ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de junho de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/22/CE — Artigos 4.°, 9.°, 13.° e 32.° — Obrigações de serviço universal e obrigações de serviço social — Oferta de acesso num local fixo e oferta de serviços telefónicos — Caráter acessível das tarifas — Opções tarifárias especiais — Financiamento das obrigações de serviço universal — Serviços obrigatórios adicionais — Serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet»

No processo C‑1/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Grondwettelijk Hof (Bélgica), por decisão de 19 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de janeiro de 2014, no processo

Base Company NV, anteriormente KPN Group Belgium NV,

Mobistar NV

contra

Ministerraad,

sendo interveniente:

Belgacom NV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de novembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Base Company NV e Mobistar NV, por T. De Cordier e E. Taelman, advocaten,

em representação do Governo belga, por J. Van Holm e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidas por S. Depré e D. Schrijvers, advocaten,

em representação do Parlamento Europeu, por R. van de Westelaken e J. Rodrigues, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por I. Šulce, K. Michoel e J. Herrmann, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por L. Nicolae, G. Braun, F. Wilman e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 29 de janeiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 9.° e 32.° da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal) (JO L 108, p. 51), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 11, a seguir «diretiva serviço universal»), bem como a validade da diretiva serviço universal à luz do princípio da igualdade, conforme consagrado no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Base Company NV (a seguir «Base Company») e a Mobistar NV (a seguir «Mobistar») ao Ministerraad (Conselho de Ministros), a respeito de um recurso de anulação de disposições de direito nacional que impõem aos operadores que oferecem aos consumidores serviços de comunicações móveis e/ou assinaturas de Internet que contribuam para o financiamento dos custos líquidos destes serviços.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Nos termos dos considerandos 4, 8, 25 e 46 da diretiva serviço universal:

«(4)

O facto de garantir um serviço universal (ou seja, a oferta de um determinado conjunto mínimo de serviços a todos os utilizadores finais, a um preço acessível) pode implicar a oferta de alguns serviços a alguns utilizadores finais a preços que se afastam das condições normais do mercado. […]

[…]

(8)

Um dos requisitos fundamentais do serviço universal consiste em oferecer aos utilizadores que o solicitem uma ligação à rede telefónica pública num local fixo, a um preço acessível. […]

[…]

(25)

[…] Os Estados‑Membros não estão autorizados a impor aos agentes do mercado contribuições financeiras relativas a medidas que não façam parte das obrigações de serviço universal. Cada Estado‑Membro continua a ser livre de impor medidas especiais (fora do âmbito das obrigações de serviço universal) e de financiá‑las em conformidade com o direito comunitário, mas não através de contribuições dos agentes do mercado.

[…]

(46)

Caso um Estado‑Membro deseje garantir a oferta de outros serviços específicos em todo o seu território nacional, as correspondentes obrigações devem ser implementadas de modo economicamente eficiente e fora do âmbito das obrigações de serviço universal. […]»

4

O artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva prevê:

«A presente diretiva estabelece os direitos dos utilizadores finais e as correspondentes obrigações das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público. Relativamente à necessidade de assegurar a oferta de um serviço universal num ambiente de mercados abertos e concorrenciais, a diretiva define o conjunto mínimo de serviços de qualidade especificada a que todos os utilizadores finais têm acesso, a um preço acessível à luz das condições específicas nacionais e sem distorção da concorrência. A presente diretiva estabelece também obrigações no que se refere à prestação de determinados serviços obrigatórios.»

5

Do capítulo II da referida diretiva, com a epígrafe «Obrigações de serviço universal, incluindo obrigações sociais», constam os artigos 3.° a 9.°, relativos, respetivamente, à disponibilidade do serviço universal (artigo 3.o), à oferta de acesso num local fixo e à oferta de serviços telefónicos (artigo 4.o), às listas e serviços de informações de listas (artigo 5.o), aos postos públicos (artigo 6.o), às medidas para utilizadores com deficiência (artigo 7.o), às modalidades relativas à designação das empresas encarregadas das obrigações de serviço universal (artigo 8.o) e à possibilidade de exigir que as empresas designadas ofereçam aos consumidores opções ou pacotes diferentes dos oferecidos em condições comerciais normais, sobretudo com o intuito de assegurar que os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais não sejam impedidos de aceder aos serviços referidos no capítulo II desta mesma diretiva (artigo 9.o).

