CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 17 de novembro de 2016 ( 1 )

Processo C‑562/14 P

Reino da Suécia

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos das instituições da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 1049/2001 — Exceção ao direito de acesso — Artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão — Proteção dos objetivos de atividades de inquérito — Documentos de um dossiê relativo a um processo EU Pilot — Recusa de acesso — Obrigação da instituição em causa de examinar individualmente os documentos referidos no pedido de acesso»

1. 

Com o presente recurso, o Reino da Suécia pede ao Tribunal de Justiça que se digne anular o acórdão Spirlea/Comissão, proferido pelo Tribunal Geral em 25 de setembro de 2014 ( 2 ). Nesse acórdão, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso em que Darius Nicolai Spirlea e Mihaela Spirlea (a seguir «D. e M. Spirlea») pediram a anulação da decisão da Comissão Europeia, de 21 de junho de 2012, que recusou o acesso de D. e M. Spirlea a documentos de um dossiê relativo a um processo EU Pilot (a seguir «decisão controvertida») ( 3 ).

2. 

O artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 ( 4 ) prevê determinadas exceções ao direito de acesso do público aos documentos na posse das instituições da UE. O Tribunal de Justiça já estabeleceu na sua jurisprudência que as instituições da União podem indeferir os pedidos de acesso com base em presunções gerais de não divulgação aplicáveis nos casos em que os documentos em questão se inserem numa de cinco categorias ( 5 ). Nesses casos, ao apreciar os pedidos de acesso, a instituição em causa não tem a obrigação de inspecionar individualmente os documentos em questão ( 6 ).

3. 

No presente recurso, a questão principal consiste em saber se o Tribunal de Justiça deve acrescentar uma sexta categoria de documentos aos quais se deve aplicar a presunção geral de não divulgação, a saber, os documentos na posse da Comissão no âmbito de um processo EU Pilot ( 7 ). Para responder a esta questão, é necessário determinar se entre as características desse processo e as do processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE (especialmente a sua fase pré‑contenciosa) existem semelhanças suficientes para justificar que a presunção geral de não divulgação, que se aplica a este último processo, abranja igualmente os documentos relativos a um processo EU Pilot.

Legislação

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

4.

O artigo 15.o, n.o 1, TFUE estabelece, entre outras coisas, o princípio geral de que a atuação das instituições da União se pauta pelo maior respeito possível do princípio da abertura. De acordo com o primeiro e segundo parágrafos do n.o 3 deste artigo, assiste aos cidadãos da União o direito de acesso aos documentos das instituições da União. O exercício desse direito está sujeito a determinados princípios e condições, designadamente limites impostos por razões de interesse público ou privado e definidos por meio de regulamentos adotados pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

5.

O direito de acesso aos documentos está consagrado no artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 8 ).

Regulamento n.o 1049/2001

6.

Os considerandos do Regulamento n.o 1049/2001 afirmam que o regulamento se destina a permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos e a estabelecer os respetivos princípios gerais e limites, em conformidade com o disposto no artigo 15.o TFUE (considerando 4). Em princípio, todos os documentos das instituições devem ser acessíveis ao público, mas determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de exceções (considerando 11).

7.

O artigo 1.o do regulamento define os princípios, as condições e os limites que, por razões de interesse público ou privado, regem o direito de acesso aos documentos das instituições previsto no artigo 15.o TFUE, de modo a que «o acesso aos documentos seja o mais amplo possível».

8.

O artigo 4.o tem a epígrafe «Exceções». De acordo com o terceiro travessão do n.o 2 desse artigo:

«As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria,

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.»

Processo EU Pilot

9.

A Comissão começou por sugerir a introdução de um exercício‑piloto para melhorar a aplicação do direito da UE na sua comunicação «Uma Europa de resultados — aplicação do direito [da União]» ( 9 ). Os Tratados não oferecem qualquer base legal para esse processo, que se encontra em funcionamento desde abril de 2008. Em 2010, a Comissão afirmou o seguinte:

«[…] A ideia subjacente ao projeto é que este sistema deve ser utilizado em todas as questões e problemáticas relativas à aplicação do direito da União, sempre que seja necessário obter informações ou explicações junto do Estado‑Membro. […] Considera‑se também coerente assegurar que, antes do início de qualquer processo por incumprimento, exista, pelo menos, uma oportunidade mínima de identificação de uma solução célere e positiva, que substitua as práticas administrativas atuais [a chamada «carta pré‑artigo 258.o TFUE»] […]» ( 10 )

Matéria de facto e decisão controvertida

10.

D. e M. Spirlea são pais de uma criança que faleceu em agosto de 2010, alegadamente devido a um tratamento à base de células estaminais autólogas que lhe foi aplicado numa clínica privada estabelecida em Düsseldorf (Alemanha) (a seguir «clínica privada»). Por carta de 8 de março de 2011, apresentaram à Direção‑Geral da Saúde da Comissão Europeia uma denúncia, na qual sustentavam, essencialmente, que a clínica privada tinha podido administrar esse tratamento em consequência do incumprimento, pelas autoridades alemãs, das suas obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.o 1394/2007 ( 11 ), relativo a medicamentos de terapia avançada. Na sequência desta denúncia, a Comissão deu início a um processo EU Pilot ( 12 ) para determinar se o Regulamento n.o 1394/2007 tinha sido violado. No âmbito desse processo, a Comissão enviou, em 10 de maio e em 10 de outubro de 2011, dois pedidos de informações às autoridades alemãs, que responderam em 7 de julho e 4 de novembro de 2011, respetivamente.

11.

D. e M. Spirlea pediram acesso, nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, aos documentos que continham informações relativas ao tratamento da sua denúncia. Em 26 de março de 2012, em dois ofícios separados, a Comissão indeferiu esses pedidos. Em 30 de abril de 2012, a Comissão informou D. e M. Spirlea de que não estava em condições de poder declarar a existência de uma violação do direito da União, nomeadamente do Regulamento n.o 1394/2007, pelas autoridades alemãs.

12.

