CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 30 de junho de 2015 ( 1 )

Processo C‑276/14

Gmina Wrocław

contra

Minister Finansów

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 9.° e 13.° — Artigos 5.°, n.o 3, e 4.°, n.o 2, TUE — Atividades económicas desenvolvidas por uma entidade organizacional municipal numa qualidade que não a de autoridade pública — Entidade organizacional municipal cujas atividades económicas não preenchem o critério de independência — Possibilidade de qualificar essa entidade como sujeito passivo de imposto sobre o valor acrescentado na aceção das disposições da Diretiva 2006/112»

I – Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny [Supremo Tribunal Administrativo], suscita a questão de saber se uma entidade organizacional municipal cujas atividades económicas não preenchem o critério de independência na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE ( 2 ), pode ser considerada sujeito passivo para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») separadamente do município de que faz parte, isto quanto às operações económicas realizadas por esta entidade por conta do município.

2.

Em particular, o tribunal de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se este conceito de independência, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 deve ser tido em conta para poder qualificar como sujeitos passivos de IVA os organismos de direito público tais como as entidades sujeitas ao orçamento do município referidas no pedido de decisão prejudicial, tendo em conta o artigo 13.o, n.o 1, dessa diretiva bem como os artigos 4.°, n.o 2 e 5.°, n.o 3, TUE, relativos aos princípios de subsidiariedade e de autonomia institucional.

3.

A questão em causa no litígio, do ponto de vista da República da Polónia, está ligada ao facto de, na Polónia, os municípios exercerem as suas missões de serviço público de forma autónoma, através de entidades organizacionais criadas para este efeito, nomeadamente as entidades sujeitas ao orçamento do município ( 3 ), que têm, até agora, sido consideradas como sujeitos passivos de IVA independentes do município. O presente processo coloca, por conseguinte, uma questão de interpretação dos artigos 9.° e 13.° da Diretiva 2006/112, o que implica determinar como se deve apreciar a forma pela qual essas entidades organizacionais, nomeadamente as entidades sujeitas ao orçamento do município, exercem as suas atividades económicas.

4.

A questão que diz respeito aos princípios de subsidiariedade e de autonomia institucional estabelecidos nos artigos 5.°, n.o 3, e 4.°, n.o 2, TUE, foi colocada pelo tribunal de reenvio por considerar que a impossibilidade de registar as entidades sujeitas ao orçamento do município, tais como as referidas no processo principal, como sujeitos passivos de IVA separadamente do município, poderia ter consequências sobre o modelo de funcionamento das coletividades territoriais na Polónia. Haverá que examinar, em seguida, se essas disposições do direito primário têm, a este propósito, uma incidência sobre a interpretação das disposições pertinentes da Diretiva 2006/112.

5.

Como sublinharam as partes que apresentaram observações escritas no presente processo, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao critério de independência incidiu sobre a sua aplicação às atividades das pessoas singulares que desempenham funções públicas, e às das entidades privadas. Em consequência, o órgão jurisdicional de reenvio solicitou ao Tribunal de Justiça que examinasse se se deve aplicar do mesmo modo esta jurisprudência aos organismos de direito público.

II – Enquadramento jurídico

A – Diretiva 2006/112

6.

A Diretiva 2006/112 revogou e substituiu, a partir de 1 de janeiro de 2007, a legislação comunitária existente em matéria de IVA, em especial, a Sexta Diretiva ( 4 ).

7.

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Entende‑se por ‘sujeito passivo’ qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por ‘atividade económica’ qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica, a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

8.

Nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2006/112:

«A condição de a atividade económica ser exercida de modo independente, tal como referido no n.o 1 do artigo 9.o, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.»

9.

O artigo 13.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação ( 5 ):

«Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas, na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

Em qualquer caso, os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos no que se refere às atividades referidas no Anexo I, na medida em que estas não sejam insignificantes.»

B – Direito polaco

10.

O artigo 15.o, n.o 1, da Lei do imposto sobre bens e serviços de 11 de março de 2004 ( 6 ), transpõe para o direito polaco o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 e tem a seguinte redação:

«Os sujeitos passivos são pessoas coletivas, entidades organizacionais sem personalidade jurídica e pessoas singulares que exercem autonomamente uma atividade económica referida no n.o 2, seja qual for a finalidade ou o resultado dessa atividade.»

11.

O artigo 15.o, n.o 6, da Lei do IVA nacional prevê que «não são considerados sujeitos passivos as autoridades públicas e os órgãos que as servem, no que se refere ao desempenho das funções que lhes foram confiadas em conformidade com outras normas jurídicas e para cuja execução foram criados, à exceção dos atos praticados em virtude de contratos de direito privado.»

III – Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

12.

No sistema administrativo polaco, os municípios executam as missões que lhes foram confiadas por força da lei sobre a autonomia municipal, de 8 de março de 1990 ( 7 ), com o concurso das instituições com autonomia administrativa mas sujeitas ao orçamento do município e entidades sujeitas ao orçamento do município ( 8 ). Estas últimas, que não dispõem de personalidade jurídica, servem essencialmente para desempenhar tarefas da responsabilidade do município, não têm vocação para exercer uma atividade económica própria, que pode, quando muito, surgir no decurso de outra atividade principal. Os rendimentos e as despesas dessas entidades sujeitas ao orçamento do município, incluídos os que estão ligados às suas atividades económicas sujeitas a IVA, fazem parte do orçamento do município. Estas entidades incluem, entre outras, escolas e centros culturais.

13.

O litígio no processo principal, que opõe o Gmina Wrocław (município de Wrocław) ao Minister Finansów (Ministro das Finanças polaco, a seguir «Ministro das Finanças»), tem a sua origem nos pedidos de interpretação do direito fiscal apresentados pelo município.

14.