6

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva serviço universal, com a epígrafe «Disponibilidade do serviço universal»:

«Os Estados‑Membros garantirão que os serviços definidos neste capítulo sejam disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os utilizadores finais no seu território, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível em função das condições nacionais específicas.»

7

O artigo 4.o desta diretiva, com a epígrafe «Oferta de acesso num local fixo e oferta de serviços telefónicos», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros garantem que todos os pedidos razoáveis de ligação a uma rede de comunicações pública num local fixo sejam satisfeitos por pelo menos uma empresa.

2.   A ligação fornecida deve ser capaz de servir de suporte de comunicações vocais, comunicações fac‑símile e comunicações de dados, com débitos suficientes para viabilizar o acesso funcional à internet, tendo em conta as tecnologias prevalecentes utilizadas pela maioria dos assinantes e a viabilidade tecnológica.

3.   Os Estados‑Membros asseguram que todos os pedidos razoáveis de prestação de um serviço telefónico acessível ao público, através da ligação à rede referida no n.o 1, que permita efetuar e receber chamadas nacionais e internacionais sejam satisfeitos pelo menos por uma empresa.»

8

O artigo 9.o, n.os 1 a 3, da referida diretiva, com a epígrafe «Acessibilidade das tarifas», tem a seguinte redação:

«1.   As autoridades reguladoras nacionais acompanham a evolução e o nível das tarifas de retalho dos serviços identificados nos artigos 4.° a 7.° como fazendo parte das obrigações de serviço universal e prestados por empresas designadas ou disponibilizados no mercado, caso não tenham sido designadas empresas para esses serviços, em especial no que diz respeito aos níveis de preços no consumidor e aos rendimentos nacionais.

2.   Em função das condições nacionais, os Estados‑Membros podem exigir que as empresas designadas ofereçam aos consumidores opções ou pacotes diferentes dos oferecidos em condições comerciais normais, sobretudo com o intuito de assegurar que os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais não sejam impedidos de aceder à rede referida no n.o 1 do artigo 4.o ou de utilizar os serviços identificados no n.o 3 do artigo 4.o e nos artigos 5.°, 6.° e 7.° como fazendo parte das obrigações de serviço universal e prestados por empresas designadas.

3.   Para além da eventual adoção de disposições que obriguem as empresas designadas a oferecer opções tarifárias especiais ou a respeitar limites máximos de preços, nivelamentos geográficos de preços ou outros regimes semelhantes, os Estados‑Membros podem assegurar que seja prestado apoio aos consumidores identificados como tendo baixos rendimentos ou necessidades sociais especiais.»

9

O artigo 12.o da mesma diretiva prevê as modalidades relativas à determinação dos custos líquidos das obrigações de serviço universal que as autoridades reguladoras nacionais devem calcular sempre que considerarem que a prestação do serviço universal constitui um encargo excessivo para as empresas designadas para o assegurar.

10

Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da diretiva serviço universal, com a epígrafe «Financiamento das obrigações de serviço universal»:

«Quando, com base no cálculo do custo líquido referido no artigo 12.o, as autoridades reguladoras nacionais considerarem que uma empresa está sujeita a encargos excessivos, os Estados‑Membros devem, a pedido da empresa designada, decidir:

[…]

b)

Repartir o custo líquido das obrigações de serviço universal pelos operadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas.»

11

O artigo 32.o desta diretiva, com a epígrafe «Serviços obrigatórios adicionais», prevê:

«Os Estados‑Membros podem decidir tornar acessíveis ao público, no seu território, serviços adicionais para além das obrigações de serviço universal definidas no capítulo II, mas, nessas circunstâncias, não pode ser imposto qualquer mecanismo de compensação que envolva empresas específicas.»

