ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de março de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — União aduaneira e pauta aduaneira comum — Classificação pautal — Nomenclatura Combinada — Interpretação — Regras gerais — Regra 3, alínea b) — Conceito de ‘mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho’ — Embalagens separadas»

No processo C‑499/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hof van Cassatie (Bélgica), por decisão de 4 de novembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de novembro de 2014, no processo

VAD BVBA,

Johannes Josephus Maria van Aert

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, F. Biltgen, E. Levits, M. Berger e S. Rodin (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistas as observações apresentadas:

em representação da VAD BVBA, por J. Gevers, advocaat,

em representação do Governo belga, por S. Vanrie e M. Jacobs, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros e W. Roels, na qualidade de agentes,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da regra 3, alínea b), das regras gerais para a interpretação da Nomenclatura Combinada, que figuram no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.o 1214/2007 da Comissão, de 20 de setembro de 2007 (JO L 286, p. 1, a seguir «NC»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a VAD BVBA (a seguir «VAD») e o seu gerente, J. J. M. van Aert, ao Belgische Staat (Estado belga) a propósito da classificação pautal de sistemas combinados de vídeo e áudio, bem como de altifalantes.

Quadro jurídico

NC

3

A NC, instituída pelo Regulamento n.o 2658/87, baseia‑se no Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «SH»), que foi elaborado pelo Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas (OMA) e instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «Convenção sobre o SH»), celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983, e aprovada, com o seu Protocolo de alteração de 24 de junho de 1986, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO L 198, p. 1).

4

Por força do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2658/87, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 254/2000 do Conselho, de 31 de janeiro de 2000 (JO L 28, p. 16), a Comissão Europeia adotará anualmente um regulamento com a versão completa da NC e das taxas dos direitos aduaneiros, tal como resulta das medidas adotadas pelo Conselho da União Europeia ou pela Comissão. Esse regulamento é aplicável a partir de 1 de janeiro do ano seguinte.

5

A versão da NC aplicável aos factos no processo principal é a que resulta do Regulamento n.o1214/2007.

6

A NC reproduz as posições e as subposições com seis algarismos do SH, e só o sétimo e oitavo algarismos formam subdivisões que lhe são próprias.

7

A primeira parte da NC contém um conjunto de disposições preliminares. Nessa parte, sob o título I, consagrado às disposições gerais, a secção A, intitulada «Regras gerais para a interpretação da [NC]» (a seguir «regras gerais»), dispõe:

«A classificação das mercadorias na [NC] rege‑se pelas seguintes regras:

1.

Os títulos das Secções, Capítulos e Subcapítulos têm apenas valor indicativo. Para os efeitos legais, a classificação é determinada pelos textos das posições e das Notas de Secção e de Capítulo e, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e Notas, pelas Regras seguintes:

[…]

3.

Quando pareça que a mercadoria pode classificar‑se em duas ou mais posições por aplicação da regra 2, alínea b), ou por qualquer outra razão, a classificação deve efetuar‑se da forma seguinte:

a)

A posição mais específica prevalece sobre as mais genéricas. Todavia, quando duas ou mais posições se refiram, cada uma delas, a apenas uma parte das matérias constitutivas de um produto misturado ou de um artigo composto, ou a apenas um dos componentes de sortidos acondicionados para venda a retalho, tais posições devem considerar‑se, em relação a esses produtos ou artigos, como igualmente específicas, ainda que uma delas apresente uma descrição mais precisa ou completa da mercadoria.

b)

Os produtos misturados, as obras compostas de matérias diferentes ou constituídas pela reunião de artigos diferentes e as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, cuja classificação não se possa efetuar pela aplicação da Regra 3 a), classificam‑se pela matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação.

c)

Nos casos em que as Regras 3 a) e 3 b) não permitam efetuar a classificação, a mercadoria classifica‑se na posição situada em último lugar na ordem numérica, dentre as suscetíveis de validamente se tomarem em consideração.

[…]»

8

A segunda parte da NC, que contém a tabela dos direitos aduaneiros, inclui uma secção XVI, intitulada «Máquinas e aparelhos, material elétrico e suas partes; aparelhos de gravação ou de reprodução de som, aparelhos de gravação ou de reprodução de imagens e de som em televisão, e suas partes e acessórios».

