Processo C‑74/14

«Eturas» UAB e o.

contra

Lietuvos Respublikos konkurencijos taryba

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas)

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Agências de viagens que utilizam um sistema informatizado comum de ofertas de viagens — Limitação automática das taxas de descontos nas compras de viagens em linha — Mensagem do administrador do sistema relativa à referida limitação — Acordo tácito que pode ser qualificado de prática concertada — Elementos constitutivos de um acordo e de uma prática concertada — Apreciação das provas e nível da prova exigido — Autonomia processual dos Estados‑Membros — Princípio da efetividade — Presunção de inocência»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 21 de janeiro de 2016

  1. Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Prova da existência da prática concertada — Troca de informações entre os concorrentes — Inexistência de procedimentos no direito da União — Aplicação do direito nacional — Requisito — Respeito dos princípios da equivalência e da efetividade — Prova apresentada por um determinado número de indícios e de coincidências que atestam a existência e a duração de um comportamento anticoncorrencial continuado

    (Artigo 101.o, n.o 1, TFUE; Regulamento n.o 1/2003, artigo 2.o)

  2. Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Conceito — Coordenação e cooperação incompatíveis com a obrigação que incumbe a cada empresa de determinar de maneira autónoma o seu comportamento no mercado — Troca de informações entre concorrentes — Presunção de utilização das informações para determinar o comportamento no mercado

    (Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)

  3. Acordos, decisões e práticas concertadas — Participação de uma empresa em reuniões que tinham um objeto anticoncorrencial — Caráter suficiente, para que a empresa incorra em responsabilidade, de uma aprovação tácita sem distanciação pública nem denúncia às autoridades competentes

    (Artigo 101.o, n.o 1, TFUE)

  4. Direito da União Europeia — Princípios — Direitos fundamentais — Presunção de inocência — Processo em matéria de concorrência — Aplicabilidade

    (Artigo 101.o TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.o, n.o 1)

  5. Acordos, decisões e práticas concertadas — Prática concertada — Trocas de informações entre concorrentes — Agências de viagens que participam no sistema informático de ofertas de viagens — Mensagem do administrador do sistema advertindo essas agências de uma limitação automática das taxas de desconto aplicáveis às aquisições de viagens em linha — Presunção de participação na prática concertada — Possibilidade de a ilidir — Aplicação do direito nacional — Insuficiência probatória à luz do princípio da presunção de inocência do simples envio da mensagem.

    (Artigo 101.o, n.o 1, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.o, n.o 1)

  1.  No direito da concorrência da União, embora o artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003 reja expressamente a atribuição do ónus da prova, esse regulamento não contém disposições relativas aos aspetos processuais mais específicos. Assim, o referido regulamento não contém, nomeadamente, disposições relativas aos princípios que regulam a apreciação das provas e o nível da prova exigido no âmbito de um processo nacional de aplicação do artigo 101.o TFUE. Esta conclusão é corroborada pelo considerando 5 do Regulamento n.o 1/2003, que prevê expressamente que esse regulamento não afeta as regras nacionais relativas ao nível da prova exigido.

    Ora, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer essas regras, por força do princípio da autonomia processual.

    Neste contexto, a resposta à questão de saber se o simples envio de uma mensagem advertindo que os descontos relativos aos produtos vendidos através de um sistema de informação destinado a permitir às agências de viagens venderem viagens no seu sítio Internet, passarão a ser limitados e, na sequência da sua difusão, o sistema em causa sofre as alterações técnicas necessárias para aplicar essa medida, pode, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço, constituir uma prova suficiente para determinar que os seus destinatários tinham ou deviam necessariamente ter conhecimento do seu conteúdo não decorre do conceito de «prática concertada» nem sequer lhe está intrinsecamente ligado. Com efeito, deve considerar‑se que uma questão dessa natureza está relacionada com a apreciação das provas e o nível da prova exigido, de modo que, nos termos do princípio da autonomia processual, e sem prejuízo dos princípios da equivalência e da efetividade, se insere no âmbito do direito nacional. A este respeito, o princípio da efetividade exige que a prova de uma violação do direito da concorrência da União possa ser feita não apenas através de provas diretas mas também através de indícios, desde que estes sejam objetivos e concordantes.

    (cf. n.os 26, 30‑37)

  2.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 27, 33)

  3.  V. texto da decisão.

    (cf. n.o 28)

  4.  V. texto da decisão.

    (cf. n.o 38)

  5.  O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, quando o administrador de um sistema de informação destinado a permitir às agências de viagens venderem viagens no seu sítio Internet, segundo um método de reservas uniforme, envia a esses operadores económicos, através de uma caixa de correio eletrónica pessoal, uma mensagem advertindo‑os de que os descontos relativos aos produtos vendidos através desse sistema passarão a ser limitados e, na sequência da difusão desta mensagem, o sistema em causa sofre as alterações técnicas necessárias para aplicar essa medida, se pode presumir que, a partir do momento em que tiveram conhecimento da mensagem enviada pelo administrador do sistema, os referidos operadores participaram numa prática concertada na aceção da referida disposição, se não se distanciaram publicamente dessa prática, não a denunciaram às entidades administrativas ou não apresentaram outras provas para ilidir esta presunção, como a prova de uma aplicação sistemática de um desconto superior à limitação em causa.

    Cabe ao órgão jurisdicional nacional examinar, com base nas regras nacionais que regulam a apreciação das provas e o nível da prova exigido, se, à luz de todas as circunstâncias que lhe são submetidas, o envio de uma mensagem pode constituir uma prova suficiente para determinar que os seus destinatários tinham conhecimento do seu conteúdo. A presunção de inocência opõe‑se a que o órgão jurisdicional nacional considere que o simples envio dessa mensagem possa constituir uma prova suficiente para demonstrar que os seus destinatários deviam necessariamente ter conhecimento do seu conteúdo.

    (cf. n.os 39, 40, 41, 43‑47, 50 e disp.)