ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

25 de fevereiro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 80/987/CEE — Aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador — Âmbito de aplicação — Créditos salariais em dívida aos marinheiros ao serviço de um navio com pavilhão de um Estado terceiro — Empregador com sede estatutária nesse Estado terceiro — Contrato de trabalho sujeito ao ordenamento jurídico desse Estado terceiro — Insolvência do empregador declarada num Estado‑Membro no qual dispõe da sua sede efetiva — Artigo 1.o, n.o 2 — Anexo, ponto II, A — Legislação nacional que prevê uma garantia dos créditos salariais em dívida aos marinheiros aplicável apenas em caso de abandono destes no estrangeiro — Nível de proteção não equivalente ao previsto pela Diretiva 80/987»

No processo C‑292/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia), por decisão de 5 de maio de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de junho de 2014, no processo

Elliniko Dimosio

contra

Stefanos Stroumpoulis,

Nikolaos Koumpanos,

Panagiotis Renieris,

Charalampos Renieris,

Ioannis Zacharias,

Dimitrios Lazarou,

Apostolos Chatzisotiriou,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J. Malenovský, M. Safjan, A. Prechal (relatora) e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo helénico, por X. Basakou, I. Kotsoni e K. Georgiadis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Russo, avvocato dello Stato,

em representação da Comissão Europeia, por M. Patakia e J. Enegren, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 24 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Elliniko Dimosio (Estado grego) a S. Stroumpoulis, N. Koumpanos, P. Renieris, C. Renieris, I. Zacharias, D. Lazarou e A. Chatzisotiriou, a respeito do prejuízo que estes últimos alegam ter sofrido em razão de uma transposição incorreta da Diretiva 80/987 para o direito interno.

Quadro jurídico

CNUDM

3

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 10 de dezembro de 1982 e que entrou em vigor em 16 de novembro de 1994 (a seguir «CNUDM»), foi ratificada pela República de Malta e pela República Helénica, respetivamente, em 20 de maio de 1993 e em 21 de julho de 1995, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 e do Acordo de 28 de julho de 1994, relativo à aplicação da parte XI da referida convenção (JO L 179, p. 1).

4

O artigo 91.o, n.o 1, da CNUDM dispõe que:

«Todo o Estado deve estabelecer os requisitos necessários para a atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registo de navios no seu território e para o direito de arvorar a sua bandeira. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar. Deve existir um vínculo substancial entre o Estado e o navio.»

5

Sob a epígrafe «Estatuto dos navios», o artigo 92.o da CNUDM enuncia, no seu n.o 1:

«Os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado e, salvo nos casos excecionais previstos expressamente em tratados internacionais ou na presente Convenção, devem submeter‑se, no alto mar, à jurisdição exclusiva desse Estado. [...]»

6

Nos termos do artigo 94.o da CNUDM, sob a epígrafe «Deveres do Estado de bandeira»:

«1.   Todo o Estado deve exercer, de modo efetivo, a sua jurisdição e seu controlo em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira.

2.   Em particular, todo o Estado deve:

[...]

b)

Exercer a sua jurisdição de conformidade com o seu direito interno sobre todo o navio que arvore a sua bandeira e sobre o capitão, os oficiais e a tripulação, em questões administrativas, técnicas e sociais que se relacionem com o navio.

[...]»

Convenção de Roma

7

O artigo 3.o, n.o 1, da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta a assinatura em Roma em 19 de junho de 1980 (JO 1980, L 266, p. 1; EE 01 F3 p. 36, a seguir «Convenção de Roma»), dispõe:

«O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. [...]»

8

O artigo 6.o da Convenção de Roma determina:

«1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 3.o, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do n.o 2 do presente artigo.

2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3.o, o contrato de trabalho é regulado:

a)

pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou

b)

se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador,

a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país.»

9

Sob a epígrafe «Âmbito de aplicação da lei do contrato», o artigo 10.o da referida Convenção dispõe, no seu n.o 1:

«A lei aplicável ao contrato por força dos artigos 3.° a 6.° e do artigo 12.o da presente Convenção, regula, nomeadamente:

a)

a sua interpretação;

b)

o cumprimento das obrigações dele decorrentes;

c)

nos limites dos poderes atribuídos ao tribunal pela respetiva lei de processo, as consequências do incumprimento total ou parcial dessas obrigações, incluindo a avaliação do dano, na medida em que esta seja regulada pela lei;

d)

as diversas causas de extinção das obrigações, bem como a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo;

e)

as consequências da invalidade do contrato.»

Diretiva 80/987

10

Tendo em conta a época em que ocorreram os factos em causa no processo principal, importa, como sublinhou acertadamente o órgão jurisdicional de reenvio, ter em consideração as disposições da Diretiva 80/987 na sua versão anterior às alterações introduzidas pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (JO L 270, p. 1). A Diretiva 80/987 foi entretanto revogada e substituída pela Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 36).

11

Os primeiro a quarto considerandos da Diretiva 80/987 enunciavam:

«Considerando que são necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade de um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade;

Considerando que subsistem diferenças entre os Estados‑Membros quanto ao alcance da proteção dos trabalhadores assalariados neste domínio; que é conveniente reduzir essas diferenças, que podem ter uma incidência direta no funcionamento do mercado comum;

Considerando que, por conseguinte, se justifica promover a aproximação das legislações sobre esta matéria numa via de progresso na aceção do artigo 117.o do Tratado;

Considerando que o mercado de trabalho da Gronelândia, em razão da sua situação geográfica e das estruturas profissionais atuais desta região, difere fundamentalmente do mercado de trabalho das outras regiões da Comunidade;».

