CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 21 de janeiro de 2016 ( 1 )

Processo C‑448/14

Davitas GmbH

contra

Stadt Aschaffenburg

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof (Tribunal Administrativo Superior do Land da Baviera, Alemanha)]

«Proteção da saúde pública — Colocação no mercado de novos alimentos — Regulamento (CE) n.o 258/97 — Artigo 1.o, n.o 2, alínea c) — Âmbito de aplicação — Conceito de alimento ou de ingrediente alimentar com uma estrutura molecular nova»

Introdução

1.

O presente processo proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar o âmbito de aplicação do regime que regula a colocação no mercado na União Europeia de novos alimentos previsto pelo Regulamento (CE) n.o 258/97 ( 2 ).

2.

O Bayerischer Verwaltungsgerichtshof foi chamado a pronunciar‑se sobre um recurso que opõe a Davitas GmbH (a seguir «Davitas») às autoridades alemãs interposto após estas terem proibido a comercialização do produto «De Tox Forte», um alimento composto por clinoptilolite, uma substância mineral de origem vulcânica.

3.

O litígio em causa no processo principal é relativo à questão de saber se tal substância, que está presente na natureza e não resulta de manipulação humana, mas que não foi objeto de consumo humano, constitui um novo alimento na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 258/97, pelo que deveria ser sujeita, previamente à sua comercialização, à avaliação de inocuidade prevista neste regulamento.

Enquadramento jurídico

Direito da União

4.

O artigo 1.o do Regulamento n.o 258/97 está redigido da seguinte forma:

«1.   O presente regulamento tem por objeto a colocação no mercado [na União] de novos alimentos ou ingredientes alimentares.

2.   O presente regulamento é aplicável à colocação no mercado de alimentos ou de ingredientes alimentares ainda não significativamente utilizados para consumo humano na [União] e que se integrem numa das seguintes categorias:

c)

[ ( 3 )] Alimentos e ingredientes alimentares com uma estrutura molecular primária nova ou intencionalmente alterada;

d)

Alimentos e ingredientes alimentares que consistam em ou tenham sido isolados a partir de microrganismos, fungos ou algas;

e)

Alimentos e ingredientes alimentares que consistam em ou tenham sido isolados a partir de plantas e ingredientes alimentares isolados a partir de animais, exceto os alimentos e ingredientes alimentares obtidos por meio de práticas de multiplicação ou de reprodução tradicionais, cujos antecedentes sejam seguros no que se refere à utilização como géneros alimentícios;

f)

Alimentos e ingredientes alimentares que tenham sido objeto de um processo de fabrico não utilizado correntemente, se esse processo conduzir, em termos de composição ou estrutura dos alimentos ou ingredientes alimentares, a alterações significativas do seu valor nutritivo, metabolismo ou teor de substâncias indesejáveis.»

Direito alemão

5.

O § 39, n.o 2, do Código relativo aos géneros alimentícios, bens de consumo corrente e géneros alimentícios destinados a alimentação animal (Lebensmittel‑, Bedarfsgegenstände‑ und Futtermittelgesetzbuch), na versão publicada em 3 de junho de 2013 (BGBl. I, p. 1426), com a última redação que lhe foi dada pela Lei de 7 de agosto de 2013 (BGBl. I, p. 3154), dispõe:

«As autoridades competentes adotam as decisões e as medidas necessárias ao apuramento ou eliminação de suspeitas fundadas de uma infração ou destinadas a pôr termo a infrações verificadas e prevenir futuras infrações, bem como para proteção contra riscos para a saúde ou de falsificação. Estas podem nomeadamente:

[…]

3.

Proibir ou restringir a produção, a manipulação ou a colocação no mercado de produtos,

[…]»

6.

Nos termos do § 3, n.o 1, do Regulamento relativo à implementação das disposições do direito comunitário sobre novos alimentos e ingredientes alimentares (Verordnung zur Durchführung gemeinschaftsrechtlicher Vorschriften über neuartige Lebensmittel und Lebensmittelzutaten), na versão publicada em 14 de fevereiro de 2000 (BGBl. I, p. 123), com a última redação que lhe foi dada pela Comunicação de 27 de maio de 2008 (BGBl. I, p. 919):

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2, o responsável pela colocação no mercado não pode colocar no mercado alimentos ou ingredientes alimentares, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 258/97, sem obtenção de uma autorização emitida de acordo com os procedimentos referidos no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 258/97.»