Em 21 de junho de 2012, a Comissão recusou, por meio da decisão controvertida, o acesso aos documentos solicitados, com fundamento no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. No essencial, considerou que a divulgação dos dois pedidos de informações enviados pela Comissão às autoridades alemãs, em 10 de maio e 10 de outubro de 2011, no âmbito do processo 2070/11 (a seguir «documentos controvertidos») ( 13 ), seria suscetível de afetar o bom desenrolar do processo de inquérito aberto em relação às autoridades alemãs, e indeferiu igualmente o pedido de acesso parcial a esses documentos a título do artigo 4.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1049/2001. A Comissão considerou ainda que não existia um interesse público superior, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, último membro de frase, do regulamento, que justificasse a divulgação dos documentos controvertidos. Por último, em 27 de setembro de 2012, a Comissão informou D. e M. Spirlea de que o processo 2070/11 estava definitivamente encerrado.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

13.

Em 6 de julho de 2012, D. e M. Spirlea interpuseram no Tribunal Geral um recurso de anulação da decisão controvertida. A Dinamarca, a Finlândia e a Suécia intervieram em seu apoio. A Espanha e a República Checa intervieram em apoio da Comissão. Em cumprimento de um despacho do Tribunal Geral, a Comissão apresentou os documentos controvertidos, para efeitos de exame. Esses documentos não foram divulgados a D. e M. Spirlea nem aos intervenientes.

14.

No seu primeiro fundamento de recurso, D. e M. Spirlea sustentaram que a Comissão tinha cometido um erro de direito ao interpretar o artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 no sentido de que podia recusar a divulgação dos documentos de um dossiê relativo a um processo EU Pilot sem os examinar concreta e individualmente. O Tribunal Geral julgou improcedente esse fundamento de recurso, concluindo que a Comissão não tinha cometido qualquer erro de direito ao interpretar essa disposição ( 14 ). O Tribunal Geral considerou que, contrariamente ao que alegava a Suécia, a Comissão tinha verificado que os documentos eram objeto de um procedimento de inquérito em curso e que, por conseguinte, a presunção geral de não divulgação lhes era efetivamente aplicável ( 15 ). Consequentemente, o Tribunal Geral rejeitou a denúncia de D. e M. Spirlea, segundo a qual, ao apurar se existia um interesse público superior, a Comissão não tinha ponderado corretamente os interesses em conflito ( 16 ).

15.

Com o seu segundo fundamento de recurso, D. e M. Spirlea alegaram que a Comissão tinha violado o seu direito de obterem um acesso parcial aos documentos controvertidos. O Tribunal Geral julgou inadmissível esse fundamento ( 17 ) e rejeitou o terceiro fundamento de recurso, em que D. e M. Spirlea alegavam que a Comissão não tinha cumprido o dever de fundamentação que lhe incumbe por força do artigo 296.o TFUE ( 18 ). Por último, o Tribunal Geral julgou improcedente o quarto fundamento de recurso, segundo o qual a Comissão tinha violado as regras relativas ao tratamento das denúncias dos cidadãos da União, tal como resultam da comunicação de 20 de março de 2002 ( 19 ).

Recurso e tramitação no Tribunal de Justiça

16.

O Governo sueco pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido;

declarar nula a decisão controvertida; e

condenar a Comissão nas despesas.

17.

A Suécia invoca três fundamentos de recurso. Com os dois primeiros fundamentos, alega que o Tribunal Geral interpretou incorretamente o terceiro travessão do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001, de duas maneiras: primeiro, ao considerar que, quando invoca a exceção relativa aos procedimentos de inquérito, a Comissão se pode basear numa presunção geral para recusar o acesso a documentos relativos a um processo EU Pilot, e, segundo, ao considerar que a apreciação da Comissão no sentido de que não existia um interesse público superior na aceção da parte final do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento não enfermava de um erro. Com o terceiro fundamento, a Suécia alega que o Tribunal Geral aplicou incorretamente o direito da União ao concluir que, no âmbito de um recurso de anulação interposto nos termos do artigo 263.o TFUE, a legalidade do ato impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o ato foi adotado, mesmo quando respeita à apreciação de um pedido nos termos do Regulamento n.o 1049/2001.

18.

A Dinamarca e a Finlândia intervieram em apoio da Suécia.

19.

A Alemanha interveio em apoio da Comissão, que também é apoiada pela Espanha e pela República Checa.

Primeiro fundamento: interpretação incorreta do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 — presunção geral de não divulgação dos documentos relativos a um processo EU Pilot

20.

Em apoio do seu primeiro fundamento de recurso, a Suécia alega que o princípio geral que deve ser aplicado à apreciação dos pedidos de acesso a documentos é o que visa assegurar a maior transparência possível. Consequentemente, as exceções a esse princípio devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita.

Acórdão recorrido

21.

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral entendeu que era evidente que o objeto do litígio consistia na recusa da Comissão em conceder o acesso aos seus pedidos de informações dirigidos às autoridades da Alemanha, de 10 de maio e 10 de outubro de 2011, e não às observações de 4 de novembro de 2011 desse Estado‑Membro ( 20 ). Salientou que, aquando da adoção da decisão controvertida, o processo EU Pilot aberto em relação a esse Estado‑Membro ainda estava em curso. Era pacífico que os documentos controvertidos diziam respeito a uma atividade de «inquérito» na aceção da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. De qualquer forma, resultava da comunicação de 5 de setembro de 2007 que o objetivo dos processos EU Pilot é verificar se o direito da União Europeia está a ser respeitado e aplicado corretamente no interior dos Estados‑Membros ( 21 ).

22.

De seguida, o Tribunal Geral verificou se, não obstante, a Comissão estava obrigada a efetuar uma apreciação concreta do conteúdo de cada um dos documentos controvertidos ou se, pelo contrário, se podia limitar a basear‑se na presunção geral de que a divulgação comprometeria os objetivos visados pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Ao fazer essa verificação, o Tribunal Geral referiu que o Tribunal de Justiça tinha declarado, como exceção ao princípio orientador da transparência, que as instituições da União se podem basear em presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos ( 22 ). Um exame individual e concreto de cada documento pode não ser necessário quando, devido às circunstâncias específicas do caso, seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido. Nestes casos, a instituição em causa pode basear‑se numa presunção geral aplicável a certas categorias de documentos, quando considerações de ordem geral semelhantes possam ser aplicadas a pedidos de divulgação respeitantes a documentos da mesma natureza ou da mesma categoria ( 23 ). No que toca à exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência dessas presunções gerais em determinados casos ( 24 ).

23.

