ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

6 de outubro de 2015 ( * )

«Recurso de anulação — Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar — Tribunal Internacional do Direito do Mar — Pesca ilegal, não declarada e não regulamentada — Processo de parecer consultivo — Apresentação pela Comissão Europeia de observações escritas em nome da União Europeia — Falta de aprovação prévia do conteúdo dessas observações pelo Conselho da União Europeia — Artigos 13.°, n.o 2, TUE, 16.° TUE e 17.°, n.o 1, TUE — Artigos 218.°, n.o 9, TFUE e 335.° TFUE — Representação da União Europeia — Princípios da atribuição de competências e do equilíbrio institucional — Princípio da cooperação leal»

No processo C‑73/14,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 10 de fevereiro de 2014,

Conselho da União Europeia, representado por A. Westerhof Löfflerová, E. Finnegan e R. Liudvinaviciute‑Cordeiro, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por:

República Checa, representada por M. Smolek, E. Ruffer, J. Vláčil e M. Hedvábná, na qualidade de agentes,

República Helénica, representada por G. Karipsiadis e K. Boskovits, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino de Espanha, representado por M. Sampol Pucurull, na qualidade de agente,

República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas, F. Fize e N. Rouam, na qualidade de agentes,

República da Lituânia, representada por D. Kriaučiūnas e G. Taluntytė, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, M. Gijzen e M. de Ree, na qualidade de agentes,

República da Áustria, representada por C. Pesendorfer e G. Eberhard, na qualidade de agentes,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes e M. L. Duarte, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por J. Heliskoski e H. Leppo, na qualidade de agentes,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por E. Jenkinson e M. Holt, na qualidade de agentes, assistidos por J. Holmes, barrister,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Banks, A. Bouquet, E. Paasivirta e P. Van Nuffel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts (relator), vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, A. Ó Caoimh, J.‑C. Bonichot, C. Vajda, S. Rodin e K. Jürimäe, presidentes de secção, J. Malenovský, J. L. da Cruz Vilaça e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de abril de 2015,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de julho de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, o Conselho da União Europeia pede a anulação da decisão da Comissão Europeia, de 29 de novembro de 2013, de apresentar «observações escritas da Comissão Europeia em nome da União Europeia» (a seguir «decisão impugnada») ao Tribunal Internacional do Direito do Mar (a seguir «TIDM») no processo n.o 21.

Quadro jurídico

Disposições relativas ao TIDM

2

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982, e que entrou em vigor em 16 de novembro de 1994 (a seguir «CNUDM»), foi aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 e do Acordo de 28 de julho de 1994 relativo à aplicação da parte XI da referida convenção (JO L 179, p. 1).

3

O artigo 191.o da CNUDM dispõe:

«A câmara de conflitos relativos aos fundos marinhos emitirá, a pedido da Assembleia ou do Conselho, pareceres consultivos sobre questões jurídicas que se suscitem no âmbito das suas atividades. Tais pareceres serão emitidos com caráter de urgência.»

4

Nos termos do artigo 287.o, n.o 1, da CNUDM:

«Um Estado, ao assinar ou ratificar a [CNUDM] ou a ela aderir, ou em qualquer momento ulterior, pode escolher livremente, por meio de declaração escrita, um ou mais dos seguintes meios para a solução dos conflitos relativos à interpretação ou aplicação da [CNUDM]:

a)

O [TIDM], estabelecido em conformidade com o anexo VI;

[…]»

5

O anexo VI da CNUDM contém o estatuto do TIDM.

6

O artigo 16.o desse estatuto, sob a epígrafe «Regulamento do [TIDM]», dispõe:

«O [TIDM] deve adotar normas para o exercício das suas funções. Deve elaborar, em particular, o seu regulamento interno.»

7

Nos termos do artigo 21.o do referido estatuto, sob a epígrafe «Jurisdição»:

«A jurisdição do [TIDM] compreende todos os conflitos e pedidos que lhe sejam submetidos em conformidade com a [CNUDM], bem como todas as questões especialmente previstas em qualquer outro acordo que confira jurisdição ao [TIDM].»

8

O Regulamento do TIDM, na sua versão revista de 17 de março de 2009, estabelece, nos seus artigos 130.° a 137.°, o «[p]rocesso consultivo» perante a câmara de conflitos relativos aos fundos marinhos. Resulta do artigo 133.o desse regulamento que os Estados partes na CNDUM e as organizações intergovernamentais suscetíveis de prestar informações sobre a questão objeto do pedido de parecer consultivo são convidados a apresentar observações escritas sobre essa questão e, em caso de organização de uma fase oral do processo, a apresentar observações orais no decurso dessa fase.

9

O artigo 138.o do referido regulamento dispõe:

«1.   O [TIDM] pode emitir um parecer consultivo sobre uma questão jurídica, sempre que um acordo internacional relacionado com os objetivos da [CNUDM] preveja expressamente a submissão ao [TIDM] de um pedido de parecer desse tipo.

2.   O pedido de parecer consultivo será enviado ao [TIDM] por qualquer organismo autorizado para o efeito por esse acordo ou nos termos das disposições nele previstas.

