ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

9 de julho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Diretiva 98/59/CE — Artigo 1.o, n.o 1, alínea a) — Despedimentos coletivos — Conceito de ‘trabalhador’ — Membro da direção de uma sociedade de capitais — Pessoa que trabalha ao abrigo de um estágio de aprendizagem e de reinserção profissional e que beneficia de uma ajuda pública à formação sem receber remuneração por parte do empregador»

No processo C‑229/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Arbeitsgericht Verden (Alemanha), por decisão de 6 de maio de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2014, no processo

Ender Balkaya

contra

Kiesel Abbruch‑ und Recycling Technik GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, S. Rodin (relator), A. Borg Barthet, E. Levits e M. Berger, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de E. Balkaya, por M. Barton, Rechtsanwalt,

em representação da Kiesel Abbruch‑ und Recycling Technik GmbH, por P. Wallenstein, Rechtsanwalt,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por M. Kellerbauer e J. Enegren, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO L 225, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe E. Balkaya à Kiesel Abbruch‑ und Recycling Technik GmbH (a seguir «Kiesel Abbruch») a respeito da legalidade de um despedimento por motivos económicos efetuado por esta última, por ocasião do encerramento de um estabelecimento, sem que tenha notificado previamente a Bundesagentur für Arbeit (Agência federal para o emprego) do projeto de despedimento coletivo.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 98/59 prevê:

«Para efeitos da aplicação da presente diretiva:

a)

Entende‑se por ‘despedimentos coletivos’ os despedimentos efetuados por um empregador, por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, quando o número de despedimentos abranger, segundo a escolha efetuada pelos Estados‑Membros:

i)

ou, num período de 30 dias:

no mínimo 10 trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente mais de 20 e menos de 100,

no mínimo 10% do número dos trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 100 e menos de 300 trabalhadores,

no mínimo 30 trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 300;

ii)

ou, num período de 20 dias, no mínimo 20 trabalhadores, qualquer que seja o número de trabalhadores habitualmente empregados nos estabelecimentos em questão;

b)

Entende‑se por ‘representantes dos trabalhadores’ os representantes dos trabalhadores previstos pela legislação ou pela prática dos Estados‑Membros.

Para o cálculo do número de despedimentos previsto no primeiro parágrafo, alínea a), são equiparadas a despedimentos as cessações do contrato de trabalho por iniciativa do empregador por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, desde que o número de despedimentos seja, pelo menos, de cinco.»

4

O artigo 3.o da Diretiva 98/59 dispõe:

«1.   O empregador deve notificar por escrito a autoridade pública competente de qualquer projeto de despedimento coletivo.

[...]

2.   O empregador deve remeter aos representantes dos trabalhadores uma cópia da notificação prevista no n.o 1.

Os representantes dos trabalhadores podem transmitir as suas eventuais observações à autoridade pública competente.»

5

O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva enuncia:

«1.   Os despedimentos coletivos, de cujo projeto tenha sido notificada a autoridade pública competente, não podem produzir efeitos antes de decorridos 30 dias após a notificação prevista no n.o 1 do artigo 3.o e devem respeitar as disposições reguladoras dos direitos individuais em matéria de aviso prévio de despedimento.

Os Estados‑Membros podem conceder à autoridade pública competente a faculdade de reduzir o prazo referido no primeiro parágrafo deste número.

2.   A autoridade pública competente aproveitará o prazo referido no n.o 1 para procurar soluções para os problemas criados pelos despedimentos coletivos previstos.»

6

Nos termos do artigo 5.o da mesma diretiva:

«A presente diretiva não prejudica a faculdade que os Estados‑Membros têm de aplicar ou de introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores ou de permitir ou promover a aplicação de disposições convencionais mais favoráveis aos trabalhadores.»

Direito alemão

7

O § 17 da Lei sobre a proteção contra os despedimentos abusivos (Kündigungsschutzgesetz, a seguir «KSchG»), que prevê a obrigação de notificação dos despedimentos coletivos, tem a seguinte redação:

«(1)   O empregador é obrigado a notificar a agência para o emprego antes de proceder ao despedimento:

1.

de mais de 5 trabalhadores nos estabelecimentos que empreguem mais de 20 e menos de 60 trabalhadores;

[...]