12

Nos termos do artigo 2.o, alínea j), da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 37, a seguir «diretiva‑quadro»), entende‑se por:

«‘Serviço universal’, o conjunto mínimo de serviços, definido na [d]iretiva [serviço universal], de qualidade especificada, disponível para todos os utilizadores, independentemente da sua localização geográfica e, em função de condições nacionais específicas, a um preço acessível;».

Direito belga

13

O artigo 74.o da Lei de 13 de junho de 2005, relativa às comunicações eletrónicas (Belgisch Staatsblad, de 20 de junho de 2005, p. 28070, a seguir «Lei de 13 de junho de 2005»), conforme alterado pelo artigo 50.o da Lei de 10 de julho de 2012, relativa a disposições diversas em matéria de comunicações eletrónicas (Belgisch Staatsblad, de 25 de julho de 2012, p. 40969, a seguir «Lei de 10 de julho de 2012»), tem a seguinte redação:

«§ 1.   A componente social do serviço universal consiste na oferta, pelos operadores referidos nos n.os 2 e 3 que oferecem aos consumidores um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público, de condições tarifárias especiais a determinadas categorias de beneficiários.

[…]

§ 2.   Qualquer operador que ofereça aos consumidores um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público, cujo volume de negócios relativo aos serviços de comunicações eletrónicas acessível ao público seja superior a cinquenta milhões de euros, deve oferecer a componente social do serviço universal referida no n.o 1.

[…]

§ 3.   Qualquer operador que ofereça aos consumidores um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público, cujo volume de negócios relativo aos serviços de comunicações eletrónicas acessível ao público seja inferior ou igual a cinquenta milhões de euros e que tenha declarado ao Instituto [belga dos serviços postais e das telecomunicações (a seguir «Instituto»)] a sua intenção de oferecer a componente social do serviço universal referida no n.o l numa rede terrestre fixa ou móvel ou em ambas, deve oferecer esta componente durante cinco anos.

[…]»

14

O artigo 74.o/1 da Lei de 13 de junho de 2005, inserida nesta lei pelo artigo 51.o da Lei de 10 de julho de 2012, tem a seguinte redação:

«§ 1.   Quando o Instituto considerar que a oferta da componente social pode constituir um encargo excessivo para um prestador, solicitará a cada prestador das tarifas sociais que lhe preste as informações referidas no n.o 2 e calculará os custos líquidos.

§ 2.   Cada prestador das tarifas sociais comunicará ao Instituto, de acordo com as modalidades fixadas nos termos do artigo 137.o, § 2, até ao dia 1 de agosto do ano civil seguinte ao ano em causa, o montante indexado da estimativa dos custos relativos ao ano em causa, calculado nos termos da metodologia de cálculo definida em anexo.

[…]

§ 3.   O Instituto determinará a existência de um encargo excessivo para cada prestador em causa quando a oferta da componente social do serviço universal for considerada excessiva atendendo à sua capacidade de a suportar, tendo em conta todas as suas características específicas, nomeadamente, o nível dos seus equipamentos, a sua situação económica e financeira, bem como a quota de mercado que detém no mercado dos serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público.

§ 4.   É criado um Fundo para o serviço universal em matéria de tarifas sociais encarregado de compensar os prestadores de tarifas sociais relativamente aos quais a atribuição da componente social do serviço universal constitua um encargo excessivo e que tenham apresentado ao Instituto um pedido nesse sentido. A compensação corresponde aos custos líquidos suportados pelo operador para o qual a oferta da componente social do serviço universal constitua um encargo excessivo. Este fundo tem personalidade jurídica e é gerido pelo Instituto.

O fundo é financiado por contribuições pagas pelos operadores que oferecem a componente social do serviço universal.

As contribuições são proporcionais à parte do seu volume de negócios relativa aos serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público.

O volume de negócios tomado em consideração corresponde ao volume de negócios antes de impostos realizado com a oferta de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público no território nacional em conformidade com o artigo 95.o, § 2.