9

O capítulo 85 da NC, que figura nessa secção XVI, tem o título «Máquinas, aparelhos e materiais elétricos e suas partes; aparelhos de gravação ou de reprodução de som, aparelhos de gravação ou de reprodução de imagens e de som em televisão, e suas partes e acessórios».

10

A posição 8518 da NC tem a seguinte redação:

«8518Microfones e seus suportes; altifalantes (alto‑falantes), mesmo montados nos seus recetáculos; auscultadores e auriculares, mesmo combinados com um microfone, e conjuntos ou sortidos constituídos por um microfone e um ou mais altifalantes (alto‑falantes); amplificadores elétricos de audiofrequência; aparelhos elétricos de amplificação de som;8518 10Microfones e seus suportes8518 10 30Microfones com uma gama de frequências de 300 Hz a 3,4 KHz, de diâmetro não superior a 10 mm e altura não superior a 3 mm, dos tipos utilizados em telecomunicações8518 10 95

Outras:

Altifalantes (alto‑falantes), mesmo montados nos seus recetáculos

8518 21/00Altifalante (alto‑falante) único montado no seu recetáculo8518 22/00Altifalantes (alto‑falantes) múltiplos montados no mesmo recetáculo8518 29

Outras:

[…]»

11

A posição 8521 da NC tem o seguinte teor:

«8521

Aparelhos videofónicos de gravação ou de reprodução, mesmo incorporando um recetor de sinais videofónicos:

8521 10

De fita magnética:

8521 10 20

Que utilizem fitas de largura não superior a 1,3 cm e permitam a gravação ou a reprodução com uma velocidade de passagem não superior a 50 mm por segundo

8521 10 95

Outras:

8521 90 00

outras»

Diretrizes

12

As diretrizes relativas à classificação na Nomenclatura Combinada de mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho (JO 2013, C 105, p. 1, a seguir «diretrizes»), elaboradas pela Comissão, preveem designadamente:

«Para efeitos [da regra 3, alínea b), das regras gerais], entende‑se por ‘mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho’ as mercadorias que:

a)

sejam compostas por, pelo menos, dois artigos diferentes que, a priori, poderiam ser classificados em posições diferentes;

b)

sejam compostas por produtos ou artigos apresentados em conjunto para a satisfação de uma necessidade específica ou o exercício de uma atividade determinada; e

c)

sejam acondicionadas de maneira a poderem ser vendidas diretamente aos consumidores sem reacondicionamento (por exemplo, em caixas, estojos, panóplias).

[…]

Todas as condições supramencionadas devem ser respeitadas.

[…]»

13

No que respeita mais especificamente ao requisito de que as mercadorias devem estar acondicionadas de modo a poderem ser vendidas diretamente aos utilizadores sem reacondicionamento, as diretrizes enunciam:

«1)

De acordo com esta nota e para que possam ser consideradas como um ‘sortido’, as mercadorias devem respeitar todas as condições seguintes:

a)

todos os artigos do ‘sortido’ são apresentados na mesma altura e na mesma declaração;

b)

todos os artigos são apresentados na mesma embalagem, por exemplo, uma bolsa de transporte, um saco de plástico, uma caixa ou uma rede, ou (quer estejam embalados quer não), ligados entre si, utilizando, por exemplo, fita adesiva reforçada, etc.;

c)

todos os artigos são acondicionados de maneira a poderem ser vendidos diretamente aos consumidores sem reacondicionamento.

2)

No entanto, a título de exceção ao n.o 1), alínea b), as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho podem ser apresentadas em embalagens separadas se tal se justificar, por exemplo, devido à composição dos artigos (dimensão, peso, forma, composição química), por motivos de transporte ou de segurança, desde que possam ser vendidas diretamente aos consumidores sem reacondicionamento.

Esta situação só pode ser aceite se:

As mercadorias forem apresentadas em ‘quantidades proporcionais’, por exemplo, uma mesa de refeição (de dimensões adequadas para quatro pessoas) e quatro cadeiras; por oposição a ‘quantidades desproporcionadas’ como por exemplo, três mesas de refeição (dimensões adequadas para quatro pessoas) e uma cadeira,

e

b)

As mercadorias forem apresentadas de forma a indicar claramente que integram um todo, por exemplo:

i)

as embalagens devem conter referências mútuas claras (numeração, imagens, designação comercial, etc.); ou

ii)

os documentos mencionam que as mercadorias em causa são apresentadas em embalagens separadas mas formam um todo.»

