ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

21 de maio de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Protocolo relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia — Artigo 12.o, segundo parágrafo — Imposto cobrado em benefício das localidades, a cargo das pessoas que dispõem ou desfrutam de uma habitação no seu território — Limite máximo — Medida social — Tomada em consideração dos vencimentos, dos salários e dos emolumentos pagos pela União Europeia aos seus funcionários e outros agentes»

No processo C‑349/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (França), por decisão de 2 de julho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de julho de 2014, no processo

Ministre délégué, chargé du budget

contra

Marlène Pazdziej,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, M. Berger e F. Biltgen (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo francês, por D. Colas e J.‑S. Pilczer, na qualidade de agentes,

em representação do Governo belga, por S. Vanrie e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por F. Clotuche‑Duvieusart, I. Martínez del Peral e W. Roels, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia, em anexo aos Tratados UE, FUE e CEEA (a seguir «Protocolo»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o ministre délégué, chargé du budget (Ministro delegado para o orçamento) a M. Pazdziej a respeito da tomada em consideração do vencimento que lhe é pago pela União Europeia tendo em vista o montante máximo da fração devida a título de imposto cobrado para benefício das coletividades territoriais, denominado «imposto sobre os imóveis de habitação», com incidência sobre das pessoas que dispõem ou desfrutam, a título privativo, de locais para habitação em França em 1 de janeiro do ano de imposição.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 12.o do Protocolo dispõe:

«Os funcionários e outros agentes da União ficam sujeitos a um imposto que incidirá sobre os vencimentos, salários e emolumentos por ela pagos e que reverterá em seu benefício, nas condições e segundo o processo estabelecido pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta às instituições interessadas.

Os funcionários e outros agentes da União ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União.»

Direito francês

4

O artigo 1414 A do code général des impôts (Código Geral dos Impostos) francês, na sua versão aplicável aos factos do processo principal, determina as seguintes modalidades de cálculo do limite máximo da fração devida a título de imposto sobre os imóveis para habitação:

«I. Os contribuintes diferentes dos referidos no artigo 1414, cujo montante dos rendimentos do ano anterior não exceda o limite previsto no ponto II do artigo 1417, beneficiam do desagravamento oficioso do imposto sobre os imóveis para habitação que incide sobre a sua habitação principal, quanto à fração do imposto a pagar que exceda 3,44% do seu rendimento, na aceção do ponto IV do artigo 1417, depois de deduzido um abatimento fixado em:

a.

5038 euros para a primeira parte do quociente familiar, acrescido de 1456 euros para as quatro primeiras metades e de 2575 euros por cada metade suplementar a contar da quinta, na França metropolitana;

[…]

II. 1. Para efeitos da aplicação do ponto I:

a.

Entende‑se por rendimento o rendimento do agregado fiscal do contribuinte em nome do qual o imposto é liquidado;

[...]»

5

O artigo 1417 do referido código precisa os limiares e o modo de cálculo do rendimento fiscal de referência:

«[...]

II. As disposições do artigo 1414 A são aplicáveis aos contribuintes cujo montante dos rendimentos do ano anterior, pelo qual é devido o imposto, não exceda a soma de 23224 euros, pela primeira parte do quociente familiar, acrescida de 5426 euros pela primeira metade e de 4270 euros a contar da segunda metade suplementar, retidos para o cálculo do imposto sobre o rendimento relativo aos referidos rendimentos [...].

[…]

IV. 1° Para efeitos da aplicação do presente artigo, entende‑se por montante dos rendimentos o montante líquido após eventual aplicação das regras de quociente definidas no artigo 163‑0 A dos rendimentos e mais‑valias considerados para efeitos da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares para o ano anterior.

Acresce a este montante:

[...]

c)

o montante dos rendimentos […] auferidos pelos funcionários das organizações internacionais […];

[...]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

6

M. Pazdziej, funcionária da União, é proprietária de uma casa em Lomme (França) com o seu companheiro, ao qual está ligada por um «pacto civil de solidariedade», na aceção do direito civil francês.

7

Considerando que, por aplicação do artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo, as remunerações que a mesma recebe da União não devem ser consideradas para o cálculo do rendimento fiscal de referência que intervém para a determinação do montante máximo do imposto sobre imóveis para habitação, liquidado para a casa que ocupa com o seu companheiro, pediu à Administração Fiscal competente o desagravamento oficioso deste imposto para o ano de 2010.

8

Por decisão de 13 de maio de 2013, o tribunal administratif de Lille (França) deferiu este pedido.

9

O ministre délégué, chargé du budget, interpôs recurso de cassação desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio. Este recorda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições do segundo parágrafo do artigo 12.o do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia exclui qualquer tributação, não só direta mas também indireta, pelos Estados‑Membros, das remunerações pagas pela União.

10

Todavia, decorre, por um lado, do acórdão Vander Zwalmen e Massart (C‑229/98, EU:C:1999:501) que estas disposições não obstam a que um benefício fiscal, que se aplica de forma não discriminatória aos agregados familiares que dispõem de rendimentos inferiores a um determinado montante, seja recusado aos agregados familiares em que um dos cônjuges é funcionário ou outro agente da União, quando a sua remuneração for superior àquele montante.