As despesas de gestão do fundo são compostas por todas as despesas relacionadas com o funcionamento do fundo, incluindo as despesas inerentes à definição de um modelo de custos baseado num operador teórico eficaz, em função do tipo de rede de comunicações eletrónicas através da qual é oferecida a componente social do serviço universal. O Rei determina, por decreto aprovado em Conselho de Ministros, o montante máximo das despesas de gestão do fundo.

As despesas de gestão do fundo são financiadas pelos operadores referidos no segundo parágrafo e são proporcionais ao respetivo volume de negócios referido no terceiro parágrafo.

§ 5.   O Rei determina, por decreto aprovado em Conselho de Ministros, após parecer do Instituto, as modalidades de funcionamento desse mecanismo.»

15

Nos termos do artigo 146.o, segundo parágrafo, da Lei de 10 de julho de 2012, o artigo 51.o da Lei de 13 de junho de 2005 produz efeitos «a partir de 30 de junho de 2005».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Resulta da decisão de reenvio que, na sequência, designadamente, dos acórdãos Comissão/Bélgica (C‑222/08, EU:C:2010:583) e Base e o. (C‑389/08, EU:C:2010:584), o legislador belga adotou a Lei de 10 de julho de 2012, com o objetivo de alterar o mecanismo de financiamento da oferta do serviço universal, designadamente no que respeita às tarifas telefónicas sociais que constam da Lei de 25 de abril de 2007, relativa a disposições diversas (IV) (Belgisch Staatsblad, de 8 de maio de 2007, p. 25103), que alterou e interpretou a Lei de 13 de junho de 2005.

17

Em 28 de janeiro de 2013, a Base Company e a Mobistar, duas operadoras de serviços de comunicações eletrónicas na Bélgica, interpuseram perante o órgão jurisdicional de reenvio um recurso de anulação dos artigos 50.°, 51.° e 146.° da Lei de 10 de julho de 2012, que preveem um mecanismo de financiamento setorial, através da imposição de uma contribuição aos operadores cujo volume de negócios seja igual ou superior aos limites previstos por esta lei, dos custos líquidos relativos à oferta de serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet enquanto elementos da «componente social do serviço universal», a qual, na aceção da referida lei, consiste na oferta de condições tarifárias especiais a determinadas categorias de beneficiários.

18

Como fundamento do seu recurso, a Base Company e a Mobistar alegam, designadamente, que estas disposições não são conformes aos artigos 10.° e 11.° da Constituição, lidos em conjugação com os seus artigos 170.° e 172.°, nem aos artigos 9.° e 32.° da diretiva serviço universal.

19

A Base Company e a Mobistar consideram que a obrigação de contribuir para o financiamento dos custos líquidos, que resulta da oferta de serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet que lhes incumbem desde as alterações efetuadas pela Lei de 10 de julho de 2012, é contrária ao direito da União. As referidas empresas consideram que estão a ser discriminadas relativamente aos contribuintes que não são sujeitos a contribuições baseadas em disposições de direito nacional contrárias ao direito da União.

20

O órgão jurisdicional de reenvio refere que o artigo 74.o/1 da Lei de 13 de junho de 2005, conforme inserido pelo artigo 51.o da Lei de 10 de julho de 2012, instituiu um «Fundo para o serviço universal em matéria de tarifas sociais» encarregado de indemnizar cada prestador de tarifas sociais para quem a oferta da componente social do serviço social represente um encargo excessivo. Este fundo é financiado pelos operadores que oferecem esta componente social e por aqueles que oferecem serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet. Este órgão jurisdicional precisa que, ao instaurar este mecanismo de financiamento, o legislador belga recorreu à possibilidade prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal.

21

O órgão jurisdicional de reenvio questiona a conformidade das disposições da Lei de 10 de julho de 2012 com a diretiva serviço universal, uma vez que lhe parece resultar, em especial, do artigo 9.o desta diretiva, que as «comunicações vocais, comunicações fac‑símile e comunicações de dados, com débitos suficientes para viabilizar o acesso funcional à internet», mencionadas no artigo 4.o, n.o 2, da referida diretiva, estão excluídas da componente social do serviço universal. Este órgão jurisdicional sublinha que o artigo 32.o desta mesma diretiva prevê que os Estados‑Membros podem decidir tornar acessíveis ao público serviços obrigatórios adicionais para além das obrigações de serviço universal, mas que, nessas circunstâncias, não pode ser imposto qualquer mecanismo de compensação que envolva empresas específicas.

