrente no processo principal, não era possível determinar onde se encontrava o centro permanente dos seus interesses. Nestas condições, segundo este órgão jurisdicional, devia ser dada preferência aos vínculos pessoais, pelo que, durante o período considerado, a residência habitual do recorrente no processo principal não se situava no Catar mas nos Países Baixos.

18

O recorrente no processo principal interpôs recurso de cassação para o órgão jurisdicional de reenvio. Este órgão jurisdicional, depois de ter indicado que o Regulamento n.o 1186/2009 não estabelecia uma definição do conceito de «residência habitual», observou que a posição do Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amsterdão) suscitava a questão de saber se o recorrente no processo principal, durante o período considerado, tinha tido uma residência habitual tanto nos Países Baixos como no Catar. Observou que os objetivos desse regulamento não pareciam obstar, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, à existência de uma residência habitual tanto nos Países Baixos como no Catar nem à aplicação da franquia de direitos de importação prevista no artigo 3.o do referido regulamento, uma vez que o recorrente no processo principal renunciou à sua residência no Catar e transferiu os seus bens pessoais para os Países Baixos.

19

Na hipótese de o Regulamento 1186/2009 dever ser interpretado no sentido de que exclui a possibilidade de existir uma dupla residência habitual, o órgão jurisdicional de reenvio pretende conhecer, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, os critérios que devem ser utilizados para determinar qual das duas residências deve ser considerada residência habitual, para efeitos da aplicação deste regulamento. A este propósito, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a pertinência dos critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos Louloudakis (C‑262/99, EU:C:2001:407) e Alevizos (C‑392/05, EU:C:2007:251) para a determinação do local da «residência habitual», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 83/182 e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 83/183, em especial a preferência atribuída, no âmbito desta determinação, aos vínculos pessoais.

20

Nestas condições o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O Regulamento n.o 1186/2009 admite a possibilidade de uma pessoa singular ter a sua residência habitual simultaneamente num Estado‑Membro e num país terceiro e, em caso afirmativo, a franquia à importação prevista no artigo 3.o é aplicável aos bens pessoais transferidos para a União Europeia no contexto da cessação da residência habitual no país terceiro?

2)

Se o Regulamento n.o 1186/2009 exclui a possibilidade de dupla residência habitual e se a ponderação de todas as circunstâncias não for suficiente para determinar a residência habitual, que regra ou que critérios devem ser tidos em conta, para determinar, para efeitos de aplicação desse regulamento, em que país a pessoa em causa tem a sua residência habitual, num caso como o presente em que esta tem, no país terceiro, vínculos pessoais e profissionais e, no Estado‑Membro, vínculos pessoais?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

21

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação deste artigo, uma pessoa singular pode dispor, simultaneamente, de uma residência habitual num Estado‑Membro e num país terceiro. Em caso de resposta afirmativa, este órgão jurisdicional pergunta igualmente se a franquia de direitos de importação prevista no referido artigo é aplicável aos bens pessoais importados na União por essa pessoa singular quando deixa de ter a sua residência habitual no país terceiro.

22

Na medida em que o Regulamento n.o 1186/2009 não estabelece uma definição do conceito de «residência habitual» que figura no artigo 3.o do mesmo, para determinar o alcance deste artigo, há que ter simultaneamente em conta os seus termos, o seu contexto e as suas finalidades (acórdão Angerer, C‑477/13, EU:C:2015:239, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

23

No que respeita à redação do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, importa, por um lado, salientar que, no mesmo, a expressão «residência habitual» é utilizada no singular, o que tende a confirmar que uma pessoa singular só pode ter, num mesmo momento, uma única residência habitual. Por outro lado, este artigo subordina a concessão da franquia de direitos de importação à transferência da residência habitual de um país terceiro para o território aduaneiro da União. Como salientou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões, a utilização do verbo «transferir» pressupõe necessariamente a deslocação da residência habitual de um local situado no exterior deste território para um local situado no seu interior e, portanto, opõe‑se a que se acumule, durante um mesmo período, uma residência habitual num Estado‑Membro e outra num país terceiro.

24

No que se refere ao contexto do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, os artigos 4.°, 5.°, 7.° e 9.° a 11.° deste regulamento, que são especificamente respeitantes aos requisitos de aplicação da franquia aduaneira prevista no artigo 3.o do referido regulamento, utilizam igualmente a expressão «residência habitual» no singular. O mesmo acontece com os outros artigos do referido regulamento em que figura o conceito de «residência habitual».