O Tribunal Geral salientou que o recurso a uma presunção geral de não divulgação não é anódino: as referidas presunções não só tem por efeito enquadrar o princípio fundamental da transparência consagrado no artigo 11.o TUE, no artigo 15.o TFUE e no Regulamento n.o 1049/2001 como também limitam, na prática, o acesso aos documentos em causa. Por conseguinte, o uso de tais presunções deve basear‑se em razões sólidas e convincentes, e qualquer exceção a um direito subjetivo ou a um princípio geral do direito da União, incluindo ao direito de acesso previsto no artigo 15.o, n.o 3, TFUE, lido em conjugação com o Regulamento n.o 1049/2001, deve ser aplicada e interpretada de forma restritiva ( 25 ).

24.

O Tribunal Geral concluiu que: «[…] os argumentos apresentados [por D. e M. Spirlea] e os Estados‑Membros que intervêm em seu apoio no presente processo relacionados tanto com a natureza informal do processo EU Pilot como com as diferenças existentes entre esse processo e o processo por incumprimento não são suficientes para declarar um erro na premissa do raciocínio seguido na decisão [controvertida] segundo a qual, tendo em conta a finalidade do processo EU Pilot, a presunção geral de recusa reconhecida pela jurisprudência para os processos por incumprimento, incluindo a sua fase pré‑contenciosa, deve ser igualmente aplicável no quadro dos processos EU Pilot. Com efeito, a ratio decidendi seguida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão [LPN e Finlândia/Comissão ( 26 )] […] bem como as semelhanças existentes entre o processo EU Pilot e o processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE militam a favor de tal reconhecimento ( 27 )».

25.

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral considerou que o fator comum no raciocínio do Tribunal de Justiça a propósito das várias categorias de documentos em que se admite uma presunção geral de recusa de acesso consiste no facto de a boa tramitação dos processos em causa poder ser comprometida. O mesmo fator de unificação se aplica aos processos EU Pilot. A Comissão baseou‑se na mesma premissa, na decisão controvertida, ao explicar que, no âmbito de um processo EU Pilot, deve reinar um clima de confiança mútua entre a Comissão e o Estado‑Membro em questão que lhes permita chegar a uma resolução amigável do diferendo, sem que seja necessário intentar um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE ( 28 ). Este continua a ser o caso mesmo que o processo EU Pilot não seja, em todos os pontos, equivalente a um processo em matéria de controlo de auxílios de Estado ou de concentrações nem a um processo jurisdicional, os quais também não são equivalentes entre si. Todavia, esse facto não impediu o Tribunal de Justiça de reconhecer, para todos esses casos, a possibilidade de recorrer a presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos ( 29 ).

26.

Em segundo lugar, os processos EU Pilot e o processo por incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE, nomeadamente a sua fase pré‑contenciosa, apresentam semelhanças que justificam a aplicação de uma abordagem comum nos dois casos e estas semelhanças prevalecem sobre as diferenças ( 30 ). Ambos os processos permitem à Comissão exercer o melhor possível o seu papel de guardiã dos Tratados. O objetivo dos processos EU Pilot e dos processos por incumprimento é garantir o respeito do direito da União, dando ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de fazerem valer os seus meios de defesa e evitando, se possível, o recurso a um processo judicial. Em ambos os casos, compete à Comissão, quando considera que um Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações, apreciar a oportunidade de intentar uma ação contra esse Estado ( 31 ). Além disso, ambos os processos são de natureza bilateral, entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa ( 32 ). Por último, embora o processo EU Pilot não seja equivalente, em todos os aspetos, ao processo por incumprimento, pode, no entanto, levar a Comissão a propô‑lo ao abrigo do artigo 258.o TFUE, dado que, no seu termo, a Comissão pode abrir formalmente a instrução com base na infração através de uma notificação para cumprir e eventualmente recorrer ao Tribunal de Justiça para que este declare o incumprimento imputado ao Estado‑Membro em causa. Nestas circunstâncias, a divulgação de documentos no âmbito do processo EU Pilot poderia prejudicar a fase seguinte, a saber, o processo por incumprimento. Acresce que, se a Comissão tivesse a obrigação de conceder o acesso a informações sensíveis fornecidas pelos Estados‑Membros e de revelar os argumentos por estes apresentados em sua defesa no âmbito do processo EU Pilot, os Estados‑Membros poderiam ser reticentes a partilharem‑nas inicialmente ( 33 ).

27.

Nestes termos, o Tribunal Geral concluiu que: «[…] quando a instituição em causa invoca a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, relativa aos procedimentos de investigação, pode basear‑se numa presunção geral para recusar o acesso a documentos relativos ao processo EU Pilot, enquanto etapa que precede a eventual abertura formal de um processo por incumprimento ( 34 )».

28.

O Tribunal Geral rejeitou seguidamente os argumentos de D. e M. Spirlea, incluindo a alegação segundo a qual, de qualquer modo, só se pode reconhecer uma presunção geral no que respeita a documentos relativos a um processo EU Pilot quando se tratar de um pedido de acesso a um «conjunto de documentos» e não, como no caso em apreço, a dois documentos apenas ( 35 ).

Observações das partes

29.

O Governo sueco alega que as conclusões do Tribunal Geral estão viciadas pelos seguintes erros de direito. Primeiro, o Tribunal Geral permitiu que a Comissão se baseasse numa presunção geral de não divulgação para indeferir o pedido de D. e M. Spirlea de acesso aos documentos, quando devia ter considerado que a Comissão estava obrigada a examinar o conteúdo específico de cada um dos documentos. Segundo, não obstante existir uma presunção geral de não divulgação de documentos na fase pré‑contenciosa dos processos por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, essa presunção não deve constituir a base de uma abordagem comum aos documentos de um dossiê relativo a um processo EU Pilot, uma vez que as diferenças entre os dois processos prevalecem sobre quaisquer semelhanças. Terceiro, ainda que se admita uma presunção geral no que respeita a documentos relativos a um processo EU Pilot, o pedido de acesso deve respeitar a um «conjunto de documentos» e não, como no caso em apreço, a dois documentos apenas.

30.

Em apoio destes argumentos, a Dinamarca alega que os processos EU Pilot não abrangem somente os processos por incumprimento nem se circunscrevem à fase pré‑contenciosa desses processos. Cerca de um quarto dos processos EU Pilot relativos à Dinamarca tinham por objeto questões puramente factuais. Em tais casos, não é possível considerar que o acesso à correspondência deva ser recusado com base numa presunção geral.