Litígio no processo principal

7.

A Davitas comercializa na Alemanha, desde 1 de agosto de 2012, o De Tox Forte, um produto alimentar que tem como único ingrediente a clinoptilolite.

8.

Em janeiro de 2013, a Stadt Aschaffenburg (cidade de Aschaffenburg, Alemanha) requereu ao Departamento do Land da Baviera em matéria de saúde e de segurança dos géneros alimentícios (Bayerisches Landesamt für Gesundheit und Lebensmittelsicherheit) que analisasse uma amostra deste produto.

9.

Com base no parecer emitido pelo referido departamento, a Stadt Aschaffenburg, por decisão de 6 de junho de 2013, qualificou o produto de «novo alimento» na aceção do Regulamento n.o 258/97 e proibiu a Davitas de o comercializar até obter uma autorização de colocação no mercado em conformidade com as disposições deste regulamento.

10.

A Davitas interpôs um recurso de anulação desta decisão no Bayerisches Verwaltungsgericht Würzburg (Tribunal Administrativo de Würzburg).

11.

No âmbito deste recurso, a Davitas não contestava o facto de que o consumo humano da clinoptilolite na União não era significativo antes de 15 de maio de 1997, data de referência para a aplicação do Regulamento n.o 258/97, mas alegou que a substância em causa não podia ser qualificada de «novo alimento», uma vez que não estava abrangida por nenhuma das categorias referidas no artigo 1.o, n.o 2, alíneas c) a f), do Regulamento n.o 258/97.

12.

No que respeita mais particularmente à categoria prevista na alínea c) desta disposição, a Davitas esclareceu que a clinoptilolite não apresentava uma «estrutura molecular primária nova», uma vez que a estrutura molecular da substância utilizada na preparação do De Tox Forte existia na natureza muito antes de 15 de maio de 1997.

13.

Por sentença de 23 de abril de 2014, o Bayerisches Verwaltungsgericht Würzburg negou provimento ao recurso da Davitas com o fundamento de que, para efeitos da aplicação do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97, bastava que a clinoptilolite não tivesse sido utilizada como alimento antes de 15 de maio de 1997. A existência anterior desta substância não era pertinente.

14.

A Davitas interpôs recurso desta decisão no Bayerischer Verwaltungsgerichtshof, que tem dúvidas quanto à interpretação do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97.

Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.

Foi neste contexto que o Bayerischer Verwaltungsgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«O produto «De Tox Forte», comercializado pela demandante, é um alimento ou um ingrediente alimentar com uma estrutura molecular nova na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97?

Para responder afirmativamente a esta questão, é suficiente que este produto, que contém a substância clinoptilolite na sua estrutura molecular primária específica, não tenha sido utilizado como alimento antes de 15 de maio de 1997, ou é além disso necessário que este produto seja obtido através de um processo de fabrico que conduza a uma estrutura molecular primária nova ou intencionalmente alterada, ou seja, que se trate de uma substância que não existia anteriormente sob essa forma na natureza?»

16.

A decisão de reenvio, datada de 15 de setembro de 2014, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de setembro de 2014. As partes no processo principal, a Landesanwaltschaft Bayern, que participou no processo principal ao abrigo das funções que lhe são atribuídas pelo direito público alemão, o Governo grego e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

17.

Estas partes e interessados, com exceção do Governo grego, participaram igualmente na audiência que se realizou em 29 de outubro de 2015.

Análise

18.

Com as suas questões prejudiciais, que proponho examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o conceito de alimento ou de ingrediente alimentar que apresenta uma estrutura molecular primária nova ou intencionalmente alterada, na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97, abrange uma substância de origem mineral que existe na natureza e que não foi objeto de um processo de fabrico suscetível de alterar a sua estrutura molecular, quando esta estrutura não tenha entrado na composição de um alimento consumido no território da União antes de 15 de maio de 1997.

19.

Estas questões levarão o Tribunal de Justiça a interpretar, pela primeira vez, o disposto no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97 ( 4 ).