Durante um período de 30 dias úteis. Os despedimentos são equiparados a outras formas de cessação do contrato de trabalho ocorrida por iniciativa do empregador.

(2)   Quando um empregador pretenda proceder a despedimentos sujeitos a notificação nos termos do n.o 1, é obrigado a apresentar atempadamente todas as informações úteis ao comité da empresa e, em especial, informá‑lo por escrito sobre:

1.

as causas dos despedimentos preconizados;

2.

o número e as categorias dos trabalhadores a despedir;

3.

o número e as categorias profissionais dos trabalhadores habitualmente empregados;

4.

o período durante o qual se pretendem efetuar os despedimentos;

5.

os critérios escolhidos para a escolha dos trabalhadores a despedir;

6.

os critérios escolhidos para o cálculo de eventuais indemnizações.

[...]

(3)   O empregador é obrigado a enviar simultaneamente à agência para o emprego uma cópia da comunicação ao comité de empresa; deve incluir, pelo menos, as informações referidas no n.o 2, pontos 1 a 5.

[...]

(5)   Não são considerados trabalhadores na aceção do presente número:

1.

Nos estabelecimentos de pessoas singulares, os membros do órgão encarregado da representação legal dessa pessoa;

2.

Nas coletividades sem personalidade jurídica, as pessoas habilitadas pela lei, pelos estatutos ou pelo contrato de sociedade, a representar essa coletividade;

3.

os diretores da empresa, chefes de estabelecimento e outras pessoas que ocupem lugares de direção análogos, na medida em que estejam habilitados a tomar, eles próprios decisões, no que respeito à contratação e ao despedimento de trabalhadores.»

8

O § 6 da Lei das sociedades por quotas (Gesetz betreffend die Gesellschaft mit beschränkter Haftung, a seguir «GmbHG»), relativo ao estatuto de gerente, dispõe:

«(1)   A sociedade deve ter um ou mais gerentes.

(2)   Só pode ser gerente uma pessoa singular que goze de plena capacidade para efetuar atos jurídicos. [...]

(3)   Podem ser nomeados gerentes os sócios ou quaisquer outras pessoas. A nomeação é efetuada por contrato de sociedade ou em conformidade com as disposições do terceiro capítulo da presente lei.

[...]»

9

O § 35 da GmbHG prevê o seguinte:

«(1)   A sociedade é representada judicialmente e extrajudicialmente pelos gerentes. [...]

(2)   Se forem designados vários gerentes, só podem representar a sociedade conjuntamente salvo disposição em contrário do contrato de sociedade. [...]

[...]»

10

O § 37 da GmbHG, sob a epígrafe «Limitação dos poderes de representação», dispõe:

«(1)   Os gerentes são obrigados em relação à sociedade a respeitar os limites impostos ao seu poder de representação pelos estatutos ou, salvo disposição em contrário, pelas decisões dos sócios.

(2)   Os limites ao poder de representação dos gerentes são inoponíveis em relação a terceiros. É o que ocorre, em especial, quando a representação é limitada a certos atos ou categorias de atos jurídicos, ou em determinadas circunstâncias, ou a um certo período, ou a certos locais determinados ou ainda quando é exigido o consentimento dos sócios ou de um órgão da sociedade para determinados atos.»

11

O § 38 da GmbHG, relativo à destituição dos gerentes, dispõe:

«(1)   Os gerentes podem ser destituídos a todo o tempo sem prejuízo de um eventual direito a indemnização decorrente dos contratos existentes.

(2)   Os estatutos podem limitar a faculdade de destituição apenas a motivos graves que justifiquem essa decisão. São considerados motivos graves, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente ou a sua incapacidade para o exercício normal dos negócios da sociedade.»

12

O § 43 da GmbHG, relativo à responsabilidade dos gerentes, prevê:

«(1)   Os gerentes devem conduzir os negócios da sociedade com a diligência de um comerciante prudente.

(2)   Os gerentes que violarem as suas obrigações são solidariamente responsáveis em relação à sociedade pelos prejuízos que lhe causarem.

[...]»

