NILS WAHL
apresentadas em 10 de setembro de 2015 ( 1 )
Processo C‑294/14
ADM Hamburg AG
contra
Hauptzollamt Hamburg‑Stadt
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha)]
«Transporte — União aduaneira e pauta aduaneira comum — Código aduaneiro comum — Preferências pautais — Artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 — Produtos originários exportados de um país beneficiário — Requisito de que os produtos declarados para introdução em livre prática na União Europeia devem ser os mesmos produtos que foram exportados do país beneficiário de onde são considerados originários — Lote composto por uma mistura de óleo de palma em bruto originário de vários países que beneficiam da mesma preferência pautal»
1. |
No processo principal, o óleo de palma em bruto foi importado para a União Europeia a partir de vários países da América Central e do Sul que beneficiam da mesma preferência pautal. Para efeitos de transporte, óleos originários de vários desses países foram introduzidos no mesmo depósito e declarados para introdução em livre prática na União Europeia, como uma mistura. |
2. |
Nesse contexto, suscita‑se a questão de saber como deve ser tratada a mistura de produtos originários de diferentes países, para efeitos da aplicação da pauta preferencial. Mais especificamente, o Tribunal de Justiça é chamado a esclarecer qual a correta interpretação do artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93 ( 2 ) (que não permite qualquer alteração ou transformação dos produtos) e, em especial, sobre o requisito de que os produtos declarados para introdução em livre prática na União Europeia sejam os mesmos produtos que foram exportados do país beneficiário de onde são considerados originários (a seguir «requisito de identidade»). |
I – Quadro jurídico
A – Regulamento (CE) n.o 732/2008 ( 3 )
3. |
O artigo 5.o do Regulamento n.o 732/2008 dispõe: «1. As preferências pautais previstas são aplicáveis às importações dos produtos incluídos no regime concedido ao país beneficiário de que são originários. 2. Para efeitos dos regimes referidos no n.o 2 do artigo 1.o, as regras de origem, no que respeita à definição da noção de produtos originários, e os respetivos procedimentos e métodos de cooperação administrativa são os estabelecidos no Regulamento (CEE) n.o 2454/93. […]» |
B – Regulamento (CEE) n.o 2454/93
4. |
O Regulamento n.o 2454/93 da Comissão fixa as disposições de aplicação do Código Aduaneiro Comunitário ( 4 ). |
5. |
O considerando 16 do Regulamento n.o 1063/2010, que alterou o Regulamento n.o 2454/93, refere a necessidade de um maior nível de flexibilidade, dado que as normas em vigor à data da adoção do regulamento de alteração exigiam a prova do transporte direto para a União Europeia, que ser difícil de obter. Devido a essa exigência, alguns produtos que dispunham de uma prova válida de origem não podiam beneficiar, na prática, de qualquer pauta preferencial. Por esse motivo, considerou‑se necessário estabelecer uma nova regra, mais simples e mais flexível, cujo principal objetivo é assegurar que as mercadorias apresentadas à alfândega com declaração de introdução em livre prática na União Europeia são as mesmas que partiram do país de exportação beneficiário, sendo fundamental que não tenham sofrido qualquer tipo de alteração ou transformação durante o percurso. |
6. |
O artigo 72.o do Regulamento n.o 2454/93 dispõe: «Consideram‑se produtos originários de um país beneficiário:
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7. |
O artigo 74.o do Regulamento n.o 2454/93 estabelece: «1. Os produtos declarados para introdução em livre prática na União Europeia devem ser os mesmos produtos que foram exportados do país beneficiário de onde são considerados originários. Não devem ter sido alterados, transformados de qualquer modo ou sujeitos a outras manipulações além das necessárias para assegurar a sua conservação no seu estado inalterado, antes de serem declarados para introdução em livre prática. O armazenamento de produtos ou remessas e o fracionamento de remessas são permitidos se forem realizados sob a responsabilidade do exportador ou de um subsequente detentor das mercadorias e se os produtos se mantiverem sob controlo aduaneiro no(s) país(es) de trânsito. 2. O disposto no n.o 1 deve ser considerado cumprido, a menos que as autoridades aduaneiras tenham razões para acreditar o contrário; em tais casos, as autoridades aduaneiras podem requerer que o declarante apresente provas desse cumprimento, as quais podem ser facultadas por quaisquer meios, incluindo documentos contratuais de transporte como, por exemplo, conhecimentos de embarque ou provas factuais ou concretas baseadas na marcação ou numeração de embalagens, ou ainda qualquer prova relativa às próprias mercadorias.» |
II – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais
8. |
Em 11 de agosto de 2011, a ADM Hamburg importou do Equador, da Colômbia, da Costa Rica e do Panamá para a Alemanha alguns lotes de óleo de palma em bruto, com vista à sua introdução em livre prática na União Europeia. Todos esses países são exportadores beneficiários do SPG ( 5 ). O óleo foi transportado em depósitos separados de um navio de carga. Para beneficiar da preferência pautal, a ADM Hamburg apresentou certificados para fins preferenciais emitidos pelos referidos países. |
9. |
O processo principal respeita apenas a um desses lotes (a seguir «o lote em apreço»). O lote em apreço continha uma mistura de óleo de palma em bruto originário de diferentes países beneficiários. |
10. |
Em 8 de dezembro de 2011, o Hauptzollamt Hamburg‑Stadt emitiu um aviso de liquidação de direitos de importação. Relativamente ao lote em apreço, calculou os direitos de importação aplicando uma taxa aduaneira própria de países terceiros, ou seja, sem concessão do requerido benefício da preferência pautal. O fundamento para a recusa do tratamento preferencial residiu essencialmente no facto de, num único depósito, terem sido misturados entre si óleos de diferentes lotes, importados de diferentes países de origem. |
11. |
Após o indeferimento de uma reclamação graciosa, a ADM Hamburg intentou uma ação no Finanzgericht Hamburg. Por ter dúvidas quanto à correta interpretação das disposições relevantes do direito da UE, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre a seguinte questão: «O requisito material previsto no artigo 74.o, n.o 1, primeiro período, do [Regulamento n.o 2454/93], segundo o qual os produtos declarados para introdução em livre prática na União Europeia devem ser os mesmos produtos que foram exportados do país beneficiário de onde são considerados originários, está preenchido num caso como o presente, em que vários lotes de óleo de palma em bruto de diferentes exportadores beneficiários do Sistema de Preferências Generalizadas, dos quais são considerados originários, não foram exportados e importados pela União Europeia separadamente, antes tendo sido, aquando da exportação, introduzidos no mesmo depósito do navio transportador e importados na União Europeia sob a forma de mistura nesse depósito, sendo de excluir que, no decurso do transporte destes produtos até à sua introdução em livre prática, outros produtos — que não beneficiam de preferência pautal — tenham sido colocados no depósito do navio transportador?» |
12. |
A ADM Hamburg, o Hauptzollamt Hamburg‑Stadt e a Comissão apresentaram observações escritas. Com exceção do Hauptzollamt Hamburg‑Stadt, essas mesmas partes foram igualmente ouvidas, na audiência de 11 de julho de 2015. |
III – Análise
A – A questão
13. |
O requisito de identidade entre os produtos que foram exportados do país beneficiário e os produtos apresentados à alfândega com declaração de introdução em livre prática na União Europeia, previsto no artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93, está preenchido no caso em que óleos de palma em bruto originários de diferentes exportadores beneficiários da mesma pauta preferencial foram introduzidos no mesmo depósito de um navio transportador e importados na União Europeia sob a forma de mistura nesse depósito? Esta é, no essencial, a questão que o órgão jurisdicional de reenvio pede que o Tribunal de Justiça clarifique no caso em apreço. O órgão jurisdicional de reenvio foi levado a pedir a orientação do Tribunal de Justiça sobre esta questão, não só porque até à data este ainda não teve oportunidade de esclarecer o sentido do artigo 74.o do Regulamento n.o 2454/93, mas também porque as autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros têm entendimentos divergentes sobre esta matéria. |
14. |