22

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, no âmbito do processo nele pendente, o Ministerraad precisou que a totalidade dos serviços universais instituídos pela Lei de 10 de julho de 2012 foi concebida tendo em consideração que o artigo 9.o, n.o 3, da diretiva serviço universal permite prestar apoio aos consumidores relativamente a outros serviços além dos indicados nos artigos 4.° a 7.° da referida diretiva, incluindo serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet.

23

Nestas circunstâncias o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a [diretiva serviço universal], em particular os seus artigos 9.° e 32.°, ser interpretada no sentido de que a tarifa social relativa aos serviços universais, bem como o mecanismo de compensação previsto no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal, são aplicáveis não apenas às comunicações eletrónicas realizadas através de uma ligação (telefónica), num local fixo, [a uma] rede de comunicações pública mas também [aos] serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet?

2)

Deve o artigo 9.o, n.o 3, da diretiva serviço universal ser interpretado no sentido de que autoriza os Estados‑Membros a acrescentar[em] ao serviço universal opções tarifárias especiais relativas a outros serviços além dos definidos no artigo 9.o, n.o 2, [desta] diretiva?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira e […] segunda questões, as disposições em causa da diretiva serviço universal são compatíveis com o princípio da igualdade, conforme previsto, entre outros, no artigo 20.o da Carta […]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

24

Com a sua primeira e segunda questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a diretiva serviço universal deve ser interpretada no sentido de que as tarifas especiais e o mecanismo de financiamento previstos, respetivamente, nos artigos 9.° e 13.°, n.o 1, alínea b), desta diretiva se aplicam aos serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet.

25

Há que salientar que, segundo o artigo 1.o, n.o 2, da diretiva serviço universal, o objeto desta diretiva é definir, como prevê o artigo 2.o, alínea j), da diretiva‑quadro, o conjunto mínimo de serviços de qualidade especificada a que todos os utilizadores finais têm acesso, a um preço acessível à luz das condições específicas nacionais e sem distorção da concorrência. Este conjunto mínimo de serviços universais é definido no capítulo II da diretiva serviço universal.

26

Por força do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva serviço universal, os Estados‑Membros devem garantir que os serviços definidos no seu capítulo II sejam disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os utilizadores finais no seu território, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível em função das condições nacionais específicas.

27

O considerando 4 desta diretiva enuncia que o facto de garantir um serviço universal pode implicar a oferta de alguns serviços a alguns utilizadores finais a preços que se afastam das condições normais do mercado.

28

Assim, de acordo com o artigo 9.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva, os Estados‑Membros podem exigir que as empresas designadas para garantir a prestação do serviço universal ofereçam opções ou pacotes diferentes dos oferecidos em condições comerciais normais, sobretudo com o intuito de assegurar que os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais não sejam impedidos de aceder ao conjunto mínimo do serviço universal definido nos artigos 4.° a 7.° desta mesma diretiva.

29

Resulta do artigo 9.o, n.o 3, da diretiva serviço universal que, além da eventual adoção de disposições que obriguem as empresas designadas para garantir a prestação do serviço universal a oferecerem opções tarifárias especiais ou a respeitarem limites máximos de preços, nivelamentos geográficos de preços ou outros regimes semelhantes, os Estados‑Membros podem assegurar que seja prestado apoio aos consumidores identificados como tendo baixos rendimentos ou necessidades sociais especiais.

30

O artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal prevê que, quando, com base no cálculo do custo líquido referido no artigo 12.o desta diretiva, as autoridades reguladoras nacionais considerarem que as empresas designadas para assumir as obrigações do serviço universal, conforme enumeradas nos artigos 3.° a 10.° da referida diretiva, estão sujeitas a encargos excessivos, os Estados‑Membros devem, a pedido de qualquer dessas empresas, decidir repartir o custo líquido dessas obrigações pelos operadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas.