11

Por outro lado, em conformidade com o ensinamento decorrente do acórdão Bourgès‑Maunoury e Heintz (C‑558/10, EU:C:2012:418), em que estava em causa o modo de determinação do montante máximo do imposto francês de solidariedade sobre a fortuna, o artigo 12.o do Protocolo opõe‑se a que sejam tomadas em conta, quando do cálculo do montante do imposto devido, as remunerações dos funcionários e outros agentes da União.

12

Nestas condições, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O disposto no segundo parágrafo do artigo 12.o do Protocolo obsta a que seja considerada, para efeitos do cálculo do rendimento teórico de um agregado fiscal, a remuneração auferida por um funcionário ou um agente da União […], membro deste agregado fiscal, desde que essa consideração possa ter influência no montante do imposto devido por esse agregado fiscal, ou há que continuar a extrair as consequências do acórdão Vander Zwalmen e Massart (C‑229/98, EU:C:1999:501) nos casos em que, para efeitos da eventual aplicação de uma medida social de isenção do pagamento de um imposto, de concessão de uma redução da base tributável do mesmo ou, de forma mais geral, de desagravamento do imposto, a consideração dessa remuneração só tem por fim verificar se o rendimento teórico do agregado fiscal é ou não inferior ao limiar definido pelo direito fiscal nacional para a concessão do benefício — eventualmente modulado em função do rendimento teórico — desta medida social?»

Quanto à questão prejudicial

13

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que toma em consideração os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União aos seus funcionários e outros agentes para a determinação do limite máximo da fração devida a título de imposto sobre imóveis para habitação cobrado em benefício das coletividades territoriais, com vista a um desagravamento desta última.

14

Para responder a esta questão, importa recordar que o artigo 12.o do Protocolo assegura uma tributação uniforme dos referidos vencimentos, salários e emolumentos para todos os funcionários e outros agentes da União, impedindo nomeadamente que, por um lado, por efeito da cobrança de impostos nacionais diferentes, a sua remuneração efetiva varie em função da sua nacionalidade ou domicílio e que, por outro, por efeito de uma dupla tributação, essa remuneração seja onerada de modo anormal (acórdão Brouerius van Nidek, 7/74, EU:C:1974:73, n.o 11).

15

Por consequência, o direito da União consagra uma nítida distinção entre os rendimentos sujeitos ao poder das Administrações Fiscais nacionais dos Estados‑Membros e os vencimentos dos funcionários e outros agentes da União, uma vez que tais vencimentos estão exclusivamente sujeitos ao direito desta última, quanto ao seu eventual caráter tributável, enquanto os restantes rendimentos dos funcionários ficam sujeitos à tributação dos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão Humblet/Estado belga, 6/60‑IMM, EU:C:1960:48, p. 1158).

16

Daqui decorre que a isenção prevista no artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo diz apenas respeito aos impostos nacionais de natureza análoga àqueles que são cobrados pela União sobre as mesmas fontes de rendimentos (acórdão Brouerius van Nidek, 7/74, EU:C:1974:73, n.o 12).

17

Além disso, importa precisar que já foi anteriormente decidido que o artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo visa a isenção de qualquer tributação nacional baseada tanto diretamente como indiretamente nos vencimentos, salários ou emolumentos pagos pela União aos seus funcionários ou outros agentes. A referida disposição opõe‑se, portanto, a qualquer tributação nacional, sejam quais forem a sua natureza ou as suas modalidades de cobrança, que tenha por efeito onerar, direta ou indiretamente, os funcionários ou outros agentes pelo facto de estes serem beneficiários de uma remuneração paga pela União, mesmo que o imposto em causa não seja calculado proporcionalmente ao montante dessa remuneração (acórdãos Comissão/Bélgica, 260/86, EU:C:1988:91, n.o 10; Tither, C‑333/88, EU:C:1990:131, n.o 12; Kristoffersen, C‑263/91, EU:C:1993:207, n.o 14; e Vander Zwalmen e Massart, C‑229/98, EU:C:1999:501, n.o 24).

18

Assim, esta disposição proíbe que sejam tidos em conta vencimentos pagos pela União aos seus funcionários e outros agentes para determinar a taxa dos impostos devidos sobre outros rendimentos não isentos, no caso em que o direito fiscal nacional preveja um sistema de tributação progressiva. Com efeito, um funcionário será mais fortemente tributado no que respeita aos seus rendimentos privados por receber um vencimento por parte da União (v., neste sentido, acórdão Humblet/Estado belga, 6/60‑IMM, EU:C:1960:48, p. 1160).

