CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 3 de junho de 2015 ( 1 )

Processo C‑168/14

Grupo Itevelesa SL

Applus Iteuve Technology

Certio ITV SL

Asistencia Técnica Industrial SAE

contra

OCA Inspección Técnica de Vehículos SA,

Generalidad de Cataluña

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha)]

«Diretiva 2006/123/CE — Serviços no mercado interno — Diretiva 2009/40/CE — Inspeção técnica de veículos a motor — Regras aplicáveis aos serviços no domínio dos transportes — Liberdade de estabelecimento — Autorização do exercício da atividade por entidades privadas — Exercício da autoridade pública — Requisitos relativos à localização e à quota de mercado»

1. 

O bom funcionamento do mercado interno pressupõe a existência de possibilidades de transporte adequadas que, por seu turno, exigem que a segurança rodoviária seja definida como uma prioridade de topo. Com efeito, a política da União Europeia estabelece o objetivo de atingir «zero mortes» até 2050 ( 2 ).

2. 

A inspeção técnica periódica de veículos motorizados (a seguir «inspeção técnica de veículos» ou «ITV») tem por objetivo reforçar a segurança dos transportes rodoviários. No caso em apreço (que diz respeito, nomeadamente, à compatibilidade de certas regras catalãs sobre a ITV com o direito da União), a ITV é realizada por operadores privados e não por autoridades públicas. Nesse contexto, o Tribunal Supremo (Espanha) solicita orientações sobre diversas questões, a saber: (i) a aplicabilidade da chamada «Diretiva Serviços» ( 3 ); (ii) o conceito de «exercício da autoridade pública»; e (iii) a compatibilidade do regime catalão de autorização do exercício da atividade de ITV com a regras da União em matéria de liberdade de circulação.

3. 

Em resumo, entendo que os Estados‑Membros estão em melhor posição para determinar se devem autorizar operadores privados a realizar a ITV e como regular essa atividade, desde que respeitem o direito da União. Pelas razões adiante expostas, receio que, no caso vertente, o direito da União não tenha sido integralmente respeitado.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

1. Diretiva Serviços

4.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva Serviços («Âmbito de aplicação»), esta é aplicável aos serviços fornecidos pelos prestadores estabelecidos num Estado‑Membro, sem prejuízo das exceções previstas no artigo 2.o, n.o 2. De acordo com o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), a diretiva não é aplicável aos «[s]erviços no domínio dos transportes [...] abrangidos pelo âmbito do [título VI do TFUE]» nem, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea i), às «[a]tividades relacionadas com o exercício da autoridade pública, como previsto no artigo [51.° TFUE]».

5.

O artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva Serviços («Relação com outras disposições do direito comunitário») estabelece que os Estados‑Membros devem aplicar as disposições da diretiva no respeito das regras que regem o direito de estabelecimento e a livre circulação de serviços.

2. Diretiva 2009/40 ( 4 )

6.

A Diretiva 2009/40 foi adotada nos termos do artigo 71.o CE (atual artigo 91.o TFUE) e revogou a Diretiva 96/96 ( 5 ).

7.

Os artigos 1.°, n.o 1, e 2.° da Diretiva 2009/40 (sob a epígrafe «Disposições gerais») estabelecem, respetivamente, que os veículos a motor matriculados num Estado‑Membro devem ser submetidos a um controlo técnico periódico nos termos da diretiva. Esse controlo deve ser efetuado pelo Estado‑Membro ou por entidades de natureza pública por ele incumbidos dessa função, ou por organismos ou estabelecimentos por ele designados, eventualmente de caráter privado, autorizados para o efeito, e atuando sob a sua vigilância direta.

B – Direito espanhol

8.

Na Catalunha, a ITV periódica é regulada pelos artigos 34.° a 38.° da Lei n.o 12/2008 ( 6 ). Nos termos do artigo 35.o dessa lei, os operadores de centros ITV devem, nomeadamente, efetuar a inspeção técnica dos veículos e impedir a utilização dos veículos que, após a respetiva revisão, apresentem deficiências que afetem as suas condições de segurança e impliquem um perigo iminente. O artigo 36.o da referida lei impõe certos requisitos a esses operadores, ao passo que o artigo 37.o regula a concessão de autorização para o exercício da atividade. Estes requisitos são concretizados no Decreto n.o 30/2010 ( 7 ) e no Decreto n.o 45/2010 ( 8 ) (a seguir «decretos impugnados»).

9.

Em especial, o artigo 73.o do Decreto n.o 30/2010 dispõe que os centros ITV devem respeitar o plano territorial. Além disso, o artigo 74.o desse decreto proíbe as empresas (ou grupos de empresas ( 9 )) autorizadas de terem uma quota de mercado superior a 50% ( 10 ). Por seu turno, o artigo 75.o define as distâncias mínimas entre centros ITV autorizados a uma mesma empresa ou grupo de empresas ( 11 ).

II – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

10.

Em 5 de maio de 2010, a OCA Inspección Técnica de Vehículos, SA (a seguir «OCA»), uma empresa que explora um centro ITV, instaurou uma ação de fiscalização da legalidade dos decretos impugnados no Tribunal Superior de Justicia de Cataluña, alegando que as condições associadas ao regime de autorização do exercício da atividade de ITV violam a Diretiva Serviços e o artigo 49.o TFUE.

11.

Quatro outros operadores de centros ITV — o Grupo Itevelesa SL (a seguir «Itevelesa»), a Applus Iteuve Technology (a seguir «Applus»), a Certio ITV SL (a seguir «Certio») e a Asistencia Técnica Industrial SAE (a seguir «ATI») — e a Generalidad de Cataluña (a seguir «Generalidad») apresentaram alegações em apoio da legalidade dos decretos impugnados.

12.

Por acórdão de 25 de abril de 2012, o Tribunal Superior de Justicia julgou procedente a ação instaurada pela OCA, considerando que o regime de autorização era incompatível com a legislação espanhola que transpunha a Diretiva Serviços. Nesta conformidade, declarou a nulidade de uma série de disposições do Decreto n.o 30/2010 e da totalidade do Decreto n.o 45/2010.

13.

A Generalidad não recorreu desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio. Porém, os outros quatro centros ITV interpuseram recurso. Em 15 de janeiro de 2014, a Generalidad pediu ao órgão jurisdicional de reenvio autorização para intervir no processo de recurso na qualidade de recorrida. O Tribunal Supremo deferiu esse pedido em 20 de janeiro de 2014.

14.

Em primeiro lugar, o Tribunal Supremo tem dúvidas sobre a interpretação do conceito de «serviços no domínio dos transportes». Em segundo lugar, esse órgão jurisdicional pretende saber se os operadores de centros ITV exercem atividades que devam ser qualificadas de «autoridade pública». Por último, o órgão jurisdicional de reenvio questiona a possibilidade, enquanto tal, de recorrer a um regime de autorização do exercício da atividade de ITV, bem como certos requisitos estabelecidos ao abrigo desse regime relacionados, em especial, com distâncias mínimas e com a detenção de quotas de mercado (a seguir «requisitos controvertidos»). Naquele contexto, tendo dúvidas quanto à compatibilidade dos decretos impugnados com o direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)

O artigo 2.o, n.o 2, alínea [d)] da [Diretiva Serviços] exclui do âmbito de aplicação dessa diretiva a atividade de inspeção técnica de veículos (ITV) quando efetuada, nos termos da legislação nacional, por empresas privadas sob a supervisão da administração de um Estado‑Membro?

2)

Em caso de resposta negativa à questão anterior (isto é, se a atividade de inspeção técnica de veículos estiver abrangida, em princípio, pelo âmbito da [Diretiva Serviços]), será aplicável o fundamento de exclusão previsto no artigo 2.o, n.o 2, alínea i), da referida diretiva pelo facto de as empresas privadas que prestam esse serviço estarem autorizadas, como medida provisória e cautelar, a ordenar a imobilização dos veículos que apresentem deficiências de tal forma graves quanto às condições de segurança que a respetiva circulação implique um perigo iminente?