13

O § 46 da GmbHG, sob a epígrafe «Competência dos sócios», tem a seguinte redação:

«Estão sujeitas a decisão dos sócios:

1.

o apuramento das contas anuais e a aplicação do resultado;

1a.

a decisão sobre a publicação das previsões financeiras segundo os padrões internacionais de prestação de contas [...] e sobre a aprovação das contas anuais efetuadas pelos gerentes;

1b.

a aprovação de um balanço consolidado do grupo efetuado pelos gerentes;

2.

o pagamento da liberação das entradas;

3.

o reembolso de pagamentos suplementares;

4.

a divisão, reunião assim como a amortização das quotas;

5.

a nomeação e a cessação de funções dos gerentes, bem como as suas quitações;

6.

as medidas de fiscalização e de supervisão da gerência;

7.

a nomeação dos procuradores e das pessoas habilitadas para dirigir a condução do negócios, e efetuar atos por conta da sociedade;

8.

a propositura de ações de indemnização da sociedade contra gerentes ou sócios, devido à constituição da sociedade ou da sua gestão, bem como a representação da sociedade nos processos com os gerentes.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14

A Kiesel Abbruch, uma sociedade por quotas de direito alemão, contratou E. Balkaya, a partir de 11 de abril de 2011, como técnico. Este trabalhou dentro da empresa e também junto da clientela.

15

A Kiesel Abbruch, com efeitos a contar de 15 de fevereiro de 2013, pôs termo a todos os contratos de trabalho dos seus assalariados, entre os quais E. Balkaya, e cessou todas as suas atividades que se tornaram deficitárias em Achim (Alemanha). O despedimento de E. Balkaya foi‑lhe notificado por carta de 7 de janeiro de 2013.

16

É ponto assente que a Kiesel Abbruch não notificou a Bundesagentur für Arbeit do projeto de despedimento coletivo antes de proceder ao despedimento de E. Balkaya.

17

E. Balkaya invoca esta omissão para contestar a validade do seu despedimento no órgão jurisdicional de reenvio, alegando que, sendo o número de trabalhadores habitualmente empregados pela Kiesel Abbruch no seu estabelecimento de Achim superior ao limite de 20 pessoas previsto no § 17, n.o 1, ponto 1, da KSchG, aquela sociedade era obrigada, nos termos desta disposição, a proceder a essa notificação antes de o despedir.

18

Como resulta da decisão de reenvio, não foi contestado que 18 pessoas, entre as quais E. Balkaya, faziam parte dos trabalhadores habitualmente empregados pela Kiesel Abbruch no referido estabelecimento na data em que o despedimento foi proferido.

19

Em contrapartida, as partes no processo principal não estão de acordo quanto à questão de saber se, além disso, há que deduzir dessa categoria, para determinar se o limite de 20 pessoas previsto no § 17, n.o 1, ponto 1, da KSchG foi atingido, três outras pessoas que também eram empregadas da Kiesel Abbruch.

20

Em primeiro lugar, trata‑se do Sr. S., que foi empregado como construtor e que ele próprio rescindiu o seu contrato de trabalho com efeitos a partir de 7 de dezembro de 2012.

21

Em segundo lugar, a Kiesel Abbruch empregava, na data dos despedimentos que proferiu, o Sr. L., na qualidade de gerente. Este último não possuía nenhuma participação social da Kiesel Abbruch e só estava habilitado a representá‑la conjuntamente com outro gerente.

22

Em terceiro lugar, nessa mesma data, a Kiesel Abbruch empregava a Sra. S., que aí seguia uma formação de reciclagem profissional com as funções de assistente burótica financiada pelo Jobcenter im Landkreis Diepholz (Repartição pública do emprego de Diepholz) Era‑lhe paga diretamente pela Bundesagentur für Arbeit uma ajuda financeira, que equivalia à totalidade da remuneração a pagar à Sra. S., em contrapartida da sua atividade no âmbito da formação.

23

Resulta da decisão do órgão jurisdicional de reenvio que este considerou provado que o Sr. S. faz parte da categoria dos trabalhadores habitualmente empregados que devem ser tomados em consideração em conformidade com o § 17, n.o 1, ponto 1, da KSchG, disposição pela qual foi transposto o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 para o direito alemão. Por conseguinte, é um facto que 19 trabalhadores pertencem a essa categoria.