SH

14

Por força do artigo 3.o, n.o 1, da Convenção sobre o SH, cada parte contratante compromete‑se a alinhar as respetivas nomenclaturas pautais e estatísticas pelo SH, a utilizar todas as posições e subposições deste, sem aditamentos nem modificações, bem como os respetivos códigos, e a respeitar a ordem numérica do referido sistema. A mesma disposição prevê que as partes contratantes se comprometem também a aplicar as regras gerais de interpretação do SH e todas as notas de secção, de capítulo e de subposição do SH, e a não alterar a estrutura destes últimos.

15

A OMA, instituída pela Convenção internacional relativa à criação do Conselho de Cooperação Aduaneira, celebrada em Bruxelas, em 15 de dezembro de 1950, aprova, nas condições fixadas no artigo 8.o da Convenção sobre o SH, as notas explicativas adotadas pelo comité do SH, instância cuja organização é regida pelo artigo 6.o daquela Convenção.

16

Nos termos da nota explicativa relativa à regra geral 3, alínea b), para a interpretação do SH, constante das notas explicativas adotadas pelo referido comité, na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «notas explicativas do SH»):

«[…]

(VI)

Este segundo método de classificação visa apenas os casos de:

1)

os produtos misturados;

2)

as obras compostas por matérias diferentes;

3)

as obras constituídas pela reunião de artigos diferentes;

4)

as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho. Esta regra só se aplica se a regra 3 a) for inoperante.

(VII)

Nestas diversas hipóteses, a classificação das mercadorias deve ser feita em função da matéria ou do artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação.

[…]

(X)

De acordo com a presente Regra, as mercadorias que preencham, simultaneamente, as condições a seguir indicadas devem ser consideradas como ‘sortidos acondicionados para venda a retalho’:

a)

Serem compostas, pelo menos, por dois artigos diferentes que, à primeira vista, seriam suscetíveis de se incluir em posições diferentes. Não seriam, portanto, considerados sortido, na aceção desta Regra, seis garfos, por exemplo, para fondue.

b)

Serem compostas por produtos ou artigos apresentados em conjunto para a satisfação de uma necessidade específica ou exercício de uma atividade determinada,

c)

Serem acondicionadas de maneira a poderem ser vendidas diretamente aos consumidores sem reacondicionamento (por exemplo, em latas, caixas, panóplias).»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

17

Resulta da decisão de reenvio que a VAD, da qual J. J. M. van Aert é gerente, validou em 10, 11 e 23 de janeiro de 2008, enquanto comissário da alfândega, em nome próprio, mas por conta da Zicplay SA, e mediante instrução da Transmar Logistics, três declarações de importação «IM4» junto dos serviços de alfândegas competentes em Antuérpia (Bélgica), tendo em vista a introdução em livre prática e introdução no consumo de sistemas combinados de vídeo e áudio denominados «micro Z 99 DVBT» e compostos, por um lado, por um aparelho que combina leitor de DVD, ligação USB, sintonizador FM, ecrã (LCD) TFT, leitor MP3 e sintonizador TV (a seguir «combinados áudio e vídeo») e, por outro, por altifalantes desmontáveis.

18

Estas mercadorias foram desmontadas para transporte e os respetivos componentes foram declarados em separado nos modelos «IM4».

19

Os aparelhos «micro Z 99 DVBT» foram classificados em duas subposições distintas da NC, a saber, por um lado, os combinados áudio/vídeo na subposição 8518 1095 90, sujeita ao pagamento de direitos aduaneiros à taxa de 2,5%, e, por outro, os altifalantes desmontáveis na subposição 8518 2200 90 da NC, sujeita ao pagamento de direitos de importação à taxa de 4,5%.

20

Por conseguinte, os combinados áudio e vídeo e os altifalantes não foram indicados como um todo na subposição 8521 9000 90 da NC, sujeita ao pagamento de direitos de importação à taxa de 13,9%.

21

A VAD e J. J. M. van Aert foram notificados em 21 de outubro de 2011 para comparecer no correctionele rechtbank te Antwerpen (Tribunal Criminal de Primeira Instância de Antuérpia), devido à indicação de uma denominação e de uma subposição incorretas em três declarações para introdução em livre prática e introdução no consumo dos aparelhos «micro Z 99 DVBT» no território aduaneiro da União.