3)

Se a [Diretiva Serviços] for aplicável à atividade de inspeção técnica de veículos, a sua interpretação, conjugada com o artigo 2.o da [Diretiva 2009/40] (ou com a disposição correspondente da Diretiva anterior 96/96/CE) permite, em qualquer caso, condicionar essa atividade a autorização administrativa prévia? As considerações constantes do n.o 26 do acórdão do [Tribunal de Justiça] [no processo Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651] são relevantes para a resposta a esta pergunta?

4)

Os artigos 10.° e 14.° da [Diretiva Serviços] e, caso essa diretiva não seja aplicável, o artigo 43.o do Tratado CE (atual artigo 49.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), são compatíveis com uma regulamentação nacional que faz depender o número de autorizações para o início da atividade de inspeção técnica de veículos do disposto num plano territorial no qual figuram, como fundamentos da restrição quantitativa, a garantia de uma cobertura territorial adequada e da qualidade do serviço e a promoção da concorrência entre os operadores, incluindo, para esse efeito, fatores de programação económica?»

15.

Nos termos do artigo 101.o do Regulamento de Processo, por ofício de 28 de janeiro de 2015, o Tribunal de Justiça pediu ao órgão jurisdicional de reenvio esclarecimentos sobre certas questões relacionadas com o quadro jurídico nacional aplicável antes de 24 de fevereiro de 2015. Por ofício datado de 23 de fevereiro de 2015, o Tribunal Supremo transmitiu ao Tribunal de Justiça as informações solicitadas.

16.

Foram apresentadas observações escritas pela OCA, pela Itevelesa, pela Applus, pela Certio, pela ATI, pela Generalidad, pelos Governos espanhol e sueco e pela Comissão. Na audiência realizada em 19 de março de 2015, foram apresentadas observações orais pela OCA, pela Itevelesa, pela Applus, pela Certio, pela ATI, pela Generalidad, pelos Governos espanhol, irlandês e sueco e pela Comissão.

III – Análise

A – Questão 1: Aplicabilidade da Diretiva Serviços

17.

A questão 1 é descrita como a «questão‑chave» pelo Tribunal Supremo. No essencial, o Tribunal Supremo pergunta se a ITV é um «serviço no domínio dos transportes». Recordo que o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva Serviços exclui do seu âmbito de aplicação tais serviços, que estão (agora) abrangidos pelo título VI TFUE. Essa disposição espelha a regra consagrada no artigo 58.o, n.o 1, TFUE ( 12 ).

18.

Como veremos, na verdade esta questão não é essencial para o desfecho do processo principal. Não obstante, dada a sua potencial relevância para futuros casos, analisarei todos os seus aspetos.

19.

Desde logo, importa ter em conta que, segundo os Tratados, dada a natureza específica dos transportes, a aplicação dos princípios que regem a livre prestação de serviços deve ser realizada através da execução de uma política comum dos transportes ( 13 ). Contudo, as regras relativas à política comum dos transportes, longe de afastar as regras fundamentais em matéria de livre circulação, têm por objeto aplicar e complementar as regras sobre liberdade de prestação de serviços através de ações comuns ( 14 ).

20.

O título VI TFUE não contém uma definição do que constitui um serviço no domínio dos transportes. Na falta de uma definição geral no direito primário, existem definições específicas, em legislação secundária adotada nos termos do título VI TFUE, de serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação desses diplomas.

21.

Debruçando‑me agora sobre a matéria em análise, embora harmonize as regras sobre a inspeção técnica de veículos a motor e seus reboques, a Diretiva 96/96 «não contém nenhuma disposição relativa às regras de acesso às atividades de inspeção de veículos» ( 15 ). O mesmo acontece com a Diretiva 2009/40. Por outras palavras, o direito de estabelecimento como operador de um centro ITV — ao contrário das regras materiais aplicáveis à própria atividade de inspeção — não foi harmonizado pela Diretiva 2009/40. A fortiori, a prestação dos serviços oferecidos no decurso dessa atividade também não o foi. Por conseguinte, se a ITV for qualificada de «serviço no domínio dos transportes» para efeitos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, será forçoso concluir que, atualmente, o direito da União não garante a liberdade de prestação de serviços de ITV ( 16 ).

22.

Consequentemente, o conceito de «serviço no domínio dos transportes» deve ser objeto de uma interpretação prudente, sobretudo quando estão em causa serviços cuja ligação aos transportes é meramente acidental, secundária ou até mesmo superficial. Contudo, será que isso significa que deve ser adotada uma visão claramente restritiva desse conceito? Esta questão é importante. Creio que, uma vez que as regras sobre a política comum dos transportes aplicam e complementam as regras sobre a liberdade de prestação de serviços (v. n.o 19 supra), seria problemático chegar ao ponto de considerar que o título VI do TFUE — mesmo tendo em conta o artigo 58.o, n.o 1, TFUE — constitui uma «exceção» às regras sobre liberdade de circulação e que, como tal, deve ser interpretado restritivamente ( 17 ).

23.

A maioria das partes que apresentaram observações alega que a ITV promove a segurança dos transportes, um domínio de intervenção expressamente mencionado no artigo 91.o, n.o 1, alínea c), TFUE. Essas partes referem que as Diretivas 96/96, 2009/40 e 2014/45 ( 18 ) foram adotadas ao abrigo do artigo 71.o CE (ou do seu sucessor). Assim sendo, a prática do legislador da União possivelmente indica que a ITV é um serviço no domínio dos transportes.

24.

Embora não seja indiferente a esses argumentos, com o devido respeito gostaria de salientar, em primeiro lugar, que uma tese assente na base jurídica de uma diretiva não pode ser decisiva nos casos em que essa diretiva harmonize unicamente o conteúdo do serviço em questão e não a sua efetiva prestação (acesso). Em segundo lugar, as razões para adotar medidas legislativas ao abrigo do título VI TFUE nem sempre são claras ou coerentes. A título de exemplo, relembro que, embora as regras em matéria de tempos de condução e períodos de repouso sejam adotadas nos termos do artigo 71.o CE ( 19 ), o mesmo já não acontece com as regras sobre o transporte de animais ( 20 ). Em ambos os casos, as regras estão inquestionavelmente relacionadas com transporte. A essa luz, considero que a base jurídica de um ato legislativo da União não pode ser o único fator decisivo na qualificação de um determinado serviço como serviço de transporte ( 21 ).

25.

É possível argumentar que a ITV não constitui um verdadeiro serviço de transporte, mas sim um serviço acessório ou subordinado. O facto de possuírem a natureza de serviço acessório de um verdadeiro serviço de transporte dificulta a qualificação desses serviços. A título de exemplo, refira‑se que, no acórdão Bowden e o. ( 22 ), o Tribunal de Justiça sustentou, a propósito de uma diretiva que regulava o tempo de trabalho e que não era aplicável ao setor do transporte rodoviário, que o pessoal que trabalhava no escritório de uma empresa de distribuição de encomendas estava abrangido por esse setor. Porém, dada a natureza específica desse processo (que tinha por objeto um litígio no domínio do direito do trabalho), não creio que o referido acórdão seja de grande utilidade para o presente caso.

26.

O artigo 58.o, n.o 1, TFUE faz referência a «serviços em matéria de transportes», que me parece ser uma expressão mais abrangente do que «serviços de transporte». Em princípio, incluirá — pelo menos dentro de certos limites — serviços acessórios ou subordinados.

27.

Alguns considerandos da Diretiva Serviços esclarecem um pouco melhor esta questão. Por um lado, o considerando 21 — que faz referência a um conceito mais restrito de «serviços de transporte» — explica que «inclu[em] os transportes urbanos, os táxis e as ambulâncias, bem como os serviços portuários» e que «deverão ser excluídos do âmbito de aplicação da [Diretiva Serviços]». Por outro lado, o considerando 33 refere expressamente que «[o]s serviços abrangidos pela presente diretiva pertencem a um amplo leque de atividades em constante evolução, entre os quais se contam os serviços empresariais, como por exemplo […] o aluguer de automóveis, e as agências de viagem» ( 23 ).

28.