O município de Wrocław perguntou ao Ministro das Finanças se uma entidade sujeita ao orçamento do município pode ser registada como sujeito passivo de IVA separadamente do município para prestações de serviços abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA ou se o próprio município deve ser registado como sujeito passivo para as prestações de serviços efetuadas pela sua entidade sujeita ao orçamento. Segundo aquele município, essas entidades sujeitas ao orçamento do município não preencheriam o critério de independência para a sujeição ao IVA, previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 15.o da Lei do IVA nacional e, em consequência, não poderiam ser registadas separadamente. Além disso, o registo das entidades sujeitas ao orçamento do município separadamente do mesmo acarretaria determinados inconvenientes de ordem prática ( 9 ).

15.

Nos seus pareceres, o Ministro das Finanças considerou que, uma vez que as entidades sujeitas ao orçamento do município estão separadas da estrutura do município, realizam atividades económicas de forma independente tendo em consideração critérios objetivos e executam, nessas condições, atividades sujeitas a IVA, deveriam ser consideradas como estando sujeitas a IVA separadamente do município.

16.

O município de Wrocław instaurou uma ação no Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo de Voïvodie em Wrocław) contra os pareceres do Ministro das Finanças. Tendo este tribunal julgado a ação improcedente, o município interpôs recurso de cassação para o tribunal de reenvio.

17.

Por despacho de 30 de janeiro de 2013, a formação ordinária do Naczelny Sąd Administracyjny remeteu para uma formação alargada dessa mesma jurisdição a questão de saber se uma entidade sujeita ao orçamento do município estava sujeita ao imposto sobre bens e serviços. Esta formação alargada considerou, por decisão de 24 de junho de 2013, em resposta à formação ordinária deste tribunal, que as entidades sujeitas ao orçamento do município visadas no referido processo não são sujeitos passivos para efeitos do IVA, uma vez que, apesar da circunstância de se encontrarem separadas do município no plano organizacional, não exercem qualquer atividade económica de modo autónomo ou independente face ao município.

18.

Em contrapartida, de acordo com o reenvio prejudicial, não se revela claramente em que medida se deve aplicar aos organismos de direito público, por força do direito da União, a condição de independência que consta do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Além disso, o tribunal de reenvio duvida da conformidade desta condição de independência com os princípios da subsidiariedade e da autonomia institucional estabelecidos nos artigos 5.°, n.o 3, e 4.°, n.o 2, TUE, segundo os quais a estrutura dos organismos locais e a repartição das suas atribuições são da competência dos Estados‑Membros.

19.

Tendo dúvidas quanto à interpretação dos artigos 9.°, n.o 1, e 13.°, n.o 1, da Diretiva 2006/112, o Naczelny Sąd Administracyjny, na sua formação ordinária, por decisão de 10 de dezembro de 2013, decidiu suspender a instância no processo principal e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial com a seguinte redação:

«Pode, à luz do artigo 4.o, n.o 2, em conjugação com o artigo 5.o, n.o 3, [TUE], uma entidade organizacional municipal (uma autarquia local na Polónia) ser considerada sujeito passivo para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado quando exerce atividades diferentes das exercidas na qualidade de autoridade pública, na aceção do artigo 13.o da diretiva [2006/112], apesar de não cumprir o pressuposto da autonomia (independência) previsto no artigo 9.o, n.o 1, dessa diretiva?»

20.

Foram apresentadas observações escritas pelo município de Wrocław, pelo Ministro das Finanças, pelos governos da Polónia e da Grécia bem como pela Comissão Europeia que, com exceção do Governo grego, estiveram representados na audiência de 5 de maio de 2015.

IV – Análise

A – Observações preliminares

21.

A questão prejudicial colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que as entidades organizacionais municipais em causa no processo principal, nomeadamente as entidades sujeitas ao orçamento do município, não preenchem o critério de independência previsto no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Com efeito, a formação alargada do tribunal de reenvio já concluiu nesse sentido na sua resposta à formação ordinária desse tribunal ( 10 ).

22.

Há que precisar, em primeiro lugar, que apenas são visadas no processo principal as entidades sujeitas ao orçamento do município de Wrocław, embora a questão prejudicial incida de forma mais geral sobre as entidades organizacionais municipais que não preenchem o critério de independência. As entidades organizacionais municipais abrangem vários tipos de entidades cujo nível de independência pode variar no exercício das suas atividades. Apesar disso, as presentes conclusões incidem unicamente sobre as entidades sujeitas ao orçamento do município em causa no processo principal.

23.

A questão prejudicial visa assim saber se as entidades sujeitas ao orçamento do município em causa no processo principal podem ser qualificadas como sujeitos passivos apesar da sua falta de independência no exercício das suas atividades. A este respeito, o Ministro das Finanças defende que o critério de independência não pode ser aplicado aos organismos de direito público, porque o respeito desta condição arriscaria conduzir a uma ingerência desproporcionada na autonomia institucional reconhecida aos Estados‑Membros. O artigo 13.o da Diretiva 2006/112 deveria, segundo ele, ser qualificado como norma especial em relação ao artigo 9.o, n.o 1, dessa diretiva. Em consequência, o exame da independência não seria nem necessário nem adequado no que respeita aos organismos de direito público.

24.

Por seu lado, o governo polaco propôs a reformulação da questão prejudicial para examinar, em primeiro lugar, a questão de saber se as entidades sujeitas ao orçamento do município em causa no processo principal preenchem o critério de independência que lhes seria aplicável. Segundo o governo polaco, essas entidades preenchem esse critério. Apenas a título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça viesse a considerar que o critério de independência não está preenchido no que respeita a essas entidades sujeitas ao orçamento do município, que conviria examinar a questão de saber se elas podem, apesar disso, ser qualificadas como sujeitos passivos por força do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

25.