Mais concretamente, não é claro se a mistura de produtos (que, no caso em apreço, são permutáveis e materialmente idênticos, consistindo todos em óleo de palma em bruto) originários de diferentes países beneficiários exclui o tratamento preferencial. Pelas razões adiante expostas, no meu entender a resposta é negativa. |
B – Uma nova regra, mais flexível
15. |
Gostaria de começar por recordar que, antes da alteração do artigo 74.o do Regulamento n.o 2454/93 introduzida pelo Regulamento n.o 1063/2010, para um importador poder beneficiar da preferência exigia‑se uma prova de transporte direto para a União Europeia, o que muitas vezes era um requisito difícil de preencher. Conforme explica o considerando 16 do Regulamento n.o 1063/2010, o artigo 74.o do Regulamento n.o 2454/93 foi concebido para instituir uma regra nova, mais simples e mais flexível, que tem como principal objetivo assegurar que as mercadorias declaradas são as mesmas que foram exportadas. |
16. |
Saliento também desde já que o requisito de identidade estabelecido no artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93 não deve ser considerado isoladamente, mas antes como parte de um todo, nomeadamente em conjugação com o artigo 74.o, n.o 2, que dispõe que o requisito de identidade deve ser considerado cumprido, a menos que as autoridades aduaneiras tenham razões para acreditar o contrário. Por outras palavras, se as autoridades aduaneiras não tiverem motivos para crer que os produtos declarados para introdução em livre prática não são os mesmos produtos que foram exportados, devem aceitar que os produtos são os mesmos. |
17. |
No processo principal não se discute a origem dos produtos. Tão‑pouco é contestado que, se não tivesse sido objeto da mistura, o óleo do lote em apreço beneficiaria do tratamento preferencial. Além disso, os produtos em causa são permutáveis e materialmente idênticos, consistindo todos em óleo de palma em bruto. No meu entender, a presunção de identidade estabelecida no artigo 74.o, n.o 2, juntamente com o facto de a origem dos produtos não ser controvertida, deveria ser suficiente, só por si, para dirimir a questão subjacente no processo principal. |
18. |
Poder‑se‑ia argumentar que as autoridades aduaneiras têm menor possibilidade de verificação das mercadorias e recolha de amostras quando produtos com origens diferentes são importados sob a forma de mistura. Efetivamente, o objetivo de facilitar a tarefa das autoridades aduaneiras na verificação da origem dos produtos importados não deve ser desprezado. Pelo contrário, deve ser entendido como um dos princípios orientadores da interpretação do Código Aduaneiro e do Regulamento n.o 2454/93 (que visa aplicar o Código Aduaneiro). Isto deve‑se igualmente ao facto de o Código Aduaneiro ter como objetivo, entre outros, a garantia de procedimentos rápidos e eficazes para a introdução dos produtos em livre prática ( 6 ). Indiscutivelmente, é da maior importância que as autoridades aduaneiras possam, se necessário, inspecionar os produtos para verificar se correspondem ao certificado de origem. |
19. |
Por conseguinte, para a concessão do tratamento preferencial é essencial que possa ser estabelecido um nexo entre o produto, o seu caráter de produto originário e um determinado certificado de origem. Os certificados de origem desempenham um papel fundamental no estabelecimento desse nexo ( 7 ). O Tribunal de Justiça tem salientado a importância da prova formal de origem (certificado de origem): com efeito, constitui jurisprudência assente que o requisito de prova válida de origem emitida pela autoridade competente não deve ser considerado uma mera formalidade que pode ser negligenciada se o local de origem for determinado através de outro meio de prova ( 8 ). |
20. |
Relativamente ao processo principal, decorre do despacho de reenvio que a ADM Hamburg apresentou certificados para fins preferenciais, sob a forma de certificados de origem de todos os cinco lotes (formulário A), pelo que não se discute essa matéria. |
21. |
A esse respeito, as disposições relativas aos certificados de origem no artigo 47.o, alínea b), do Regulamento n.o 2454/93 determinam que o certificado deve conter todas as indicações necessárias à identificação da mercadoria a que se refere, designadamente, a quantidade dos volumes, o peso bruto e líquido da mercadoria, ou o seu volume. Além disso, o Anexo 17 do Regulamento n.o 2454/93 descreve o conteúdo do «formulário A». Nos campos 5, 6 e 9 do formulário, são indicados o número de item e as marcas e o número de volumes, bem como o peso bruto ou outra expressão da quantidade. No verso do formulário, sob a epígrafe «Notas», a alínea b) do ponto II («Condições gerais») refere ainda que cada artigo numa remessa tem de se qualificar separadamente, por direito próprio. |