3.   O [TIDM] aplica os artigos 130.° a 137.° com as necessárias adaptações.»

Acordos internacionais em matéria de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada

10

Várias disposições de acordos internacionais em que a União Europeia é parte referem‑se às obrigações e responsabilidades respetivas do Estado do pavilhão e dos Estados costeiros em matéria de pesca em alto mar ou numa zona económica exclusiva e são, a esse título, pertinentes no que diz respeito à luta contra a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (a seguir «pesca INN»), que põe em perigo a conservação e a gestão das populações de peixes.

11

É esse o caso, nomeadamente, dos artigos 56.°, 61.° a 68.°, 73.°, 91.°, 94.° e 116.° a 120.° da CNUDM, dos artigos III, V, VI e VIII do Acordo para a promoção do cumprimento das medidas internacionais de conservação e de gestão pelos navios de pesca no alto mar, aprovado em 24 de novembro de 1993 pela Resolução 15/93 da Vigésima Sétima Sessão da Conferência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (a seguir «Acordo da FAO para a promoção do cumprimento»), a que a Comunidade aderiu nos termos da Decisão 96/428/CE do Conselho, de 25 de junho de 1996 (JO L 177, p. 24), bem como dos artigos 5.° a 14.° e 17.° a 21.° do Acordo adotado em Nova Iorque (Estados Unidos), em 4 de agosto de 1995, relativo à aplicação das disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, respeitantes à conservação e gestão das populações de peixes transzonais e das populações de peixes altamente migradores (a seguir «Acordo das Nações Unidas sobre as populações de peixes»), ratificado, em nome da Comunidade, pela Decisão 98/414/CE do Conselho, de 8 de junho de 1998 (JO L 189, p. 14).

Acordos de parceria entre a União e os Estados costeiros no domínio da pesca

12

A Comissão Sub‑Regional das Pescas (a seguir «CSRP») é uma organização intergovernamental de cooperação em matéria de pesca, instituída por uma Convenção de 29 de março de 1985, que reúne a República de Cabo Verde, a República da Gâmbia, a República da Guiné, a República da Guiné‑Bissau, a República Islâmica da Mauritânia, a República do Senegal e a República da Serra Leoa.

13

A União celebrou acordos de parceria com diversos Estados‑Membros da CSRP. A maioria desses acordos contém uma disposição comparável à do artigo 5.o, n.o 4, do Acordo de parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e a República de Cabo Verde (JO 2006, L 414, p. 3), segundo o qual «[a] Comunidade compromete‑se a adotar todas as disposições adequadas para assegurar que os seus navios respeitem as disposições do presente Acordo, assim como a legislação que rege o exercício da pesca nas águas sob jurisdição de Cabo Verde».

Medidas da União em matéria de pesca INN

14

O Regulamento (CE) n.o 1005/2008 do Conselho, de 29 de setembro de 2008, que estabelece um regime comunitário para prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, que altera os Regulamentos (CEE) n.o 2847/93, (CE) n.o 1936/2001 e (CE) n.o 601/2004 e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 1093/94 e (CE) n.o 1447/1999 (JO L 286, p. 1, a seguir «Regulamento INN»), prevê um quadro detalhado de medidas de luta contra a pesca INN.

15

Como resulta do seu considerando 5, este regulamento tem por objetivo reforçar a ação da União contra a pesca INN, «[e]m conformidade com os […] compromissos internacionais» da União recordados no considerando 1 do referido regulamento, concretamente, os decorrentes da CNUDM, do Acordo da FAO para a promoção do cumprimento e do Acordo das Nações Unidas sobre as populações de peixes.

16

O Regulamento (CE) n.o 1006/2008 do Conselho, de 29 de setembro de 2008, relativo às autorizações para as atividades de pesca exercidas pelos navios de pesca comunitários fora das águas comunitárias e ao acesso de navios de países terceiros às águas comunitárias, que altera os Regulamentos (CEE) n.o 2847/93 e (CE) n.o 1627/94 e que revoga o Regulamento (CE) n.o 3317/94 (JO L 286, p. 33), rege o acesso dos navios de países terceiros às águas da União e o acesso dos navios da União às águas dos países terceiros.

17

A aplicação e o controlo do cumprimento do Regulamento INN são assegurados pelo Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho, de 20 de novembro de 2009, que institui um regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da Política Comum das Pescas, altera os Regulamentos (CE) n.o 847/96, (CE) n.o 2371/2002, (CE) n.o 811/2004, (CE) n.o 768/2005, (CE) n.o 2115/2005, (CE) n.o 2166/2005, (CE) n.o 388/2006, (CE) n.o 509/2007, (CE) n.o 676/2007, (CE) n.o 1098/2007, (CE) n.o 1300/2008, (CE) n.o 1342/2008, e revoga os Regulamentos (CEE) n.o 2847/93, (CE) n.o 1627/94 e (CE) n.o 1966/2006 (JO L 343, p. 1).

