Processo C‑376/14 PPU

C

contra

M

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court (Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Retenção ilícita — Residência habitual da criança»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de outubro de 2014

  1. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Pedido de regresso de uma criança — Deslocação da criança ocorrida em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixa a residência da criança no Estado‑Membro de origem — Obrigação do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança de verificar a sua residência habitual imediatamente antes da retenção ilícita alegada

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigos 2.°, n.o 11, e 11.°)

  2. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Conceito de «residência habitual» da criança — Critérios de apreciação — Deslocação da criança ocorrida em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixa a residência da criança no Estado‑Membro de origem — Apreciação pelo órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso, de todas as circunstâncias de facto específicas

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigos 2.°, n.o 11, 8.°, 10.° e 11.°)

  3. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Deslocação da criança ocorrida em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixa a residência da criança no Estado‑Membro de origem — Criança que ainda tem a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes da sua retenção — Retenção ilícita — Criança que já não tem a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, imediatamente antes da retenção — Decisão que julga improcedente o pedido de regresso que deve ser adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas noutro Estado‑Membro

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigo 11.o)

  1.  Os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.

    Com efeito, segundo a definição de deslocação ou de retenção ilícitas formulada no artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003 em termos muito semelhantes aos do artigo 3.o da Convenção de Haia de 1980, sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, a deslocação ou a retenção, para ser considerada ilícita na aceção do regulamento, deve ter lugar em violação de um direito de guarda conferido por uma decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção. Decorre desta definição que a existência de uma deslocação ou de uma retenção ilícitas na aceção do artigo 2.o, ponto 11, do referido regulamento pressupõe que a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção e decorra da violação do direito de guarda atribuído por força da legislação desse Estado‑Membro

    Por sua vez, o artigo 11.o, n.o 1, desse regulamento prevê que os n.os 2 a 8 do mesmo artigo são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção de Haia de 1980, a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida «num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas». Daqui resulta que não é este o caso se a criança não tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção. Consequentemente, decorre quer do artigo 2.o, ponto 11, quer do artigo 11.o°, n.o 1, do referido regulamento que este último artigo só pode ser aplicado para efeitos de procedência do pedido de regresso se a criança tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada.

    (cf. n.os 46‑49, 57, disp. 1)

  2.  Quanto ao conceito de «residência habitual», na aceção dos artigos 8.° e 10.° do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, o seu sentido e alcance devem ser determinados, nomeadamente, à luz do objetivo que resulta do considerando 12 do referido regulamento, segundo o qual as regras de competência que este estabelece são definidas em função do superior interesse da criança, em particular, do critério da proximidade.

    Por outro lado, a residência habitual da criança deve ser estabelecida pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto específicas de cada caso. A este respeito, além da presença física da criança num Estado‑Membro, outros fatores suplementares devem indicar que essa presença não tem caráter temporário ou ocasional e que a residência da criança corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.

    Para o efeito, devem nomeadamente ser tidos em conta a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o lugar e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como as relações familiares e sociais da criança no referido Estado. A intenção dos progenitores ou de um deles de se fixarem com a criança noutro Estado‑Membro, expressa por certas medidas tangíveis, como a aquisição ou a locação de uma habitação nesse Estado‑Membro, pode ser um indício da transferência da residência habitual da criança.

    Além disso, a duração de uma estada apenas pode servir de indício na avaliação de todas as circunstâncias de facto específicas do caso concreto.

    O conceito de «residência habitual» da criança que figura nos artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento n.o 2201/2003 não pode ter um conteúdo diferente do conceito de «residência habitual» constante dos artigos 8.° e 10.° do referido regulamento. Assim, cabe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso baseado na Convenção de Haia de 1980, sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, e no artigo 11.o do Regulamento n.o 2201/2003, verificar se a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas alegadas tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas do caso, seguindo os critérios de apreciação definidos referidos acima.

    Ao examinar nomeadamente as razões da estada da criança no Estado‑Membro para onde foi deslocada e a intenção do progenitor que a levou, importa ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso. Com efeito, estes elementos não militam a favor da declaração de uma transferência da residência habitual da criança.