22. |
À primeira vista, a mistura de produtos de diferentes origens dificilmente será compatível com os requisitos relativos ao conteúdo dos certificados pertinentes, não só no que respeita ao peso e à quantidade, mas também quanto ao requisito de que cada artigo se qualifique separadamente, por direito próprio. Nesse sentido, quando um produto é misturado com um produto de origem diferente, de tal modo que se torna impossível voltar a separar fisicamente os dois produtos, poder‑se‑ia alegar que já não é o mesmo produto que existia antes da mistura. Do mesmo modo, também o argumento de que a mistura dificultaria a verificação da origem pelas autoridades aduaneiras tem algum apelo. Nessa perspetiva, o artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93 poderia ser entendido no sentido de exigir que os produtos correspondentes a um certificado de origem específico fossem transportados de forma a assegurar a sua separação física. |
23. |
No entanto, não creio que exista fundamento suficiente para exigir a separação física durante o transporte das remessas associadas a um determinado certificado de origem. Existem várias razões pelas quais defendo este entendimento. |
24. |
Em primeiro lugar, é importante recordar que o artigo 74.o integra o capítulo 2 do título IV da parte I do Regulamento n.o 2454/93, que trata da origem preferencial. Mais especificamente, esta disposição está integrada na subsecção 2 da secção 1 daquele capítulo, dedicada à definição do conceito de «produtos originários», nomeadamente os produtos originários de um país beneficiário, para o efeito da aplicação de uma pauta preferencial ( 9 ). |
25. |
Uma vez que toda a subsecção 2 trata da definição do conceito de produtos originários, encontro poucos (ou nenhuns) indícios de que o requisito de identidade sirva para assegurar algo mais do que o facto de os produtos declarados para introdução em livre prática serem, efetivamente, produtos originários, ou seja, produtos originários de um país beneficiário e não de um país terceiro, para o efeito da aplicação de um direito de importação (que será mais ou menos elevado consoante a origem do produto). Esse é o único objetivo do artigo 74.o do regulamento. Obviamente, esta disposição não se refere à rotulagem dos produtos destinados a venda aos consumidores, por exemplo ( 10 ). |
26. |
Conforme acima mencionado, parece não existir desacordo entre as partes relativamente ao facto de os produtos declarados para introdução em livre prática corresponderem efetivamente aos certificados de origem apresentados pela ADM Hamburg. Não foram apresentados ao órgão jurisdicional de reenvio quaisquer argumentos em contrário nem, muito menos, quaisquer indícios de que tenham sido acrescentados à remessa em apreço quaisquer produtos de países terceiros. |
27. |
Em segundo lugar (e mais importante), os líquidos e os produtos a granel constituem um caso à parte. Segundo creio, no caso destes tipos de produtos, é prática habitual emitir certificados de origem para um período específico e para uma determinada quantidade de um produto, aos quais é atribuído um conhecimento de embarque. Estes documentos são irrelevantes para efeitos do transporte e, em especial, para efeitos da carga a bordo de um navio transportador, a que presidem princípios completamente diferentes ( 11 ). É por este motivo que não se afigura nada invulgar que vários certificados de origem estejam associados a produtos transportados num único depósito ou porão de carga, nomeadamente nos casos em que todos esses produtos são oriundos de um mesmo país. |
28. |