18

Nos termos do Regulamento INN, a Comissão, através do Regulamento (UE) n.o 468/2010, de 28 de maio de 2010, que estabelece a lista da UE de navios que exercem atividades de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (JO L 131, p. 22), várias vezes alterado, adotou uma lista da União relativa aos navios que praticam pesca INN, com base nas listas adotadas pelas organizações regionais de gestão das pescas (a seguir «ORGP». A União é membro da maioria dessas ORGP.

19

A União adotou igualmente vários regulamentos que aplicam medidas tomadas pelas ORGP em relação a determinados países terceiros. É o caso, por exemplo, do Regulamento (CE) n.o 826/2004 do Conselho, de 26 de abril de 2004, que proíbe a importação de atum rabilho do Atlântico (Thunnus thynnus) originário da Guiné Equatorial e da Serra Leoa e revoga o Regulamento (CE) n.o 2092/2000 (JO L 127, p. 19), e do Regulamento (CE) n.o 827/2004 do Conselho, de 26 de abril de 2004, que proíbe a importação de atum patudo do Atlântico ( Thunnus obesus) originário da Bolívia, do Camboja, da Geórgia, da Guiné Equatorial e da Serra Leoa e revoga o Regulamento (CE) n.o 1036/2001 (JO L 127, p. 21).

Antecedentes do litígio

20

Em 28 de março de 2013, o TIDM recebeu um pedido de parecer consultivo da CSRP (a seguir «pedido de parecer consultivo»).

21

Esse pedido, que corresponde ao processo n.o 21, dizia respeito às seguintes questões:

«1)

Quais as obrigações do Estado do pavilhão em caso de [pesca INN] exercida na zona económica exclusiva dos Estados terceiros?

2)

Em que medida o Estado do pavilhão pode ser considerado responsável pela pesca INN praticada pelos navios que arvorem o seu pavilhão?

3)

Uma organização internacional detentora de licenças de pesca pode ser considerada responsável pelas violações da legislação em matéria de pesca do Estado costeiro por parte dos barcos de pesca que beneficiam das referidas licenças?

4)

Quais os direitos e as obrigações do Estado costeiro com vista a assegurar a gestão sustentável das unidades populacionais partilhadas e das unidades populacionais de interesse comum, especialmente, as dos tunídeos e dos pequenos pelágicos?»

22

Por despacho de 24 de maio de 2013, o TIDM convidou as partes na CNUDM, a CSRP e outras organizações intergovernamentais a apresentarem, o mais tardar até 29 de novembro de 2013, observações escritas no processo n.o 21. O TIDM decidiu igualmente organizar uma fase oral neste processo.

23

Em 5 de agosto de 2013, a Comissão adotou a decisão «relativa à apresentação de observações escritas em nome da União referentes ao pedido de parecer consultivo submetido ao Tribunal Internacional do Direito do Mar pela Comissão Sub‑Regional das Pescas no processo n.o 21» [C(2013) 4989 final, a seguir «Decisão de 5 de agosto de 2013»)].

24

Os considerandos 9 e 10 desta decisão mencionam que, «[n]os termos do artigo 335.o TFUE, a União é representada pela Comissão no âmbito dos processos jurisdicionais» e que «a Comissão deve apresentar observações escritas em nome da União sobre as questões submetidas ao TIDM e participar na fase oral». O considerando 11 da referida decisão acrescenta que, «[p]or força do princípio da cooperação leal, a Comissão deve informar o Conselho através do seu grupo de trabalho competente».

25

O artigo 1.o da Decisão de 5 de agosto de 2013 dispõe que «[a] Comissão apresentará observações escritas em nome da União Europeia relativas às questões submetidas, em 27 de março de 2013, pela [CSRP] ao [TIDM] para parecer consultivo no processo n.o 21 [e] […] participará na fase oral do processo n.o 21». Nos termos do artigo 2.o dessa decisão, «[o]s Serviços Jurídicos da Comissão estão incumbidos de dar cumprimento à presente decisão».

26

No âmbito do Conselho, o pedido de parecer consultivo foi apreciado, por um lado, pelo grupo de trabalho «Direito do Mar» (a seguir «Grupo COMAR»), no que diz respeito à competência do TIDM para emitir esse parecer consultivo e à admissibilidade das questões submetidas, e, por outro, pelo grupo de trabalho «Política Interna e Externa das Pescas» (a seguir «Grupo FISH»), no que diz respeito ao mérito.

27

Nas reuniões do Grupo FISH, de 12 de setembro de 2013, e do Grupo COMAR, de 17 de setembro de 2013, a Comissão reiterou a sua intenção de apresentar observações escritas em nome da União no processo n.o 21 e afirmou que não considerava necessário obter a aprovação prévia do Conselho para esse efeito. Na reunião do Grupo FISH, a Presidência do Conselho referiu, por sua vez, que cabia ao Conselho aprovar o conteúdo dessas observações escritas e convidou a Comissão a apresentar ao Conselho um projeto de observações escritas, o mais tardar até final de outubro de 2013.