    Tendo em conta a necessidade de assegurar a proteção do superior interesse da criança, esses elementos devem, no âmbito da avaliação de todas as circunstâncias específicas, ser ponderados com outros elementos de facto que podem demonstrar uma certa integração da criança num meio social e familiar depois da sua deslocação, em especial, o tempo decorrido entre a deslocação e a decisão judicial que revogou a decisão de primeira instância e que fixou a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem. Em contrapartida, o tempo decorrido desde essa decisão nunca deve ser tido em consideração.

    (cf. n.os 50‑56)

  3.  O Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.o desse regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção.

    Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas noutro Estado‑Membro previstas no capítulo III do mesmo regulamento.

    A este respeito, a circunstância de a residência habitual da criança ter podido mudar na sequência de uma sentença de primeira instância, durante processo de recurso, e de essa mudança ter sido constatada, se for caso disso, pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso assente na Convenção de Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, e no artigo 11.o do regulamento acima referido não pode ser invocada pelo progenitor que retém uma criança em violação de um direito de guarda para prolongar a situação de facto criada pela sua conduta ilícita e para se opor à execução da decisão proferida no Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental, que é aí executória e que foi notificada.

    Com efeito, considerar que a constatação da mudança da residência habitual da criança efetuada pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre esse pedido permite prolongar essa situação de facto e impedir a execução dessa decisão constituiria uma forma de contornar o regime estabelecido pela secção 2 do capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003 e esvaziá‑lo‑ia de sentido.

    Do mesmo modo, a interposição de um recurso da referida decisão proferida pelo Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental não pode afetar a execução dessa decisão.

    (cf. n.os 67‑69, disp. 2)


Processo C‑376/14 PPU

C

contra

M

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court (Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial urgente — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Retenção ilícita — Residência habitual da criança»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 9 de outubro de 2014

  1. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Pedido de regresso de uma criança — Deslocação da criança ocorrida em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixa a residência da criança no Estado‑Membro de origem — Obrigação do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança de verificar a sua residência habitual imediatamente antes da retenção ilícita alegada

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigos 2.°, n.o 11, e 11.°)

  2. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Conceito de «residência habitual» da criança — Critérios de apreciação — Deslocação da criança ocorrida em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixa a residência da criança no Estado‑Membro de origem — Apreciação pelo órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso, de todas as circunstâncias de facto específicas

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigos 2.°, n.o 11, 8.°, 10.° e 11.°)

  3. Cooperação judiciária em matéria civil — Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental — Regulamento n.o 2201/2003 — Deslocação da criança ocorrida em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixa a residência da criança no Estado‑Membro de origem — Criança que ainda tem a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes da sua retenção — Retenção ilícita — Criança que já não tem a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, imediatamente antes da retenção — Decisão que julga improcedente o pedido de regresso que deve ser adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas noutro Estado‑Membro

    (Regulamento n.o 2201/2003 do Conselho, artigo 11.o)

  1.  Os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso.

    Com efeito, segundo a definição de deslocação ou de retenção ilícitas formulada no artigo 2.o, ponto 11, do Regulamento n.o 2201/2003 em termos muito semelhantes aos do artigo 3.o da Convenção de Haia de 1980, sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, a deslocação ou a retenção, para ser considerada ilícita na aceção do regulamento, deve ter lugar em violação de um direito de guarda conferido por uma decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado‑Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção. Decorre desta definição que a existência de uma deslocação ou de uma retenção ilícitas na aceção do artigo 2.o, ponto 11, do referido regulamento pressupõe que a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção e decorra da violação do direito de guarda atribuído por força da legislação desse Estado‑Membro

    Por sua vez, o artigo 11.o, n.o 1, desse regulamento prevê que os n.os 2 a 8 do mesmo artigo são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado‑Membro uma decisão, baseada na Convenção de Haia de 1980, a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida «num Estado‑Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas». Daqui resulta que não é este o caso se a criança não tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da sua deslocação ou retenção. Consequentemente, decorre quer do artigo 2.o, ponto 11, quer do artigo 11.o°, n.o 1, do referido regulamento que este último artigo só pode ser aplicado para efeitos de procedência do pedido de regresso se a criança tiver a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada.