24

Assim sendo, coloca‑se a questão de saber se há que incluir também na categoria dos trabalhadores empregados, na aceção dessas disposições, um gerente, como o Sr. L., e uma pessoa que faz uma formação de reciclagem profissional, como a Sra. S., de modo que, no processo principal, mais de 20 trabalhadores estiveram habitualmente empregados pela sociedade Kiesel Abbruch no seu estabelecimento na data do despedimento em causa.

25

A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa, em primeiro lugar, no que diz respeito ao Sr. L., que, segundo o § 17, n.o 5, ponto 1, da KSchG, não são considerados trabalhadores ou assalariados na aceção desta disposição os membros do órgão de uma pessoa coletiva encarregado da representação legal dessa pessoa. O grupo mais importante em número é o dos gerentes das sociedades por quotas («Gesellschaften mit beschränkter Haftung»).

26

Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, a respeito das relações entre o gerente e uma tal sociedade, que o direito alemão distingue de forma estrita o estatuto do gerente enquanto órgão, por um lado, dos direitos e deveres do gerente em relação a essa sociedade, por outro. Enquanto a aquisição desse estatuto resulta da nomeação do gerente pela assembleia de sócios, o órgão mais importante dessa sociedade, os direitos e deveres do gerente em relação à mesma sociedade são regidos pelo contrato de gerência. Este contrato é um contrato de prestação de serviços que assume a forma de um contrato de gestão de negócios e não constitui, segundo a jurisprudência alemã dominante, um contrato de trabalho.

27

Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em especial, quanto à interpretação do critério, que resulta do acórdão Danosa (C‑232/09, EU:C:2010:674) relativo a um membro do comité de direção de uma sociedade, estabelecido para determinar a qualidade de trabalhador na aceção do direito da União, do exercício de uma atividade sob a direção ou o controlo de um outro órgão de tal sociedade.

28

Em segundo lugar, no que diz respeito a uma pessoa como a Sra S., qualificada de «estagiária», que exerce uma atividade prática numa empresa para adquirir ou aprofundar conhecimentos ou faz uma formação profissional, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, enquanto, habitualmente, a formação profissional reconhecida dá origem à celebração de um contrato entre a empresa formadora e o formando e ao pagamento de uma remuneração por essa empresa, a formação dada à Sra. S. não foi objeto de tal contrato e a Kiesel Abbruch não lhe pagou remuneração.

29

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto aos critérios pertinentes para apreciar se as pessoas que fazem essas formações profissionais ou esses estágios são trabalhadores, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59, e, designadamente, quanto à pertinência a esse respeito da circunstância de ser paga diretamente uma remuneração pelo empregador.

30

Nestas condições, o Arbeitsgericht Verden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Pode o direito da União aplicável, em especial o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [98/59], ser interpretado no sentido de que se opõe às normas ou práticas legais nacionais que, no cálculo do número de trabalhadores previsto nessa disposição, não tomam em consideração um membro da direção de uma sociedade de capitais, mesmo que este exerça a sua atividade sob direção e controlo de outro órgão desta sociedade, receba em contrapartida uma remuneração e não detenha [participações sociais] na sociedade?

2)

Pode o direito da União aplicável, em especial o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [98/59], ser interpretado no sentido de que esta obriga a que, no cálculo do número de trabalhadores aí previsto, estejam igualmente incluídas as pessoas que, não recebendo remuneração da entidade empregadora, sejam porém financeiramente apoiadas e reconhecidas pelas autoridades públicas responsáveis pela promoção do emprego, e que, na prática, trabalhem para adquirir ou aprofundar conhecimentos ou para concluir uma formação profissional (‘estagiário’), ou é deixada ao critério dos Estados‑Membros a fixação de normas ou práticas legais?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

31

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou prática nacional que não tem em consideração, no cálculo do número de empregados previsto por essa disposição, um membro da direção de uma sociedade de capitais, como o que está em causa no processo principal, que exerce a sua atividade sob a direção e o controlo de um outro órgão dessa sociedade, recebe em contrapartida da sua atividade uma remuneração e que não possui ele próprio nenhuma participação social na referida sociedade.