Pela minha parte, considero que, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, não há que reformular a questão prejudicial, mas, antes, precisamente examinar se — e na afirmativa, de que maneira — a definição do conceito de «sujeito passivo» formulada no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, que inclui o critério de independência da atividade económica, deve ser aplicada aos organismos de direito público visados no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Em minha opinião, a resposta encontra‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça que examinarei a seguir. Começarei a minha análise apreciando, por um lado, a articulação entre os artigos 9.° e 13.° da Diretiva 2006/112 e, por outro lado, o conceito de «sujeito passivo» que consta do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

B – Quanto à relação entre os artigos 9.° e 13.° da Diretiva 2006/112 e quanto à definição em sentido amplo de «sujeito passivo »

26.

No sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, os artigos 9.° e 13.° da Diretiva 2006/112 fazem parte do título III desta diretiva, intitulado «Sujeitos passivos». Este título III contém as regras relativas à sujeição ao imposto, em geral, bem como os casos particulares, tais como o agrupamento para efeitos de IVA e as regras relativas às autoridades públicas. A este respeito, esse artigo 9.o é a regra geral relativa aos sujeitos passivos de IVA, ao passo que o artigo 13.o é uma regra de isenção ( 11 ).

27.

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que importa, para uma aplicação uniforme da Diretiva 2006/112, que o conceito de «sujeito passivo» receba uma interpretação autónoma e uniforme ( 12 ).

28.

Segundo a definição geral deste conceito, previsto no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, entende‑se por «sujeito passivo»«qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica» ( 13 ). Esta expressão muito ampla abrange todas as pessoas singulares e coletivas, quer públicas quer privadas.

29.

Além disso, importa observar que esta definição ampla do conceito de «sujeito passivo» pode mesmo ser aplicada a uma entidade desprovida de personalidade jurídica ( 14 ). Em consequência, o facto de as entidades sujeitas ao orçamento do município em causa no processo principal não terem personalidade jurídica não tem relevância no que respeita à possibilidade de as registar como sujeitos passivos distintos do município.

30.

Em contrapartida, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça, a aplicação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 pressupõe a caracterização prévia da atividade em causa como atividade económica ( 15 ). Embora a existência de uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 esteja demonstrada, há que examinar a aplicabilidade da exceção relativa aos organismos de direito público prevista no artigo 13.o, n.o 1, primeiro parágrafo, dessa diretiva ( 16 ).

31.

No acórdão Comissão/Espanha ( 17 ), o Tribunal de Justiça precisou, no âmbito da apreciação de um eventual incumprimento de um Estado‑Membro, que é necessário examinar, em primeiro lugar, se as atividades em causa constituem atividades económicas, em segundo lugar, se as referidas atividades são desempenhadas de modo independente, e, em terceiro lugar, se, em qualquer caso, a regra de não sujeição ao IVA ( 18 ) relativamente às atividades exercidas por um organismo de direito público enquanto autoridade pública pode ser aplicada ( 19 ).

32.

Assim, o Tribunal de Justiça já declarou expressamente que a apreciação do caráter independente da atividade económica precede a apreciação realizada por força do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

33.

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no entanto, se esta jurisprudência é pertinente no que respeita aos organismos de direito público, porque o critério de independência da atividade só teria sido examinado pelo Tribunal de Justiça, até ao presente, no que respeita às pessoas singulares que desempenham funções públicas ( 20 ). Segundo o tribunal de reenvio, a independência da atividade necessariamente não deveria ser apreciada quando se trata de pessoas coletivas de direito público. Não partilho deste ponto de vista do órgão jurisdicional de reenvio.

34.

Com efeito, resulta da economia do sistema comum de IVA, da letra do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, que não contém limitações ( 21 ), e da jurisprudência já citada, que a definição completa de sujeito passivo constante deste artigo 9.o deve ser aplicada de maneira uniforme e coerente a qualquer pessoa ( 22 ).

35.

No que respeita à economia do sistema comum de IVA, devemos recordar que os artigos 9.° e 13.° da diretiva 2006/112 atribuem um campo de aplicação muito amplo ao IVA. Com efeito, o legislador da União entendeu limitar o campo de aplicação da não sujeição ao imposto dos organismos de direito público para que seja respeitada esta regra geral ( 23 ).

36.

Por conseguinte, se uma pessoa singular ou coletiva não preencher os critérios enunciados no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 para poder ser qualificada como sujeito passivo, nomeadamente a condição de que a atividade económica seja exercida de «modo independente», não é necessário verificar se essa pessoa poderia ser isenta de IVA ao abrigo do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

37.

Em consequência, não pode aceitar‑se, como pretende o Ministro das Finanças, que é inútil examinar a questão de saber se os organismos de direito público exercem uma atividade económica de modo independente na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, porque o Estado teria o direito de conferir a qualidade de organismo de direito público a essas entidades. Em minha opinião, a qualidade de organismo de direito público de uma entidade é, a este propósito, destituída de pertinência, se esse organismo não exercer, em qualquer caso, uma atividade económica de modo independente.

38.

Todavia, as partes que apresentaram observações exprimiram dúvidas quanto à questão de saber se esse critério de independência das atividades deve ser aplicado aos organismos de direito público da mesma forma que aos operadores privados. Há portanto que examinar, a seguir, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente a este critério bem como a sua aplicação aos organismos de direito público.

C – Quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao critério de independência das atividades económicas na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 e à sua aplicação às atividades económicas dos organismos de direito público

39.

A condição de que a atividade económica seja exercida de um modo independente, prevista no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, é definida de uma forma negativa no seu artigo 10.o dessa diretiva. Segundo o artigo 10.o, a atividade não é exercida de um modo independente, e não dá, por isso, lugar à cobrança de IVA quando existe, entre uma pessoa e o seu empregador, uma relação de subordinação comparável àquela que é criada por um contrato de trabalho. Essa disposição refere três critérios relativos ao vínculo de subordinação, que dizem respeito à existência de uma situação de dependência nas condições de trabalho e de remuneração bem como em matéria de responsabilidade ( 24 ).