Tendo em conta estes elementos, e na falta de uma definição clara nos textos legais, entendo que um «serviço no domínio dos transportes» tem de consistir no ato físico de movimentar pessoas ou mercadorias de um local para outro por meio de um veículo, aeronave ou embarcação, ou estar intrinsecamente ligado a tal ato. Se o serviço em causa não envolver, como atividade principal, um verdadeiro transporte, o mero facto de estar de alguma forma ligado ao transporte não significa, por si só, que deva ser qualificado como tal. Nesse caso, correr‑se‑ia o risco de dar ao artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva Serviços um âmbito de aplicação demasiado amplo e de comprometer a finalidade da diretiva. Correndo o risco de dar um exemplo óbvio, para além da sua localização, os serviços de consumo geral habitualmente localizados numa estação ferroviária central muito movimentada, como os serviços de reparação de calçado e de chaves, não estão ligados aos transportes.

29.

No entanto, esta lógica não deve ser interpretada como um argumento a favor de uma visão restritiva do conceito de «serviço no domínio dos transportes». Com efeito, a redação do artigo 91.o, n.o 1, TFUE sugere que certos fatores poderão ligar ao domínio dos transportes um serviço que não envolve diretamente transporte, por ser essencial a este. A segurança dos transportes parece ser um desses fatores, uma vez que tem por finalidade melhorar o transporte para todos.

30.

Concluo, assim, pelos motivos abaixo enunciados, que a ITV constitui um serviço no domínio dos transportes.

31.

Com efeito, é certo que a ITV não envolve um verdadeiro serviço de transporte, mas apenas um serviço acessório ou indireto. Porém, se a inspeção técnica revelar que o veículo apresenta anomalias perigosas, a lei poderá proibir a utilização desse veículo para fins de transporte ( 24 ). Por outras palavras, a ITV parece ser um pré‑requisito necessário do transporte. Além disso, a ITV, enquanto tal, contribui para tornar os transportes mais seguros em benefício de todos os passageiros. Por conseguinte, está intrinsecamente ligada ao transporte. Em contrapartida, para utilizar o exemplo dos serviços de aluguer de automóveis, que possivelmente também poderão ser considerados serviços acessórios, o contrato de aluguer não é, em si, um pré‑requisito necessário do transporte, mas apenas um método legal (entre outros) de adquirir um meio de transporte.

32.

Dada esta posição, é irrelevante que a ITV também possa ser igualmente equiparada a serviços de certificação, inspeção técnica e/ou ensaios, em princípio abrangidos pela Diretiva Serviços ( 25 ). Com efeito, nada impede que um determinado serviço envolva certificação, inspeção técnica e/ou ensaios, por um lado, e seja um «serviço no domínio dos transportes», por outro. Nesse cenário híbrido, o serviço em causa estaria, ainda assim, excluído do âmbito de aplicação da Diretiva Serviços, uma vez que, no meu entender, o seu artigo 2.o, n.o 2, alínea d) (e o artigo 58.o, n.o 1, TFUE) prevalece sobre o artigo 2.o, n.o 1.

33.

Pelo exposto, considero que a prestação de serviços de ITV está abrangida pelo âmbito de aplicação do título VI TFUE. Consequentemente, nem a liberdade de prestação de serviços (artigo 58.o, n.o 1, TFUE) nem a Diretiva Serviços (artigo 2.o, n.o 2, alínea d), deste diploma) são aplicáveis. Além disso, uma vez que a Diretiva 2009/40 não harmoniza a prestação de serviços de ITV, tão‑pouco pode pôr em causa as regras catalãs em apreço.

34.

Contudo, para dar ao Tribunal Supremo uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, é necessário ir além da letra da questão 1. Com efeito, o facto de a liberdade de prestação de serviços não ser aplicável nos termos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE não exclui a aplicação do artigo 49.o TFUE relativo à liberdade de estabelecimento. Essa disposição é diretamente aplicável aos transportes ( 26 ). É significativo o facto de o órgão jurisprudencial de reenvio mencionar o artigo 49.o TFUE na questão 4.

35.

Uma vez que a exploração de centros ITV se enquadra no conceito de «estabelecimento» ( 27 ), o Tribunal de Justiça deveria responder à questão 1 no sentido de que essas atividades estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 49.o TFUE.

36.

Por último, uma vez que a Applus e a ATI suscitam uma questão de admissibilidade, importa deixar bem claro que a solução que proponho — ou seja, a de responder às questões prejudiciais com base na liberdade de estabelecimento e não na Diretiva Serviços — não afeta a competência do Tribunal de Justiça. É certo que o Tribunal de Justiça não pode responder a questões prejudiciais sobre a interpretação de disposições de direito primário relativas à livre circulação de pessoas quando todos os elementos estão confinados, em todos os aspetos relevantes, a um único Estado‑Membro ( 28 ). Porém, em certos casos, não é possível afastar a possibilidade de o diploma legislativo nacional impugnado ter efeitos transfronteiriços ( 29 ). É, sem dúvida, o caso de um diploma que estabelece um regime de autorização, limitando desse modo o número de operadores económicos, e que associa determinados requisitos a esse regime, por exemplo em matéria de distância geográfica. Esses casos têm sido geralmente objeto de uma apreciação de mérito ( 30 ), sendo a razão mais convincente o facto de a legislação em causa ser efetivamente suscetível de produzir efeitos transfronteiriços (pelo menos, essa possibilidade não podia ser afastada). Uma vez que o regime catalão em apreço é suscetível de produzir exatamente esses efeitos, considero, portanto, que a competência do Tribunal de Justiça para conhecer do mérito das questões prejudiciais não é afetada.

B – Questão 2: Isenção da «autoridade pública »

37.

A questão 2 explora um assunto muito debatido: a isenção das atividades qualificáveis de exercício da autoridade pública relativamente às regras sobre livre circulação. A questão está formulada com base na premissa de que a Diretiva Serviços é aplicável ao caso em apreço. No entanto, à luz da minha resposta à primeira questão — e, mais uma vez, a fim de dar uma resposta útil —, entendo que o Tribunal de Justiça deve abordar esta questão a partir da perspetiva do artigo 51.o, n.o 1, TFUE, dado que esta disposição também é relevante para a liberdade de estabelecimento.

38.

No fundo, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o facto de os operadores dos centros ITV poderem ordenar a imobilização de um veículo que, tendo reprovado na inspeção técnica, seja considerado um perigo iminente, significa que exercem uma autoridade pública na aceção do artigo 51.o, n.o 1, TFUE.

39.

A resposta a essa questão deve ser inquestionavelmente negativa.

40.

Em primeiro lugar, importa recordar que, enquanto derrogação à liberdade de estabelecimento, o artigo 51.o TFUE deve ser interpretado restritivamente ( 31 ). Em segundo lugar, essa exceção está confinada às atividades que estejam, elas próprias, direta e especificamente associadas ao exercício da autoridade pública ( 32 ). Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça tem‑se mostrado cético em relação à tese da delegação de uma autoridade pública genuína aos organismos certificadores, nos termos da qual o artigo 51.o TFUE lhes seria aplicável ( 33 ).

41.

Com efeito, é jurisprudência assente que as decisões de certificação, que, em substância, constatam apenas os resultados da inspeção técnica, não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 51.o TFUE. Do mesmo modo, o papel auxiliar e preparatório delegado em organismos privados não pode ser considerado direta e especificamente ligado ao exercício da autoridade pública na aceção dessa disposição ( 34 ).

42.

Refira‑se, a título de exemplo, o processo por infração instaurado contra Portugal pelo não cumprimento das suas obrigações ao abrigo da Diretiva 96/96, em que as inspeções realizadas em centros privados de ITV tinham lugar em duas fases. Na primeira fase, o operador realizava uma inspeção técnica ao veículo. Na segunda fase, certificava o veículo ou recusava a sua certificação. Embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que a primeira fase não correspondia ao exercício de prerrogativas de autoridade pública, não excluiu essa possibilidade em relação à segunda fase, na medida em que o operador extraía consequências jurídicas dos resultados da inspeção técnica. Porém, dado que os operadores dos centros ITV: (i) não possuíam autonomia decisória; (ii) atuavam sob vigilância estatal, conforme referido no artigo 2.o da Diretiva 96/96; e (iii) não possuíam poderes coercivos (que continuavam a pertencer às autoridades policiais e judiciais), o artigo 45.o CE não era aplicável àquela atividade ( 35 ).