12

O artigo 1.o desta diretiva previa:

«1.   A presente diretiva aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na aceção do n.o 1 do artigo 2.o

2.   Os Estados‑Membros podem, a título excecional, excluir do âmbito de aplicação da presente diretiva os créditos de certas categorias de trabalhadores assalariados em razão da natureza especial do contrato de trabalho ou da relação de trabalho ou em razão da existência de outras formas de garantia que assegurem aos trabalhadores assalariados uma proteção equivalente à que resulte da presente diretiva.

A lista das categorias de trabalhadores assalariados referidas no primeiro parágrafo figura em anexo.

3.   A presente diretiva não é aplicável à Gronelândia. Esta exceção será reexaminada no caso de uma evolução das estruturas profissionais desta região.»

13

A lista constante do ponto II do anexo da referida diretiva visava os «trabalhadores assalariados que beneficiam de outras formas de garantia». No que respeita à República Helénica, essa lista incluía «a tripulação de navios».

14

O artigo 2.o da Diretiva 80/987 dispunha:

«1.   Para efeito do disposto na presente diretiva, considera‑se que um empregador se encontra em estado de insolvência:

a)

Quando tenha sido instaurado um processo previsto pelas disposições legislativas, regulamentares e administrativas do Estado‑Membro interessado que incida sobre o património do empregador tendo por objetivo satisfazer coletivamente os seus credores e que permita a tomada em consideração dos créditos referidos no n.o 1 do artigo 1.o e,

b)

Que a autoridade que é competente por força das referidas disposições legislativas, regulamentares e administrativas tenha:

ou decidido a instauração do processo ou verificado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do ativo disponível para justificar a instauração do processo.

2.   A presente diretiva não prejudica o direito nacional no que se refere à definição dos termos ‘trabalhador assalariado’, ‘empregador’, ‘remuneração’, [...].»

15

O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva previa que «os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objeto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data».

16

Nos termos do artigo 5.o da referida diretiva:

«Os Estados‑Membros estabelecem as modalidades da organização do financiamento e do funcionamento das instituições de garantia observando, nomeadamente, os seguintes princípios:

[...]

b)

os empregadores devem contribuir para o financiamento, a menos que este seja assegurado integralmente pelos poderes públicos;

c)

a obrigação de pagamento das instituições existirá independentemente da execução das obrigações de contribuir para o seu financiamento.»

Direito grego

17

A Lei n.o 1836/1989 e o Decreto Presidencial n.o 1/1990 (FEK A’ 1) adotado nos termos dessa lei visam assegurar a transposição da Diretiva 80/987.

18

O artigo 29.o da Lei n.o 1220/1981, que complementa e modifica a legislação relativa ao órgão de administração do Porto do Pireu (FEK A’ 296), dispõe:

«1.   Em caso de abandono no estrangeiro de marinheiros gregos ao serviço de navios que arvorem pavilhão grego ou de navios estrangeiros associados ao Fundo de Previdência dos Marinheiros [‘Naftiko Apomachiko Tameio’], se o proprietário do navio não respeitar as disposições aplicáveis em matéria de salários e de alimentação:

a)

O Fundo de Previdência dos Marinheiros paga, a partir do seu ‘Fundo de Doença e de Desemprego’, um montante correspondente no máximo a três meses de retribuição, calculado com base nas retribuições de base e prestações em mora, nos termos em que se se encontram definidas nas convenções coletivas;

b)

Os beneficiários são repatriados ao abrigo do Fundo dos Marinheiros, nos termos das disposições aplicáveis, nomeadamente ao pagamento das despesas de viagem.

[...]

2.   O procedimento previsto no número anterior não é obrigatório para os marinheiros que pretendam manter o seu contrato, mas a perceção de despesas de repatriamento ou a aceitação do pagamento proposto determinam a resolução do contrato de trabalho do marinheiro ‘com fundamento em abandono do trabalhador embarcado no estrangeiro pelo proprietário do navio’ [...]

[...]

5.   O pagamento da prestação prevista no n.o 1 determina a extinção dos respetivos créditos decorrentes da relação de trabalho; o eventual remanescente em dívida é pago aos beneficiários pelo empregador ou por quem, com ele, seja responsável.

[...]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

Em 14 de julho de 1994, os recorridos no processo principal, marinheiros gregos residentes na Grécia, celebraram, no Pireu (Grécia), com a Panagia Malta Ltd (a seguir «Panagia Malta»), sociedade com sede estatutária em La Valette (Malta), contratos pelos quais se obrigavam a trabalhar a bordo de um navio de cruzeiro com pavilhão maltês e propriedade da referida sociedade. Esses contratos continham uma cláusula em que se previa que se regeriam pelo direito maltês.

20

Encontrando‑se imobilizado no porto do Pireu desde setembro de 1992 em razão de uma penhora, o navio deveria ter sido objeto de um fretamento durante o verão de 1994. Não tendo recebido as respetivas remunerações no período subsequente à contratação e durante o qual são considerados embarcados a aguardar o referido fretamento, que acabou por não se concretizar, os recorridos no processo principal denunciaram os contratos suprarreferidos em 15 de dezembro de 1994.