28

Em 22 de outubro de 2013, a Comissão enviou ao Conselho um «[d]ocumento de trabalho com as grandes linhas das observações da União no processo n.o 21 do [TIDM]» (a seguir «documento de trabalho de 22 de outubro de 2013»). Nesse documento, a Comissão, remetendo para a decisão de 5 de agosto de 2013, reiterava que, «por força do princípio da cooperação leal», o Conselho devia «ser informado». A Comissão sublinhava ainda que «pretend[ia] ter plenamente em conta todas as sugestões e pareceres dos Estados‑Membros, com vista a reforçar a posição da União».

29

Nas reuniões do Grupo FISH, de 24 de outubro de 2013, e do Grupo COMAR, de 30 de outubro de 2013, no decurso das quais foi analisado o documento de trabalho de 22 de outubro de 2013, a Comissão reafirmou que não submeteria o projeto de observações escritas ao Conselho para aprovação.

30

O documento de trabalho de 22 de outubro de 2013 foi revisto várias vezes em 15, 18 e 26 de novembro de 2013. As suas versões sucessivas foram debatidas nas reuniões do Grupo FISH de 15 e 22 de novembro de 2013. Na parte introdutória da versão revista do referido documento datada de 15 de novembro de 2013, a Comissão sublinhou, novamente, que, nos termos do artigo 335.o TFUE, estava habilitada a representar a União nos processos jurisdicionais e que essa representação não requeria a aprovação prévia, pelo Conselho, das observações escritas apresentadas em nome da União.

31

Em 27 de novembro de 2013, a questão da eventual apresentação perante o TIDM de observações escritas em nome da União foi apreciada pelo Comité de Representantes Permanentes (Coreper) dos Estados‑Membros com base num relatório elaborado pelo Grupo FISH. As delegações dos Estados‑Membros e a Presidência do Coreper sustentaram que cabia ao Conselho, por força do artigo 16.o TUE, decidir esta questão e, consoante o caso, aprovar ou alterar o conteúdo destas observações escritas. O Coreper considerou que, se o Conselho não pudesse apresentar nenhuma posição quanto à eventual apresentação de tais observações, não existiria nenhuma posição a esse respeito, pelo que não poderiam ser apresentadas ao TIDM observações escritas, em nome da União, sobre o pedido de parecer consultivo. Por sua vez, a Comissão manteve a sua posição de que não era necessária uma aprovação formal do Conselho no caso em apreço e referiu que ia submeter observações escritas ao TIDM, em nome da União.

32

Em 29 de novembro de 2013, depois de tomar em conta os comentários apresentados por algumas delegações dos Estados‑Membros, a Comissão apresentou ao TIDM as «[o]bservações escritas da Comissão Europeia em nome da União Europeia» no processo n.o 21. O Conselho foi informado, nesse mesmo dia, por correio eletrónico.

33

Sete Estados‑Membros apresentaram igualmente observações escritas ao TIDM, na qualidade de partes na CNUDM.

Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

34

O Conselho conclui pedindo ao Tribunal que se digne anular a decisão impugnada e condenar a Comissão nas despesas.

35

A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne negar provimento ao recurso e, a título subsidiário, manter os efeitos da decisão impugnada até ser adotada uma nova decisão num prazo razoável e condenar o Conselho nas despesas.

36

A República Checa, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Lituânia, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foram autorizados a intervir em apoio dos pedidos do Conselho. No entanto, a República Portuguesa não participou em nenhuma fase do presente processo.

Considerações preliminares

37

As partes concordam que, através da decisão impugnada, a Comissão concretizou, na sequência da troca de impressões que manteve com o Conselho, as intenções expressas em 5 de agosto de 2013, ao apresentar, em nome da União, observações escritas ao TIDM no processo n.o 21, cujo conteúdo não tinha sido submetido à aprovação do Conselho, não obstante o pedido deste último.

38

Nestas condições, o presente recurso deve ser entendido como uma crítica à Comissão por ter violado as prerrogativas do Conselho ao não ter submetido o conteúdo das observações escritas apresentadas, em nome da União, no referido processo à aprovação prévia do Conselho.

Quanto ao mérito

39

O Conselho invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do princípio da atribuição de competências enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE e do princípio do equilíbrio institucional. O segundo fundamento é relativo à violação do princípio da cooperação leal consagrado nessa mesma disposição.

Quanto ao primeiro fundamento

40

O primeiro fundamento divide‑se em duas partes. A primeira parte é relativa à violação do artigo 218.o, n.o 9, TFUE. A segunda parte é relativa à violação do artigo 16.o, n.o 1, TUE. Importa analisar conjuntamente estas duas partes.

Argumentos das partes

41

O Conselho, apoiado por todos os Estados‑Membros intervenientes, com exceção da República da Áustria, alega, no âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, que as prerrogativas que lhe são reconhecidas pelo artigo 218.o, n.o 9, TFUE foram violadas pela Comissão no caso em apreço.