25

Além disso, a formulação dos artigos 4.°, 7.° e 9.° a 11.° do Regulamento n.o 1186/2009 corrobora uma interpretação do conceito de «residência habitual» segundo a qual uma pessoa singular só pode ter, num mesmo momento, uma única residência habitual. Assim, em primeiro lugar, o artigo 4.o deste regulamento dispõe que a franquia se limita aos bens pessoais que, por um lado, tenham sido utilizados pelo interessado «na sua anterior residência habitual» durante pelo menos seis meses antes da data em que «deixou de ter essa residência» no país terceiro de partida e, por outro, se destinem a ser utilizados «na sua nova residência habitual». Em seguida, os artigos 7.°, 9.° e 10.° do referido regulamento fazem todos referência a uma mesma sequência de acontecimentos, durante a qual o interessado abandona, num primeiro momento, a sua residência habitual num país terceiro e, num segundo momento, estabelece essa residência no território aduaneiro da União. Por último, o artigo 11.o do Regulamento n.o 1186/2009 retoma o verbo «transferir», também utilizado no artigo 3.o deste regulamento, para designar a deslocação da residência habitual de um país terceiro para um Estado‑Membro.

26

No que concerne aos objetivos do Regulamento n.o 1186/2009, o seu considerando 3 especifica que o referido regulamento previu franquias aduaneiras dado que «uma [...] tributação não se justifica quando, em certas circunstâncias bem definidas, as condições particulares de importação das mercadorias não exigem a aplicação das medidas habituais de proteção da economia».

27

Resulta da jurisprudência relativa ao segundo considerando do Regulamento n.o 918/83, cujo conteúdo é idêntico ao do considerando 3 do Regulamento n.o 1186/2009, que os objetivos prosseguidos pelo legislador da União, no momento da adoção do primeiro regulamento, consistiam em facilitar, por um lado, o estabelecimento da nova residência de uma pessoa singular no Estado‑Membro em causa e, por outro, o trabalho das autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros (acórdão Treimanis, C‑487/11, EU:C:2012:556, n.o 24). Estas considerações são aplicáveis ao Regulamento n.o 1186/2009, uma vez que, através deste, o legislador da União codificou as diferentes disposições do regime das franquias aduaneiras, incluindo as do Regulamento n.o 918/83.

28

Ora, uma interpretação segundo a qual uma pessoa singular pode acumular duas residências habituais, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, uma num país terceiro e outra num Estado‑Membro, não pode ser considerada conforme ao objetivo que consiste em facilitar o estabelecimento da nova residência num Estado‑Membro.

29

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação deste artigo, uma pessoa singular não pode dispor, simultaneamente, de uma residência habitual num Estado‑Membro e num país terceiro. Tendo em conta esta resposta, não há que responder à segunda parte da primeira questão.

Quanto à segunda questão

30

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, quais os critérios a ter em conta para determinar o lugar da residência habitual, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, em circunstâncias como as que estão do processo principal, em que o interessado tem, num país terceiro, tanto vínculos pessoais como profissionais e, num Estado‑Membro, vínculos pessoais.

31

A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante desenvolvida em diferentes domínios do direito da União, se deve considerar que a residência habitual é o local onde o interessado tem o centro permanente dos seus interesses (v., por analogia, acórdãos Schäflein/Comissão, 284/87, EU:C:1988:414, n.o 9; Ryborg, C‑297/89, EU:C:1991:160, n.o 19; Louloudakis, C‑262/99, EU:C:2001:407, n.o 51; Alevizos, C‑392/05, EU:C:2007:251, n.o 55; I, C‑255/13, EU:C:2014:1291, n.o 44; e B., C‑394/13, EU:C:2014:2199, n.o 26).

32

Entendeu ainda o Tribunal de Justiça que, para efeitos de determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa, devem ser tidos em conta todos os elementos de facto pertinentes (v., por analogia, acórdãos Schäflein/Comissão, 284/87, EU:C:1988:414, n.o 10; Ryborg, C‑297/89, EU:C:1991:160, n.o 20; Louloudakis, C‑262/99, EU:C:2001:407, n.o 55; Alevizos, C‑392/05, EU:C:2007:251, n.o 57; e I, C‑255/13, EU:C:2014:1291, n.os 45 e 46).

33

Nos acórdãos Louloudakis (C‑262/99, EU:C:2001:407) e Alevizos (C‑392/05, EU:C:2007:251), sobre cuja pertinência o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, no âmbito da sua segunda questão, para efeitos da determinação do lugar da residência habitual na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, o Tribunal de Justiça indicou, no que respeita ao artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 83/182 e ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 83/183, que os elementos de facto pertinentes a ter em consideração para determinar a residência habitual enquanto centro permanente dos interesses da pessoa em causa compreendiam, designadamente, a presença física da mesma, a dos membros da sua família, a circunstância de dispor de um local de habitação, o local de escolaridade efetiva dos filhos, o local de exercício das atividades profissionais, o local onde se situam os interesses patrimoniais e o dos vínculos administrativos com as autoridades públicas e os organismos sociais, na medida em que os referidos elementos traduzam a vontade de essa pessoa conferir determinada estabilidade ao local a que está vinculada, em função da continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais e profissionais normais (acórdãos Louloudakis, C‑262/99, EU:C:2001:407, n.o 55, e Alevizos, C‑392/05, EU:C:2007:251, n.o 57).