21

Pela sentença 1636/1995, o Monomeles Protodikeio Peireos (Tribunal Singular de Primeira Instância do Pireu) condenou a Panagia Malta no pagamento aos recorridos no processo principal dos montantes, acrescidos de juros, correspondentes às suas retribuições, subsídios de alimentação e subsídios de férias, bem como das indemnizações por despedimento.

22

Na sequência de novas penhoras, o navio em questão foi vendido em hasta pública em 7 de junho de 1995. Nesse mesmo ano, a Panagia Malta foi declarada insolvente pelo Polymeles Protodikeio Peireos (Tribunal Coletivo de Primeira Instância do Pireu). Embora tenham reclamado os seus créditos, os recorridos no processo principal não puderam, por insuficiência de património, beneficiar de nenhum pagamento no âmbito da referida insolvência.

23

Dirigiram‑se então à Agência para o Emprego dos Trabalhadores (Organismos Apascholisis Ergatikou Dynamikou) a fim de beneficiar da proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador. Essa proteção foi‑lhes recusada por, tratando‑se de marinheiros cobertos por outro tipo de garantias, estarem excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 80/987, não se lhes aplicando também o Decreto Presidencial n.o 1/1990.

24

Em 11 de outubro de 1999, os recorridos no processo principal intentaram uma ação no Diokitiko Protodikeio Athinon (Tribunal Administrativo de Primeira Instância de Atenas) pedindo a responsabilização do Estado grego pelo facto de não ter assegurado às tripulações marítimas, nos termos da Diretiva 80/987, o acesso a uma instituição de garantia ou, na sua falta, a uma proteção equivalente à que decorria da referida diretiva.

25

Tendo esse órgão jurisdicional julgado improcedente o seu pedido, os recorridos no processo principal interpuseram recurso dessa decisão. Pelo acórdão 1063/2005, o Dioikitiko Efeteio Athinon (Tribunal Administrativo de Segunda Instância de Atenas) anulou a referida sentença, considerando, por um lado, que a Diretiva 80/987 era aplicável no caso concreto, uma vez que a Panagia Malta exercia uma atividade comercial na Grécia, país no qual se encontrava a sua sede efetiva e que o navio em causa arvorava um pavilhão de conveniência. Por outro lado, o órgão jurisdicional de recurso entendeu que, aquando da transposição da Diretiva 80/987 para o direito nacional, o Estado grego se absteve culposamente de garantir a trabalhadores assalariados, em situação idêntica à dos recorridos no processo principal, a proteção prevista nessa diretiva. A este respeito, o referido órgão jurisdicional considerou nomeadamente que, contrariamente ao que exigia o artigo 1.o, n.o 2, da referida diretiva, o artigo 29.o da Lei n.o 1220/1981 não oferecia aos interessados uma proteção equivalente à que resulta dessa mesma diretiva.

26

O Estado grego interpôs recurso dessa sentença para o Symvoulio tis Epikrateias (Supremo Tribunal Administrativo).

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera que este recurso suscita questões de interpretação do direito da União. A esse respeito, refere‑se, designadamente, aos artigos 91.°, 92.° e 94.° da CNUDM e ao costume internacional de que estas disposições seriam reflexo, bem como ao acórdão Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453) no qual o Tribunal de Justiça decidiu designadamente que, em razão do direito internacional, um navio em princípio apenas tem uma nacionalidade, a saber, a do Estado no qual se encontra registado, de modo que um Estado‑Membro não pode tratar um navio já registado num Estado terceiro como um navio que arvore o seu pavilhão, invocando a circunstância de que esse navio apresenta um vínculo substancial com esse Estado‑Membro.

28

Foi nestas condições que o Symvoulio tis Epikrateias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Nos termos da Diretiva [80/987], os marinheiros de um Estado‑Membro que tenham prestado serviço em navios sob pavilhão de um país não pertencente à União Europeia beneficiam, no que respeita aos créditos não pagos que reclamam da companhia da navegação, que tem a sua sede estatutária no território do país terceiro mas tem a sede efetiva no território do Estado‑Membro em causa e que, com base nesta última sede, foi declarada insolvente pelos tribunais e de acordo com a lei desse Estado‑Membro, da proteção conferida por essa diretiva, à luz dos seus objetivos e independentemente de os contratos de trabalho se regerem pelo direito do país terceiro e de o Estado‑Membro não poder exigir do armador proprietário do navio, não sujeito ao seu ordenamento jurídico, uma contribuição para o financiamento do organismo de garantia?

2)

Pode[…] considerar[‑se] proteção equivalente na aceção da Diretiva [80/987] o pagamento previsto no artigo 29.o da Lei n.o 1220/1981, a cargo do Naftiko Apomachiko Tameio [Fundo de Previdência dos Marinheiros] (NAT), correspondente a um máximo de três meses das retribuições de base e dos subsídios previstos nas convenções coletivas aplicáveis a favor dos marinheiros gregos ao serviço de navios que arvorem pavilhão grego ou em navios estrangeiros subscritores de convenção com a NAT, pagamento previsto unicamente para os casos de abandono desses marinheiros no estrangeiro?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

29

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a Diretiva 80/987 deve ser interpretada no sentido de que, sem prejuízo da eventual aplicação do seu artigo 1.o, n.o 2, os marinheiros residentes num Estado‑Membro e contratados nesse Estado por uma sociedade com sede estatutária num Estado terceiro, mas cuja sede efetiva se situa no referido Estado‑Membro, para exercerem a sua atividade como trabalhadores assalariados a bordo de um navio de cruzeiro propriedade dessa sociedade e arvorando pavilhão do referido Estado terceiro, nos termos de um contrato de trabalho que designa como direito aplicável o ordenamento desse mesmo Estado terceiro, devem, após declaração de insolvência da referida sociedade por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em questão segundo o ordenamento deste último, poder beneficiar da proteção prevista na referida diretiva no que respeita aos créditos salariais em dívida que detenham relativamente a essa mesma sociedade.