42

As referidas partes alegam que esta disposição visa as situações em que uma instância, qualquer que seja a sua natureza, que tenha sido criada por um acordo internacional o aplique por meio de um ato que produza efeitos jurídicos, vinculativos ou não, na União. É o que acontece no caso vertente. Com efeito, o TIDM foi criado por um acordo internacional, concretamente a CNUDM, e o parecer consultivo em causa é suscetível de produzir efeitos significativos na aplicação da CNUDM e de outros acordos internacionais em que a União é parte e, consequentemente, no seu ordenamento jurídico. O pedido de parecer consultivo, na medida em que incide sobre um domínio muito regulamentado no direito da União, é suscetível de influenciar o exercício da competência da União e o respetivo acervo nesse domínio. Além disso, o pedido de parecer consultivo pode implicar uma adaptação da regulamentação da União em matéria de pesca INN.

43

No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, o Conselho, apoiado por todos os Estados‑Membros intervenientes, alega que, de qualquer forma, a Comissão violou, neste caso, o artigo 16.o, n.o 1, TUE, ao se arrogar competências que cabem exclusivamente ao Conselho.

44

A este respeito, as referidas partes sustentam, em primeiro lugar, que o artigo 17.o, n.o 1, TUE não autoriza a Comissão a assegurar de forma autónoma a representação externa da União, ignorando as funções de definição das políticas cometidas ao Conselho pelo artigo 16.o, n.o 1, segundo período, TUE.

45

No caso em apreço, tendo em conta a relevância das consequências que o conteúdo das observações escritas apresentadas ao TIDM, em nome da União, pode ter à escala internacional, nomeadamente nas relações entre esta última e os Estados‑Membros da CSRP, cabia ao Conselho definir esse conteúdo, de acordo com esta disposição. Por seu turno, o papel da Comissão consistia em executar a política definida pelo Conselho e em assegurar a representação externa da União com base nessa política.

46

Em segundo lugar, o Conselho e todos os Estados‑Membros intervenientes sustentam que o artigo 335.o TFUE não é suscetível de pôr em causa a argumentação precedente.

47

A este respeito, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria e a República da Finlândia alegam que o artigo 335.o TFUE diz exclusivamente respeito à representação da União no âmbito de processos judiciais nacionais, e não à apresentação de observações em nome da União, no âmbito da sua ação externa, perante um órgão jurisdicional instituído por um acordo internacional.

48

O Conselho e todos os Estados‑Membros intervenientes alegam que, em todo o caso, o artigo 335.o TFUE não pode, à luz da aceção comum do conceito de «representação» e do princípio da atribuição de competências enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE, ser entendido no sentido de que autoriza a Comissão, em questões alheias ao seu próprio funcionamento, a atuar em juízo de modo autónomo, em violação da competência do Conselho para definir o conteúdo da posição da União sobre as questões em causa. Seja ela política ou jurídica, a representação externa da União pela Comissão está abrangida pelo artigo 17.o, n.o 1, sexto período, TUE, o que implica a tomada em consideração das funções de definição das políticas que cabem ao Conselho, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 1, TUE.

49

Em terceiro lugar, o Conselho e os Estados‑Membros intervenientes alegam que a representação da União pela Comissão perante o TIDM não diz respeito à aplicação dos Tratados, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, segundo período, TUE. Por conseguinte, a Comissão não pode invocar a sua função de guardiã dos Tratados para desenvolver, autonomamente, a sua própria interpretação das normas internacionais em causa. Além disso, a apresentação de observações em nome da União no processo n.o 21 não se limitou a uma descrição técnica do acervo da União no domínio em questão. Implicou igualmente opções políticas e estratégicas em relação a várias questões suscitadas por este processo, como a competência do TIDM para emitir o parecer consultivo solicitado no caso em apreço e a admissibilidade das questões submetidas.

50

Em quarto lugar, o Conselho, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Lituânia e a República da Finlândia alegam que, em matéria de luta contra a pesca INN, não existe uma política preestabelecida da União, suscetível de dispensar a Comissão de obter a aprovação prévia do Conselho no caso em apreço. Também não existe uma política preestabelecida da União sobre a questão inédita da competência genal do TIDM para emitir pareceres consultivos nem sobre as questões relativas às responsabilidades respetivas do Estado do pavilhão, do Estado costeiro e das organizações internacionais em matéria de pesca INN.

51

Em resposta à primeira parte do primeiro fundamento, a Comissão sustenta que o artigo 218.o, n.o 9, TFUE só é aplicável quando uma instância criada por um acordo internacional dispõe, na qualidade de instância executiva, do poder de definir regras ou de adotar decisões no âmbito desse acordo. Esta disposição não diz, assim, respeito às posições a manifestar, em nome da União, perante um órgão jurisdicional internacional.

52

Em resposta à segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão alega, a título principal, que o artigo 335.o TFUE traduz o princípio geral de que ela representa a União em todos os processos judiciais, nacionais ou internacionais. Esta disposição não exige que a Comissão obtenha a autorização de outra instituição da União para atuar em nome da União perante um órgão jurisdicional. No sistema instituído pelos Tratados, a representação da União perante um órgão jurisdicional internacional constitui uma missão de ordem constitucional confiada à Comissão pelos artigos 13.°, n.o 2, TUE, 17.°, n.o 1, primeiro e segundo períodos, TUE e 335.° TFUE.