22

Na sua sentença de 6 de junho de 2012, o referido tribunal declarou que os combinados áudio/vídeo e os altifalantes deviam ter sido considerados um sortido de mercadorias e classificados em conjunto na posição 8521 9000 90 da NC. Condenou a VAD e J. J. M. van Aert solidariamente no pagamento de uma coima e no pagamento dos direitos de importação eludidos.

23

Na sequência de um recurso interposto dessa sentença, o hof van beroep te Antwerpen (Tribunal de Recurso de Antuérpia) confirmou essa sentença por acórdão de 11 de setembro de 2013.

24

A este respeito, esse órgão jurisdicional teve em conta, designadamente, que os combinados áudio e vídeo e os altifalantes tinham sido apresentados em conjunto na alfândega nas mesmas declarações «IM4» e que essas mercadorias formavam claramente um todo para serem comercializadas em conjunto, como resultava da respetiva documentação.

25

Ora, as mercadorias constituem, segundo o tribunal de recurso, um sortido acondicionado para venda a retalho se se demonstrar que serão disponibilizadas no comércio a retalho numa única embalagem, de modo que se destinam a ser apresentadas em conjunto no quadro desse tipo de comercialização. Seria esse o caso em apreço, como o demonstra um conjunto de elementos de facto, a saber, a importação, o transporte, a faturação, e o tratamento conjuntos das mercadorias, a circunstância de o destinatário ser idêntico, a apresentação visual do aparelho e o facto de o número de pares de altifalantes importados ser precisamente igual ao número de combinados áudio/vídeo. Assim, os combinados áudio/vídeo e os altifalantes constituem, no momento da respetiva classificação, um sortido acondicionado para venda a retalho. A circunstância de, no momento do desalfandegamento, as mercadorias não serem apresentadas numa única embalagem não afeta essa conclusão.

26

A VAD e J. J. M. van Aert interpuseram recurso de cassação desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio.

27

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, neste contexto, sobre se as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, que são apresentadas na alfândega em embalagens separadas, mas em relação às quais não subsistem dúvidas de que formam um conjunto e se destinam a ser vendidas como um todo na venda a retalho, devem ser consideradas «mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho», na aceção da regra 3, alínea b), das regras gerais, ainda que, após a declaração, esses bens sejam embalados em conjunto, para venda a retalho.

28

Nestas condições, o Hof van Cassatie (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, que sejam declaradas na alfândega em embalagens separadas, porque isso se justifica, mas em relação às quais não subsistem dúvidas de que formam um conjunto e se destinam a ser oferecidas como um todo na venda a retalho, ser consideradas mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, na aceção da [regra 3, alínea b),] das [r]egras [g]erais [...], ainda que, após a declaração, esses bens sejam embalados em conjunto, para venda a retalho?»

Quanto à questão prejudicial

29

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, e em que medida, a regra 3, alínea b), das regras gerais pode ser interpretada no sentido de que mercadorias, como as que estão em causa no processo principal, que são apresentadas para desalfandegamento em embalagens separadas e só são embaladas em conjunto após essa operação podem, contudo, ser consideradas «mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho», na aceção dessa regra, e, por conseguinte, ser abrangidas por uma única posição pautal, quando se demonstre, tendo em conta outros fatores objetivos, que essas mercadorias formam um todo e se destinam a ser apresentadas enquanto tal no comércio a retalho.

30

Importa, por isso, a título prévio, recordar que a regra 3, alínea b), das regras gerais, que regula, em especial, a classificação das mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para a venda a retalho, só se aplica se, por um lado, os produtos em causa puderem ser classificados em posições diferentes da NC e, por outro, quando a classificação não possa ser efetuada em aplicação da regra 3, alínea b), das referidas regras gerais, isto é, designadamente, quando não possa intervir segundo uma posição específica que exija prioridade relativamente às posições de alcance mais geral (v., neste sentido, acórdãos Telefunken Fernseh und Rundfunk, 163/84, EU:C:1985:396, n.os 36 e 37, e Kurcums Metal, C‑558/11, EU:C:2012:721, n.o 36).