30

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a Diretiva 80/987 prossegue uma finalidade social, que consiste em garantir, em caso de insolvência do empregador, um mínimo de proteção a todos os trabalhadores assalariados ao nível da União, através do pagamento de créditos não pagos emergentes de contratos ou de relações de trabalho e relativos à remuneração respeitante a um período determinado (v., designadamente, acórdãos Maso e o., C‑373/95, EU:C:1997:353, n.o 56; Walcher, C‑201/01, EU:C:2003:450, n.o 38; e Tümer, C‑311/13, EU:C:2014:2337, n.o 42). Neste contexto, o Tribunal de Justiça já salientou, em várias ocasiões, que, pela sua própria natureza, os créditos salariais se revestem de grande importância para os interessados (v., designadamente, acórdão Visciano, C‑69/08, EU:C:2009:468, n.o 44 e jurisprudência aí referida).

31

Nesta perspetiva, a Diretiva 80/987 prevê designadamente garantias específicas quanto ao pagamento de tais créditos em dívida (v. acórdão Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 3).

32

No que respeita à determinação dos beneficiários das referidas garantias, importa recordar que, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, a Diretiva 80/987 se aplica aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do seu artigo 2.o, n.o 1. O artigo 2.o, n.o 2, dessa diretiva remete para o direito nacional a determinação dos conceitos de «trabalhador assalariado» e de «empregador». Finalmente, o artigo 1.o, n.o 2, prevê que os Estados‑Membros podem, a título excecional e em certas condições, excluir do âmbito de aplicação da diretiva certas categorias de trabalhadores mencionadas no seu anexo (acórdão Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 13).

33

Como foi já declarado pelo Tribunal de Justiça, decorre destas disposições que uma pessoa é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 80/987 se, por um lado, for considerada trabalhador assalariado nos termos do direito nacional e não se verificar nenhuma das exclusões previstas no artigo 1.o, n.o 2, dessa diretiva e, por outro, se o empregador desse trabalhador se encontrar em situação de insolvência, no sentido do artigo 2.o da referida diretiva (v., neste sentido, acórdão Francovich e o., C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 14).

34

No que respeita a esta última condição, resulta dos termos do artigo 2.o, n.o 1 da Diretiva 80/987 que um tal «estado de insolvência» requer, em primeiro lugar, que as disposições legislativas, regulamentares e administrativas do Estado‑Membro em causa prevejam um processo destinado à satisfação coletiva dos credores à custa do património do empregador, em segundo lugar, que seja possível, no quadro desse processo, tomar em consideração os créditos dos trabalhadores assalariados resultantes de contratos ou de relações de trabalho, em terceiro lugar, que tenha sido pedida a instauração do processo e, em quarto lugar, que a autoridade competente nos termos das referidas disposições nacionais tenha decidido instaurar o processo ou declarar o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do ativo disponível para justificar a instauração do processo (v. acórdão Francovich, C‑479/93, EU:C:1995:372, n.o 18).

35

Por outro lado, no que respeita à qualidade de trabalhador assalariado, importa recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 80/987 deve ser interpretado à luz da sua finalidade social, recordada no n.o 30 do presente acórdão, de modo que os Estados‑Membros não podem definir o termo «trabalhador assalariado» de maneira a pôr em perigo a finalidade social da referida diretiva e que a margem de apreciação de que dispõem para este efeito é assim enquadrada pela referida finalidade social que devem respeitar (acórdão Tümer, C‑311/13, EU:C:2014:2337, n.os 42 e 43).

36

No que se refere ao processo principal, importa salientar, por um lado, que não é contestado que, segundo o direito grego, os marinheiros contratados, como os que estão em causa no processo principal, são trabalhadores assalariados.

37

Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que a Panagia Malta foi objeto de uma declaração judicial de insolvência, proferida por um tribunal grego. A referida decisão refere também que, apesar de reclamados no processo que conduziu à referida insolvência, os créditos salariais dos recorridos no processo principal não puderam ser satisfeitos por insuficiência de ativos.

38

Em face do exposto, está assente que, sem prejuízo da verificação, que constitui o objeto da segunda questão prejudicial, de que os trabalhadores em situação idêntica à dos recorridos no processo principal não estão excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 80/987, enquanto trabalhadores assalariados que beneficiam de outros meios de garantia no sentido do artigo 1.o, n.o 2, dessa diretiva, se encontram preenchidas neste caso as outras duas condições, recordadas no n.o 33 do presente acórdão, a que a Diretiva 80/987 subordina a qualidade de beneficiário da proteção aí prevista, de modo que tais trabalhadores devem, em princípio, poder beneficiar dessa proteção.

39

Contrariamente ao que alegou a Comissão Europeia, a garantia dos créditos salariais prevista pela Diretiva 80/987 deve aplicar‑se, por outro lado, quaisquer que sejam as águas marítimas (mar territorial ou zona económica exclusiva de um Estado‑Membro ou Estado terceiro ou, ainda, alto mar), nas quais o navio em que os recorridos no processo principal foram chamados a trabalhar teria afinal navegado.