43.

A ATI, a Certio e a Itevelesa distinguem o presente caso do caso em apreço no acórdão Comissão/Portugal, ou alegam que as regras catalãs em análise são compatíveis com esse acórdão.

44.

No meu entender, não existe qualquer diferença juridicamente relevante entre o presente caso e o caso em apreço no acórdão Comissão/Portugal. O argumento de que os operadores dos centros ITV não desempenham um papel meramente preparatório ou que o Estado não vigia «ativamente» as suas atividades é pouco convincente. Com efeito, o artigo 2.o da Diretiva 96/96 e o artigo 2.o da Diretiva 2009/40 (bem como o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2014/45) declaram expressamente que, sempre que os Estados‑Membros optem por liberalizar as atividades de ITV, os operadores de centros ITV privados devem atuar «sob a [...] vigilância direta [do Estado]» ( 36 ). A Diretiva 2009/40 descreve o alcance desse controlo em termos mais prudentes ( 37 ). No entanto, algumas das suas disposições assentam intrinsecamente na ideia de vigilância ( 38 ). Assim, o facto de os operadores de centros ITV poderem ser obrigados a subscrever um seguro ou a adotar procedimentos de auditoria interna não significa que atuem sem estarem sob vigilância do Estado, na aceção do referido acórdão.

45.

Em qualquer caso, o Tribunal Supremo prestou ao Tribunal de Justiça esclarecimentos sobre esta questão. Dessas informações resulta, em primeiro lugar, que o proprietário de um veículo que tenha sido imobilizado pode, em última análise, reclamar dessa decisão para um auditor técnico — um funcionário público encarregado da supervisão dos centros ITV — que poderá anulá‑la. Em segundo lugar, nos termos das disposições nacionais aplicáveis, só poderá ser tomada a decisão de imobilizar um veículo «nos casos previstos na legislação aplicável, em conformidade com as instruções e os protocolos aprovados pela» autoridade competente ( 39 ). O manual aplicável à inspeção de veículos utiliza o modo imperativo, o que não deixa grande margem de manobra aos operadores de centros ITV ( 40 ). Em terceiro lugar, o Tribunal Supremo deixa bem claro que, embora os centros ITV possam ordenar a imobilização de um veículo por razões de segurança, a aplicação coerciva dessa decisão compete exclusivamente ao Governo catalão ou à polícia, não estando os centros ITV autorizados a tomar tais medidas.

46.

Assim sendo, e tendo em conta a interpretação restritiva do artigo 51.o TFUE, é sem grande hesitação que subscrevo a posição da Generalidad e da Comissão de que a exploração de centros ITV não envolve o exercício da autoridade pública. Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão no sentido de que a possibilidade de operadores privados de centros ITV ordenarem a imobilização de veículos que apresentem deficiências de tal forma graves quanto às condições de segurança que a respetiva circulação implique um perigo iminente não corresponde a um exercício da autoridade pública na aceção do artigo 51.o TFUE, nos casos em que a legislação nacional imponha essa decisão como consequência da inspeção técnica e, em qualquer caso, sempre que a aplicação de medidas coercivas esteja reservada às autoridades policiais e judiciais.

C – Questões 3 e 4: Regime de autorização e requisitos a ele associados

47.

Com a terceira questão, o Tribunal Supremo pergunta, no essencial, se é compatível com a Diretiva Serviços, lida em conjugação com o artigo 2.o da Diretiva 2009/40, que os Estados‑Membros possam estabelecer um regime de autorização administrativa para regulamentar a prestação de serviços de ITV. Esta questão foi colocada porque, no acórdão Comissão/Portugal ( 41 ), o Tribunal de Justiça considerou que o acesso às atividades de inspeção de veículos não foi harmonizado pela Diretiva 96/96.

48.

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta concretamente se é compatível com os artigos 10.° e 14.° da Diretiva Serviços e, caso essa diretiva não seja aplicável, com o artigo 49.o TFUE, que uma regulamentação nacional imponha certos requisitos sobre distância mínima e quota de mercado, invocando, como fundamentos, a necessidade de garantir uma cobertura territorial adequada, de melhorar a qualidade do serviço e de promover a concorrência entre os operadores. Esses requisitos restringem o número de autorizações disponíveis e, tal como foi confirmado na audiência, concedem, de facto, proteção territorial aos titulares das autorizações.

49.

Responderei em conjunto às duas questões, dado que estão interligadas. Pelos motivos acima referidos no n.o 37, abordarei ambas as questões do ponto de vista da liberdade de estabelecimento.

1. Regime de autorização per se

50.

Não há dúvida de que os Estados‑Membros podem recorrer a um regime de autorização administrativa para regulamentar as atividades de ITV.

51.

Conforme mencionado, o Tribunal de Justiça entendeu que a Diretiva 96/96 não regula o acesso a essa atividade. A adoção da Diretiva 2009/40 não alterou este facto. Uma vez que nem o acesso às atividades de ITV nem a segurança rodoviária em geral foram objeto de harmonização, os Estados‑Membros podem regulamentar estas matérias da forma que considerarem mais adequada ( 42 ). Com efeito, o artigo 2.o de ambas as diretivas confirma‑o expressamente, ao estabelecer que a inspeção técnica pode ser efetuada por organismos ou estabelecimentos designados pelo Estado, eventualmente de caráter privado, autorizados para o efeito, e atuando sob a sua vigilância direta.

52.

Contudo, ao fazê‑lo, o regime nacional de autorização administrativa deve respeitar o direito da União, em especial o artigo 49.o TFUE.

53.

O artigo 49.o TFUE proíbe restrições à liberdade de estabelecimento, ou seja, qualquer medida nacional que seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado. O conceito de «restrição» abrange as medidas adotadas por um Estado‑Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afetem o acesso de empresas de outros Estados‑Membros ao mercado e entravem, dessa forma, o comércio intracomunitário ( 43 ).

54.

A regra que faça depender o estabelecimento de um prestador de serviços de outro Estado‑Membro da concessão de uma autorização prévia enquadra‑se nessa categoria, uma vez que é suscetível de perturbar o exercício por esse prestador da liberdade de estabelecimento, impedindo‑o de exercer livremente as suas atividades por intermédio de um estabelecimento estável ( 44 ).

55.

O regime catalão de autorização em apreço envolve um sistema de autorização prévia, que restringe a constituição de agências, sucursais ou filiais — uma matéria expressamente referida no artigo 49.o TFUE. Segundo o Tribunal Supremo, as referidas regras limitam o número de operadores de centros ITV. Consequentemente, o regime é suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de se estabelecerem como operadores de centros ITV e, como tal, envolve uma restrição na aceção do artigo 49.o TFUE.

56.

Segundo a doutrina Gebhard, as restrições devem preencher quatro requisitos para serem compatíveis com o direito da União: serem aplicadas de modo não discriminatório; serem justificadas por razões imperiosas de interesse geral; serem adequadas para garantir a realização do objetivo que prosseguem; e não ultrapassarem o que é necessário para atingir esse objetivo ( 45 ).

57.

O regime catalão de autorização não é (pelo menos, aparentemente) discriminatório, uma vez que não impõe uma restrição à liberdade de os operadores económicos se estabelecerem noutros Estados‑Membros com vista a criarem agências ou outros estabelecimentos na Catalunha ( 46 ). Por conseguinte, a única questão que se coloca é a da sua justificação e proporcionalidade.

58.

Nesse contexto, o Tribunal Supremo menciona o preâmbulo do Decreto n.o 45/2010 ( 47 ). Adotando, a título preliminar, o entendimento de que o objetivo de reforço da segurança rodoviária não pode justificar, por si só, a imposição dos requisitos controvertidos, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre a eventual existência de outras razões imperiosas que constituam justificação suficiente ( 48 ) e sobre a conformidade desses requisitos com o princípio da proporcionalidade.

59.

Excetuando a OCA, o Governo sueco e, na parte respeitante aos requisitos controvertidos, a Comissão, afigura‑se que as partes que compareceram perante o Tribunal de Justiça consideram que a segurança rodoviária pode justificar, por si só, as regras catalãs em apreço.