40.

Em aplicação desses critérios, o Tribunal de Justiça desenvolveu elementos que convém ter em conta na apreciação da independência de uma atividade económica na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Os critérios a ter em conta, enumerados nomeadamente no acórdão van der Steen ( 25 ), incluem o exercício de atividades por uma pessoa em seu nome, por sua própria conta e sob a sua responsabilidade, e o facto de a mesma suportar o risco económico ligado ao exercício das suas atividades ( 26 ).

41.

Para constatar a independência da atividade, o Tribunal de Justiça teve em conta a inexistência de qualquer relação de subordinação hierárquica relativamente à autoridade pública dos operadores que não estão integrados na administração pública, bem como o facto de os mesmos agirem por conta própria e sob a sua própria responsabilidade, organizarem livremente as normas de execução do seu trabalho e receberem os emolumentos que constituem o seu rendimento ( 27 ).

42.

Segundo o Tribunal de Justiça, são igualmente indícios da independência da atividade económica o facto de os próprios operadores obterem e organizarem, de modo autónomo, no âmbito dos limites previstos pela lei, os meios em pessoal e em material necessários ao exercício das suas atividades, bem como o facto de que eles próprios suportarem a responsabilidade que deriva das relações contratuais estabelecidas por eles no exercício da sua atividade e a responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros quando não agiam como delegados da autoridade pública ( 28 ).

43.

A condição relativa ao risco económico foi tratada no acórdão FCE Bank ( 29 ), no qual foi decidido que uma sucursal de um banco não era autónoma enquanto banco porque, não dispondo de um capital próprio, não suportava ela própria os riscos económicos inerentes ao exercício das suas atividades. Consequentemente, não podia ser considerada como sujeito passivo de IVA ( 30 ).

44.

Recordo que a aplicação do conceito de sujeito passivo deve ser uniforme e coerente ( 31 ). Trata‑se, afinal, quanto à condição de independência, de uma questão relativa à forma de exercer as atividades económicas, e nada mais. É certo que, a jurisprudência já referida, que estabelece critérios de apreciação relativos à independência da atividade económica, diz respeito unicamente às pessoas singulares que desempenham funções públicas bem como às pessoas coletivas de direito privado. Todavia, em minha opinião, nada indica que esses mesmos critérios de apreciação não sejam igualmente aplicáveis às atividades económicas exercidas pelos organismos de direito público abrangidos pelo artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Com efeito, se esses critérios podem ser aplicados às entidades privadas, cujas estruturas internas e práticas comerciais podem, muitas vezes, ser mais variadas e complexas que as dos organismos de direito público, parece‑me que esses critérios devem aplicar‑se aos organismos de direito público da mesma forma. A este propósito, a especificidade dos organismos de direito público decorre, mais precisamente, das suas atividades exercidas enquanto autoridade pública, que são tidas em conta separadamente pela regra de isenção prevista no artigo 13.o da Diretiva 2006/112.

45.

O governo polaco alegou que o critério relativo ao risco económico não procede para os organismos de direito público, porque o município ou as suas entidades sujeitas ao orçamento não poderiam ser submetidas a um processo de insolvência. Assim, segundo o mesmo, os organismos de direito público não se expõem a riscos económicos comparáveis àqueles que são assumidos pelos organismos privados que exercem atividades económicas ( 32 ). Segundo esse Governo, aplicar o critério de independência aos organismos de direito público da mesma forma que às entidades privadas teria como consequência que nem as entidades sujeitas ao orçamento nem os próprios municípios, preencheriam as condições para ser qualificados como «sujeitos passivos», na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

46.

No meu parecer, a existência de um risco económico deve ser entendida de uma forma mais ampla do que pretende o Governo polaco. Com efeito, a realização do risco económico pode tomar diferentes formas, mas, em minha opinião, a pessoa que suporta o risco deve dispor de uma espécie de património que se arrisca a perder. Por exemplo, para um estabelecimento de crédito, o risco económico pode ser a falta de reembolso de um empréstimo por parte de um cliente ( 33 ). A constatação de que um operador suporta o risco económico da sua atividade pode derivar igualmente do facto de o lucro retirado da sua atividade não depender apenas dos montantes ligados diretamente a esta, mas também das despesas ligadas à organização dos recursos humanos e em material da atividade, entre outros elementos ( 34 ).

47.

Além disso, a Diretiva 2006/112 fundamenta‑se na ideia de que os organismos de direito público abrangidos pelo seu artigo 13.o, n.o 1, tais como o Estado e os municípios, podem ser sujeitos a IVA quanto às atividades que desempenham numa outra qualidade que não a de autoridade pública. Podem ser sujeitos a IVA mesmo quanto às atividades que desempenhem enquanto autoridades públicas, «na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas» ( 35 ). Assim, o facto de uma entidade poder ser objeto de um processo de insolvência não é um critério determinante para verificar a sua qualidade de sujeito passivo nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112.

48.

Em minha opinião, a natureza independente das atividades económicas de uma entidade, do ponto de vista dos riscos, não depende tanto da questão de saber se essa entidade suporta um risco económico derivado das suas atividades, como da questão de saber se é, na realidade, uma outra entidade que suporta no seu património o risco ligado às atividades económicas da primeira entidade, em lugar desta ( 36 ).

49.

Em conclusão, o facto de uma entidade suportar o risco económico é um dos elementos a ter em conta na apreciação do modo como essa entidade exerce as suas atividades económicas. Os outros elementos suscetíveis de ser tomados em conta, mencionados na jurisprudência, são nomeadamente o desempenho de uma atividade por uma entidade em seu nome e por sua própria conta, a existência de um património próprio, a livre organização das modalidades de execução do trabalho, os recursos humanos e materiais exigidos, e o facto de a entidade suportar a responsabilidade contratual e a responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros. A apreciação da natureza independente de uma atividade económica, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, deve ser feita de forma casuística, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto.