40

A referida instituição crê erradamente poder deduzir dos acórdãos Mosbæk (C‑117/96, EU:C:1997:415) e Everson e Barrass (C‑198/98, EU:C:1999:617) que essa garantia apenas seria suscetível de beneficiar trabalhadores assalariados que se encontrem numa situação idêntica à dos recorridos no processo principal na condição de exercerem a sua atividade em território grego.

41

De facto, no primeiro daqueles acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que, em caso de insolvência de um empregador sediado num Estado‑Membro distinto daquele em que o trabalhador reside e exerce a sua atividade assalariada, a instituição de garantia competente para o pagamento dos créditos salariais do referido trabalhador é, em princípio, a do lugar do estabelecimento do empregador que, em regra, contribui para o financiamento da instituição (v., neste sentido, acórdão Mosbæk, C‑117/96, EU:C:1997:415, n.os 24 e 25). No segundo acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que o inverso sucedia, contudo, numa situação em que o empregador dispunha de diversos estabelecimentos em diferentes Estados‑Membros, caso em que importa, com vista a determinar qual a instituição de garantia competente, tomar como base como critério adicional, além do estabelecimento, o lugar de atividade dos trabalhadores (acórdão Everson e Barrass, C‑198/98, EU:C:1999:617, n.os 22 e 23).

42

Ora, há que observar que estes dois acórdãos, que respeitam a situações nas quais as instituições de garantia dos dois Estados‑Membros parecem a priori competentes para assegurar o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados, não são suscetíveis de fundamentar a tese defendida pela Comissão. As respostas do Tribunal de Justiça nos referidos acórdãos nada adiantam quanto à questão de saber se, quando um empregador que tem a sua sede efetiva num Estado‑Membro contratou trabalhadores que nele residem para exercerem uma atividade laboral num navio, os créditos salariais em dívida de que dispõem, no caso concreto, os referidos trabalhadores relativamente a esse empregador, encontrando‑se este em situação de insolvência, devem ou não beneficiar da proteção prevista pela Diretiva 80/987. Esta jurisprudência de nenhum modo conduz, em especial, a um dever de limitar a referida proteção em função do estatuto dos referidos espaços marítimos à luz do direito internacional.

43

Por outro lado, importa precisar, em resposta às questões formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a apreciação que figura no n.o 38 do presente acórdão não é suscetível de ser afetada por nenhuma das particularidades mencionadas pelo referido órgão jurisdicional na sua questão, respetivamente, relativas ao facto de os contratos de trabalho em causa no processo principal estarem sujeitos ao direito de um Estado terceiro, à circunstância de o navio em que os recorridos no processo principal foram chamados a trabalhar arvorar pavilhão desse Estado terceiro, ao facto de o empregador ter a sua sede estatutária nesse mesmo Estado terceiro ou, ainda, à circunstância de o Estado‑Membro em questão não estar em condições de exigir que um tal empregador contribua para o financiamento da instituição de garantia visada no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 80/987.

44

No que respeita, em primeiro lugar, à cláusula contratual em virtude da qual os contratos em causa no processo principal se encontram sujeitos ao ordenamento jurídico de um Estado terceiro, importa salientar que o pedido de pagamento do equivalente dos créditos salariais em dívida dirigido por um dos trabalhadores assalariados a uma instituição de garantia se deve distinguir do pedido apresentado por tal trabalhador contra o empregador insolvente para obter o pagamento de tais créditos (v., neste sentido, acórdão Visciano, C‑69/08, EU:C:2009:468, n.o 41).

45

Como a Comissão corretamente alegou, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, que estabelece as condições em que um Estado‑Membro garante o pagamento de créditos salariais em dívida na sequência da insolvência de um empregador, não tem por objeto regulamentar a relação contratual existente entre o trabalhador e o empregador.

46

Daqui decorre que, contrariamente ao que sustenta o Governo grego, tais condições e um tal pedido de pagamento junto de uma instituição de garantia não se integram no domínio da lei aplicável ao contrato, no sentido do artigo 10.o da Convenção de Roma.

47

Em segundo lugar, quanto à circunstância, por um lado, de o navio para o qual os recorridos foram chamados a exercer a sua atividade arvorar um pavilhão de um Estado terceiro e ao facto, por outro lado, de o empregador ter a sua sede estatutária nesse mesmo Estado terceiro, importa sublinhar, em primeiro lugar, que, tal como foi recordado nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, os critérios a que a Diretiva 80/987 subordina a qualidade de beneficiário da proteção que institui respeitam, no essencial, à qualidade de trabalhador assalariado deste último e à circunstância de o empregador ter sido objeto de um processo de satisfação coletiva dos credores por aplicação das disposições em vigor no Estado‑Membro.

48

Em contrapartida, não resulta das disposições desta diretiva, em particular do seu artigo 1.o, que delimita o seu campo de aplicação, que o lugar da sede estatutária do empregador ou o pavilhão arvorado pelo navio a bordo do qual os trabalhadores exercem a atividade devam constituir os critérios em função dos quais opera a referida delimitação.

49

Não pode, em especial, ser acolhida a argumentação do Governo grego segundo a qual se deduziria do artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 80/987, que dispõe que esta não é aplicável à Gronelândia, que a referida diretiva apenas se aplica na presença de relações de trabalho que implicam prestações de trabalho realizadas em território da União e não quando tais prestações são realizadas num navio que arvora pavilhão de um Estado terceiro.