31.

A Finlândia acrescenta que não se deve partir do princípio de que os documentos de um processo EU Pilot contêm as conclusões preliminares da Comissão e dos Estados‑Membros relativas aos processos por incumprimento e de que a sua divulgação comprometeria o objetivo de uma ação ao abrigo do artigo 258.o TFUE. A Finlândia perfilha o entendimento da Suécia de que a presunção geral de não divulgação só se aplica quando está em causa um grande número de documentos. O Tribunal Geral concluiu erradamente que o critério relevante para apreciar a aplicabilidade da presunção geral de confidencialidade era um critério qualitativo, e não quantitativo.

32.

A Comissão sustenta que os argumentos do Governo sueco são inoperantes e alega que, em todo o caso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma instituição pode indeferir um pedido de acesso a documentos com base numa presunção geral, mesmo que tal pedido respeite apenas a um número reduzido de documentos.

33.

A Espanha e a República Checa também entendem que o Tribunal Geral decidiu corretamente. Consideram, em especial, que todos os processos EU Pilot visam determinar se os Estados‑Membros respeitam o direito da União. Acrescentam que as semelhanças práticas ou funcionais entre o processo EU Pilot e o processo por incumprimento permitem concluir que esses processos são comparáveis.

34.

A Alemanha também defende que o acórdão recorrido está correto. Salienta que o número de infrações diminuiu desde a introdução do processo EU Pilot, pois os litígios são resolvidos com maior celeridade e não é necessário instaurar processos por incumprimento. Portanto, é fundamental que esse clima de confiança recíproca seja preservado no futuro. Uma obrigação de divulgação de documentos num processo EU Pilot poderia comprometer o bom desenrolar do processo. Existem muitas semelhanças entre o processo EU Pilot e a fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento. A Alemanha discorda da Suécia quando esta afirma que os processos EU Pilot têm um âmbito de aplicação mais abrangente do que o dos processos por incumprimento. Somente as questões suscetíveis de ser objeto de processos nos termos do artigo 258.o TFUE são objeto de processos EU Pilot. Tal como referido pela Suécia e pela Dinamarca, os pedidos de informações meramente factuais só podem ser objeto de um processo EU Pilot se respeitarem a uma eventual violação do direito da União.

35.

Em resposta às observações da Alemanha, a Suécia refere as diferenças entre a sua experiência com os processos EU Pilot e a experiência da Alemanha. Na Suécia, os processos em que estão em causa grandes volumes de documentos sensíveis têm constituído a exceção. Estas diferenças refletem as opiniões divergentes dos Estados‑Membros sobre as implicações dos processos EU Pilot e militam contra a aplicação de uma presunção geral de confidencialidade em todos esses processos. A Finlândia refere ainda que a natureza informal dos processos EU Pilot implica que o intercâmbio de informações e as conversações entre a Comissão e o Estado‑Membro são muito diferentes dos que ocorrem nos processos por incumprimento. Daqui decorre que a presunção geral de não divulgação não deve ser aplicada aos documentos dos processos EU Pilot ( 36 ).

Apreciação

Observações preliminares

36.

O artigo 42.o da Carta garante o direito de acesso dos cidadãos da União aos documentos das instituições ( 37 ). O Regulamento n.o 1049/2001 afirma expressamente que tem por objetivo permitir o mais amplo efeito possível do direito de acesso do público aos documentos das instituições da União ( 38 ). Simultaneamente, determinados interesses públicos e privados devem ser protegidos através de exceções a esse direito e as instituições devem poder desempenhar as suas funções ( 39 ). As exceções têm de ser adequadas e necessárias ( 40 ) e, uma vez que derrogam o princípio geral do acesso mais amplo possível aos documentos, devem ser interpretadas e aplicadas de forma estrita ( 41 ). Em princípio, uma instituição da União pode basear a sua decisão de indeferimento de um pedido de acesso a documentos ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 em presunções gerais aplicáveis a certas categorias de documentos, uma vez que considerações de ordem geral semelhantes podem ser aplicadas a pedidos de divulgação de documentos da mesma natureza ( 42 ).

37.

Resulta das conclusões do Tribunal Geral no n.o 45 do acórdão recorrido que o processo 2070/11 era um inquérito na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. Uma vez que não existe uma presunção geral de que o acesso aos documentos elaborados no âmbito desse processo pode ser recusado, cabe à Comissão examinar cada documento individualmente e decidir se o acesso deve ser concedido. A conclusão de que os documentos devem ser divulgados não é automática ( 43 ).

Presunções gerais de não divulgação

38.

As cinco categorias relativamente às quais o Tribunal de Justiça recusou o acesso com base na presunção geral estabelecida no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 respeitam a conjuntos de documentos claramente definidos pela circunstância de constarem dos autos de processos administrativos ou judiciais pendentes. A concessão de um direito geral de acesso aos documentos poderia, portanto, ter afetado a natureza e a tramitação do processo em causa ( 44 ).

39.

Em quatro dessas categorias, o Tribunal de Justiça analisou e interpretou as regras da União aplicáveis ao processo em causa, bem como as disposições do Regulamento n.o 1049/2001 relativas ao acesso aos documentos. No acórdão TGI ( 45 ), estavam em causa as regras em matéria de auxílios de Estado; no acórdão API ( 46 ), foram analisadas as normas que regulam os processos jurisdicionais nos órgãos jurisdicionais da União; no acórdão Éditions Odile Jacob ( 47 ), foram apreciadas as disposições que regem os processos de controlo das operações de concentração de empresas; e no acórdão EnBW ( 48 ), foram examinadas as regras relativas aos cartéis. Ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça procurou fazer uma interpretação coerente das normas processuais específicas em causa e das disposições do Regulamento n.o 1049/2001. As decisões do Tribunal de Justiça nos processos referidos preservam o equilíbrio que o legislador da União pretendeu estabelecer entre o Regulamento e as normas da União que regem o processo em causa.

40.

Não existe legislação que regule o processo EU Pilot nem normas processuais específicas. Por conseguinte, no contexto desse processo, não existem regras equivalentes às que regem os processos em matéria de auxílios de Estado, os processos jurisdicionais, o processo de controlo das operações de concentração de empresas ou as práticas incompatíveis com o mercado comum.