53

Para a Comissão, importa distinguir duas situações. A primeira situação diz respeito à representação externa da União para efeitos políticos e diplomáticos como a negociação de acordos internacionais, a qual é regulada pelo artigo 17.o, n.o 1, sexto período, TUE e pode estar abrangida pelo artigo 16.o, n.o 1, TUE, se não existir uma política da União. A segunda situação, à qual corresponde o caso em apreço, diz respeito à representação da União perante um tribunal internacional, no âmbito da qual a Comissão tem a obrigação de velar, no interesse geral da União nos termos do artigo 17.o, n.o 1, primeiro período, TUE, pela aplicação do direito da União, na aceção do segundo período dessa mesma disposição, incluindo dos acordos internacionais em que a União é parte.

54

Subsidiariamente, a Comissão alega que, mesmo se se admitisse a aplicação do artigo 17.o, n.o 1, sexto período, TUE ao caso em apreço, pode validamente representar a União no âmbito de uma política desta já definida pelo Conselho. Ora, no caso em apreço, existe um quadro jurídico e político completo, à escala da União, que permitiu à Comissão exercer a sua missão de representação externa da União sem estar obrigada a obter orientações adicionais do Conselho.

Apreciação do Tribunal de Justiça

55

As partes concordam que as questões suscitadas pelo pedido de parecer consultivo se enquadram, pelo menos em parte, no domínio da conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da política comum das pescas, o qual constitui, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, alínea d), TFUE, um domínio da competência exclusiva da União, e que esta, na sua qualidade de parte contratante na CNUDM, com fundamento na qual foi instituído o TIDM, era competente para participar no processo de parecer consultivo perante esse órgão jurisdicional, no processo n.o 21, nos termos do artigo 133.o do Regulamento do TIDM.

56

Para fundamentar a sua decisão de representar a União no âmbito da sua participação no referido processo e de apresentar, a esse título, observações escritas em nome da União, a Comissão invocou o artigo 335.o TFUE, como resulta dos elementos dos autos e conforme confirmou tanto nos seus articulados como na audiência.

57

Alguns Estados‑Membros intervenientes contestam, contudo, que o artigo 335.o TFUE seja aplicável à representação da União perante um órgão jurisdicional internacional como o TIDM. Segundo eles, este artigo diz apenas respeito aos processos perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

58

Todavia, resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 335.o TFUE, embora limitado aos Estados‑Membros de acordo com a sua redação, constitui a expressão de um princípio geral, nos termos do qual a União goza de capacidade jurídica, sendo, para este efeito, representada pela Comissão (v., neste sentido, acórdão Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 94).

59

Daqui decorre que o artigo 335.o TFUE oferece à Comissão um fundamento para representar a União perante o TIDM no processo n.o 21.

60

Como sublinhou o Conselho, com o apoio dos Estados‑Membros intervenientes, a aplicabilidade do artigo 335.o TFUE no caso em apreço não esgota, contudo, a questão, suscitada pelo primeiro fundamento, de saber se o respeito pelo princípio da atribuição de competências enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE exigia que o conteúdo das observações escritas apresentadas ao TIDM no processo n.o 21 pela Comissão, em nome da União, fosse previamente aprovado pelo Conselho.

61

A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 13.o, n.o 2, TUE, cada instituição da União atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem. Esta disposição traduz o princípio do equilíbrio institucional, característica da estrutura institucional da União, que implica que cada uma das instituições exerça as suas competências com respeito pelas das outras (v. acórdão Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 64 e jurisprudência aí referida).

62

No caso em apreço, a argumentação do Conselho e dos Estados‑Membros intervenientes consiste em alegar que, ao apresentar ao TDMI, no processo n.o 21, observações escritas em nome da União, cujo conteúdo não foi aprovado pelo Conselho, a Comissão violou as competências do Conselho decorrentes do artigo 218.o, n.o 9, TFUE e, em todo o caso, do artigo 16.o, n.o 1, segundo período, TUE.

63

Em primeiro lugar, no que diz respeito ao artigo 218.o, n.o 9, TFUE, a referência que ali é feita às posições a tomar em nome da União «numa» instância criada por um acordo internacional e chamada a adotar atos que produzam efeitos jurídicos significa que a aplicação desta disposição se refere às posições a tomar em nome da União no âmbito da respetiva participação desta, por via das suas instituições, ou, se for esse o caso, por intermédio dos seus Estados‑Membros agindo solidariamente no seu interesse, na adoção de tais atos no âmbito da instância internacional em causa. Ora, a União é convidada a expressar, enquanto parte, uma posição «perante» um órgão jurisdicional internacional e não «num» órgão jurisdicional internacional.

64

Esta interpretação é corroborada pelo contexto e pelo objetivo em que se inscreve o artigo 218.o, n.o 9, TFUE.

65

Com efeito, como expôs a advogada‑geral nos n.os 70 a 74 das suas conclusões, a referida disposição prevê, em derrogação do processo comum descrito no artigo 218.o, n.os 1 a 8, TFUE para a negociação e a celebração de um acordo internacional pela União, um processo simplificado para efeitos da definição das posições a tomar em nome desta quando da sua participação na adoção, no âmbito da instância decisória instituída pelo acordo internacional em causa, de atos que aplicam ou executam esse acordo.