31

Resulta de todas estas disposições que as tarifas especiais e o mecanismo de financiamento previstos nos artigos 9.° e 13.°, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal apenas se aplicam aos serviços universais enumerados no capítulo II desta diretiva.

32

Nestas condições, há que verificar se os serviços de comunicações móveis e/ou de assinaturas de Internet são abrangidos pelas obrigações de serviço universal previstas nesse capítulo.

33

A este respeito, há que recordar que o artigo 4.o, n.os 1 e 2, da diretiva serviço universal, com a epígrafe «Oferta de acesso num local fixo e oferta de serviços telefónicos», prevê que a ligação a uma rede de comunicações pública num local fixo deve ser capaz de servir de suporte de comunicações vocais, comunicações fac‑símile e comunicações de dados, com débitos suficientes para viabilizar o acesso funcional à Internet. O n.o 3 deste artigo precisa que os Estados‑Membros devem assegurar que todos os pedidos razoáveis de prestação de um serviço telefónico acessível ao público, através da ligação a uma rede de comunicações pública num local fixo, que permita efetuar e receber chamadas nacionais e internacionais sejam satisfeitos pelo menos por uma empresa.

34

Assim, tanto a epígrafe como o enunciado do artigo 4.o da diretiva serviço universal estabelecem de forma explícita a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a ligação a uma rede de comunicações pública num local fixo.

35

Esta obrigação resulta também do considerando 8 desta diretiva, que refere que um dos requisitos fundamentais do serviço universal consiste em oferecer aos utilizadores que o solicitem uma ligação à rede telefónica pública num local fixo, a um preço acessível.

36

Ora, há que constatar que os termos «num local fixo» se opõem ao termo «móvel».

37

Por conseguinte, como assinalou o advogado‑geral no n.o 46 das suas conclusões, deve considerar‑se que os serviços de comunicações móveis estão, por definição, excluídos do conjunto mínimo de serviços universais definido no capítulo II da diretiva serviço universal, uma vez que a sua oferta não implica um acesso e uma ligação à rede telefónica pública num local fixo. Do mesmo modo, há que considerar que os serviços de assinaturas de Internet oferecidos através dos serviços de comunicações móveis não estão abrangidos por este conjunto mínimo. No entanto, os serviços de assinaturas de Internet estão incluídos nesse conjunto, se a sua oferta implicar uma ligação à Internet num local fixo.

38

Além disso, importa recordar que, de acordo com o artigo 32.o da diretiva serviço universal, os Estados‑Membros podem decidir tornar acessíveis ao público, no seu território, serviços adicionais para além das obrigações de serviço universal definidas no capítulo II desta diretiva.

39

A este respeito, os considerandos 25 e 46 da diretiva serviço universal referem que os Estados‑Membros continuam a ser livres de impor medidas especiais que devem ser implementadas de modo economicamente eficiente e fora do âmbito das obrigações de serviço universal.

40

Consequentemente, os Estados‑Membros são livres de considerar os serviços de comunicações móveis, incluindo os serviços de assinatura de Internet oferecidos através dos serviços de comunicações móveis, como serviços obrigatórios adicionais, na aceção do artigo 32.o da diretiva serviço universal.

41

No entanto, por força deste artigo, quando os Estados‑Membros decidam tornar acessíveis ao público, no seu território, serviços adicionais, não pode ser imposto um mecanismo de financiamento desses serviços que envolva empresas específicas. Por conseguinte, o mecanismo de financiamento previsto no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal não pode ser estendido a esses serviços.

42

Com efeito, tal como refere o considerando 25 da diretiva serviço universal, os Estados‑Membros não estão autorizados a impor aos agentes do mercado contribuições financeiras relativas a medidas que não façam parte das obrigações de serviço universal. Assim, embora cada Estado‑Membro continue a ser livre de financiar as medidas especiais em conformidade com o direito da União, não pode fazê‑lo através de contribuições dos agentes do mercado.