A esse propósito, foi esclarecido na audiência que, não só o lote em apreço, mas também outras remessas de óleo de palma em bruto importado pela ADM Hamburg eram, de facto, misturas (ainda que fossem misturas originárias de um único país beneficiário). Tendo isso presente, interpretar o artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93 no sentido de que exige a separação física de produtos líquidos ou a granel só pode conduzir a uma distinção injustificada. A exigência da separação física durante o transporte (baseada num critério como o do país de origem ou o do certificado de origem) de produtos líquidos ou mercadorias a granel resultaria no tratamento desfavorável, relativamente à aplicação da pauta preferencial, de produtos cuja separação é difícil (se não impossível) quando colocados no mesmo porão de carga (ou depósito). Não vejo como se pode justificar tal situação: por que motivo a mistura num depósito ou num porão de carga de produtos materialmente idênticos, por consistirem em óleo de palma em bruto, e permutáveis constitui uma «alteração ou transformação» contrária ao artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93 nos casos em que os produtos misturados entre si são originários de vários países beneficiários, mas não nos casos em que são originários de um só país? |
29. |
Relativamente à necessidade de verificação da origem, que, na minha opinião, é o único argumento viável suscetível (à primeira vista) de justificar a separação física, direi apenas o seguinte: Não vejo por que razão seria mais fácil verificar a origem com base nos certificados de origem nos casos em que os produtos permutáveis (líquidos ou a granel) originários de um só país são transportados sob a forma de mistura e mais difícil nos casos em que (como na situação em apreço) existem vários certificados de origem associados a uma remessa que contém produtos permutáveis originários de vários países beneficiários. Em ambos os casos existem vários certificados de origem correspondentes a uma mistura de produtos líquidos ou a granel. |
30. |
Tal conduz‑me à minha última observação. Na minha perspetiva, o primeiro período do artigo 74.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2454/93 estabelece uma presunção a favor do caráter de produto originário. O declarante só está obrigado a demonstrar que a remessa contém efetivamente os mesmos produtos que foram exportados do país beneficiário nos casos em que as autoridades aduaneiras têm razões para acreditar que os produtos não possuem caráter de produtos originários. Conforme essa disposição claramente refere, essa prova pode ser feita por quaisquer meios, incluindo documentos contratuais de transporte como, por exemplo, conhecimentos de embarque ou provas factuais ou concretas baseadas na marcação ou numeração de embalagens, ou ainda qualquer prova relativa às próprias mercadorias. Nesse sentido, o transporte de produtos sob a forma de mistura não exclui o tratamento preferencial. No entanto, e correndo o risco de dizer o óbvio, é o importador (declarante) que suporta o risco da aplicação de um direito de importação mais elevado, caso as provas apresentadas não gerem para as autoridades aduaneiras a convicção de que os produtos possuem caráter originário. |
31. |
Com base no exposto, considero que, em circunstâncias como as do caso em apreço, em que i) os produtos que foram misturados entre si são materialmente os mesmos e permutáveis, consistindo todos em óleo de palma em bruto; ii) os produtos são originários de países que beneficiam do mesmo tratamento preferencial; e iii) não existem dúvidas quanto ao seu caráter originário, está preenchido o requisito de identidade entre os produtos exportados e os produtos declarados para introdução em livre prática na União Europeia, previsto no artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2454/93. |
IV – Conclusão
32. |
À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça se digne responder à questão prejudicial apresentada pelo Finanzgericht Hamburg, nos seguintes termos: O requisito de identidade estabelecido no primeiro período do artigo 74.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, com a redação introduzida pelo Regulamento (UE) n.o 1063/2010 da Comissão, de 18 de novembro de 2010, segundo o qual os produtos declarados para introdução em livre prática na União Europeia devem ser os mesmos produtos que foram exportados do país beneficiário de onde são considerados originários, está preenchido nas circunstâncias como as do caso em apreço, em que vários lotes de óleo de palma em bruto de diferentes exportadores beneficiários do mesmo tratamento preferencial não foram separados fisicamente para efeitos de transporte, antes tendo sido introduzidos no mesmo depósito de um navio transportador e, consequentemente, importados na União Europeia sob a forma de mistura nesse depósito. |
( 1 ) Língua original: inglês.
