CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 7 de maio de 2015 ( 1 )

Processo C‑88/14

Comissão Europeia

contra

Parlamento Europeu

e

Conselho da União Europeia

«Recurso de anulação — Artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE — Ato delegado e ato de execução — Regulamento (UE) n.o 1289/2013 — Mecanismo de reciprocidade»

1. 

Através do recurso interposto no presente processo, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que anule o Regulamento (UE) n.o 1289/2013 (a seguir «regulamento impugnado») ( 2 ) na medida em que o mesmo prevê a utilização dos atos delegados no âmbito do mecanismo de reciprocidade para intervir caso um país terceiro, cujos nacionais estão isentos da obrigação de visto para transporem as fronteiras externas da União na aceção do Regulamento n.o 539/2001 ( 3 ), imponha essa obrigação aos nacionais de um Estado‑Membro.

2. 

Os argumentos das partes levantam questões delicadas relativas à interpretação dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE e à sua articulação recíproca. O conceito de «alteração» de elementos não essenciais do ato legislativo na aceção do primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 290.o TFUE, bem como o alcance do poder discricionário reconhecido no acórdão Comissão/Parlamento e Conselho (C‑427/12, EU:C:2014:170) (a seguir «acórdão Produtos biocidas») ao legislador da União para decidir se recorre ao instrumento dos atos delegados ou ao dos atos de execução são alguns dos aspetos sobre os quais o Tribunal de Justiça é solicitado a pronunciar‑se.

I – Contexto normativo

A – Direito primário

3.

O Tratado de Lisboa introduz um critério hierárquico no sistema das fontes não primárias do direito da União. No âmbito de tal sistema, os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE, destinados a concretizar as normas de direito derivado, formalizam — com base nos artigos I‑36 e I‑37 do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ( 4 ) — a separação da função legislativa delegada, compreendida, na vigência do artigo 202.o CE, nas competências de execução através do processo dito de «comitologia» ( 5 ), da função executiva.

4.

Nos termos do primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 290.o TFUE, «[u]m ato legislativo pode delegar na Comissão o poder de adotar atos não legislativos de alcance geral que completem ou alterem certos elementos não essenciais do ato legislativo».

5.

Com base no n.o 1 do artigo 291.o TFUE, a competência para adotar as medidas necessárias à execução dos atos juridicamente vinculativos da União compete aos Estados‑Membros. Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, quando sejam necessárias condições uniformes de execução desses atos, estes últimos conferirão competências de execução à Comissão ou, em casos específicos, ao Conselho.

B – Regulamento n.o 539/2001

6.

O Regulamento n.o 539/2001 fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas dos Estados‑Membros (artigo 1.o, n.o 1), e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação para estadias de duração total não superior a 90 dias num período de 180 dias (artigo 1.o, n.o 2, primeiro parágrafo ( 6 )). Essas listas figuram respetivamente nos Anexos I e II do regulamento ( 7 ).

7.

O artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 539/2001, na versão aplicável antes da entrada em vigor do regulamento impugnado, previa um mecanismo comunitário que permitia a execução do princípio da reciprocidade no caso de um dos países terceiros constantes no Anexo II do regulamento decidir impor a obrigação de visto aos nacionais de um ou mais Estados‑Membros. Com base nesse mecanismo, conforme alterado pelo Regulamento n.o 851/2005 ( 8 ), a Comissão, na sequência de notificação pelo Estado‑Membro em causa, podia apresentar ao Conselho uma proposta prevendo a reintrodução temporária da obrigação de visto em relação aos nacionais do país terceiro em questão, sobre a qual o Conselho decidia por maioria qualificada [artigo 1.o, n.o 4, alínea c)]. Este procedimento não afetava o direito da Comissão de apresentar uma proposta de alteração do regulamento tendo em vista a transferência do país terceiro em causa para o Anexo I [artigo 1.o, n.o 4, alínea e)].

C – Regulamento impugnado

8.

O regulamento impugnado introduz duas alterações principais ao Regulamento n.o 539/2001: reforma o mecanismo de reciprocidade e introduz um «mecanismo de salvaguarda» que permite suspender temporariamente os efeitos da isenção de obrigação de visto para os nacionais de um país terceiro.

9.

O artigo 1.o, n.o 1, alínea a), do regulamento impugnado altera o artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 539/2001, ao prever um mecanismo de reciprocidade articulado em três fases, que tem início, como anteriormente, com a notificação do Estado‑Membro relativamente a cujos nacionais foi introduzida a obrigação de visto por parte de um país terceiro constante no Anexo II deste último regulamento ( 9 ).

10.