20.

Segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte ( 5 ). A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente incluir elementos pertinentes para a sua interpretação ( 6 ).

21.

Observo que o disposto no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 258/97 ocupa um lugar central no sistema do regulamento, dado que define o seu âmbito de aplicação, precisando o conceito de «novo alimento e novo ingrediente alimentar» ( 7 ).

22.

Resulta dos próprios termos desta disposição que a definição abrange dois elementos cumulativos.

23.

Em primeiro lugar, são considerados novos os alimentos cujo consumo humano não era significativo no território da União à data da entrada em vigor do Regulamento n.o 258/97, ou seja, em 15 de maio de 1997 ( 8 ).

24.

Em segundo lugar, o alimento em causa deve também estar abrangido por uma das quatro categorias previstas no artigo 1.o, n.o 2, alíneas c) a f), deste regulamento.

25.

A categoria prevista na referida alínea c), cujas versões linguísticas nas línguas oficiais da União são, em larga medida, coincidentes, diz respeito aos alimentos «com uma estrutura molecular primária nova ou intencionalmente alterada» ( 9 ).

26.

Mais precisamente, as questões do órgão jurisdicional de reenvio são relativas à interpretação da expressão «estrutura molecular primária nova».

27.

A este respeito, a recorrente no processo principal sustenta que o termo «nova» se refere a uma estrutura molecular que não existia enquanto tal na natureza, mas que resulta de manipulação humana, e que este termo visa, por conseguinte, uma substância cujas moléculas foram criadas ou alteradas pelo homem. Ora, segundo a recorrente, o De Tox Forte é composto por rocha vulcânica em estado natural, simplesmente sujeita a um processo antigo que consiste em moldar a rocha, sem alteração das moléculas.

28.

As outras partes e interessados ( 10 ) consideram, em contrapartida, que, para que a estrutura molecular primária seja considerada nova, basta que não tenha sido utilizada num alimento na União antes de 15 de maio de 1997.

29.

Recordo que, segundo jurisprudência constante, a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não forneça nenhuma definição deve fazer‑se de acordo com o seu sentido habitual na linguagem comum, tendo, porém, em atenção o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte ( 11 ).

30.

A este respeito, o sentido habitual do termo «nova» utilizado pelo Regulamento n.o 258/97 não permite responder à dúvida suscitada no presente litígio. Com efeito, este adjetivo, aplicado a uma estrutura molecular, pode referir‑se tanto a uma molécula criada de novo como a uma molécula utilizada de novo na alimentação humana.

31.

Observo que a interpretação segundo a qual se trata da molécula utilizada de novo na alimentação humana pode, à primeira vista, afigurar‑se discutível à luz da estrutura binária da definição de «novo alimento».

32.

Como realcei, esta definição refere‑se não só ao critério relativo à inexistência de consumo na União, mas também às categorias de alimentos previstas no artigo 1.o, n.o 2, alíneas c) a f), do Regulamento n.o 258/97. A referência a tais categorias visa tornar exaustiva esta definição, no interesse da segurança jurídica dos operadores económicos.

33.

Se a expressão «estrutura molecular primária nova» fosse entendida no sentido de que se refere a uma substância com uma estrutura molecular que não foi utilizada na alimentação humana na União antes de 15 de maio de 1997, corresponderia, em grande medida, ao primeiro elemento da definição, ou seja, o facto de o alimento enquanto tal não ter sido consumido na União antes dessa mesma data.

34.

No entanto, esta correspondência entre os dois critérios da definição apenas diz respeito aos alimentos que não são suscetíveis de estar abrangidos pelas categorias previstas no artigo 1.o, n.o 2, alíneas d) e e), do Regulamento n.o 258/97 e que não foram objeto de um novo processo de fabrico que conduza a alterações significativas na aceção da alínea f) desta disposição. Por conseguinte, trata‑se, no essencial, de alimentos compostos por substâncias de origem mineral.

35.

Esta correspondência decorre do facto de o legislador da União não ter previsto uma categoria específica para os novos alimentos compostos por substâncias de origem mineral.

36.