60.

Não há dúvida de que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a segurança rodoviária constitui uma razão imperiosa de interesse geral ( 49 ). O mesmo é válido para o objetivo de garantir a prestação de um serviço de elevada qualidade aos destinatários ( 50 ) e de evitar o falseamento da concorrência, que, em última análise, visa a proteção dos consumidores ( 51 ). Quanto ao objetivo de garantir a cobertura e a distribuição territorial adequadas de um determinado produto ou serviço, creio que se trata de um meio e não de um fim em si mesmo, na medida em que é o produto ou o serviço em causa que deve apresentar características de importância vital ( 52 ).

61.

No presente caso, uma vez que é de presumir que a ITV em geral contribui para a segurança rodoviária ( 53 ), o regime catalão de autorização deve, antes de mais e acima de tudo, ser analisado desse ponto de vista.

62.

Não obstante, a apreciação da proporcionalidade do regime de autorização controvertido por referência ao objetivo por ele prosseguido não pode ser realizada em abstrato, dependendo antes dos requisitos a ele associados ( 54 ). Assim sendo, embora a decisão final caiba ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça pode fornecer orientações que permitam a esse órgão jurisdicional pronunciar‑se ( 55 ). Por conseguinte, analisarei em mais profundidade os requisitos controvertidos.

2. Compatibilidade dos requisitos controvertidos com o artigo 49.o TFUE

63.

Para começar, devo salientar que o Tribunal de Justiça só tem ao seu dispor um mínimo de informação sobre a situação existente antes e depois da reforma que teve lugar na Catalunha com a adoção da Lei n.o 12/2008 e dos decretos impugnados. Com efeito, das informações dispersas fornecidas no despacho de reenvio ( 56 ) (e durante a audiência) resulta apenas que o antigo regime catalão de ITV se baseava na atribuição de concessões a alguns operadores históricos e que o atual regime envolve a concessão de autorizações administrativas na sequência de um concurso público. No entanto, o despacho de reenvio não descreve os documentos do concurso, os critérios de adjudicação e a sua ponderação, nem fornece quaisquer outros dados relevantes (por exemplo, relativos ao número de autorizações). Estas lacunas afetam inevitavelmente a qualidade da resposta solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio e reforçam a relevância das observações gerais feitas anteriormente em relação à terceira questão ( 57 ). Além disso, esta falta de clareza deixa uma série de paradoxos por explicar.

64.

Um primeiro paradoxo é a ideia de que a imposição de requisitos de autorização, incluindo a fixação de uma distância mínima entre centros ITV, contribui de alguma forma para melhorar a segurança rodoviária. Esses requisitos limitariam, pelo contrário, o acesso a centros ITV e, como tal, contrariariam o objetivo da segurança rodoviária. Um segundo paradoxo é o facto de, tendo em conta as observações formuladas em baixo, ser dada preferência a um sistema de planeamento central em detrimento de um sistema de mercado livre na regulamentação de uma atividade económica como a ITV. Um terceiro paradoxo prende‑se com o facto de os requisitos terem sido supostamente estabelecidos para facilitar o acesso dos utentes à ITV e, desse modo, incentivar e melhorar o cumprimento por parte dos proprietários. No entanto, a garantia do cumprimento — ou seja, a imposição das regras aplicáveis — compete às autoridades e não aos proprietários. Resolver esse problema (que é da exclusiva responsabilidade das autoridades) através da restrição do acesso às atividades de ITV parece ser contraintuitivo.

65.

Examinando um pouco melhor, em primeiro lugar, o requisito da distância, o caso em apreço parece ser muito diferente dos casos em que o Tribunal de Justiça considerou que os requisitos relativos à distância mínima eram compatíveis com a liberdade de estabelecimento. Conforme mencionado anteriormente no n.o 60, o Tribunal de Justiça parece ter validado os requisitos relativos à distância mínima apenas nos casos em que garantem o acesso a um produto ou serviço que apresenta características de importância vital.

66.

Para utilizar o acórdão Venturini ( 58 ) como exemplo, naquele caso, o Tribunal de Justiça considerou válida uma regra segundo a qual apenas as farmácias integradas no «quadro nacional» (que estabelecia um requisito sobre a distância mínima entre elas) tinham o direito de vender medicamentos sujeitos a receita médica, incluindo medicamentos não comparticipados. Se essa regra não existisse, é provável que poucas farmácias optassem por se estabelecer em zonas remotas integradas no quadro, devido à intensa concorrência de farmácias e parafarmácias não integradas no quadro no lucrativo mercado dos medicamentos sujeitos a receita médica não comparticipados. Por seu turno, essa situação poderia causar uma disparidade no acesso ao mercado, menos lucrativo, dos medicamentos sujeitos a receita médica comparticipados. Por outras palavras, aquele caso dizia respeito a uma falha do mercado em relação a um mercado mais importante, que podia, pelo menos em parte, ser corrigida através de regulamentação.

67.

Em contrapartida, no caso em apreço, o consumo dos serviços gerados pelas atividades de ITV é, por lei, obrigatório (caso se pretenda manter o veículo em circulação) e recorrente ( 59 ). Isto significa que os operadores dos centros ITV podem calcular facilmente essa procura sem a intervenção do Estado. Até poderá ser lucrativo em zonas isoladas ou de baixa densidade populacional, desde que a área de influência seja suficientemente grande. Por conseguinte, não existe qualquer indício de falha do mercado. Com efeito, não foram fornecidas ao Tribunal de Justiça quaisquer informações concretas que sugiram que, na ausência desse requisito de distância, nenhum operador optaria por se estabelecer em tal área. Isto encontra apoio no facto de, conforme afirmado na audiência, as autoridades catalãs não poderem forçar os operadores de centros ITV a estabelecerem‑se em zonas com baixa densidade populacional.

68.

Por outro lado, não excluo a possibilidade de, em certos casos, a imposição de um requisito de distância alargar a área de acesso dos utentes a centros ITV e aumentar a probabilidade de cumprimento. Nesse sentido, poderá, pelo menos em parte, contribuir para a prossecução do objetivo de aumentar a segurança rodoviária. No entanto, uma vez que os operadores de centros ITV não podem ser obrigados a estabelecer‑se em zonas menos lucrativas, duvido que um requisito de distância garanta efeitos positivos significativos. De qualquer modo, não foram fornecidas quaisquer informações fidedignas sobre esta questão.

69.

Na audiência, a Generalidad deu o exemplo de uma divisão administrativa local («comarca») que anteriormente tinha apenas um centro ITV ao seu dispor. Foi concedida uma outra autorização a um segundo operador, na sequência de um concurso público, o que resultou numa melhoria da taxa de cumprimento de ITV naquela comarca. Por muito louvável que isso seja, qual a vantagem de substituir um mercado com muitas falhas regulamentares por um mercado com menos falhas? Dadas as características da ITV supramencionadas, creio que a opção por um mercado sem restrições de acesso (ou seja, um cenário sem este tipo de planeamento) teria alcançado o mesmo objetivo, mas de forma menos onerosa.

70.

Por conseguinte, não obstante a ampla margem de apreciação de que gozam os Estados‑Membros para determinarem se uma medida vai além do que é estritamente necessário para garantir a segurança rodoviária ( 60 ), confesso que tenho dúvidas sobre a aptidão de um requisito sobre distância mínima para concretizar tal objetivo. A este respeito, recordo que as legislações nacionais em matéria de ordenamento do território só são aptas a garantir a realização do objetivo prosseguido se refletirem verdadeiramente a preocupação de o realizar de forma coerente e sistemática ( 61 ). Contudo, dada a falta de informação mencionada anteriormente no n.o 63, não creio que o Tribunal de Justiça esteja em posição de se pronunciar sobre esta matéria. Penso que o órgão jurisdicional de reenvio está mais bem posicionado para decidir da proporcionalidade deste requisito de autorização, tendo na devida conta o modo como os operadores de centros ITV são selecionados na prática.

71.