43

Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder à primeira e segunda questões que a diretiva serviço universal deve ser interpretada no sentido de que as tarifas especiais e o mecanismo de financiamento previstos, respetivamente, nos artigos 9.° e 13.°, n.o 1, alínea b), da referida diretiva se aplicam aos serviços de assinaturas de Internet que necessitem de uma ligação à Internet num local fixo, mas não aos serviços de comunicações móveis, incluindo os serviços de assinaturas de Internet oferecidos através desses serviços de comunicações móveis. Caso estes últimos sejam tornados acessíveis ao público, no território nacional, enquanto «serviços obrigatórios adicionais», na aceção do artigo 32.o da diretiva serviço universal, o seu financiamento não pode ser assegurado, em direito nacional, por um mecanismo de compensação que envolva empresas específicas.

Quanto à terceira questão

44

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, no caso de resposta negativa à primeira e segunda questões, se os artigos 9.° e 13.°, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal são compatíveis com o princípio da igualdade consagrado no artigo 20.o da Carta.

45

Há que recordar que, quando uma questão relativa à validade de um ato adotado pelas instituições da União Europeia é suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, compete a este órgão jurisdicional julgar se é necessária uma decisão sobre esse aspeto, para proferir a sua decisão, e, consequentemente, solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa questão. Por conseguinte, na medida em que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional tenham por objeto a validade de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (despacho Adiamix, C‑368/12, EU:C:2013:257, n.o 16 e jurisprudência aí referida).

46

Todavia, resulta do espírito de cooperação que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial que é indispensável que o órgão jurisdicional de reenvio exponha, na sua decisão de reenvio, os motivos pelos quais considera que uma resposta às suas questões relativas à interpretação ou à validade de determinadas disposições do direito da União é necessária para a solução do litígio (despacho Adiamix, C‑368/12, EU:C:2013:257, n.o 21 e jurisprudência aí referida).

47

Neste contexto, é importante que o órgão jurisdicional nacional indique, em especial, as razões precisas que o conduziram a interrogar‑se sobre a validade de determinadas disposições do direito da União e exponha os fundamentos de invalidade que, consequentemente, lhe pareçam poderem ser acolhidos (despacho Adiamix, C‑368/12, EU:C:2013:257, n.o 22 e jurisprudência aí referida).

48

Há também que sublinhar a este respeito que, conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as informações fornecidas nas decisões de reenvio não servem apenas para permitir ao Tribunal dar respostas úteis mas também para dar aos governos dos Estados‑Membros, bem como às demais partes interessadas, a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Compete ao Tribunal de Justiça velar pela salvaguarda desta possibilidade, atendendo ao facto de que, nos termos da disposição referida, apenas as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas, acompanhadas de uma tradução na língua oficial de cada Estado‑Membro, com exceção dos autos do processo nacional eventualmente transmitidos ao Tribunal pelo órgão jurisdicional de reenvio (despacho Adiamix, C‑368/12, EU:C:2013:257, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

49

A este respeito, cabe referir que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu, na sua decisão de reenvio, indicações ou explicações sobre os elementos de facto ou de direito que pudessem caracterizar uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 20.o da Carta, nem sobre os motivos que o conduziram a interrogar‑se sobre a validade dos artigos 9.° e 13.°, n.o 1, alínea b), da diretiva serviço universal.

50

Nestas condições, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil à questão que lhe foi submetida.

51

Decorre daqui que a terceira questão é inadmissível.

Quanto às despesas

52

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

A Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretada no sentido de que as tarifas especiais e o mecanismo de financiamento previstos, respetivamente, nos artigos 9.° e 13.°, n.o 1, alínea b), desta diretiva se aplicam aos serviços de assinaturas de Internet que necessitem de uma ligação à Internet num local fixo, mas não aos serviços de comunicações móveis, incluindo os serviços de assinaturas de Internet oferecidos através desses serviços de comunicações móveis. Caso estes últimos sejam tornados acessíveis ao público, no território nacional, enquanto «serviços obrigatórios adicionais», na aceção do artigo 32.o da Diretiva 2002/22, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, o seu financiamento não pode ser assegurado, em direito nacional, por um mecanismo de compensação que envolva empresas específicas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.