50

De facto, esta inaplicabilidade da Diretiva 80/987 explica‑se, tal como resulta do seu quarto considerando, pelo facto de que o mercado de trabalho da Gronelândia, em razão da situação geográfica e das estruturas profissionais dessa região, diferia, à época, fundamentalmente do mercado de trabalho das outras regiões da Comunidade. Por conseguinte, não tem relevância para a questão de saber se a situação dos marinheiros residentes num Estado‑Membro, que foram contratados neste último Estado para trabalhar num navio que arvora pavilhão de um Estado terceiro, por uma sociedade com sede efetiva nesse mesmo Estado‑Membro, se integra ou não no mercado de trabalho do referido Estado‑Membro.

51

Do mesmo modo, não se pode acolher o argumento avançado pelo Governo italiano segundo o qual o facto de o primeiro considerando da Diretiva 80/987 se referir à necessidade de um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade seria suscetível de conduzir à conclusão de que os créditos salariais de que dispõem os trabalhadores relativamente a um tal empregador deveriam ser excluídos do âmbito de aplicação da proteção instituída pela referida diretiva. Basta, de facto, observar que, nas circunstâncias do processo principal recordadas no n.o 50 do presente acórdão, não se vê de modo nenhum em que é que a concessão de uma tal proteção não contribuiria para a realização desse objetivo de desenvolvimento económico e social equilibrado ou o violaria.

52

Em segundo lugar, a tese do Governo grego segundo a qual o facto de o navio em causa arvorar pavilhão de um Estado terceiro e o facto de o empregador ter a sua sede estatutária nesse mesmo Estado terceiro teriam por consequência uma situação como a que está em causa no processo principal não se integrar, em termos mais gerais, no âmbito de aplicação ratione loci do direito da União, na medida em que este não se estenderia aos Estados terceiros, também não pode ser acolhida.

53

A este respeito, importa salientar que resulta de jurisprudência constante que a mera circunstância de as atividades de um trabalhador serem exercidas fora do território da União não basta para afastar a aplicação das regras da União sobre a livre circulação dos trabalhadores, desde que a relação de trabalho mantenha um vínculo suficientemente estreito com o território da União (v., designadamente, acórdão Bakker, C‑106/11, EU:C:2012:328, n.o 28 e jurisprudência aí referida).

54

No que respeita ao processo principal, importa salientar que a relação de trabalho entre os recorridos nesse processo e o seu empregador apresenta diversas conexões com o território da União. De facto, os referidos recorridos celebraram um contrato de trabalho no território de um Estado‑Membro no qual residiam, com um empregador cuja insolvência foi, em seguida, decretada por um órgão jurisdicional do referido Estado‑Membro, pelo facto de esse empregador exercer nesse Estado uma atividade comercial e aí dispor da sua sede efetiva.

55

Ora, tratando‑se de uma garantia, como a instituída pela Diretiva 80/987, a cargo dos Estados‑Membros e tendo em conta, designadamente, a finalidade social daquela, recordada no n.o 30 do presente acórdão, tais circunstâncias traduzem a existência de um nexo suficientemente estreito entre as relações de trabalho em causa e o território da União.

56

Em terceiro lugar, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio se referiu, na sua decisão, aos artigos 91.°, 92.° e 94.° da CNUDM e ao acórdão Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453), e uma vez que o Governo grego alega que decorre dessas disposições, lidas à luz desta jurisprudência, que as mesmas seriam violadas se se interpretasse a Diretiva 80/987 no sentido de que a proteção que institui beneficia trabalhadores contratados, por uma sociedade com a sua sede estatutária num Estado terceiro, para um navio que arvora o pavilhão desse mesmo Estado terceiro, importa fazer as seguintes precisões.

57

Tendo recordado, no n.o 13 do acórdão Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453), que, em virtude do direito internacional, um navio tem em princípio apenas uma só nacionalidade, a saber, a do Estado onde se encontra registado, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 16 do referido acórdão, que não se pode considerar que um navio registado num Estado terceiro não pode ser tratado, para efeitos da aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 3094/86 do Conselho, de 7 de outubro de 1986, que prevê determinadas medidas técnicas de conservação dos recursos da pesca (JO L 288, p. 1), como um navio que tem nacionalidade de um Estado‑Membro pelo facto de apresentar uma ligação substancial com esse Estado‑Membro.

58

No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça, depois de ter salientado que a lei aplicável à atividade da tripulação não depende da nacionalidade dos seus membros mas do Estado onde o navio está registado e, no caso concreto, da zona marítima em que este se encontrava, considerou também que este artigo 6.o, n.o 1, alínea b), não pode ser aplicado ao capitão e aos restantes membros da tripulação, pelo mero facto de serem nacionais de um Estado‑Membro (v. acórdão Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, EU:C:1992:453, n.os 18 e 20).

59

Finalmente, após ter sublinhado que o referido artigo 6.o, n.o 1, alínea b), não pode ser aplicado a um navio registado num Estado terceiro, em primeiro lugar, quando se encontre em alto mar, na medida em que tal navio está, em princípio, sujeito exclusivamente à lei do seu pavilhão, em segundo lugar, quando navegue na zona económica exclusiva de um Estado‑Membro, uma vez que aí goza de liberdade de navegação, nem, em terceiro lugar, quando atravesse as águas territoriais de um Estado‑Membro, na medida em que exerce nessas águas o direito de passagem inofensiva, o Tribunal de Justiça declarou, em contrapartida, que uma tal disposição lhe pode ser aplicada quando se encontre nas águas interiores ou, mais exatamente, num porto de um Estado‑Membro, onde, em princípio, está sujeito à plena jurisdição desse Estado. (v. acórdão Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, EU:C:1992:453, n.os 22 a 29).