32

A fim de responder a esta questão, há que recordar, antes de mais, que, ao harmonizar as regras aplicáveis aos despedimentos coletivos, o legislador da União pretendeu, simultaneamente, assegurar uma proteção comparável dos direitos dos trabalhadores nos diferentes Estados‑Membros e aproximar os encargos que ocasionam estas regras de proteção para as empresas da União Europeia (v., designadamente, acórdãos Comissão/Portugal, C‑55/02, EU:C:2004:605, n.o 48, e Comissão/Itália, C‑596/12, EU:C:2014:77, n.o 16).

33

Por conseguinte, contrariamente ao que sustenta a Kiesel Abbruch, o conceito de «trabalhador», referido no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59, não pode ser definido por uma remissão para as legislações dos Estados‑Membros, mas deve ser interpretado de forma autónoma e uniforme na ordem jurídica da União (v., por analogia, acórdão Comissão/Portugal, C‑55/02, EU:C:2004:605, n.o 49). Se assim não fosse, as modalidades de cálculo dos limiares nele previstos, e, portanto, esses mesmos limiares, estariam à disposição dos Estados‑Membros, o que permitiria que estes últimos alterassem o âmbito de aplicação da referida diretiva e a privassem do seu efeito útil (v., neste sentido, acórdão Confédération générale du travail e o., C‑385/05, EU:C:2007:37, n.o 47).

34

Resulta, em seguida, de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o referido conceito de «trabalhador» deve ser definido segundo critérios objetivos que caracterizem a relação de trabalho tendo em consideração os direitos e os deveres das pessoas em causa. Neste contexto, a característica essencial da relação de trabalho é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v. acórdão Comissão/Itália, C‑596/12, EU:C:2014:77, n.o 17, que remete, por analogia, para o acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 39).

35

A este respeito, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio sublinha o facto de que a relação de emprego de um gerente como o que está em causa no processo principal é regida, designadamente, por um contrato de gerência, que não constitui, segundo a jurisprudência alemã, um contrato de trabalho, deve ser recordado, em primeiro lugar, que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a natureza da relação de emprego à luz do direito nacional não pode ter nenhumas consequências quanto à qualidade de trabalhador na aceção do direito da União (v., neste sentido, acórdão Kiiski, C‑116/06, EU:C:2007:536, n.o 26 e jurisprudência referida).

36

Daqui resulta que, na medida em que uma pessoa preencha as condições enumeradas no n.o 34 do presente acórdão, a natureza do vínculo jurídico que a liga à outra parte da relação de trabalho não é importante para a aplicação da Diretiva 98/59 (v., por analogia, acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 40).

37

Em segundo lugar, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, designadamente, quanto à existência no processo principal de um vínculo de subordinação, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de trabalhador, devido ao grau de dependência ou de subordinação de um gerente, como o que está em causa no processo principal, ser de menor intensidade do que o de um trabalhador na aceção habitual do direito alemão, há que salientar que a existência desse vínculo de subordinação deve ser apreciado em função de todas as circunstâncias que caracterizam as relações entre as partes (v., neste sentido, acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 46).

38

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, aplicável no contexto da Diretiva 98/59, que o facto de uma pessoa ter a qualidade de membro de um órgão dirigente de uma sociedade de capitais não pode, como tal, excluir que essa pessoa tenha um vínculo de subordinação em relação a essa sociedade (v., neste sentido, acórdãos Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 47, e Comissão/Itália, C‑596/12, EU:C:2014:77, n.os 14, 17 e 18). Importa, com efeito, examinar as condições em que o membro da direção foi recrutado, a natureza das funções que lhe foram confiadas, o quadro em que estas últimas são exercidas, a extensão dos poderes do interessado e o controlo de que é objeto na sociedade, bem como as circunstâncias em que pode ser destituído (v. acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 47).

39

Assim, o tribunal de Justiça já declarou que um membro de um comité de direção de uma sociedade de capitais, que fornece, em contrapartida de uma remuneração, prestações à sociedade que o nomeou e de que faz parte integrante, que exerça a sua atividade sob a direção e o controlo de um outro órgão dessa sociedade e que possa, em qualquer momento, ser destituído das suas funções sem restrições preenche os requisitos para ser qualificado de trabalhador na aceção do direito da União (v., neste sentido, acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.os 51 e 56).