41.

No que respeita à quinta categoria, o Tribunal de Justiça concluiu que a divulgação geral dos documentos relativos a um processo por incumprimento durante a sua fase pré‑contenciosa comporta o risco de alterar o caráter desse processo e a sua tramitação, e que, consequentemente, essa divulgação prejudica, em princípio, a proteção dos objetivos das atividades de inquérito, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001. A divulgação pode tornar ainda mais difícil o desenrolar das negociações e a conclusão de um acordo entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa que ponha termo ao alegado incumprimento, a fim de permitir que o direito da União seja cumprido e de evitar um recurso aos órgãos jurisdicionais da União ( 49 ).

42.

Uma vez que não existem regras específicas que regulem a fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento, o Tribunal de Justiça não tinha de verificar se a concessão de um acesso geral com base no Regulamento n.o 1049/2001 prejudicaria qualquer disposição processual em particular. Relativamente ao processo EU Pilot, a posição é a mesma.

43.

São as semelhanças entre o processo EU Pilot e o processo por incumprimento, em especial na sua fase pré‑contenciosa, de molde a justificar a aplicação de uma presunção geral de não divulgação dos documentos no âmbito do primeiro?

44.

No meu entender, não obstante existir uma certa sobreposição entre os dois processos referidos, as circunstâncias não são exatamente as mesmas.

45.

Não existe uma definição formal do processo EU Pilot. Na sua comunicação «Uma Europa de resultados — aplicação do direito [da União]», a Comissão distingue entre pedidos de informações e queixas. Os pedidos exigem o esclarecimento da posição factual ou jurídica no Estado‑Membro. As queixas respeitam a violações do direito da União, que devem ser resolvidas pelos Estados‑Membros dentro de determinados prazos. Na falta de uma solução, a Comissão pode adotar medidas adicionais, entre as quais o processo por incumprimento ( 50 ). Mais recentemente, a Comissão declarou: «Antes de recorrer aos procedimentos formais de infração, a Comissão colabora com os Estados‑Membros para resolver problemas de forma eficaz e em conformidade com o direito da União, através de um processo de diálogo estruturado com prazos claros, criado para este efeito. Este processo é designado ‘EU Pilot’» ( 51 ).

46.

Existe algum consenso entre os Estados‑Membros intervenientes no presente recurso, na medida em que todos aceitam que o processo EU Pilot veio substituir a fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento. Porém, a Suécia (apoiada pela Dinamarca e pela Finlândia) alega que o âmbito de aplicação do processo EU Pilot é mais amplo do que o da fase pré‑contenciosa do processo previsto no artigo 258.o TFUE, abrangendo também outras atividades de inquérito relativas à aplicação do direito da União. Estes Estados‑Membros afirmam que alguns processos EU Pilot respeitam a pedidos de informações sobre factos e não constituem a fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento, pelo que as diferenças entre os dois processos prevalecem sobre quaisquer semelhanças. A Dinamarca salienta que um quarto dos processos EU Pilot relativos a esse Estado‑Membro tinha por objeto elementos puramente factuais. A Suécia acrescenta que, na sua experiência com o processo EU Pilot, o intercâmbio de informações sensíveis constitui a exceção.

47.

A Comissão, a Alemanha, a Espanha e a República Checa discordam desse entendimento.

48.

Embora me pareça evidente que, efetivamente, o processo EU Pilot «substitui o moroso ‘processo da carta pré‑artigo 258.o [TFUE]’ [transmitida] através das Representações Permanentes dos Estados‑Membros por um sistema mais transparente e estruturado» ( 52 ), o processo EU Pilot também pode ser utilizado para determinar a posição factual ou jurídica nos Estados‑Membros em matéria de aplicação do direito da União fora do contexto do processo por incumprimento. O Governo dinamarquês confirma expressamente que essa é exatamente a sua experiência com o processo EU Pilot.

49.

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral também reconheceu que nem todos os processos EU Pilot são equivalentes ao processo por incumprimento ( 53 ). O processo EU Pilot prossegue um objetivo geral de fiscalização da aplicação do direito da União, enquanto o processo por incumprimento tem um objetivo mais específico, que consiste em dar ao Estado‑Membro a possibilidade de, por um lado, cumprirem as suas obrigações decorrentes do direito da União e, por outro, apresentarem utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão ( 54 ).

50.

Por conseguinte, é necessário estabelecer uma distinção entre os processos EU Pilot que efetivamente substituem a fase pré‑contenciosa dos processos por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE e aqueles que não a substituem.

51.

Uma vez que o âmbito de aplicação do processo EU Pilot é mais abrangente do que o do processo por incumprimento, não é possível identificar precisamente os aspetos em que a divulgação comprometeria o objetivo e o desenrolar processos EU Pilot ( 55 ). Além disso, a inexistência de regras específicas que regulem o processo EU Pilot implica que o alcance de qualquer exceção ao princípio geral da transparência seria especialmente incerto.

52.

Consequentemente, não considero que o processo EU Pilot constitua em geral uma nova sexta categoria de documentos à qual se deva aplicar uma presunção geral de não divulgação. No meu entender, essa conclusão é coerente com a exigência de que essa presunção geral seja interpretada e aplicada de forma estrita, por se tratar de uma exceção à regra de que a instituição em causa tem a obrigação de proceder a uma análise concreta e individual de cada documento objeto de um pedido de acesso nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, e, mais genericamente, ao princípio (subjacente ao artigo 15.o TFUE e ao artigo 42.o da Carta) de que o acesso do público aos documentos na posse das instituições da União deve ser o mais amplo possível.

53.

Daqui resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, no n.o 63 do acórdão recorrido, que a presunção geral de não divulgação se aplica aos documentos de um dossiê relativo a um processo EU Pilot.

54.

Porém, a situação será diferente nos casos em que o processo EU Pilot substitui a fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento. Nessas circunstâncias, aplicar‑se‑á efetivamente uma presunção geral de confidencialidade, pois a divulgação total é suscetível de prejudicar a possibilidade de as negociações entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, nessa fase do processo previsto no artigo 258.o TFUE, decorrerem num clima de confiança mútua, e, consequentemente, comprometer a proteção dos objetivos das atividades de inquérito ( 56 ).

55.