No entanto, debruçando‑me agora sobre a quota máxima de mercado de 50%, esse requisito visa supostamente desencorajar a concentração excessiva dos serviços de ITV disponíveis, o que acarretaria o risco de provocar a deterioração da qualidade desses serviços, dada a sua natureza obrigatória (pelo menos, é esse o argumento apresentado).

72.

A OCA e o Governo sueco alegam que o requisito relativo à detenção de uma certa quota de mercado prossegue um objetivo puramente económico, que, segundo a jurisprudência assente, não pode ser considerado uma razão imperiosa de interesse geral ( 62 ). Neste ponto, o órgão jurisdicional de reenvio e a OCA remetem para um relatório emitido pela Autoridad catalane de la Competencia ( 63 ) (Autoridade da Concorrência Catalã), segundo o qual a legislação em causa possivelmente criará entraves injustificados ao acesso de novos operadores ao mercado.

73.

Honestamente, não vejo de que forma a fixação de uma quota máxima de mercado poderá promover a segurança rodoviária, dado que não existe qualquer ligação entre as duas. Afigura‑se que a verdadeira questão consiste antes em saber se a fixação de uma quota máxima de mercado visa genuinamente garantir aos clientes e consumidores um serviço de elevada qualidade — o que constitui uma razão imperiosa (v. n.o 60 supra) — ou se, pelo contrário, é motivada por fatores económicos, protegendo os operadores mais pequenos contra aquisições em grande escala. A jurisprudência recente revela as reservas justificadamente manifestadas pelo Tribunal de Justiça em relação à possibilidade de os Estados‑Membros interferirem na liberdade de estabelecimento através da regulamentação minuciosa de uma certa estrutura de mercado ou situação de concorrência, nomeadamente sob o pretexto de garantir aos clientes e consumidores um serviço de elevada qualidade ( 64 ).

74.

No acórdão Comissão/Espanha, o Tribunal de Justiça considerou que as disposições que previam a aplicação de limiares respeitantes ao grau de implantação e à incidência no comércio preexistente, a partir dos quais era impossível abrir grandes estabelecimentos comerciais e/ou estabelecimentos comerciais de dimensão média, não eram justificadas do ponto de vista da proteção do ambiente ou do consumidor, nem por motivos de ordenamento do território, prosseguindo objetivos puramente económicos ( 65 ). No acórdão Attanasio Group, o Tribunal de Justiça censurou o requisito de distância aplicável a novos postos de abastecimento de combustíveis, que dificultava o acesso de novos operadores ao mercado e não comportava quaisquer benefícios (visíveis) para os consumidores ( 66 ). Por último, no acórdão Comissão/Portugal, o Tribunal de Justiça rejeitou, entre outras, a exigência de um capital social mínimo de 100000 euros para a criação de uma empresa de ITV ( 67 ).

75.

Mesmo partindo do princípio de que a medida em causa garante aos clientes e consumidores um serviço de elevada qualidade, importa salientar que o conteúdo do procedimento ITV — ou seja, o serviço básico que os clientes e consumidores adquirem — está harmonizado ao nível da União ( 68 ). Sem prejuízo das variações permitidas pela própria Diretiva 2009/40, os clientes e consumidores têm o direito de esperar o mesmo nível de qualidade, independentemente do centro ITV em causa ( 69 ). Por conseguinte, pode ser equiparada a uma obrigação de resultado. Assim sendo, se determinados operadores de centros ITV prestarem um serviço de qualidade inferior, esta situação deverá ser analisada a posteriori pelo Estado, no contexto do seu papel de supervisão. No entanto, a fixação a priori de um requisito relativo à quota máxima de mercado pressupõe, com efeito, que os operadores que ultrapassam esse limite não prestam um serviço conforme com a diretiva, o que é indefensável.

76.

Quanto aos elementos que rodeiam o serviço básico de ITV e que poderão estar sujeitos a variações qualitativas, tais como o tempo de espera, essa é uma questão que vale a pena analisar ( 70 ). Porém, os Estados‑Membros não gozam da margem de apreciação supramencionada no n.o 70 em relação às restrições que visam a prestação de um serviço de elevada qualidade aos clientes e consumidores. Com efeito, a jurisprudência indica que a justificação deve ser acompanhada de uma análise da oportunidade e da proporcionalidade da medida restritiva, bem como de provas concretas ( 71 ). Além disso, os atrasos e outras deficiências qualitativas conexas devem ser abordados a posteriori, com a aplicação de requisitos de autorização especificamente às áreas com estrangulamentos, ao invés de ser imposto, a nível geral, um inexplicável limite máximo para a quota de mercado ( 72 ).

77.

Por conseguinte, considero que a imposição de uma quota máxima de mercado viola o artigo 49.o TFUE.

78.

Nestes termos, proponho que o Tribunal de Justiça responda à terceira e quarta pergunta no sentido de que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, à luz do artigo 49.o TFUE, se um regime legal de autorização, como o que é descrito no processo principal, que regula o acesso à atividade de operador de centros ITV, é adequado à prossecução do objetivo de segurança rodoviária e não ultrapassa o que é necessário para o alcançar. Porém, a referida disposição opõe‑se a um requisito legal de autorização que fixe um limite máximo específico para a quota de mercado que os operadores privados de centros de inspeção técnica de veículos podem deter.

3. Considerações finais

79.

Por último, caso o Tribunal de Justiça discorde da minha conclusão quanto à qualificação ou não dos serviços de ITV como «serviços no domínio dos transportes» e, pela mesma ordem de ideias, quanto à questão da aplicabilidade da Diretiva Serviços ( 73 ), não creio que isso afete significativamente o desfecho do presente processo.

80.

Não é necessário lançar um debate sobre o grau de harmonização que a Diretiva Serviços impõe ( 74 ). Bastará dizer que, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 3, os requisitos nacionais de autorização que ultrapassem o que é permitido pelo artigo 49.o TFUE — conforme sugerido anteriormente — não estarão isentos de críticas sob o pretexto de cumprirem esta diretiva. Acresce que, pelos motivos acima apontados, a exceção relativa ao exercício da autoridade pública estabelecida no artigo 2.o, n.o 2, alínea i), da diretiva também não seria aplicável.

81.

Consequentemente, nessa eventualidade, proporia que o Tribunal de Justiça decidisse, quanto ao restante, no sentido indicado supra nos n.os 50 a 78.

IV – Conclusão

82.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas no processo C‑168/14 pelo Tribunal Supremo nos seguintes termos:

Nem a Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 dezembro 2006, relativa aos serviços no mercado interno nem o artigo 56.o TFUE são aplicáveis à prestação de serviços de inspeção técnica de veículos. No entanto, as atividades de inspeção técnica de veículos estão abrangidas pelo artigo 49.o TFUE.

O facto de operadores privados de centros de inspeção técnica de veículos poderem ordenar a imobilização de veículos que apresentem deficiências de tal forma graves quanto às condições de segurança que a respetiva circulação implique um perigo iminente não significa que exerçam uma autoridade pública na aceção do artigo 51.o TFUE, nos casos em que a legislação nacional imponha essa decisão como consequência da inspeção técnica e, em qualquer caso, sempre que a aplicação de medidas coercivas esteja reservada às autoridades policiais e judiciais.

Compete ao órgão jurisdicional nacional determinar, à luz do artigo 49.o TFUE, se um regime legal de autorização, como o que é descrito no processo principal, que regula o acesso à atividade de operador de centros de inspeção técnica de veículos, é adequado à prossecução do objetivo de segurança rodoviária e não ultrapassa o que é necessário para o alcançar. Porém, a referida disposição opõe‑se a um requisito legal de autorização que fixe um limite máximo específico para a quota de mercado que os operadores privados de centros de inspeção técnica de veículos podem deter.


( 1 )   Língua original: inglês.

( 2 )   Livro branco da Comissão, de 28 de março de 2011 [COM(2011) 144 final], «Roteiro do espaço único europeu dos transportes — Rumo a um sistema de transportes competitivo e económico em recursos», n.o 45.

( 3 )   Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36).

( 4 )   Diretiva 2009/40/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativa ao controlo técnico dos veículos a motor e seus reboques (reformulação) (JO L 141, p. 12).