D – Quanto aos princípios da subsidiariedade e da autonomia institucional, previstos nos artigos 5.°, n.o 3, e 4.°, n.o 2, TUE

50.

Por último, convém salientar que a independência constante do artigo 9.o da Diretiva 2006/112 é avaliada tendo em conta o exercício das atividades económicas. A questão não é saber se um organismo de direito público é independente ou autónomo dentro da estrutura das coletividades territoriais de um Estado‑Membro ou qual é o seu estatuto em relação ao direito administrativo interno. Consequentemente, a autonomia institucional dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, TUE, não é de forma alguma afetada pelas conclusões que precedem.

51.

O Governo helénico entendeu que a confusão a este respeito, no presente processo, resulta das divergências linguísticas no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 referidas pelo tribunal de reenvio. Segundo o tribunal de reenvio, as versões nas línguas francesa e inglesa utilizam a expressão «de modo independente» (em inglês «independently») enquanto que a versão polaca utiliza a expressão «de maneira autónoma» («samodzielnie» em polaco ( 37 )). Noto que a expressão «de modo independente» é igualmente utilizada em várias outras línguas ( 38 ).

52.

No que respeita às divergências linguísticas, resulta da jurisprudência assente que a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir como ponto de partida único para a interpretação dessa disposição, nem ser‑lhe atribuído, a esse propósito, um caráter prioritário em relação a outras versões linguísticas. As disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme à luz das versões aprovadas em todas as línguas da União Europeia. Em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de um texto da União, a disposição em questão deve ser interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento ( 39 ).

53.

Daqui decorre que a formulação utilizada na versão em língua polaca não pode ser utilizada sozinha para interpretar o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Já recordei, a este propósito, nos n.os 40 a 43 das presentes conclusões, a interpretação jurisprudencial do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112. Em qualquer caso, parece‑me difícil ver qual seria a diferença entre uma atividade desempenhada «de modo independente» e uma atividade desempenhada «de maneira autónoma» atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a este critério. Recordo, aliás, que o litígio incide, não sobre o caráter independente ou autónomo da entidade em causa, mas sobre a forma como a sua atividade económica é exercida.

54.

Recordo, igualmente, que os critérios relativos à sujeição ao IVA, que decorrem do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, são critérios objetivos que devem ser respeitados. Com efeito, o Estado‑Membro não pode alterar o âmbito de aplicação da Diretiva 2006/112 através de disposições internas relativas à organização dos municípios.

55.

Como também afirmou a Comissão, os Estados‑Membros podem organizar livremente a estrutura e as atividades dos seus organismos de direito público, incluindo a otimização da sua estrutura interna no que diz respeito às regras do IVA. As escolhas de um Estado‑Membro relativamente à estrutura organizacional dos organismos de direito público podem ter consequências diferentes a nível do IVA, sem, no entanto, limitar a liberdade de que o mesmo beneficia nas suas escolhas. No entanto, se os Estados‑Membros gozam da liberdade de escolha mencionada no artigo 4.o, n.o 2, TUE, as consequências de determinadas escolhas são, em contrapartida, pré‑determinadas pelo direito da União ( 40 ).

56.

Além disso, cumpre recordar que, como sublinhou a própria República da Polónia, os organismos de direito público não têm, em princípio, vocação para exercer atividades económicas em outra qualidade que não a de autoridade pública. A eventual atividade económica exercida por organismos de direito público é acessória e muitas vezes associada ao desempenho de missões de serviço público. A sujeição ao IVA dos organismos de direito público, quanto às atividades económicas que desempenham numa qualidade que não a de autoridade pública, mais não é do que um elemento que os Estados‑Membros podem ter em conta quando definem a estrutura organizacional da sua administração.

57.

No que respeita ao princípio da subsidiariedade, resulta claramente da redação do considerando 65 da Diretiva 2006/112 ( 41 ) que este princípio foi tido em conta pelo legislador da União quando da redação desta diretiva.

58.

Recordo que, no processo principal, a formação alargada do Naczelny Sąd Administracyjny parece já ter apreciado o caráter independente das atividades das entidades sujeitas ao orçamento do município visadas no pedido de decisão prejudicial. Tendo em conta a natureza da análise a efetuar e a necessidade de conhecer as especificidades do sistema da administração local polaco, é efetivamente o tribunal nacional que está mais bem colocado para apreciar, com base nos critérios identificados pelo Tribunal de Justiça ( 42 ), se as entidades sujeitas ao orçamento do município tais como as referidas no processo principal exercem as suas atividades de modo independente. Não dispondo o Tribunal de Justiça de todas as informações necessárias relativamente à administração local na Polónia para poder efetuar semelhante apreciação, compete ao tribunal de reenvio fazê‑lo.

E – Quanto ao pedido de limitação dos efeitos do acórdão no tempo

59.

O Governo polaco, invocando o risco de repercussões económicas graves, pediu a limitação dos efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça no tempo se este viesse a considerar que as entidades sujeitas ao orçamento não podem ser qualificadas de sujeitos passivos distintos de IVA. Segundo esse governo, uma tal posição afetaria com efeito de forma significativa o modelo de funcionamento da administração local que existe na Polónia, o que poderia ter consequências negativas no conjunto das finanças públicas na Polónia. Além disso, a República da Polónia teria considerado de boa‑fé, e continua a considerar, que as entidades sujeitas ao orçamento podem ser qualificadas de sujeitos passivos de IVA.

60.