A existência de uma lacuna legislativa a este respeito é evidenciada no âmbito da recente reforma do Regulamento n.o 258/97. Com efeito, o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), iii), do Regulamento (UE) 2015/2283 do Parlamento e do Conselho ( 12 ) prevê atualmente uma categoria distinta relativa aos «alimentos que consistam em matérias‑primas de origem mineral ou que tenham sido isolados ou produzidos a partir dessas matérias‑primas».

37.

Ora, relativamente ao Regulamento n.o 258/97, entendo que é possível corrigir esta lacuna interpretando o artigo 1.o, n.o 2, alínea c), à luz da finalidade e da economia geral da regulamentação em causa.

38.

A este respeito, importa recordar que o Regulamento n.o 258/97 prossegue uma dupla finalidade que consiste, por um lado, em garantir o funcionamento do mercado interno dos novos alimentos e, por outro, em proteger a saúde humana contra os riscos que estes podem gerar ( 13 ).

39.

O Regulamento n.o 258/97 constitui uma legislação geral na medida em que abrange todos os novos alimentos independentemente da sua natureza, excetuando determinados domínios regulamentados pela legislação setorial ( 14 ).

40.

A disposição em causa visa definir o âmbito de aplicação da referida regulamentação, ao prever as caraterísticas que permitem qualificar os alimentos de «novos».

41.

Importa observar que tanto a natureza geral como a finalidade desta disposição excluem que lhe seja dada uma interpretação restritiva.

42.

Em particular, não se pode alegar, ao contrário do que propõe a recorrente no processo principal, que o Regulamento n.o 258/97 visa proteger a saúde pública apenas contra as substâncias que não existem na natureza, mas que foram criadas ou alteradas pelo homem.

43.

Deste modo, os alimentos abrangidos pelo artigo 1.o, n.o 2, alíneas d) e e), do referido regulamento, ou seja, que consistem em microrganismos, fungos, algas, plantas ou animais, são qualificados de «novos», independentemente da questão de saber se resultam de manipulação humana, apenas porque não eram consumidos na União antes da data de referência.

44.

Em meu entender, a mesma consideração deve ser acolhida em relação aos alimentos abrangidos pela categoria prevista na alínea c) desta disposição, que devem ser qualificados de «novos» quando a substância com a estrutura molecular em questão não entrava na composição dos alimentos consumidos na União à data da entrada em vigor do Regulamento n.o 258/97.

45.

A este respeito, observo que a categoria dos novos alimentos prevista na referida alínea c) apresenta determinadas particularidades relativamente às outras categorias do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 258/97.

46.

Diferentemente das alíneas d) e e) desta disposição, que classificam as substâncias orgânicas em função da sua origem, e da alínea f) da referida disposição, que diz respeito aos alimentos que foram objeto de um novo processo de fabrico que conduz a alterações significativas na sua composição ou na sua estrutura, a alínea c) desta mesma disposição contém uma referência mais genérica à «estrutura molecular primária» de um alimento.

47.

Além disso, conforme observam corretamente a Stadt Aschaffenburg e a Comissão, trata‑se da única categoria suscetível de abranger os novos alimentos que não são compostos pelas substâncias orgânicas referidas nas citadas alíneas d) e e) e que não foram sujeitos a um novo processo de fabrico na aceção da referida alínea f).

48.

Tendo em conta estas considerações, se a referida alínea c) fosse interpretada de forma restritiva, o alcance do conceito de «novo alimento» seria significativamente reduzido.

49.

Em particular, interpretar a expressão «estrutura molecular nova» no sentido de que visa exclusivamente as substâncias criadas pelo homem conduziria a excluir do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 258/97 todas as substâncias de origem mineral, uma vez que estas não podem estar abrangidas pelas categorias previstas no artigo 1.o, n.o 2, alíneas d) e e), deste regulamento.

50.

Ora, uma interpretação da definição de um novo alimento que conduz a excluir desta definição toda uma categoria genérica de alimentos é contrária ao alcance geral da regulamentação em causa e à sua finalidade acima evocada.

51.

A interpretação da categoria em causa no sentido de que visa as substâncias com uma estrutura molecular que ainda não foi utilizada na alimentação humana é, além disso, corroborada pela génese da disposição em causa.

52.