( 5 )   Diretiva 96/96/CE do Conselho, de 20 de dezembro de 1996, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao controlo técnico dos veículos a motor e seus reboques (JO L 46, p. 1).

( 6 )   Ley 12/2008, de 31 de julio, de seguridad industrial, BOE n.o 204 de 23 de agosto de 2008 (Lei relativa à segurança industrial).

( 7 )   Decreto 30/2010, de 2 de marzo, por el que se aprueba el reglamento de desarrollo de la Ley 12/2008, de 31 de julio, de seguridad industrial, DOGC n.o 5582 de 8 de março de 2010 (Decreto que aprova o regulamento de execução da lei 12/2008, de 31 de julho, relativa à segurança industrial).

( 8 )   Decreto 45/2010, de 30 de marzo, por el que se aprueba el Plan territorial de nuevas estaciones de inspección técnica de vehículos de Cataluña para el periodo 2010‑2014, DOGC n.o 5600 de 1 de abril de 2010 (Decreto que aprova o plano territorial de novos centros de inspeção técnica de veículos na Catalunha para o período de 2010 a 2014).

( 9 )   Segundo o artigo 36.o, alínea b), da Lei n.o 12/2008, o conceito de «empresas ou grupos de empresas», para efeitos dessa lei, está definido noutro diploma legislativo espanhol. O órgão jurisdicional de reenvio não considerou necessário transmitir ao Tribunal de Justiça a definição desse conceito nos termos da legislação nacional.

( 10 )   A quota de mercado de um operador é determinada em função do número de linhas de inspeção autorizadas em centros ITV fixos detidos por cada operador relativamente à totalidade das referidas linhas existentes na Catalunha (v. artigo 74.o, n.o 2, do Decreto n.o 30/2010).

( 11 )   Em termos gerais, essas distâncias mínimas são as seguintes: 4 km nos municípios com mais de 30000 habitantes; 20 km no restante território da Catalunha; e 10 km em situações mistas. No que respeita aos centros que já se encontravam em funcionamento à data da entrada em vigor do Decreto n.o 45/2010, essas distâncias podem sofrer uma redução de 20%, no máximo.

( 12 )   De acordo com o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva Serviços — que consagra o princípio de que as fontes de direito inferiores devem ser interpretadas em conformidade com as fontes superiores (v., nesse sentido, acórdão Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., C‑305/05, EU:C:2007:383, n.o 28) — o artigo 2.o, n.o 2, alínea d), deve ser interpretado em conformidade com o artigo 58.o, n.o 1, TFUE.

( 13 )   V. acórdão Yellow Cab Verkehrsbetrieb, C‑338/09, EU:C:2010:814, n.o 30.

( 14 )   V. acórdão Comissão/França, 167/73, EU:C:1974:35, n.o 25.

( 15 )   V. acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 26. O itálico é meu.

( 16 )   V., mutatis mutandis, acórdão Yellow Cab Verkehrsbetrieb, C‑338/09, EU:C:2010:814, n.os 31 e 32.

( 17 )   Nas suas conclusões no processo Comissão/Grécia, C‑251/04, EU:C:2006:565 (n.os 28 e 29), a advogada‑geral E. Sharpston parece ter aceitado a ideia de que o conceito de «serviço no domínio dos transportes» deve ser interpretado restritivamente. Para uma abordagem mais holística, v. as conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Yellow Cab Verkehrsbetriebs, C‑338/09, EU:C:2010:568, nota 10. Sem opinião definitiva, v. Barnard, C., «Unravelling the Services Directive», 45 C. M. L.Rev. [2008] 2, p. 341.

( 18 )   Diretiva 2014/45/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à inspeção técnica periódica dos veículos a motor e dos seus reboques e que revoga a Diretiva 2009/40/CE (JO L 127, p. 51).

( 19 )   V. Regulamento (CE) n.o 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.o 3821/85 e (CEE) n.o 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho (JO L 102, p. 1).

( 20 )   V. Regulamento (CE) n.o 1/2005, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Diretivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97 (JO L 3, p. 1). Esse regulamento foi adotado nos termos do artigo 37.o CE.

( 21 )   Relativamente a esta matéria, recordo que o legislador da União possui uma ampla margem de apreciação na adoção de regras comuns adequadas no domínio dos transportes. O Tribunal de Justiça entendeu que essa margem abrangia o tempo de trabalho dos transportadores rodoviários; v. acórdão Espanha e Finlândia/Parlamento e Conselho, C‑184/02 e C‑223/02, EU:C:2004:497, n.os 29 e 30, 33 a 36, e 39 a 41.

( 22 )   C‑133/00, EU:C:2001:514, n.os 38 a 40.

( 23 )   Itálico meu. Desenvolvendo esta questão, o Manual de execução da Diretiva «Serviços» da Comissão (2007), p. 12, refere que «[a] exclusão dos serviços de transporte não abrange serviços que não são serviços de transportes, como os serviços das escolas de condução, os serviços de mudanças, os serviços de aluguer de automóveis, os serviços funerários ou os serviços de fotografia aérea. Não abrange atividades comerciais em portos ou aeroportos, nomeadamente lojas e restaurantes».

( 24 )   O despacho de reenvio refere que é possível ordenar a imobilização de um veículo que apresente deficiências quanto às condições de segurança (v., neste contexto, artigos 7.°, n.o 2, alínea c), e 9.°, n.o 3, da Diretiva 2014/45).

( 25 )   V., em especial, o considerando 33 da Diretiva Serviços e o seu artigo 25.o, n.o 1, alínea b).

( 26 )   V., nesse sentido, acórdão Yellow Cab Verkehrsbetrieb, C‑338/09, EU:C:2010:814, n.o 33. V. ainda acórdão Ottica New Line, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.os 17 a 23.

( 27 )   Cf. acórdão Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 36.

( 28 )   V. acórdão Airport Shuttle Express, C‑162/12 e C‑163/12, EU:C:2014:74, n.os 41 a 43 e jurisprudência referida.

( 29 )   V. minhas conclusões nos processos apensos Venturini, C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:529, n.o 33.

( 30 )   V. acórdãos Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 24; Blanco Pérez e Chao Gómez, C‑570/07 e C‑571/07, EU:C:2010:300, n.os 39 e 40; Venturini, C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.o 26; e Susisalo e o., C‑84/11, EU:C:2012:374, n.os 18 a 22.

( 31 )   V., nesse sentido, acórdão Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, EU:C:2006:208, n.o 45 e jurisprudência referida.

( 32 )   V., nesse sentido, acórdão Peñarroja Fa, C‑372/09 e C‑373/09, EU:C:2011:156, n.o 42 e jurisprudência referida.

( 33 )   V., entre outros, acórdãos Comissão/Áustria, C‑393/05, EU:C:2007:722; Comissão/Alemanha, C‑404/05, EU:C:2007:723; e Soa Nazionale Costruttori, C‑327/12, EU:C:2013:827.

( 34 )   V. acórdão Soa Nazionale Costruttori, C‑327/01, EU:C:2013:827, n.o 53 e jurisprudência referida.

( 35 )   V., nesse sentido, acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.os 38 a 45.

( 36 )   De acordo com o considerando 15 da Diretiva 2014/45, «[a] inspeção técnica de veículos é uma atividade soberana e deverá, portanto, ser exercida pelos Estados‑Membros ou, sob supervisão destes, por organismos públicos ou privados a quem tenha sido confiado o exercício de tal atividade. Os Estados‑Membros deverão, em qualquer caso, ser responsáveis pela inspeção técnica, ainda que o ordenamento jurídico nacional autorize a sua realização por organismos privados, incluindo os que efetuam reparações de veículos.» (itálico meu).

( 37 )   Ao contrário da Diretiva 2014/45; v., em especial, o respetivo artigo 14.o («Supervisão dos centros de inspeção»), bem como o anexo V.

( 38 )   Tal como os artigos 4.° e 5.° («Exceções») e, em especial o artigo 3.o, n.o 1, que tem a seguinte redação: «Os Estados‑Membros tomam as medidas que considerarem necessárias para que se possa provar que o veículo foi aprovado num controlo técnico respeitando, pelo menos, o disposto na presente diretiva.»