Há que observar que o Governo polaco, no decurso da audiência, admitiu que o impacto de uma tal solução no modelo de funcionamento da administração local seria sobretudo para o futuro. Os efeitos retroativos do acórdão resultam apenas da necessidade de recalcular os impostos que foram cobrados durante os cinco anos precedentes ( 43 ).

61.

Recordo, a este respeito, que o IVA é um imposto sobre o consumo que incide sobre a despesa ou o consumo final de bens ou serviços pelas pessoas singulares ou coletivas. Em teoria, o IVA deveria conduzir a uma tributação única, no sentido de que o encargo fiscal que incidiu sobre um bem ou serviço deveria corresponder exatamente ao IVA calculado sobre o preço de venda exigido ao consumidor, qualquer que seja o número de transações ocorridas no processo anterior à fase de imposição. Assim, o IVA que incide sobre os serviços fornecidos ao público pelas entidades sujeitas ao orçamento do município, não deveria depender das modalidades de registo do município enquanto sujeito passivo de IVA, isto é, do facto que o mesmo estar registado com as entidades sujeitas ao seu orçamento como um sujeito passivo único ou de as entidades sujeitas ao orçamento estarem, pelo contrário, registadas separadamente.

62.

Todavia, como observou o município de Wrocław no decurso da audiência, no atual estado do direito da União, o sistema de IVA contém muitos elementos que reduzem a neutralidade fiscal perfeita, tais como a faculdade de os Estados‑Membros isentarem de IVA a atividade económica das pequenas empresas ( 44 ). Assim, a resposta à questão prejudicial não deixa de ser pertinente no aspeto prático.

63.

Todavia, só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por ele interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para que tal limitação possa ser decidida, é necessário que se encontrem preenchidos dois requisitos essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves ( 45 ).

64.

Mais especificamente, o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, nomeadamente quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em especial, ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa‑fé com base na regulamentação que se considerou estar validamente em vigor e quando se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União ( 46 ).

65.

Na minha opinião, os elementos aduzidos pelo Governo polaco não satisfazem os referidos critérios. Com efeito, o Governo polaco não conseguiu de modo algum avaliar a escala das eventuais repercussões económicas. Importa recordar que o presente processo diz respeito unicamente às entidades sujeitas ao orçamento do município visadas no processo principal e à possibilidade de determinar se as suas atividades são exercidas de modo independente. Em qualquer caso, a questão das eventuais consequências do acórdão que será proferido pelo Tribunal de Justiça, igualmente no que diz respeito às entidades sujeitas ao orçamento estatal e às instituições com autonomia administrativa mas sujeitas ao orçamento do município mencionadas no debate pelas partes, releva do âmbito de aplicação do direito nacional.

66.

Tendo em conta as considerações precedentes, considero que, no presente processo, não há lugar a limitar os efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça no tempo.

V – Conclusão

67.

Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Polónia) da seguinte forma:

O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que uma entidade organizacional municipal só pode ser qualificada como sujeito passivo de imposto sobre o valor acrescentado se a mesma exercer as suas atividades económicas de modo independente na aceção deste artigo. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, à luz dos critérios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça, se as entidades sujeitas ao orçamento do município em causa no processo principal exercem as suas atividades económicas de modo independente.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

( 3 ) O sistema polaco prevê igualmente outros tipos de entidades organizacionais municipais e entidades estatais. Por exemplo, os estabelecimentos sujeitos ao orçamento do município são, segundo o município de Wrocław, caracterizados por um grau mais elevado de autonomia que as entidades sujeitas ao orçamento do município.

( 4 ) Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1, a seguir «Sexta Diretiva»). Apesar das numerosas modificações de redação, as disposições relevantes da Diretiva IVA são, no essencial, idênticas às disposições correspondentes da Sexta Diretiva. V., neste sentido, acórdão Le Rayon d’Or (C‑151/13, EU:C:2014:185, n.o 6).

( 5 ) No que respeita às divergências entre várias versões linguísticas do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112 bem como a análise da noção de «outros organismos de direito público», v. as minhas conclusões no processo Saudaçor (C‑174/14, EU:C:2015:430, n.os 68 a 82).

( 6 ) Ustawa o podatku od towarów i usług (Lei do imposto sobre bens e serviços) de 11 de março de 2004 (Dziennik Ustaw n.o 54, item 535, com alterações), a seguir «Lei do IVA nacional».

( 7 ) Lei sobre a autonomia municipal [Ustawa o samorządzie gminnym], de 8 de março de 1990 [Dziennik Ustaw 2001, n.o 142, item 159] versão consolidada. O artigo 9.o, n.o 1, desta lei dispõe que, «para a realização das suas tarefas, o município pode criar entidades organizacionais e, igualmente, celebrar acordos com outras organizações, como as ONG [Organizações Não Governamentais]».

( 8 ) A criação das entidades sujeitas ao orçamento é regida pela lei sobre as finanças públicas [Ustawa o finansach publicznych, Dziennik Ustaw 2013, n.o 885, tal como modificada].

( 9 ) No decurso da audiência, o município de Wrocław precisou quais são, do seu ponto de vista, as questões práticas em causa no processo. Assim, se o município estivesse registado como único sujeito passivo de IVA com todas as suas entidades sujeitas ao orçamento, ser‑lhe‑ia mais fácil controlar o conjunto do pagamento do IVA, estar bem informada das atividades das suas entidades sujeitas ao orçamento, aplicar uma política fiscal única no seio do município e eliminar as dúvidas e as incertezas relativas ao imposto sobre as transações internas do município. Inversamente, a divisão do município e das suas entidades sujeitas ao orçamento em vários sujeitos passivos de IVA, afetaria o princípio da neutralidade do IVA. Por exemplo, se um município delegar uma atividade de investimento a uma primeira entidade sujeita ao orçamento e é uma segunda entidade sujeita ao orçamento que exerce a atividade económica tributável a partir deste investimento, não é evidente que a primeira entidade sujeita ao orçamento tenha direito a deduções de IVA apesar do apesar do facto de ambas as entidades fazerem parte da estrutura organizacional do mesmo município.