31

Ainda que, no caso em apreço, os requisitos de aplicação da regra 3, alínea b), das regras gerais pareçam à primeira vista preenchidos no que respeita aos produtos em causa no processo principal, cabe a esse órgão jurisdicional proceder à apreciação necessária e verificar se esses produtos podem ser classificados em posições diferentes da NC de que nenhuma regra pode ser considerada a mais específica, na aceção da regra 3, alínea a), das regras gerais (v., neste sentido, acórdãos Kurcums Metal, C‑558/11, EU:C:2012:721, n.o 28, e Vario Tek, C‑178/14, EU:C:2015:152, n.o 18).

32

Quanto à questão submetida, importa sublinhar que as notas explicativas do SH, bem como as diretrizes, preveem, no que respeita à regra 3, alínea b), das regras gerais, designadamente, que só podem ser consideradas «mercadorias apresentadas em sortidos para a venda a retalho», na aceção dessa regra, as mercadorias «acondicionadas de maneira a poderem ser vendidas diretamente aos consumidores sem reacondicionamento». Ora, no caso em apreço, só após o seu desalfandegamento é que as mercadorias em causa no processo principal foram reembaladas em conjunto para serem vendidas como um todo, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, podia ter como consequência excluí‑las do conceito de «mercadorias apresentadas em sortidos para venda a retalho», conforme precisado pelas referidas notas explicativas do SH e diretrizes.

33

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que as notas explicativas elaboradas, no que respeita à NC, pela Comissão e, no que respeita ao SH, pela OMA contribuem significativamente para a interpretação do alcance das diferentes posições pautais, sem, contudo, serem juridicamente vinculativas (v., designadamente, acórdãos Digitalnet e o., C‑320/11, C‑330/11, C‑382/11 e C‑383/11, EU:C:2012:745, n.o 33, e Data I/O, C‑297/13, EU:C:2014:331, n.o 33).

34

O teor das referidas notas deve, assim, estar em conformidade com as disposições da NC e não pode modificar o seu alcance (acórdãos JVC France, C‑312/07, EU:C:2008:324, n.o 34, e Vario Tek, C‑178/14, EU:C:2015:152, n.o 22). O mesmo vale, por maioria de razão, no que respeita às diretrizes, na medida em que a Comissão precisa o alcance que, em seu entender, deve assumir o conceito de «mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho», na aceção da regra 3, alínea b), das regras gerais.

35

Assim, verifica‑se, em primeiro lugar, que não resulta, em todo o caso, da redação da regra 3, alínea b), das regras gerais nem, de resto, das notas explicativas do SH ou das diretrizes, as quais preveem certas exceções à exigência de uma embalagem única, que o conceito de «sortido», na aceção dessa regra, pressupõe necessariamente, e em todos os casos, que as mercadorias em causa sejam apresentadas na mesma embalagem para efeitos do desalfandegamento.

36

Em segundo lugar, note‑se que o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «sortido», na aceção da referida regra, implica uma conexão estreita, do ponto de vista da sua comercialização, das mercadorias em causa, de forma que sejam não apenas apresentadas em conjunto para desalfandegamento mas também normalmente oferecidas, nas diferentes fases comerciais e nomeadamente no comércio a retalho, enquanto conjunto e numa embalagem única, para satisfação de uma necessidade ou o exercício de uma determinada atividade (v., neste sentido, acórdão Telefunken Fernseh und Rundfunk, 163/84, EU:C:1985:396, n.o 35).

37

A este respeito, embora resulte, é certo, do acórdão Telefunken Fernseh und Rundfunk (163/84, EU:C:1985:396) que, para poder ser objeto de uma classificação única como «sortido de mercadorias», estas devem ser apresentadas em conjunto para efeito de desalfandegamento, não decorre, contudo, desse acórdão que, para serem qualificadas como tal, as mercadorias em causa devam obrigatoriamente sê‑lo sob a forma de uma única embalagem nessa operação. O conceito de «sortido de mercadorias» antes faz referência a uma combinação de artigos que são normalmente oferecidos, designadamente no comércio a retalho, em conjunto e numa embalagem única, para satisfação de uma necessidade ou o exercício de uma atividade determinada.

38

Assim, a embalagem única de mercadorias, ao ser apresentada na alfândega, não constitui uma condição sine qua non para considerar que formam um todo e constituem, assim, um «sortido», na aceção da regra 3, alínea b), das regras gerais, mas unicamente um indício que permite inferir essa conclusão.