( 39 )   Remeto, em especial, para o artigo 79.o, n.o 1, alínea c), do Decreto n.o 30/2010, referido pela OCA nas suas alegações. Na sua resposta ao pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça, o Tribunal Supremo informa que a autoridade local mencionada na referida disposição (a Agencia Catalana de Seguridad Industrial) nunca chegou a ser criada, pelo que não emitiu quaisquer diretrizes. Porém, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao manual mencionado na nota seguinte, emitido pela administração central espanhola.

( 40 )   V. Manual de procedimiento de inspección de las estaciones I. T. V., janeiro de 2012, p. 11, nos termos do qual «se, durante uma inspeção técnica desfavorável, o veículo apresentar defeitos de natureza tal que a sua circulação constitua um perigo para os seus ocupantes e para os restantes utentes da via pública, o centro ITV qualifica o defeito como muito grave (DMG) e a inspeção como reprovada» (itálico meu).

( 41 )   EU:C:2009:651, n.o 26.

( 42 )   V., nesse sentido, acórdão Nasiopoulos, C‑575/11, EU:C:2013:430, n.o 20 e jurisprudência referida. V. também, por analogia, acórdão Comissão/Itália, C‑110/05, EU:C:2009:66, n.o 61.

( 43 )   V. acórdão Soa Nazionale Costruttori, C‑327/12, EU:C:2013:827, n.o 45 e jurisprudência referida.

( 44 )   V. acórdão Ottica New Line, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.o 26 e jurisprudência referida.

( 45 )   V. acórdão Gebhard, C‑55/94, EU:C:1995:411, n.o 37 e, nesse sentido, acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 46.

( 46 )   V., nesse sentido, acórdão Yellow Cab Verkehrsbetrieb, C‑338/09, EU:C:2010:814, n.o 34.

( 47 )   O preâmbulo dispõe o seguinte: «[…] Importa fazer corresponder a oferta do serviço de [ITV] às necessidades existentes, tanto no que diz respeito à cobertura de áreas territoriais atualmente deficitárias, com vista a uma aproximação entre o serviço e os respetivos utilizadores, como para reduzir o défice de serviço existente em áreas abrangidas por centros [ITV] mais saturados e com períodos de espera mais longos. No serviço de [ITV], devido às suas características territoriais, convém evitar que, por meras razões de rentabilidade do serviço, a oferta se concentre excessivamente numa determinada zona em detrimento de outras áreas do território que, por terem um parque automóvel mais reduzido, fiquem sem cobertura, com o consequente prejuízo para os utilizadores. Por outro lado, nas zonas onde a procura é maior devido à densidade de veículos, uma elevada concentração de centros poderia incrementar a concorrência entre os operadores, reduzindo o seu nível de exigência e, em consequência, também a qualidade do serviço».

( 48 )   O despacho de reenvio menciona expressamente a necessidade de garantir uma cobertura territorial adequada, a elevada qualidade do serviço e uma concorrência eficaz, mas chama igualmente a atenção para a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de proteção da saúde pública, do ambiente e dos consumidores.

( 49 )   V. acórdão Comissão/Portugal, C‑438/08, EU:C:2009:651, n.o 48 e jurisprudência referida.

( 50 )   V., nesse sentido, acórdão Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, C‑451/03, EU:C:2006:208, n.o 38 e jurisprudência referida.

( 51 )   V., nesse sentido, acórdão Essent e o., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 58 e jurisprudência referida.

( 52 )   V., relativamente aos estabelecimentos de saúde e aos fornecedores de medicamentos e produtos farmacêuticos, entre outros, acórdãos Blanco Pérez e Chao Gómez, C‑570/07 e C‑571/07, EU:C:2010:300, n.o 70, e Venturini, C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.o 46. V., relativamente aos estabelecimentos de ótica, as declarações menos categóricas no acórdão Ottica New Line, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.o 43. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça considerou inadmissível a imposição de requisitos demográficos em relação aos grandes estabelecimentos comerciais; v. acórdão Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.os 80 a 83. No acórdão Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, o requisito da distância entre postos de abastecimento de combustíveis visava alegadamente a promoção da saúde pública (v. n.os 47 e 52 a 54). Esse requisito foi igualmente considerado inadmissível.

( 53 )   Nos termos do considerando 2 da Diretiva 2009/40, «[n]o âmbito da política comum de transportes, a circulação de determinados veículos no espaço comunitário deve efetuar‑se nas melhores condições […] no plano da segurança».

( 54 )   V., nesse sentido, acórdão Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.os 75 e 76.

( 55 )   V., nesse sentido, acórdão Ottica New Line, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.os 48 e 49 e jurisprudência referida.

( 56 )   Por exemplo, o despacho de reenvio cita o artigo 37.o, n.o 2, da Lei n.o 12/2008, nos termos do qual, se o Gobierno limitar o número de centros ITV e de linhas de inspeção, deve ser realizado um concurso público. Resulta igualmente do despacho de reenvio que o Tribunal Superior de Justicia declarou a nulidade de certas disposições do Decreto n.o 30/2010, considerando que, ao abrigo do regime transitório, a concessão de uma autorização aos operadores históricos sem concurso público constituía um ato de discriminação em relação aos novos operadores.

( 57 )   Nas suas observações escritas, a Comissão afirmou, com efeito, que o despacho de reenvio não era suficientemente preciso para permitir a apreciação da compatibilidade do regime catalão de ITV com o artigo 49.o TFUE. Porém, na audiência, a Comissão alegou que o referido regime não respeitava essa disposição.

( 58 )   C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791.

( 59 )   V. artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2009/40 e seu anexo I.

( 60 )   V., nesse sentido, acórdão Comissão/Itália, C‑110/05, EU:C:2009:66, n.os 65 e 66. V. também acórdão Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.o 75.

( 61 )   V. acórdão Sokoll‑Seebacher, C‑367/12, EU:C:2014:68, n.o 39 e jurisprudência referida.

( 62 )   V. acórdão Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.o 75 e jurisprudência referida.

( 63 )   Relatório n.o IR 7/2010, de 31 de maio de 2010.

( 64 )   V. acórdão Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 55, em que o Tribunal de Justiça parece ter considerado que o objetivo de «racionalização do serviço prestado aos utentes» era de natureza puramente económica. Não obstante, uma restrição poderá ser justificada quando for ditada por motivos de ordem económica que prosseguem um objetivo de interesse geral; v. acórdão Essent e o., C‑105/12 a C‑107/12, EU:C:2013:677, n.o 52 e jurisprudência referida).

( 65 )   EU:C:2011:172, n.os 95 a 98. V. também as conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2010:588, n.os 84 e 85.

( 66 )   EU:C:2010:133, n.o 56.

( 67 )   EU:C:2009:651, n.o 53. É certo que Portugal não apresentou qualquer argumento viável em sua defesa (v. n.o 49).

( 68 )   V. anexo II da Diretiva 2009/40, cf. o artigo 1.o, n.o 2, da mesma.

( 69 )   V. considerando 24 da Diretiva 2009/40, nos termos do qual «[o]s Estados‑Membros, no âmbito das respetivas competências, devem garantir que os ensaios no controlo técnico dos veículos são realizados metodicamente e com elevados padrões de qualidade». O considerando 5 descreve esse padrão como «mínimo».

( 70 )   O considerando 4 da Diretiva 2009/40 dispõe que «[o]s controlos […] devem ser relativamente simples, rápidos e não onerosos».

( 71 )   V., nesse sentido, acórdão Comissão/Espanha, C‑400/08, EU:C:2011:172, n.os 83 e jurisprudência referida.

( 72 )   V., nesse sentido, acórdão Attanasio Group, C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 54.

( 73 )   Se a ITV não for qualificada de serviço no domínio dos transportes, estará abrangida pelo conceito de «serviço» (e o operador de um centro ITV será um «prestador»), conforme definido no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva Serviços («Definições»). Consequentemente, esta diretiva seria aplicável por força do seu artigo 2.o, n.o 1.

( 74 )   Neste ponto, remeto para as conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Rina Services e Rina, C‑593/13, EU:C:2015:159, n.o 23.