A definição desta categoria, conforme formulada na proposta inicial da Comissão, fazia referência a um «produto que consiste numa molécula alimentar alterada […] ou numa molécula que não foi sujeita a provas no domínio da alimentação» ( 15 ). Na proposta alterada, esta categoria foi reformulada para fazer referência aos alimentos «com uma estrutura molecular primária nova ou intencionalmente alterada que até agora não eram tradicionalmente utilizados como alimentos ou ingredientes alimentares» ( 16 ). O facto de este último elemento da frase não ter sido acolhido na posição comum do Conselho, sem motivo especial, não pode ser interpretado no sentido de que expressa a vontade do legislador de restringir o alcance da categoria em causa ( 17 ).

53.

Por outro lado, como resulta das observações das autoridades alemãs e das respostas escritas da Comissão à questão colocada pelo Tribunal de Justiça, a interpretação segundo a qual a categoria prevista no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97 inclui as substâncias dotadas de uma estrutura molecular que ainda não estava presente na alimentação deu origem a uma prática reiterada no contexto da aplicação deste regulamento.

54.

Foi devido a esta prática que a clinoptilolite foi qualificada de «novo alimento» quando das anteriores tentativas de colocação no mercado na União. Com base nos pedidos e nas informações comunicadas por três Estados‑Membros, a clinoptilolite foi incluída como novo alimento na lista indicativa e não vinculativa publicada pela Comissão, intitulada «Novel food catalogue» ( 18 ).

55.

Acresce que o legislador seguiu as mesmas considerações para precisar a definição de um novo alimento no Regulamento 2015/2283, que revoga o Regulamento n.o 258/97. Com efeito, o artigo 3.o, n.o 2, alínea a), i), deste regulamento refere os alimentos «com uma estrutura molecular nova ou intencionalmente modificada, caso essa estrutura não tenha sido utilizada em alimentos ou como alimentos na União antes de 15 de maio de 1997».

56.

A este respeito, observo que resulta tanto do considerando 8 ( 19 ) do Regulamento 2015/2283 como do facto de o seu artigo 3.o estabelecer uma data de referência igual à prevista no Regulamento n.o 258/97, 15 de maio de 1997, que o legislador não pretendeu alargar o âmbito de aplicação deste novo regulamento em relação ao do Regulamento n.o 258/97.

57.

Por todos estes motivos, considero que a referência aos alimentos «com uma estrutura molecular primária nova», no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 258/97, deve ser entendida no sentido de que visa as substâncias com uma estrutura molecular que, à data da entrada em vigor deste regulamento, não era utilizada na União para efeitos de alimentação humana.

58.

Recordo que uma interpretação distinta conduziria a excluir toda uma categoria de alimentos, a saber, os novos alimentos compostos por substâncias de origem mineral, do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 258/97, o que poria em causa o caráter geral da regulamentação e poderia comprometer o seu objetivo de garantir um elevado nível de proteção da saúde humana. Atendendo a este objetivo, seria inadmissível que as substâncias de origem mineral que nunca foram utilizadas na alimentação humana na União, ao contrário das substâncias orgânicas, não fossem sujeitas a nenhuma avaliação de inocuidade antes da sua colocação no mercado da União.

I – Conclusão

59.

Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pelo Bayerischer Verwaltungsgerichtshof:

O conceito de alimento ou de ingrediente alimentar com uma estrutura molecular primária nova, referido no artigo 1.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 258/97 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de janeiro de 1997, relativo a novos alimentos e ingredientes alimentares, com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 596/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, abrange uma substância de origem mineral que existe na natureza e que não foi sujeita a qualquer processo de fabrico suscetível de alterar a sua estrutura molecular, quando esta estrutura não tenha entrado na composição de um alimento consumido no território da União antes de 15 de maio de 1997.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Regulamento (CE) n.o 258/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de janeiro de 1997, relativo a novos alimentos e ingredientes alimentares (JO L 43, p. 1), com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.o 596/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009 (JO L 188, p. 14).

( 3 ) As categorias referidas nas alíneas a) e b), ou seja, os alimentos que contenham ou consistam em organismos geneticamente modificados e os produzidos a partir de tais organismos, mas que não os contenham, foram revogadas pelo Regulamento (CE) n.o 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (JO L 268, p. 1).