60

Importa, contudo, recordar que o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 3094/86 previa, quanto a certas espécies haliêuticas, que, mesmo que tivessem sido capturadas fora das águas dependentes da soberania ou da jurisdição dos Estados‑Membros, não podiam ser guardadas a bordo, transferidas para outras embarcações, desembarcadas, transportadas, armazenadas, vendidas, expostas ou postas à venda, devendo ser de imediato devolvidas ao mar.

61

Diversamente do Regulamento n.o 3094/86, a Diretiva 80/987 não visa regular uma atividade realizada por meio de um navio pela tripulação que se encontra a bordo, tal como a pesca, o armazenamento, o transporte, o desembarque ou a venda de recursos haliêuticos, mas apenas obrigar cada Estado‑Membro a garantir aos trabalhadores assalariados, designadamente aos que estiveram anteriormente ao serviço a bordo de um navio, o pagamento dos seus créditos salariais em dívida após a declaração de insolvência do empregador no referido Estado‑Membro.

62

Ora, não parece, a este respeito, que o direito internacional público comporte regras com o efeito de reservar exclusivamente ao Estado do pavilhão do navio a faculdade de instituir um tal mecanismo de garantia, designadamente excluindo a referida faculdade quanto à obrigação de um Estado em cujo território se encontra a sede efetiva da atividade do empregador cuja insolvência foi declarada por um órgão jurisdicional desse Estado.

63

Tal não é designadamente o caso dos artigos 92.°, n.o 1, e 94.°, n.os 1 e 2, alínea b), da CNUDM, aos quais se refere o órgão jurisdicional de reenvio, ou das regras consuetudinárias anteriores que aquelas disposições, sendo esse o caso, refletiriam.

64

De facto, o artigo 92.o, n.o 1, da CNUDM refere‑se à jurisdição exclusiva de que um Estado dispõe, «em alto mar», sobre os navios que arvoram o seu pavilhão.

65

Por outro lado, resulta do artigo 94.o, n.os 1 e 2, alínea b), da CNUDM que todos os Estados devem exercer de modo efetivo a sua jurisdição e o seu controlo em questões administrativas, técnicas e sociais sobre navios que arvorem a sua bandeira e que todos os Estados exercem, em particular, a sua jurisdição em conformidade com o seu direito interno sobre qualquer navio que arvore a sua bandeira, bem como sobre o seu capitão, os oficiais e a tripulação, em questões administrativas, técnicas e sociais que se relacionem com o navio.

66

Ora, importa salientar que a adoção de um mecanismo como o previsto pela Diretiva 80/987, em virtude do qual uma instituição de garantia de um Estado‑Membro assegura o pagamento dos créditos salariais em dívida de que beneficiam os marinheiros anteriormente contratados para um navio relativamente a um empregador declarado insolvente por um órgão jurisdicional do referido Estado‑Membro, não impede que o Estado do pavilhão de tal navio exerça efetivamente a sua jurisdição sobre esse navio ou sobre a sua tripulação relativamente às questões de ordem social relativas ao referido navio, como preveem as referidas disposições da CNUDM.

67

Em terceiro lugar, e no que se refere ao facto de, no caso presente, o Estado grego não estar em condições de exigir do empregador o pagamento das quotizações para o Fundo de Garantia visado no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 80/987, importa salientar, antes de mais, que a decisão de reenvio não contém explicações quanto à origem de uma tal impossibilidade.

68

Em seguida, resulta do artigo 5.o, alínea b), da Diretiva 80/987 que os empregadores devem contribuir para o financiamento das instituições de garantia, a menos que este seja assegurado integralmente pelos poderes públicos, de modo que, em virtude da própria sistemática da diretiva, o nexo suscetível de existir entre a obrigação de quotização do empregador e a intervenção do Fundo de Garantia não reveste um caráter necessário.

69

Finalmente, importa salientar que, neste caso, e tal como resulta do decisão de reenvio, é à luz do facto de a Panagia Malta ter a sua sede efetiva na Grécia que a sua insolvência pôde ser declarada por um órgão jurisdicional deste Estado‑Membro, por aplicação da sua legislação. Ora, tal como salientou o advogado‑geral no n.o 60 das suas conclusões, a mera circunstância de o Estado grego se ter, no caso concreto, quer abstido de prever na sua legislação que uma tal sociedade estaria obrigada ao pagamento de quotizações, quer de proceder de modo a que a referida sociedade respeitasse a obrigação que sobre ela impenderia em virtude da referida legislação, não pode ter por consequência privar os trabalhadores em causa da proteção instituída pela Diretiva 80/987.

70

Nesta última perspetiva importa recordar que o artigo 5.o, alínea c), da referida diretiva prevê expressamente que a obrigação de pagamento das instituições existe independentemente da execução das obrigações de contribuir para o seu financiamento.