( 10 ) V. n.o 17 das presentes conclusões.

( 11 ) V. no que respeita ao artigo 4.o, n.o 5, da Sexta Diretiva, ao qual corresponde atualmente o referido artigo 13.o da Diretiva 2006/112, acórdão Comissão/Países Baixos (235/85, EU:C:1987:161, n.o 18).

( 12 ) Acórdãos Comissão/Suécia (C‑480/10, EU:C:2013:263, n.o 34) e Skandia America Corp. (USA), filial Sverige (C‑7/13, EU:C:2014:2225, n.o 23).

( 13 ) O sublinhado é meu.

( 14 ) V. acórdão Heerma (C‑23/98, EU:C:2000:46, n.o 8) e conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo FCE Bank (C‑210/04, EU:C:2005:582, n.o 36). A expressão «any person», utilizada na versão inglesa deste artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, deveria assim ser entendida como significando «any one», à semelhança de várias outras versões linguísticas deste artigo (v., a este respeito, Terra, B., e Kajus, J., A Guide to the European VAT Directives: Introduction to European VAT, IBFD 2015, vol. 1., p. 469).

( 15 ) V., neste sentido, acórdãos T‑Mobile Áustria e o. (C‑284/04, EU:C:2007:381, n.o 48); Götz (C‑408/06, EU:C:2007:789, n.o 15); Isle of Wight Council e o. (C‑288/07, EU:C:2008:505, n.os 28 a 30), e Comissão/Finlândia (C‑246/08, EU:C:2009:671, n.os 34 e 39). Esta ordem de exame foi igualmente utilizada nos acórdãos Comissão/França (C‑276/97, EU:C:2000:424), Comissão/Irlanda (C‑358/97, EU:C:2000:425); e Comissão/Reino Unido (C‑359/97, EU:C:2000:426). Nesses acórdãos, a questão da independência da atividade económica não foi no entanto suscitada.

( 16 ) Despacho Gmina Wroclaw (C‑72/13, EU:C:2014:197, n.o 19).

( 17 ) C‑154/08, EU:C:2009:695, n.o 86.

( 18 ) O artigo relevante no referido processo era o artigo 4.o, n.o 5, da Sexta Diretiva, que corresponde ao atual artigo 13.o da Diretiva 2006/112.

( 19 ) Além disso, esta ordem de exame das questões já foi utilizada nos acórdãos Comissão/Países Baixos (235/85, EU:C:1987:161) e Ayuntamiento de Sevilla (C‑202/90, EU:C:1991:332). V., neste sentido, igualmente, o despacho Mihal (C‑456/07, EU:C:2008:293, n.os 21 e 22).

( 20 ) Estas situações incluem os notários, oficiais de justiça, trabalhadores das Finanças e «registradores‑liquidadores» [conservadores liquidatários] espanhóis. V., a este respeito, n.os 41 e 42 das presentes conclusões.

( 21 ) V., a este respeito, n.o 28 das presentes conclusões. Resulta da jurisprudência relativa ao artigo 4.o da Sexta Diretiva que, tendo em conta a finalidade desta diretiva, que é, nomeadamente, criar um sistema comum de IVA com base numa definição uniforme do conceito de «sujeito passivo», esta qualidade deve ser apreciada exclusivamente com base nos critérios enunciados no artigo 4.o da referida diretiva (v., neste sentido, acórdãos van Tiem, C‑186/89, EU:C:1990:429, n.o 25; BBL, C‑8/03, EU:C:2004:650, n.o 37, e HE, C‑25/03, EU:C:2005:241, n.o 41). O artigo 4.o da Sexta Diretiva englobava os artigos a que correspondem atualmente, nomeadamente, os artigos 9.° e 13.° da Diretiva 2006/112.

( 22 ) Assim, a qualificação como sujeito passivo não depende da natureza de direito privado ou de direito público da pessoa que exerce as atividades económicas (Terra, B., e Kajus, J., op.cit., p. 431).

( 23 ) Acórdãos Isle of Wight Council e o. (C‑288/07, EU:C:2008:505, n.os 25 a 28 e 38); Comissão/Irlanda (C‑554/07, EU:C:2009:464, n.os 39 a 41) e Comissão/Países Baixos (C‑79/09, EU:C:2010:171, n.os 76 e 77).

( 24 ) Conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo FCE Bank (C‑210/04, EU:C:2005:582, n.o 39).

( 25 ) C‑355/06, EU:C:2007:615.

( 26 ) Acórdão van der Steen (C‑355/06, EU:C:2007:615, n.os 21 a 25). Para esses mesmos critérios, v. também, acórdão Heerma (C‑23/98, EU:C:2000:46, n.o 18).

( 27 ) Acórdão Comissão/Países Baixos (235/85, EU:C:1987:161, n.o 14) e conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo FCE Bank (C‑210/04, EU:C:2005:582, n.o 40). O Tribunal de Justiça reiterou esta mesma interpretação no que respeita aos oficiais de justiça eslovacos no despacho Mihal (C‑456/07, EU:C:2007:673, n.o 21).

( 28 ) Acórdão Ayuntamiento de Sevilla (C‑202/90, EU:C:1991:332, n.os 11 a 15). V., neste sentido, igualmente, o acórdão Comissão/Espanha (C‑154/08, EU:C:2009:695, n.os 103 a 106) no que respeita aos «registradores‑liquidadores» [conservadores liquidatários] espanhóis.

( 29 ) C‑210/04, EU:C:2006:196.

( 30 ) Acórdão FCE Bank (C‑210/04, EU:C:2006:196, n.os 35 a 37). O advogado‑geral P. Léger afirmou nas suas conclusões apresentadas neste mesmo processo que esta sucursal não exercia as atividades por sua conta própria (conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo FCE Bank, C‑210/04, EU:C:2005:582, n.o 40).