( 4 ) O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de apreciar outras disposições deste artigo 1.o nos processos que deram origem aos acórdãos HLH Warenvertrieb e Orthica (C‑211/03, C‑299/03 e C‑316/03 a C‑318/03, EU:C:2005:370) e M‑K Europa (C‑383/07, EU:C:2009:8).

( 5 ) V., nomeadamente, acórdãos Merck (292/82, EU:C:1983:335, n.o 12) e Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862, n.o 34).

( 6 ) Acórdão Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 50).

( 7 ) Acórdãos HLH Warenvertrieb e Orthica (C‑211/03, C‑299/03 e C‑316/03 a C‑318/03, EU:C:2005:370, n.o 82) e M‑K Europa (C‑383/07, EU:C:2009:8, n.o 15). Utilizarei apenas o termo «alimento», uma vez que a distinção entre os alimentos e os ingredientes alimentares não é pertinente para o caso em apreço.

( 8 ) Acórdãos HLH Warenvertrieb e Orthica (C‑211/03, C‑299/03 e C‑316/03 a C‑318/03, EU:C:2005:370, n.o 87) e M‑K Europa (C‑383/07, EU:C:2009:8, n.o 15).

( 9 ) V., nomeadamente, as versões nas línguas alemã («Lebensmittel und Lebensmittelzutaten mit neuer oder gezielt modifizierter primärer Molekularstruktur»), inglesa («foods and food ingredients with a new or intentionally modified primary molecular structure») ou polaca («żywność i składniki żywności o nowej lub celowo zmodyfikowanej podstawowej strukturze molekularnej»).

( 10 ) A Stadt Aschaffenburg, a Landesanwaltschaft Bayern, o Governo grego e a Comissão.

( 11 ) V., nomeadamente, acórdão Hotel Sava Rogaška (C‑207/14, EU:C:2015:414, n.o 25).

( 12 ) Regulamento de 25 de novembro de 2015 relativo a novos alimentos, que altera o Regulamento (UE) n.o 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga o Regulamento (CE) n.o 258/97 e o Regulamento (CE) n.o 1852/2001 da Comissão (JO L 327, p. 1).

( 13 ) Acórdãos Monsanto Agricoltura Italia e o. (C‑236/01, EU:C:2003:431, n.o 74) e M‑K Europa (C‑383/07, EU:C:2009:8, n.o 22).

( 14 ) Deste modo, os alimentos que provêm de organismos geneticamente modificados são regulados pelo Regulamento n.o 1829/2003. Além disso, os géneros alimentares são objeto de regulamentação se e na medida em que sejam utilizados como enzimas alimentares, aditivos alimentares, aromas alimentares ou solventes de extração. V., artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 258/97. Uma proposta legislativa que está em fase de apreciação conduzirá à criação de regras setoriais relativas aos alimentos obtidos a partir de animais clonados [COM (2013) 893, de 18 de dezembro de 2013].

( 15 ) V. anexo I da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho relativo aos novos alimentos e aos novos ingredientes alimentares [COM(1992) 295 final de 7 de julho de 1992, JO C 190, p. 3], que lista as categorias de produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação do presente regulamento.

( 16 ) V. artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Proposta alterada de Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos novos alimentos e aos novos ingredientes alimentares [COM(1993) 631 final de 1 de dezembro de 1993, JO 1994, C 16, p. 10].

( 17 ) V. artigo 1.o, n.o 2, alínea c), da Proposta alterada de regulamento, visada pela Posição Comum (CE) n.o 25/95 adotada pelo Conselho em 23 de outubro de 1995 tendo em vista a adoção do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos novos alimentos e aos novos ingredientes alimentares (JO C 320, p. 1).

( 18 ) Conforme refere a Comissão, a lista em questão apresenta os resultados das discussões no grupo de trabalho que reúne os especialistas das autoridades nacionais competentes quanto à questão de saber se o alimento deve ser qualificado de «novo» (http://ec.europa.eu/food/safety/novel_food/catalogue/index_en.htm).

( 19 ) Segundo o considerando 8 do referido regulamento, o âmbito de aplicação deste último deverá, em princípio, ser o mesmo do Regulamento n.o 258/97.