19

Em contrapartida, o artigo 12.o do Protocolo não obriga os Estados‑Membros a concederem aos funcionários e outros agentes da União as mesmas vantagens que concedem aos beneficiários designados pelas disposições nacionais aplicáveis. Este artigo exige apenas que, quando essa pessoa se encontre sujeita a certos impostos e preencha os requisitos da legislação nacional aplicável, possa beneficiar de quaisquer vantagens fiscais normalmente facultadas aos sujeitos passivos, a fim de evitar ficar sujeita a uma carga fiscal mais elevada (acórdão Tither, C‑333/88, EU:C:1990:131, n.o 15) ou ser objeto de um tratamento discriminatório em relação aos outros contribuintes (v., neste sentido, acórdão Vander Zwalmen e Massart, C‑229/98, EU:C:1999:501, n.o 26).

20

É à luz destas considerações que há que determinar se o artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo se opõe à legislação nacional em causa no processo principal.

21

Como decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, o elemento gerador do imposto sobre imóveis para habitação é a disposição ou a fruição, a título privativo, de uma habitação numa localidade francesa, sendo a base tributável desse imposto constituída pelo valor locativo cadastral líquido e sendo a taxa de tributação determinada pelas autoridades municipais.

22

Neste contexto, o Tribunal de Justiça já decidiu que a tributação do valor locativo do alojamento de um funcionário ou de um outro agente da União reveste natureza objetiva e não apresenta vínculo jurídico algum com os vencimentos, salários e emolumentos pagos por esta (acórdão Kristoffersen, C‑263/91, EU:C:1993:207, n.o 15).

23

Daqui decorre que o imposto sobre imóveis para habitação em causa no processo principal não pode ser assimilado a um imposto baseado nos vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União aos seus funcionários e agentes.

24

A este respeito, a circunstância de o montante da fração devida a título deste imposto poder, se for o caso, variar em função do montante dos vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União não é determinante.

25

Com efeito, importa recordar que, no processo principal, não é o princípio da sujeição de um funcionário ou de um agente da União ao imposto sobre imóveis para a habitação que é objeto de debate, mas unicamente a tomada em consideração dos referidos vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União no momento do cálculo do rendimento do agregado fiscal tomado em consideração para determinar se o devedor desse imposto é suscetível de beneficiar de um limite máximo da fração devida a título deste.

26

Ora, em primeiro lugar, importa constatar que a legislação nacional em causa no processo principal não contém nenhuma disposição que impeça os funcionários e outros agentes da União de beneficiarem do desagravamento parcial do imposto sobre imóveis para habitação em condições idênticas às aplicáveis a qualquer contribuinte suscetível de beneficiar desta vantagem, desde que o rendimento fiscal de referência não ultrapasse o limiar legalmente definido.

27

Com efeito, a causa de exclusão do desagravamento parcial do imposto sobre imóveis para habitação não reside no facto de se ser funcionário ou outro agente da União que recebe um salário que ultrapassa o limiar do rendimento fiscal de referência, mas decorre da condição geral relativa ao montante dos rendimentos que dão direito ao benefício em causa, condição que se aplica de modo não discriminatório tanto aos funcionários e outros agentes da União como a qualquer sujeito passivo do Estado‑Membro em causa.

28

Em segundo lugar, importa recordar, como resulta do n.o 21 do presente acórdão, que o imposto em causa no processo principal depende, no essencial, do valor locativo do alojamento e não visa a capacidade contributiva do contribuinte nem a totalidade do seu património. Com efeito, a capacidade contributiva deste apenas é tida em conta para fins de obtenção da vantagem fiscal e não constitui sequer o próprio objeto do imposto sobre imóveis para habitação.

29

A este respeito, importa sublinhar que o mecanismo do desagravamento parcial do imposto sobre imóveis para habitação foi introduzido com vista a evitar situações de injustiça e constitui uma medida social que permite aos agregados fiscais com vencimentos modestos fazerem face às tributações municipais. Admitir uma exclusão dos vencimentos, dos salários e dos emolumentos pagos pela União com fundamento nas disposições do artigo 12.o do Protocolo conduziria, em consequência, a uma desvirtuação da medida social instituída.

30

É tendo em conta todas estas considerações que o processo principal se distingue daquele que deu origem ao acórdão Bourgès‑Maunoury e Heintz (C‑558/10, EU:C:2012:418), no qual o Tribunal de Justiça decidiu, por um lado, que a legislação relativa ao imposto de solidariedade sobre a fortuna, em causa naquele processo, apresentava uma ligação com os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União, na medida em que estes últimos são tidos em conta para a determinação da taxa final de tributação e, por outro, que esta tributação tinha por efeito onerar indiretamente os rendimentos dos funcionários e dos outros agentes da União.

31

Em face do exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que toma em consideração os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União aos seus funcionários e outros agentes para a determinação do limite máximo da fração devida a título de um imposto sobre imóveis para habitação cobrado em benefício das coletividades territoriais, com vista a um desagravamento eventual desta última.

Quanto às despesas

32

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

O artigo 12.o, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia, em anexo aos Tratados UE, FUE e CEEA, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que toma em consideração os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União Europeia aos seus funcionários e outros agentes para a determinação do limite máximo da fração devida a título de um imposto sobre imóveis para habitação cobrado em benefício das coletividades territoriais, com vista a um desagravamento eventual desta última.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.