Aplica‑se a presunção geral de não divulgação dos documentos na fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento ao pedido apresentado por D. e M. Spirlea ao abrigo do Regulamento n.o 1049/2001?

56.

No meu entender, a resposta é negativa.

57.

No acórdão ClientEarth, o Tribunal de Justiça clarificou a sua jurisprudência relativa às presunções gerais de não divulgação nos casos em que as instituições invocam o artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001 para indeferir os pedidos de acesso a documentos. O Tribunal de Justiça considerou parcialmente procedente o recurso interposto pela ClientEarth do acórdão do Tribunal Geral que tinha negado provimento ao seu pedido de anulação da decisão em que a Comissão recusou o acesso integral a determinados estudos relativos à conformidade da lei de diversos Estados‑Membros com o direito do ambiente da União Europeia.

58.

O Tribunal de Justiça dividiu os estudos em causa nesse processo em duas categorias. A primeira abrangia os estudos que, à data da adoção da decisão que recusou o acesso integral, já tinham sido juntos ao dossiê relativo à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento iniciado mediante o envio de uma notificação para cumprir ao Estado‑Membro em causa. Relativamente a essa categoria, a divulgação teria comprometido a proteção dos objetivos prosseguidos pelas atividades de inquérito no âmbito do processo por incumprimento ( 57 ). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça considerou que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao entender que a Comissão podia alargar o âmbito de aplicação da presunção de não divulgação à segunda categoria de estudos, ou seja, aqueles que, à data da adoção da decisão da Comissão, não tinham conduzido ao envio de uma notificação para cumprir. Nesse momento, ainda não havia a certeza de que tais estudos levariam a Comissão a dar início à fase pré‑contenciosa de um processo por incumprimento. Portanto, a Comissão tinha a obrigação de examinar individualmente cada pedido de acesso a tais estudos ( 58 ).

59.

O mesmo raciocínio aplica‑se, por analogia, por maioria de razão, ao caso presente. Quando a decisão controvertida foi adotada, em 21 de junho de 2012, a Comissão já tinha informado D. e M. Spirlea (em 30 de abril de 2012) de que considerava não existir qualquer violação do Regulamento n.o 1394/2007 e de que não daria início a um processo por incumprimento contra a Alemanha. Portanto, em meu entender, quando essa decisão foi adotada, não se podia aplicar uma presunção geral de não divulgação dos documentos relativos ao processo EU Pilot. Não só o processo 2070/11 ainda não tinha dado lugar ao envio de uma notificação para cumprir às autoridades alemãs, como a Comissão havia, efetivamente, decidido que não procederia à abertura da fase pré‑contenciosa do processo por incumprimento.

60.

Por conseguinte, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao entender, no acórdão recorrido, que a Comissão podia alargar o alcance da presunção geral de não divulgação aos documentos controvertidos no processo 2070/11.

61.

Para chegar a esta conclusão, rejeito o entendimento da Suécia e da Finlândia no sentido de que a presunção geral de não divulgação só se pode aplicar aos casos em que o pedido de acesso respeita a um grande número de documentos. No caso vertente, D. e M. Spirlea pediram o acesso a dois documentos apenas. No meu entender, o número de documentos que constituem o objeto de um pedido de acesso é irrelevante. Nos casos em que é invocada a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, a questão pertinente para determinar se se aplica uma presunção geral de não divulgação consiste em saber se o objetivo do processo em causa seria comprometido pela concessão de um acesso geral. Trata‑se de um critério qualitativo, e não quantitativo. Acrescento que, devido ao direito geral de acesso conferido pelo legislador da União, o transtorno administrativo inerente ao exame de um grande número de documentos não constitui, habitualmente, uma razão válida para justificar que uma instituição não cumpra as suas obrigações jurídicas em matéria de transparência ( 59 ).

62.

Ao não concluir que a Comissão tinha a obrigação de analisar concreta e individualmente cada um dos dois documentos pedidos por D. e M. Spirlea, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. Por conseguinte, considero que o primeiro fundamento de recurso é procedente.

Segundo e terceiro fundamentos de recurso: interpretação incorreta do último parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001 — interesse público superior e factos a ter em conta na decisão controvertida

63.

Caso o Tribunal de Justiça concorde com as minhas conclusões sobre o primeiro fundamento de recurso, não será necessário apreciar o segundo e terceiro fundamentos. Todavia, por uma questão de exaustividade, analisá‑los‑ei sucintamente.

Segundo fundamento de recurso

64.

Com o seu segundo fundamento de recurso, a Suécia alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua interpretação do conceito de interesse público superior na aceção do último membro de frase do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

65.

Resulta do n.o 94 do acórdão recorrido que a Comissão considerou que a melhor forma de servir o interesse geral no caso em apreço era levar a seu termo o processo EU Pilot sem examinar os documentos controvertidos e sem deferir o pedido de D. e M. Spirlea. O Tribunal Geral perfilhou o entendimento da Comissão de que o interesse público impunha que esta clarificasse, por si mesma, se o direito da União tinha sido respeitado pelas autoridades alemãs no processo EU Pilot ( 60 ).

66.

Porém, quando adotou a decisão controvertida, a Comissão já tinha decidido que não existia qualquer violação do direito da União. Penso que, nessa fase, o interesse público já tinha sido satisfeito. O equilíbrio de interesses foi alterado, pelo menos na medida em que a Comissão deveria ter examinado os documentos controvertidos para determinar se podiam ser divulgados. Consequentemente, considero que o Tribunal Geral errou na sua apreciação do interesse público superior na aceção do último parágrafo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

Terceiro fundamento de recurso

67.

No processo no Tribunal Geral, D. e M. Spirlea criticaram a Comissão por não lhes ter concedido acesso aos documentos controvertidos, à luz do interesse público invocado, mesmo após o encerramento do processo EU Pilot (em 27 de dezembro de 2012). No n.o 100 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou que «[…] resulta de jurisprudência constante que, no âmbito de um recurso de anulação interposto nos termos do artigo 263.o TFUE, a legalidade do ato impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o ato foi adotado […]. Ora, não se pode deixar de observar que o encerramento do [processo 2070/11] ocorreu depois da adoção da [decisão controvertida]. Por conseguinte, o argumento de [D. e M. Spirlea] deve ser rejeitado» ( 61 ).

68.