34

Além disso, o Tribunal de Justiça precisou, nestes acórdãos, que, quando uma apreciação global de todos os elementos de facto pertinentes não permitir localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência, para efeitos dessa localização, aos vínculos pessoais (acórdãos Louloudakis, C‑262/99, EU:C:2001:407, n.o 53, e Alevizos, C‑392/05, EU:C:2007:251, n.o 61).

35

Resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio se pergunta, em especial, se esta última consideração, segundo a qual deve ser dada preferência aos vínculos pessoais, é transponível para a interpretação do conceito de «residência habitual» na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, tendo em conta que o Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amsterdão), cujo acórdão constitui o objeto do processo perante este órgão jurisdicional, considerou que, nas circunstâncias em causa no processo principal, devia ser dada preferência aos referidos vínculos pessoais.

36

A este propósito, saliente‑se que resulta dos acórdãos Louloudakis (C‑262/99, EU:C:2001:407, n.o 53) e Alevizos (C‑392/05, EU:C:2007:251, n.o 61) que esta preferência se baseia na interpretação do disposto no artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 83/182 e no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 83/183. Ora, o Regulamento n.o 1186/2009 não contém nenhuma disposição equivalente a essas disposições.

37

Além disso, há que observar que essas diretivas são respeitantes às franquias fiscais aplicáveis na União enquanto este regulamento é relativo às franquias aduaneiras aplicáveis aos bens provenientes de países terceiros importados na União. Assim, o objetivo das referidas diretivas difere do do Regulamento n.o 1186/2009. Com efeito, resulta do preâmbulo das mesmas diretivas que estas têm por objetivo favorecer o exercício da liberdade de circulação das pessoas na União, suprimindo os entraves fiscais à importação, num Estado‑Membro, de bens pessoais e de meios de transporte provenientes de outro Estado‑Membro. Em contrapartida, conforme resulta do considerando 3 deste regulamento, o mesmo tem por objetivo conceder às importações na União de mercadorias provenientes de países terceiros, que, de acordo com o artigo 2.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento, não traduzam, pela sua natureza ou quantidade, qualquer preocupação de ordem comercial, o benefício de uma franquia de direitos aduaneiros, quando as condições dessas importações «não exigem a aplicação das medidas habituais de proteção da economia».

38

Nestas condições, a interpretação do conceito de «residência habitual», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 83/182 e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 83/183, segundo a qual, quando é impossível localizar o centro permanente dos interesses da pessoa em causa, deve ser dada preferência aos vínculos pessoais, não é transponível para o conceito de «residência habitual» na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009.

39

Em consequência, deve considerar‑se que a residência habitual na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009 é o local onde o interessado estabeleceu o centro permanente dos seus interesses. Para determinar se essa residência habitual se situa num país terceiro, para efeitos da aplicação da franquia aduaneira prevista neste artigo 3.o, todos os elementos de facto pertinentes devem ser tidos em consideração, incluindo os referidos pelo Tribunal de Justiça, de forma não exaustiva, nos acórdãos Louloudakis (C‑262/99, EU:C:2001:407) e Alevizos (C‑392/05, EU:C:2007:251) e mencionados no n.o 33 do presente acórdão, sem que haja que dar preferência aos vínculos pessoais.

40

No âmbito desta análise, cumpre salientar que o Regulamento n.o 1186/2009 confere especial importância à duração da permanência da pessoa em questão no país terceiro em causa. Assim, segundo o artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, só podem beneficiar da franquia aduaneira prevista no artigo 3.o do referido regulamento as pessoas que tenham a sua residência habitual fora do território aduaneiro da Comunidade há pelo menos doze meses consecutivos. Do mesmo modo, o Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas (OMA), a que a União requereu a adesão, a qual foi aceite em 2007, indicou, na sua Recomendação de 5 de dezembro de 1962, relativa à admissão com franquia do recheio da casa importado na ocasião de uma transferência de domicílio, que a admissão com franquia pode ser subordinada designadamente à condição de a duração da permanência no estrangeiro parecer suficiente.

41

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que o interessado tem, num país terceiro, tanto vínculos pessoais como profissionais e, num Estado‑Membro, vínculos pessoais, para determinar se a residência habitual do interessado, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, se situa no país terceiro, há que atribuir, na apreciação global dos elementos de facto pertinentes, uma especial importância à duração da permanência da pessoa em causa nesse país terceiro.

Quanto às despesas

42

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 1186/2009 do Conselho, de 16 de novembro de 2009, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação deste artigo, uma pessoa singular não pode dispor, simultaneamente, de uma residência habitual num Estado‑Membro e num país terceiro.

 

2)

Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que o interessado tem, num país terceiro, tanto vínculos pessoais como profissionais e, num Estado‑Membro, vínculos pessoais, para determinar se a residência habitual do interessado, na aceção do artigo 3.o do Regulamento n.o 1186/2009, se situa no país terceiro, há que atribuir, na apreciação global dos elementos de facto pertinentes, uma especial importância à duração da permanência da pessoa em causa nesse país terceiro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.