66

Ora, ao invés do processo que deu origem ao acórdão Alemanha/Conselho (C‑399/12, EU:C:2014:2258), que dizia respeito à posição a adotar em nome da União no âmbito da sua participação, por intermédio dos Estados‑Membros, na adoção de recomendações numa instância criada pelo acordo internacional em causa, o presente processo diz respeito à definição de uma posição a expressar, em nome da União, perante uma instância jurisdicional internacional à qual foi solicitado um parecer consultivo cuja adoção é da exclusiva competência e responsabilidade dos membros dessa instância, que atuam para esse efeito com total independência face às partes.

67

Daqui decorre que, sem que seja necessário apreciar se o parecer consultivo do TIDM solicitado no processo n.o 21 está abrangido pelo conceito de «ato que produza efeitos jurídicos», na aceção do artigo 218.o, n.o 9, TFUE, esta disposição não é aplicável no caso em apreço.

68

Em segundo lugar, no que diz respeito ao artigo 16.o, n.o 1, segundo período, TUE, há que analisar se resulta desta disposição que o Conselho devia ter aprovado o conteúdo das observações escritas apresentadas ao TIDM, em nome da União, no processo n.o 21, antes do envio dessas observações a esse órgão jurisdicional.

69

A este respeito, há que sublinhar que o pedido de parecer consultivo dizia respeito às obrigações e responsabilidades respetivas do Estado do pavilhão e do Estado costeiro em matéria de pesca INN que compromete a conservação e a gestão das populações de peixes. Conforme exposto nos n.os 10 e 11 do presente acórdão, a pesca INN está abrangida pelo âmbito de aplicação de um conjunto de disposições da CNUDM, em que a União é parte contratante, do Acordo da FAO para a promoção do cumprimento, a que a Comunidade aderiu através da Decisão 96/428, do Acordo das Nações Unidas sobre as populações de peixes, que a Comunidade ratificou através da Decisão 98/414, e dos acordos de parceria celebrados entre a União e os Estados‑Membros da CSRP, que fazem parte integrante do direito da União por força do artigo 216.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, acórdão Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 73 e jurisprudência aí referida). Por outro lado, a pesca INN é objeto de uma regulamentação pormenorizada em direito da União, a qual foi, de resto, reforçada no decurso do ano de 2008 por forma a ter em conta os compromissos internacionais da União, conforme se recordou nos n.os 14 a 19 do presente acórdão.

70

Como resulta das observações escritas enviadas ao TDIM, em nome da União, no processo n.o 21, estas observações consistiam, neste contexto, em sugerir respostas às questões submetidas neste processo, ao apresentar a forma como a União concebia a interpretação e a aplicação das disposições pertinentes da CNUDM, do Acordo da FAO para a promoção do cumprimento e do Acordo das Nações Unidas sobre as populações de peixes em matéria de pesca INN e ao descrever as medidas contidas, nesta matéria, nos acordos de parceria e na regulamentação da União mencionados no número anterior.

71

Por conseguinte, o objetivo destas observações não consistiu em definir uma política em matéria de pesca INN, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, segundo período, TUE, mas em apresentar ao TIDM, com base numa análise das disposições internacionais e da regulamentação da União pertinentes nesta matéria, um conjunto de observações jurídicas destinadas a permitir a esse órgão jurisdicional emitir, se fosse caso disso, um parecer consultivo com conhecimento de causa sobre as questões que lhe foram submetidas.

72

O Conselho e alguns Estados‑Membros intervenientes alegam que as observações escritas apresentadas ao TIDM, em nome da União, no processo n.o 21 continham igualmente considerações sobre a competência desse órgão jurisdicional para responder ao pedido de parecer consultivo e sobre a admissibilidade das questões submetidas, considerações estas que constituem opções estratégicas ou políticas que cumpria ao Conselho efetuar.

73

No entanto, tais considerações são, à semelhança das observações apresentadas quanto ao mérito do processo em causa, características da participação num processo perante um órgão jurisdicional. Nestas condições, não se pode considerar que correspondem à definição de uma política, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, TUE.

74

O Conselho e alguns Estados‑Membros intervenientes insistem ainda nas importantes consequências políticas suscetíveis de resultar, nomeadamente no plano das relações entre a União e os Estados‑Membros da CSRP, do conteúdo das observações escritas apresentadas ao TIDM, em nome da União, no processo n.o 21.

75

Todavia, esse elemento, admitindo que está correto, não é, em todo o caso, suficiente, à luz do exposto nos n.os 69 a 71 do presente acórdão, para considerar que a determinação do conteúdo destas observações escritas integra o exercício de uma função de definição de uma política, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, segundo período, TUE.

76

Resulta dos elementos precedentes que, ao enviar as observações escritas ao TIDM, em nome da União, no processo n.o 21, sem ter submetido o seu conteúdo à aprovação do Conselho, a Comissão não violou esta disposição.