Com o seu terceiro fundamento de recurso, a Suécia contesta esta apreciação. Alega que, tal como as circunstâncias existentes à data em que uma instituição da UE adota a decisão de recusar o acesso nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, também os factos que ocorrem depois dessa decisão devem ser tidos em conta, no âmbito de um recurso nos termos do artigo 263.o TFUE, aquando da fiscalização da legalidade dessas decisões pelos órgãos jurisdicionais da União. Em apoio da sua tese, a Suécia argumenta que, se assim não fosse, as circunstâncias novas só seriam consideradas no âmbito de um novo pedido de acesso dirigido à instituição em causa. Isso conduziria a uma proliferação de processos e, consequentemente, a atrasos. A Suécia acrescenta ainda que os princípios resultantes da jurisprudência referida pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido respeitam a processos em matéria de auxílios de Estado e não devem ser aplicados às decisões adotadas nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, pois a cada tipo de processo correspondem características específicas próprias ( 62 ).

69.

A Comissão, apoiada pela Alemanha, contesta essa tese.

70.

De acordo com o artigo 263.o TFUE, a fiscalização exercida pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Geral está limitada à apreciação da legalidade dos atos impugnados. Ao fiscalizar a legalidade, o juiz da União não pode substituir pela sua própria fundamentação a do autor do ato impugnado ( 63 ). Constitui jurisprudência constante que a legalidade desse ato deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data da adoção do ato impugnado ( 64 ).

71.

Se os órgãos jurisdicionais da União devessem ter em consideração as circunstâncias que surgem depois da adoção do ato impugnado (no caso vertente, a situação posterior ao encerramento do processo EU Pilot), isso equivaleria a uma substituição da fundamentação e implicaria ter em conta matérias não apreciadas pelo autor antes ou aquando da adoção do ato impugnado.

72.

Não é necessário recorrer a uma exceção relativa ao alcance da apreciação dos factos e das circunstâncias para adotar decisões que recusam o acesso a documentos nos termos do Regulamento n.o 1049/2001. A Suécia fez uma interpretação incorreta do acórdão Koninklijke Grolsch. Nesse acórdão, o Tribunal Geral não sugeriu que os processos relativos a cartéis que violam o artigo 101.o TFUE constituem uma exceção ao princípio segundo o qual a legalidade de um ato impugnado deve ser apreciada à luz dos factos existentes à data da sua adoção. Pelo contrário, como bem refere acertadamente a Alemanha, nesse acórdão o Tribunal Geral limita‑se a confirmar que, nos referidos processos, o destinatário da comunicação de acusações pode contestar os seus diferentes elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo ou na fase jurisdicional ulterior.

73.

Por conseguinte, considero que o terceiro fundamento de recurso não procede.

Observações finais

74.

O objeto do presente processo não consiste na divulgação automática de comunicações entre a Comissão e o Estado‑Membro, no âmbito de um processo EU Pilot. Consiste em saber se as cinco categorias existentes nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 1049/2001 devem ser aumentadas, de modo que a Comissão pode invocar uma presunção de não divulgação nesses casos. Se for dado provimento ao presente recurso — como sugeri — a Comissão ainda poderá, após exame do dossiê, recusar o acesso aos documentos em causa, se tal for adequado.

75.

Acontecimentos recentes revelaram muito claramente os perigos de fomentar ou consentir situações em que o cidadão normal sente que o Governo está distante e que não comunica nem se compromete com ele. O transtorno administrativo adicional que representa para os serviços da Comissão terem de examinar documentos individuais e decidirem em matéria de divulgação é um pequeno preço a pagar para aumentar a transparência e a confiança entre a administração e os cidadãos da União Europeia ( 65 ). Peço ao Tribunal de Justiça que tenha presente estes princípios ao decidir o recurso.

Despesas

76.

Nos termos dos artigos 138.°, n.o 1, e 140.°, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Comissão, na qualidade de parte vencida, deve ser condenada nas despesas do presente processo. Os Governos da Alemanha, da Dinamarca, da Espanha, da Finlândia e da República Checa suportarão as suas próprias despesas.

Conclusão

77.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça:

dê provimento ao recurso;

condene a Comissão nas despesas;

condene os Governos da República Federal da Alemanha, do Reino da Dinamarca, do Reino de Espanha, da República da Finlândia e da República Checa a suportarem as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) T‑306/12, EU:T:2014:816 (a seguir «acórdão recorrido»).

( 3 ) V. n.o s 9 a 12, infra.

( 4 ) Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

( 5 ) Essas categorias são as seguintes: i) documentos de um dossiê administrativo relativo a um procedimento de fiscalização de auxílios de Estado; ii) articulados apresentados por uma instituição num processo jurisdicional; iii) documentos trocados entre a Comissão e as partes notificantes ou terceiros num processo de fiscalização de operações de concentração entre empresas; iv) documentos de um procedimento pré‑contencioso por incumprimento; e v) documentos de um processo de aplicação do artigo 101.o TFUE. V. acórdão de 16 de julho de 2015, ClientEarth/Comissão (C‑612/13 P, EU:C:2015:486, n.o 77 e jurisprudência referida, a seguir «acórdão ClientEarth»). V. ainda n.o s 38 a 41, infra.

( 6 ) V., por exemplo, acórdão de 14 de novembro de 2013, LPN e Finlândia/Comissão, (C‑514/11 P e C‑605/11 P, EU:C:2013:738, n.o 39, a seguir «acórdão LPN»).

( 7 ) V. n.o 9, infra.

( 8 ) JO 2010, C 83, p. 389 (a seguir «Carta»).

( 9 ) Adiante designada por «comunicação de 5 de setembro de 2007» [COM(2007) 502 final]. Inicialmente, participaram 15 Estados‑Membros: Alemanha, Áustria, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Finlândia, Hungria, Itália, Irlanda, Lituânia, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, República Checa e Suécia. Atualmente, todos os 28 Estados‑Membros participam no que ficou conhecido por processo EU Pilot.

( 10 ) V. ponto 3.1 do documento de trabalho dos serviços da Comissão, de 3 de março de 2010, «Factos sobre o funcionamento do sistema até ao início de fevereiro de 2010», que acompanha o Relatório da Comissão «Relatório de avaliação da iniciativa EU Pilot» [COM(2010) 70 final]. (Uma vez que este documento só existe na versão inglesa, trata‑se de uma tradução livre)

( 11 ) Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo a medicamentos de terapia avançada e que altera a Diretiva 2001/83/CE e o Regulamento (CE) n.o 726/2004 (JO 2007, L 324, p. 121).