( 31 ) V. n.o 34 das presentes conclusões.

( 32 ) Importa observar que, no que respeita aos auxílios de Estado, pode ser considerado como um auxílio de Estado ilícito uma garantia implícita e ilimitada do Estado a favor de uma empresa que não pode ser objeto de processos de recuperação e de liquidação judicial (v., neste sentido, acórdão França/Comissão, C‑559/12 P, EU:C:2014:217, n.os 97 e 98). No entanto, esta constatação é irrelevante para efeitos da interpretação da Diretiva 2006/112, porque os objetivos da regulamentação relativa ao IVA distinguem‑se daqueles que são válidos em outros domínios do direito da União tais como os auxílios de Estado ou os contratos públicos. V., neste sentido, a minha análise relativa à interpretação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, nas minhas conclusões no processo Saudaçor (C‑174/14, EU:C:2015:430, n.os 61 a 65).

( 33 ) Acórdão FCE Bank (C‑210/04, EU:C:2006:196, n.o 36).

( 34 ) No acórdão Ayuntamiento de Sevilla, os cobradores de impostos suportavam o risco económico da sua atividade, na medida em que o lucro que daí retiravam dependia não só do montante dos impostos cobrados, mas também das despesas ligadas à organização dos recursos humanos e em material da sua atividade (acórdão Ayuntamiento de Sevilla, C‑202/90, EU:C:1991:332, n.o 13). No acórdão Comissão/Espanha, o Tribunal de Justiça entendeu que os «registradores‑liquidadores» em causa no referido processo suportavam o risco económico da sua atividade, na medida em que o lucro que daí retiravam dependia do montante dos impostos cobrados, das despesas ligadas à organização dos recursos humanos e em material da sua atividade, da eficácia dos «registradores‑liquidadores» e até, em certos casos, da percentagem das sanções e das penalidades aplicadas e cobradas no exercício da atividade do «registrador‑liquidador» (acórdão Comissão/Espanha, C‑154/08, EU:C:2009:695, n.o 107).

( 35 ) Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.

( 36 ) Por exemplo, uma escola primária, cuja piscina é utilizada pelo público à noite e durante o fim de semana, pode certamente estar exposta às consequências financeiras negativas resultantes dessa atividade económica, tais como um desequilíbrio entre as despesas e as receitas, mas finalmente é o município que suporta esse risco económico, uma vez que tem de financiar as eventuais perdas resultantes dessa atividade.

( 37 ) Esta expressão polaca pode igualmente ser traduzida por «sozinha».

( 38 ) Nomeadamente as versões nas línguas dinamarquesa, alemã, espanhola, italiana, maltesa, holandesa, portuguesa, romena, finlandesa e sueca.

( 39 ) V., nomeadamente, acórdão Ivansson e o. (C‑307/13, EU:C:2014:2058, n.o 40).

( 40 ) V., neste sentido, igualmente o acórdão Comissão/Espanha (C‑154/08, EU:C:2009:695, n.os 120 a 123). Segundo este acórdão, nada no direito da União se opõe a que um Estado‑Membro ou regiões de um Estado‑Membro decidam, em conformidade com a regulamentação que lhes é aplicável, recorrer a entidades, tais como os «registradores‑liquidadores» em causa no caso concreto desse processo, para recuperar e liquidar impostos que relevam incontestavelmente da competência dos Estados‑Membros. Todavia, daí não decorre que um Estado‑Membro tenha a liberdade de não sujeitar a IVA os serviços prestados por esses «registradores» se se concluir que esses serviços são fornecidos sob a forma de uma atividade económica independente.

( 41 ) Segundo o referido considerando 65, «[a]tendendo a que os objetivos da presente diretiva não podem ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros pelos motivos acima referidos e podem, pois, ser melhor alcançados ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para atingir aqueles objetivos».

( 42 ) A este propósito, concordo com a análise do Governo polaco segundo a qual, o tribunal de reenvio cometeu um erro se entendeu, como afirma aquele governo, que a questão do exercício independente da atividade económica deve ser examinada unicamente com base no direito polaco.

( 43 ) A este propósito, o município de Wrocław afirmou, no decurso da audiência, que vários municípios da Polónia já teriam, desde há algum tempo, protegido os seus interesses pedindo pareceres, a saber, interpretações fiscais vinculativas junto do Ministro das Finanças. Assim, esses municípios poderiam escolher entre retificar retroativamente as suas declarações fiscais, ou beneficiar da proteção conferida pelos pareceres. O município de Wrocław afirmou igualmente que, a nível organizacional, está em condições de estabelecer uma declaração centralizada de IVA.

( 44 ) Além disso, como já observei nas minhas conclusões relativas ao processo Comissão/Irlanda (C‑85/11, EU:C:2012:753, n.o 45), no que respeita aos agrupamentos para efeitos de IVA, a inscrição como sujeito passivo único de entidades economicamente ligadas pode criar vantagens de tesouraria a nível do conjunto, devido à inexistência de IVA incidindo sobre as operações internas entre essas entidades.

( 45 ) Acórdãos Schulz e Egbringhoff (C‑359/11 e C‑400/11, EU:C:2014:2317, n.o 57 e jurisprudência referida) e Balazs e Casa Judeţeană de Pensii Cluj (C‑401/13 e C‑432/13, EU:C:2015:26, n.o 50 e jurisprudência referida).

( 46 ) Acórdãos Schulz e Egbringhoff (C‑359/11 e C‑400/11, EU:C:2014:2317, n.o 58 e jurisprudência referida) e Balazs e Casa Judeţeană de Pensii Cluj (C‑401/13 e C‑432/13, EU:C:2015:26, n.o 51 e jurisprudência referida).