77

Em face das considerações precedentes, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

78

No âmbito do segundo fundamento, o Conselho, apoiado pela República Checa, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela República da Lituânia e pela República da Áustria, alega que a Comissão violou, no caso em apreço, o princípio da cooperação leal enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE.

79

A este respeito, as referidas partes criticam, em primeiro lugar, o facto de, contrariamente à exigência estabelecida no artigo 218.o, n.o 9, TFUE, a Comissão não ter apresentado ao Conselho uma proposta de decisão definindo a posição a tomar em nome da União perante o TIDM, o que impediu o Conselho de adotar essa decisão. Tal omissão da Comissão constituiu igualmente um incumprimento do dever que lhe incumbe, por força do artigo 17.o, n.o 1, TUE, de tomar as iniciativas adequadas para promover o interesse geral da União, incumprimento este que impediu o Conselho de exercer as funções que lhe são cometidas pelo artigo 16.o, n.o 1, TUE.

80

Em segundo lugar, a Comissão não cooperou lealmente com o Conselho no que diz respeito à determinação do conteúdo das observações escritas apresentadas perante o TIDM. Com efeito, a Comissão limitou‑se a enviar ao Conselho, apenas para informação, diversos documentos preparatórios sucessivos significativamente menos pormenorizados do que as observações escritas enviadas, afinal, ao TIDM, quando as delegações dos Estados‑Membros no Conselho queriam dispor de um projeto de texto completo que lhes teria, nomeadamente, permitido preparar as suas próprias observações com perfeito conhecimento da posição a assumir pela União no caso em apreço.

81

A Comissão contesta a existência de qualquer incumprimento por sua parte do princípio da cooperação leal.

82

Em primeiro lugar, a Comissão alega que, dado que não era necessário adotar uma decisão com base no artigo 218.o, n.o 9, TFUE, era inútil uma proposta relativa a essa decisão.

83

Em segundo lugar, sustenta que cooperou plenamente com o Conselho no caso em apreço e que teve em conta quer as opiniões divergentes expressas no âmbito do Conselho em relação a determinados aspetos suscitados pelo pedido de parecer consultivo quer as sugestões formuladas pelos Estados‑Membros.

Apreciação do Tribunal de Justiça

84

Por força do artigo 13.o, n.o 2, TUE, as instituições da União mantêm entre si uma cooperação leal. Contudo, esta cooperação leal é exercida no respeito dos limites dos poderes conferidos pelos Tratados a cada uma dessas instituições. Portanto, a obrigação que resulta do artigo 13.o, n.o 2, TUE não é suscetível de modificar os referidos poderes (acórdão Parlamento/Conselho, C‑48/14, EU:C:2015:91, n.os 57 e 58).

85

No caso em apreço, a principal argumentação desenvolvida pelo Conselho e por alguns Estados‑Membros intervenientes no âmbito do segundo fundamento assenta na premissa de que a determinação do conteúdo das observações escritas apresentadas ao TIDM, em nome da União, no processo n.o 21 era da competência do Conselho, nos termos do artigo 218.o, n.o 9, TFUE ou do artigo 16.o, n.o 1, segundo período, TUE. No entanto, não era esse o caso, como resulta da análise do primeiro fundamento. Por conseguinte, não se pode acusar a Comissão de não ter cumprido o seu dever de cooperação leal ao não tomar as iniciativas inerentes à aplicação destas duas disposições.

86

Por conseguinte, o princípio da cooperação leal impõe à Comissão, quando esta pretende manifestar posições em nome da União perante um órgão jurisdicional internacional, a obrigação de consultar previamente o Conselho.

87

No caso em apreço, a Comissão cumpriu essa obrigação. Com efeito, como decorre dos elementos descritos nos n.os 28 a 32 do presente acórdão, a apresentação pela Comissão ao TIDM das observações escritas, em nome da União, no processo n.o 21 foi precedida da comunicação, pela Comissão ao Conselho, do documento de trabalho de 22 de outubro de 2013, que foi objeto de várias alterações até 26 de novembro de 2013, com vista a ter em conta as observações formuladas no âmbito dos Grupos FISH e COMAR. Por conseguinte, é sem razão que o Conselho alega que a Comissão não deu provas de cooperação leal na elaboração do conteúdo destas observações.

88

Por último, há que observar que, sem ser contestada neste ponto pelo Conselho ou pelos Estados‑Membros intervenientes, a Comissão referiu que a posição neutra exposta, nas referidas observações escritas, sobre a questão da competência do TIDM para emitir o parecer consultivo solicitado no caso em apreço foi ditada pela sua preocupação de ter em conta, num espírito de lealdade, as opiniões divergentes expressas pelos Estados‑Membros no âmbito do Conselho sobre esta questão.

89

Daqui decorre que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

90

Resulta das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

Quanto às despesas

91

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Conselho e tendo este último sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, por força do qual os Estados‑Membros intervenientes suportarão as suas próprias despesas, a República Checa, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Lituânia, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia e o Reino Unido suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

 

3)

A República Checa, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República da Lituânia, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( * )   Língua do processo: inglês.