40

No caso em apreço, há que salientar que resulta da decisão de reenvio que um dirigente de uma sociedade de capitais, como o que está em causa no processo principal, foi nomeado pela assembleia dos sócios dessa sociedade, a qual pode revogar o seu mandato em qualquer altura contra a vontade do dirigente. Além disso, aquele está, no exercício da sua atividade, sujeito à direção e ao controlo do referido órgão, bem como, designadamente, às prescrições e às limitações que lhes são impostas para esse efeito. Além disso, sem que esse elemento seja só por si decisivo nesse contexto, há que observar que um dirigente como o que está em causa no processo principal não possui nenhuma participação social na sociedade em que exerce as suas funções.

41

Nestas circunstâncias, há que declarar que, mesmo que esse membro da direção de uma sociedade de capitais disponha de uma margem de discricionariedade no exercício das suas funções que ultrapassa, designadamente, a de um trabalhador na aceção do direito alemão, ao qual podem ser atribuídas pelo seu empregador, como observou o órgão jurisdicional nacional, em pormenor, as tarefas que deve realizar e a maneira como estas devem ser realizadas, não há dúvidas que tem um vínculo de subordinação em relação a essa sociedade na aceção da jurisprudência referida nos n.os 38 e 39 do presente acórdão (v., neste sentido, acórdão Danosa, C‑232/09, EU:C:2010:674, n.os 49 a 51).

42

Além disso, é ponto assente que um dirigente como o que está em causa no processo principal recebe uma remuneração em contrapartida da sua atividade.

43

Tendo em conta as considerações expostas, há que declarar que um membro da direção de uma sociedade de capitais, como o que está em causa no processo principal, deve ser qualificado de «trabalhador» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 e, por conseguinte, ser tido em conta no cálculo dos limiares que nele são previstos.

44

Esta interpretação é, aliás, corroborada pela finalidade desta diretiva que visa, como decorre do seu considerando 2, reforçar a proteção dos trabalhadores em caso de despedimentos coletivos. Em conformidade com este objetivo, não se pode dar uma definição estrita dos conceitos que definem o âmbito de aplicação da referida diretiva, incluindo o conceito de «trabalhador» que figura no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da mesma diretiva (v., neste sentido, acórdãos Athinaïki Chartopoiïa, C‑270/05, EU:C:2007:101, n.os 25 e 26, e, por analogia, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 22).

45

Por último, deve ser rejeitada a argumentação da Kiesel Abbruch e do Governo estónio segundo a qual um gerente como o que está em causa no processo principal não tem necessidade da proteção concedida pela Diretiva 98/59 em caso de despedimentos coletivos.

46

A este respeito, há que salientar, por um lado, que nada indica que um trabalhador, membro da direção de uma sociedade de capitais, em especial de uma sociedade de pequena ou média dimensão como a que está em casa no processo principal, esteja necessariamente numa situação diferente da de outras pessoas empregadas por essa sociedade no que diz respeito à necessidade de atenuar as consequências do seu despedimento e, designadamente, de notificar, para esse efeito, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva, a autoridade pública competente que deve estar em situação de procurar resolver os problemas causados por todos os despedimentos considerados (v., neste sentido, acórdãos Junk, C‑188/03, EU:C:2005:59, n.o 48, e Claes e o., C‑235/10 a C‑239/10, EU:C:2011:119, n.o 56).

47

Por outro lado, cumpre salientar que uma regulamentação ou uma prática nacional, como a que está em causa no processo nacional, que não toma em consideração os membros da direção de uma sociedade de capitais para o cálculo do número de trabalhadores empregados previsto artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 é suscetível não só de afetar a proteção concedida por esta diretiva a esses membros, mas sobretudo de privar todos os trabalhadores empregados por determinadas empresas, que dispõem habitualmente de mais de 20 trabalhadores, dos direitos facultados pela referida diretiva e, por esse facto, prejudicar o efeito útil da mesma (v., neste sentido, acórdão Confédération générale du travail e o., C‑385/05, EU:C:2007:37, n.o 48).