( 2 ) Regulamento (CEE) da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1993, L 253, p. 1), na redação introduzida pelo Regulamento (UE) n.o 1063/2010 da Comissão, de 18 de novembro de 2010 (JO L 307, p. 1).
( 3 ) Regulamento (CE) n.o 732/2008 do Conselho, de 22 de julho de 2008, que aplica um sistema de preferências pautais generalizadas para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2011 e que altera os Regulamentos (CE) n.o s 552/97 e 1933/2006 e os Regulamentos (CE) n.o s 1100/2006 e 964/2007 da Comissão (JO L 211, p. 1).
( 4 ) Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (a seguir «Código Aduaneiro Comunitário») (JO 1992, L 302, p. 1), na redação em vigor. Este regulamento reúne num único código um grande número de decisões e regulamentos comunitários em matéria de legislação aduaneira.
( 5 ) Sistema de Preferências Generalizadas.
( 6 ) V. acórdão Derudder, C‑290/01, EU:C:2004:120, n.o 45. Nesse sentido, várias disposições do Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado, tratam da possibilidade de verificação das mercadorias. Por exemplo, nos termos do seu artigo 68.o, n.o 2, alínea b), para verificação das declarações, as autoridades aduaneiras podem inspecionar as mercadorias e recolher amostras para análise ou exame pormenorizado.
( 7 ) Ainda que sem relevância para o caso presente, é interessante verificar que, também a este respeito, foi introduzida maior flexibilidade no sistema e os certificados de origem já não são utilizados. O Regulamento de Execução (UE) 2015/428 da Comissão, de 10 de março de 2015, que altera o Regulamento (CEE) n.o 2454/93 e o Regulamento (UE) n.o 1063/2010 no que respeita às regras de origem relativas ao regime de preferências pautais generalizadas e às medidas pautais preferenciais a favor de determinados países ou territórios (JO L 70, p. 12), introduziu um novo sistema de certificação da origem das mercadorias. Esta reforma estabeleceu um sistema de autocertificação em que os exportadores são registados num sistema eletrónico, designado por sistema REX.
( 8 ) V.o recente acórdão Helm Düngemittel, C‑613/12, EU:C:2014:52, n.o 32 e a jurisprudência aí referida.
( 9 ) V., por exemplo, os artigos 72.°, 75.° e 78.° do regulamento. Nos termos destas disposições, os produtos inteiramente obtidos num país beneficiário (tais como os vegetais cultivados nesse país) são considerados produtos originários, enquanto os produtos não inteiramente obtidos nesse país podem adquirir caráter de produto originário se forem objeto de transformações suficientes num país beneficiário. Mais resulta dos artigos 79.° e 83.° do regulamento que podem ser utilizadas matérias não originárias nas operações de fabrico, se não excederem determinada percentagem do produto, ao mesmo tempo que, por exemplo, a origem das máquinas ou do combustível utilizados no fabrico de um produto não é relevante para a determinação do caráter originário desse produto.
( 10 ) Conforme explica o considerando 7 do Regulamento (UE) n.o 978/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas e que revoga o Regulamento (CE) n.o 732/2008 do Conselho (JO 2012, L 303, p. 1), o acesso preferencial ao mercado da União é concedido para apoiar os países em desenvolvimento nos seus esforços para reduzir a pobreza e promover a boa governação e o desenvolvimento sustentável, ajudando‑os a gerar receitas adicionais através do comércio internacional, que podem então ser reinvestidas em benefício do seu próprio desenvolvimento, e, além disso, a diversificar as suas economias. A mistura de produtos permutáveis provenientes de diferentes países pertencentes ao mesmo grupo de países SPG não altera essa situação.
( 11 ) A esse respeito, as questões relacionadas com a segurança podem exigir que os produtos a serem transportados sejam carregados sem que exista correspondência com os conhecimentos de embarque. De qualquer modo, afigura‑se improvável que o número de depósitos ou porões de carga num navio corresponda ao número de lotes transportados em cada momento.