71

Em face do exposto, há que responder à primeira questão submetida que a Diretiva 80/987 deve ser interpretada no sentido de que, sem prejuízo da eventual aplicação do artigo 1.o, n.o 2, dessa diretiva, os marinheiros residentes num Estado‑Membro e contratados nesse Estado por uma sociedade com sede estatutária num Estado terceiro, mas cuja sede efetiva se situa no referido Estado‑Membro, para exercerem a sua atividade como trabalhadores assalariados a bordo de um navio de cruzeiro propriedade dessa sociedade e arvorando pavilhão de um Estado terceiro, nos termos de um contrato de trabalho que designa como direito aplicável o ordenamento desse mesmo Estado terceiro, devem, após a declaração de insolvência da referida sociedade por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em questão segundo o ordenamento deste último, poder beneficiar da proteção prevista na referida diretiva no que respeita aos créditos salariais em dívida que detenham relativamente a essa mesma sociedade.

Quanto à segunda questão

72

Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 80/987 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de trabalhadores que se encontrem numa situação idêntica à dos recorridos no processo principal, constitui uma «proteção equivalente à que resulta [desta] diretiva», na aceção da referida disposição, uma proteção como a prevista no artigo 29.o da Lei 1220/1981 para o caso de abandono de marinheiros no estrangeiro.

73

A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 80/987, «os Estados‑Membros podem, a título excecional, excluir do âmbito de aplicação [dessa] diretiva os créditos de certas categorias de trabalhadores assalariados em razão da natureza especial do contrato de trabalho ou da relação de trabalho ou em razão da existência de outras formas de garantia que assegurem aos trabalhadores assalariados uma proteção equivalente à que resulte da presente diretiva», figurando a lista des categorias de trabalhadores assalariados em causa em anexo à referida diretiva.

74

O ponto II desta lista, relativo aos «trabalhadores assalariados que beneficiam de outras formas de garantia», inclui, no que respeita à República Helénica, a tripulação de navios.

75

Por outro lado, tal como o Tribunal de Justiça já declarou, resulta tanto da finalidade da Diretiva 80/987, que se destina a assegurar um mínimo de proteção a todos os trabalhadores, como do caráter excecional da possibilidade de exclusão, prevista no n.o 2 do artigo 1.o da mesma, que só pode ser considerada «equivalente», na aceção desta disposição, a proteção que, baseando‑se embora num sistema cujas regras diferem das que estão contidas na Diretiva 80/987, assegura aos trabalhadores as garantias essenciais definidas por esse diploma (acórdão Comissão/Grécia, C‑53/88, EU:C:1990:380, n.o 19).

76

No que respeita ao artigo 29.o da Lei n.o 1220/1981, importa salientar que, tal como sublinhado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, a proteção instituída em virtude da referida disposição apenas intervém em caso de abandono de marinheiros no estrangeiro e não, como exige a Diretiva 80/987, devido à superveniência da insolvência do empregador.

77

Ora, importa constatar, a este respeito, que um empregador se pode encontrar em situação de insolvência na aceção da Diretiva 80/987, sem que daí resulte que os marinheiros por si contratados tenham sido, por seu turno, objeto de abandono no estrangeiro, nas condições previstas pelas referidas disposições nacionais.

78

Daí decorre que, numa tal situação, que corresponde precisamente à dos trabalhadores em causa no processo principal, essas mesmas disposições não preveem o pagamento aos trabalhadores dos seus créditos em dívida, garantia que constitui todavia, como resulta designadamente do primeiro considerando da Diretiva, o seu objetivo essencial (v., neste sentido, acórdão Comissão/Grécia, C‑53/88, EU:C:1990:380, n.o 20).

79

Nestas circunstâncias, a disposição de direito nacional em questão não assegura aos trabalhadores que se encontrem numa situação como a dos recorridos no processo principal uma proteção equivalente à que resulta da Diretiva 80/987.

80

Consequentemente, há que responder à segunda questão que o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 80/987 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de trabalhadores que se encontrem numa situação idêntica à dos recorridos no processo principal, não constitui uma «proteção equivalente à que resulta [dessa] diretiva», na aceção da referida disposição, uma proteção como a prevista no artigo 29.o da Lei 1220/1981 para o caso de abandono de marinheiros no estrangeiro.

Quanto às despesas

81

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

A Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretada no sentido de que, sem prejuízo da eventual aplicação do artigo 1.o, n.o 2, dessa diretiva, os marinheiros residentes num Estado‑Membro e contratados nesse Estado por uma sociedade com sede estatutária num Estado terceiro, mas cuja sede efetiva se situa no referido Estado‑Membro, para exercerem a sua atividade como trabalhadores assalariados a bordo de um navio de cruzeiro propriedade dessa sociedade e que arvora pavilhão do referido Estado terceiro, nos termos de um contrato de trabalho que designa como direito aplicável o ordenamento desse mesmo Estado terceiro, devem, após a declaração de insolvência da referida sociedade por um órgão jurisdicional do Estado‑Membro em questão segundo o ordenamento jurídico deste último, poder beneficiar da proteção prevista pela referida diretiva no que respeita aos créditos salariais em dívida que detenham relativamente a essa mesma sociedade.

 

2)

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 80/987 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de trabalhadores que se encontrem numa situação idêntica à dos recorridos no processo principal, não constitui uma «proteção equivalente à que resulta [dessa] diretiva», na aceção da referida disposição, uma proteção como a prevista no artigo 29.o da Lei n.o 1220/1981, que complementa e altera a legislação relativa ao órgão de administração do Porto do Pireu, para o caso de abandono de marinheiros no estrangeiro.

 

Assinaturas


( *1 )   Língua do processo: grego.