( 12 ) Processo EU Pilot 2070/11/SNCO (a seguir «processo 2070/11»).

( 13 ) Os documentos controvertidos compreendem apenas os dois pedidos de informações da Comissão, e não a resposta do Estado‑Membro. V. também n.o 21, infra.

( 14 ) N.o 80 do acórdão recorrido.

( 15 ) N.o 85 do acórdão recorrido.

( 16 ) N.o 102 do acórdão recorrido.

( 17 ) N.o 107 do acórdão recorrido.

( 18 ) N.o 124 do acórdão recorrido.

( 19 ) Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Provedor de Justiça Europeu relativa às relações com o autor da denúncia em matéria de infrações ao direito [da União] [COM(2002) 141 final]. V. n.o 130 do acórdão recorrido.

( 20 ) N.o 44 do acórdão recorrido.

( 21 ) N.o 45 do acórdão recorrido.

( 22 ) N.o 48 do acórdão recorrido e jurisprudência referida.

( 23 ) N.o 49 do acórdão recorrido e jurisprudência referida.

( 24 ) No n.o 50 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral mencionou quatro categorias de presunções gerais. Posteriormente, o Tribunal de Justiça acrescentou uma quinta categoria: v. nota 5.

( 25 ) N.o s 52 e 53 do acórdão recorrido.

( 26 ) V. nota 6.

( 27 ) N.o 56 do acórdão recorrido.

( 28 ) N.o 57 do acórdão recorrido e jurisprudência referida.

( 29 ) N.o 58 do acórdão recorrido.

( 30 ) N.o 59 do acórdão recorrido.

( 31 ) N.o 60 do acórdão recorrido.

( 32 ) N.o 61 do acórdão recorrido.

( 33 ) N.o 62 do acórdão recorrido.

( 34 ) N.o 63 do acórdão recorrido.

( 35 ) N.o s 72 a 76 do acórdão recorrido.

( 36 ) A Finlândia invoca o acórdão ClientEarth, proferido pelo Tribunal de Justiça depois da prolação do acórdão recorrido pelo Tribunal Geral.

( 37 ) V. n.o s 4 e 5, supra.

( 38 ) V. considerando 4.

( 39 ) V. considerando 11.

( 40 ) V. acórdão de 6 de dezembro de 2001, Conselho/Hautala (C‑353/99 P, EU:C:2001:661, n.o s 27 e 28).

( 41 ) V. acórdão de 21 de julho de 2011, Suécia/Comissão e MyTravel (C‑506/08 P, EU:C:2011:496, n.o 75 e jurisprudência referida).

( 42 ) V. acórdão ClientEarth, n.o 69 e jurisprudência referida.

( 43 ) V. n.o 74, infra.

( 44 ) V. nota 5.

( 45 ) V. acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.o s 55 a 58, a seguir «acórdão TGI»).

( 46 ) V. acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./Comissão e API (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541 (a seguir acórdão «API»), n.o s 96 a 100].

( 47 ) V. acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Éditions Odile Jacob (C‑404/10 P, EU:C:2012:393, n.o s 118 a 121, a seguir «acórdão Éditions Odile Jacob»). V. também acórdão de 28 de junho de 2012, Comissão/Agrofert Holding (C‑477/10 P, EU:C:2012:394, n.o s 60 e 64 a 66).

( 48 ) V. acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Comissão/EnBW (C‑365/12 P, EU:C:2014:112, n.o s 86 a 90 e 93, a seguir «acórdão EnBW»).

( 49 ) V. acórdão LPN, n.o s 55 a 65.

( 50 ) V. Comunicação de 5 de setembro de 2007, ponto 2.2, p. 7 (v. nota 9).

( 51 ) V. Relatório da Comissão «Controlo da Aplicação do Direito da União: Relatório Anual de 2014» [COM(2015) 329 final], p. 5.

( 52 ) Conforme declarado pela Direção‑Geral das Políticas Internas da União — Direção dos Direitos dos Cidadãos e dos Assuntos Constitucionais, do Parlamento Europeu no estudo intitulado Tools for ensuring implementation and application of EU law and evaluation of their effectiveness, 2013, ponto 5.3.1.).

( 53 ) V. n.o 62 do acórdão recorrido.

( 54 ) V. n.o 62 do acórdão LPN e jurisprudência referida.

( 55 ) V., por exemplo, n.o 9, supra.

( 56 ) V. acórdão ClientEarth, n.o s 74 a 76 e jurisprudência referida.

( 57 ) V. acórdão ClientEarth, n.o s 71 a 76.

( 58 ) V. acórdão ClientEarth, n.o s 77 a 82.

( 59 ) Essa é a posição relativa à interpretação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, terceiro travessão, do Regulamento n.o 1049/2001, não obstante o facto de, nos processos respeitantes a documentos muito extensos ou a um elevado número de documentos, o artigo 6.o, n.o 3, do regulamento permitir à instituição em causa chegar a um acordo informal com o requerente tendo em vista encontrar uma solução equitativa. V. conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau (C‑139/07 P, EU:C:2009:520, n.o s 63 a 69).

( 60 ) V. n.o 98 do acórdão recorrido.

( 61 ) Em apoio deste entendimento, o Tribunal Geral invocou o seu acórdão de 30 de setembro de 2009, França/Comissão (T‑432/07, não publicado, EU:T:2009:373, n.o 43 e jurisprudência referida).

( 62 ) A Suécia refere, em especial, processos relativos a acordos que impedem, restringem ou falseiam a concorrência no mercado interno em violação do artigo 101.o TFUE, nos quais é possível invocar circunstâncias novas mesmo depois de apresentada a petição, como aconteceu no acórdão de 15 de setembro de 2011, Koninklijke Grolsch/Comissão (T‑234/07, EU:T:2011:476, n.o s 37 a 41, a seguir «acórdão Koninklijke Grolsch»).

( 63 ) V. acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão (C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.o 141 e jurisprudência referida).

( 64 ) V., por analogia, acórdão de 16 de abril de 2015, Parlamento/Conselho (C‑317/13 e C‑679/13, EU:C:2015:223, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 65 ) V. n.o 4, supra.