39

Uma interpretação contrária do conceito de sortido permitiria, na realidade, aos importadores escolherem eles próprios, através de uma manipulação relativamente simples, como a reembalagem de uma combinação de artigos com uma fita adesiva, a classificação pautal das mercadorias em causa — como um todo ou separadamente — que lhes é mais favorável.

40

Ora, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que essa possibilidade é contrária ao princípio segundo o qual o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve residir, de um modo geral, nas suas características e propriedades objetivas e violaria, por isso, o objetivo de facilidade dos controlos aduaneiros e a segurança jurídica que deve presidir à classificação pautal das mercadorias importadas (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Kurcums Metal, C‑558/11, EU:C:2012:721, n.o 29, e Humeau Beaupréau, C‑2/13, EU:C:2014:48, n.o 45).

41

Além disso, resulta, em substância, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a determinação, ao apresentar as mercadorias em causa na alfândega, da questão de saber se essas mercadorias formam um todo ou, noutros termos, um «sortido», na aceção da regra 3, alínea b), das regras gerais, deve, afinal, ser efetuada à luz da maneira em que estas se destinam a ser oferecidas aos consumidores, a saber, se lhes são apresentadas como um conjunto (v., neste sentido, acórdão Telefunken Fernseh und Rundfunk, 163/84, EU:C:1985:396, n.o 35).

42

Por último, à semelhança do Governo belga, importa referir que a circunstância de, no processo principal, as mercadorias em causa terem sido, após o seu desalfandegamento, reembaladas em embalagens únicas não implica forçosamente que essas mercadorias não se prestavam a ser vendidas diretamente como um todo aos utilizadores sem reacondicionamento. De facto, tendo em conta as informações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece perfeitamente admissível e justificado que os combinados áudio/vídeo e os altifalantes correspondentes sejam vendidos separadamente aos utilizadores tanto em caixas separadas como numa embalagem única.

43

Daqui resulta que a circunstância de as mercadorias serem apresentadas na alfândega em embalagens separadas e só serem embaladas em conjunto após o respetivo desalfandegamento não pode, por si só, obstar a que essas mercadorias sejam qualificadas de «mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho», na aceção da regra 3, alínea b), de regras gerais, se resultar claramente, no momento do desalfandegamento, de outros fatores objetivos que essas mercadorias formam um todo e se destinam a ser vendidas enquanto tal no comércio a retalho.

44

Tais fatores objetivos podem ser deduzidos de circunstâncias como as visadas na decisão de reenvio, a saber, a importação, o transporte, a faturação e o tratamento conjuntos das mercadorias, o facto de o destinatário ser idêntico, a apresentação visual do aparelho e o facto de o número de pares de altifalantes importados ser precisamente igual ao número de combinados áudio/vídeo. Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional nacional proceder à apreciação das circunstâncias pertinentes a fim de verificar se as mercadorias em causa no processo principal podem ser consideradas como tendo sido apresentadas sob a forma de sortidos.

45

Por conseguinte, há que responder à questão submetida que a regra 3, alínea b), das regras gerais deve ser interpretada no sentido de que mercadorias, como as que estão em causa no processo principal, que são apresentadas para desalfandegamento em embalagens separadas e só são embaladas em conjunto após essa operação podem, contudo, ser consideradas «mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho», na aceção dessa regra, e, por conseguinte, ser abrangidas por uma única posição pautal, quando se demonstre, tendo em conta outros fatores objetivos, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, que essas mercadorias formam um todo e se destinam a ser apresentadas enquanto tal no comércio a retalho.

Quanto às despesas

46

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

A regra 3, alínea b), das regras gerais para a interpretação da Nomenclatura Combinada, que figuram no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.o 1214/2007 da Comissão, de 20 de setembro de 2007, deve ser interpretada no sentido de que mercadorias, como as que estão em causa no processo principal, que são apresentadas para desalfandegamento em embalagens separadas e só são embaladas em conjunto após essa operação podem, contudo, ser consideradas «mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho», na aceção dessa regra, e, por conseguinte, estar abrangidas por uma única posição pautal, quando se demonstre, tendo em conta outros fatores objetivos, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, que essas mercadorias formam um todo e se destinam a ser apresentadas enquanto tal no comércio a retalho.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.