    (cf. n.os 46‑49, 57, disp. 1)

  2.  Quanto ao conceito de «residência habitual», na aceção dos artigos 8.° e 10.° do Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, o seu sentido e alcance devem ser determinados, nomeadamente, à luz do objetivo que resulta do considerando 12 do referido regulamento, segundo o qual as regras de competência que este estabelece são definidas em função do superior interesse da criança, em particular, do critério da proximidade.

    Por outro lado, a residência habitual da criança deve ser estabelecida pelo órgão jurisdicional nacional tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto específicas de cada caso. A este respeito, além da presença física da criança num Estado‑Membro, outros fatores suplementares devem indicar que essa presença não tem caráter temporário ou ocasional e que a residência da criança corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.

    Para o efeito, devem nomeadamente ser tidos em conta a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da criança, o lugar e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como as relações familiares e sociais da criança no referido Estado. A intenção dos progenitores ou de um deles de se fixarem com a criança noutro Estado‑Membro, expressa por certas medidas tangíveis, como a aquisição ou a locação de uma habitação nesse Estado‑Membro, pode ser um indício da transferência da residência habitual da criança.

    Além disso, a duração de uma estada apenas pode servir de indício na avaliação de todas as circunstâncias de facto específicas do caso concreto.

    O conceito de «residência habitual» da criança que figura nos artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento n.o 2201/2003 não pode ter um conteúdo diferente do conceito de «residência habitual» constante dos artigos 8.° e 10.° do referido regulamento. Assim, cabe ao órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso baseado na Convenção de Haia de 1980, sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, e no artigo 11.o do Regulamento n.o 2201/2003, verificar se a criança tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas alegadas tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas do caso, seguindo os critérios de apreciação definidos referidos acima.

    Ao examinar nomeadamente as razões da estada da criança no Estado‑Membro para onde foi deslocada e a intenção do progenitor que a levou, importa ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso. Com efeito, estes elementos não militam a favor da declaração de uma transferência da residência habitual da criança.

    Tendo em conta a necessidade de assegurar a proteção do superior interesse da criança, esses elementos devem, no âmbito da avaliação de todas as circunstâncias específicas, ser ponderados com outros elementos de facto que podem demonstrar uma certa integração da criança num meio social e familiar depois da sua deslocação, em especial, o tempo decorrido entre a deslocação e a decisão judicial que revogou a decisão de primeira instância e que fixou a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem. Em contrapartida, o tempo decorrido desde essa decisão nunca deve ser tido em consideração.

    (cf. n.os 50‑56)

  3.  O Regulamento n.o 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.o desse regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção.

    Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas noutro Estado‑Membro previstas no capítulo III do mesmo regulamento.

    A este respeito, a circunstância de a residência habitual da criança ter podido mudar na sequência de uma sentença de primeira instância, durante processo de recurso, e de essa mudança ter sido constatada, se for caso disso, pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso assente na Convenção de Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, e no artigo 11.o do regulamento acima referido não pode ser invocada pelo progenitor que retém uma criança em violação de um direito de guarda para prolongar a situação de facto criada pela sua conduta ilícita e para se opor à execução da decisão proferida no Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental, que é aí executória e que foi notificada.

    Com efeito, considerar que a constatação da mudança da residência habitual da criança efetuada pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se sobre esse pedido permite prolongar essa situação de facto e impedir a execução dessa decisão constituiria uma forma de contornar o regime estabelecido pela secção 2 do capítulo III do Regulamento n.o 2201/2003 e esvaziá‑lo‑ia de sentido.

    Do mesmo modo, a interposição de um recurso da referida decisão proferida pelo Estado‑Membro de origem sobre o exercício da responsabilidade parental não pode afetar a execução dessa decisão.

    (cf. n.os 67‑69, disp. 2)