48

Tendo em conta todas as considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional que não toma em consideração, no cálculo do número de trabalhadores empregados previsto por essa disposição, um membro da direção de uma sociedade de capitais, como o que está em causa no processo principal, que exerce a sua atividade sob a direção e sob o controlo de um órgão dessa sociedade, que recebe em contrapartida da sua atividade uma remuneração e que não possui ele próprio nenhuma participação social na referida sociedade.

Quanto à segunda questão

49

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio, pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa, como a que está em causa no processo principal, que exerce uma atividade prática numa empresa sob a forma de um estágio, sem receber uma remuneração do seu empregador, mas que beneficia de um auxílio financeiro do organismo encarregado da promoção do trabalho para essa atividade, reconhecida por esse organismo, a fim de adquirir ou aprofundar conhecimentos ou de fazer uma formação profissional, deve ser considerada como tendo a qualidade de trabalhador na aceção dessa disposição.

50

A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que decorre da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que o conceito de trabalhador no direito da União abrange as pessoas que fazem um estágio ou períodos de aprendizagem de uma profissão que podem ser considerados uma preparação prática ligada ao próprio exercício da profissão em causa, quando os referidos períodos sejam efetuados nas condições de uma atividade assalariada real e efetiva, a favor e sob a direção de um empregador. O Tribunal de Justiça precisou que esta conclusão não pode ser infirmada pela circunstância de a produtividade do interessado ser reduzida, de ele não realizar uma tarefa completa e, portanto, apenas efetuar um reduzido número de horas de trabalho por semana e, consequentemente, apenas auferir uma remuneração limitada (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Lawrie‑Blum, 66/85, EU:C:1986:284, n.os 19 a 21; Bernini, C‑3/90, EU:C:1992:89, n.os 15 e 16; Kurz, C‑188/00, EU:C:2002:694, n.os 33 e 34; e Kranemann, C‑109/04, EU:C:2005:187, n.o 13).

51

Em segundo lugar, decorre também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que nem o contexto jurídico da relação laboral no direito nacional no âmbito da qual é efetuada uma formação profissional ou um estágio nem a origem dos recursos destinados à remuneração do interessado e, especialmente, como no caso em apreço, o financiamento da remuneração através de subvenções públicas podem ter quaisquer consequências quanto ao reconhecimento ou não de uma pessoa como trabalhador (v., neste sentido, designadamente, acórdãos Bettray, 344/87, EU:C:1989:226, n.os 15 e 16; Birden, C‑1/97, EU:C:1998:568, n.o 28; e Kurz, C‑188/00, EU:C:2002:694, n.o 34).

52

Nestas circunstâncias, e tendo em conta as considerações expostas, em especial, nos n.os 33, 34 e 44 do presente acórdão, há que responder à segunda questão que o artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa, como a que está em causa no processo principal, que exerce uma atividade prática numa empresa sob a forma de um estágio, sem receber uma remuneração do seu empregador, mas que beneficia de um auxílio financeiro do organismo encarregado da promoção do trabalho para essa atividade, reconhecida por esse organismo, a fim de adquirir ou de aprofundar conhecimentos ou de fazer uma formação profissional deve ser considerada como tendo a qualidade de trabalhador na aceção dessa disposição.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

 

1)

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional que não toma em consideração, no cálculo do número de trabalhadores empregados previsto por essa disposição, um membro da direção de uma sociedade de capitais, como o que está em causa no processo principal, que exerce a sua atividade sob a direção e sob o controlo de um órgão dessa sociedade, que recebe em contrapartida da sua atividade uma remuneração e que não possui ele próprio nenhuma participação social na referida sociedade.

 

2)

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa, como a que está em causa no processo principal, que exerce uma atividade prática numa empresa sob a forma de um estágio, sem receber uma remuneração do seu empregador, mas que beneficia de um auxílio financeiro do organismo encarregado da promoção do trabalho para essa atividade, reconhecida por esse organismo, a fim de adquirir ou de aprofundar conhecimentos ou de fazer uma formação profissional deve ser considerada como tendo a qualidade de trabalhador na aceção dessa disposição.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.