A primeira fase desse mecanismo, regulada pelo artigo 1.o, n.o 4, alínea e), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, é executada pela Comissão o mais tardar seis meses a contar da publicação da referida notificação, quer adotando, a pedido do Estado‑Membro em causa ou por sua própria iniciativa, um ato de execução que suspenda temporariamente a isenção da obrigação de visto para determinadas categorias de nacionais do país terceiro em causa por um período máximo de seis meses, quer apresentando um relatório em que avalie a situação e exponha os motivos pelos quais decidiu não suspender a isenção. Os atos de execução são adotados pelo procedimento de exame referido no artigo 4.o‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 539/2001 — inserido pelo artigo 1.o, n.o 4, do regulamento impugnado —, o qual remete para o artigo 5.o do Regulamento n.o 182/2011 ( 10 ).

11.

A segunda fase do mecanismo de reciprocidade tem lugar passados 24 meses a contar da data da publicação da notificação por parte do Estado‑Membro em causa, no caso de o país terceiro em questão manter a obrigação de visto. A mesma rege‑se pelo artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, nos termos do qual «a Comissão adota […] um ato delegado que suspende temporariamente a aplicação do Anexo II por um período de 12 meses aos nacionais desse país terceiro. Esse ato delegado fixa uma data, no prazo de 90 dias a contar da sua entrada em vigor, a partir da qual a suspensão da aplicação do Anexo II produz efeitos […] e altera o Anexo II em conformidade. Essa alteração é feita inserindo junto do nome do país terceiro em causa uma nota de rodapé que indica que a isenção da obrigação de visto fica suspensa para esse país terceiro e especifica o período dessa suspensão». As condições nas quais é conferido à Comissão o poder de adotar atos delegados são enunciadas pelo artigo 4.o‑B do Regulamento n.o 539/2001, introduzido pelo artigo 1.o, n.o 4, do regulamento impugnado. A delegação de poderes é conferida por um prazo de cinco anos a contar de 9 de janeiro de 2014 e é tacitamente prorrogada por prazos de igual duração, salvo se o Parlamento Europeu ou o Conselho a tal se opuserem. A mesma pode ser revogada em qualquer momento pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho. Além disso, nos termos do n.o 5 do mesmo artigo 4.o‑B, «[o]s atos delegados adotados nos termos do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), só entram em vigor se não tiverem sido formuladas objeções pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho no prazo de quatro meses a contar da notificação desse ato ao Parlamento Europeu e ao Conselho, ou se, antes do termo desse prazo, o Parlamento Europeu e o Conselho tiverem informado a Comissão de que não têm objeções a formular. ([…])».

12.

Com base no artigo 1.o, n.o 4, alínea h), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, se, no prazo de seis meses a contar da entrada em vigor do ato delegado referido na alínea f), o país terceiro em causa não tiver suprimido a obrigação de visto, a Comissão pode apresentar uma proposta legislativa para alterar o regulamento a fim de transferir a referência ao país terceiro do Anexo II para o Anexo I, dando deste modo início à terceira e última fase do mecanismo de reciprocidade.

13.

O artigo 1.o, n.o 2, do regulamento impugnado, que insere um artigo 1.o A no Regulamento n.o 539/2001, introduz um mecanismo que permite, em derrogação do artigo 1.o, n.o 2, deste último regulamento, suspender temporariamente a isenção da obrigação de visto para os nacionais de um país terceiro constante da lista do Anexo II em situações de emergência ( 11 ), de acordo com um procedimento iniciado na sequência da notificação por parte do Estado‑Membro em causa. Se, depois de ter examinado a notificação com base nos critérios enumerados no n.o 3 do referido artigo 1.o‑A, a Comissão, tendo em conta as consequências da suspensão da isenção para as relações externas da União e dos seus Estados‑Membros com o país terceiro em causa, decidir que é necessário tomar medidas, adota, no prazo de três meses a contar da receção da notificação, de acordo com o procedimento de exame previsto no referido artigo 4.o‑A, n.o 2, do Regulamento n.o 539/2001, um ato de execução que suspende temporariamente, por um período de seis meses, a isenção da obrigação de visto para os nacionais do país terceiro em causa. Esta suspensão é prorrogável por um período máximo de 12 meses, caso a Comissão tenha apresentado, antes do final do prazo de validade do ato de execução, uma proposta legislativa de alteração do Regulamento n.o 539/2001, a fim de transferir a referência ao país terceiro em causa do Anexo II para o Anexo I.

II – Tramitação processual e pedidos das partes

14.

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2014, a República Checa foi admitida a intervir em apoio dos pedidos das instituições recorridas.

15.

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que anule o artigo 1.o, ponto 1, do regulamento impugnado bem como o artigo 1.o, ponto 4, do mesmo regulamento, na medida em que insere no Regulamento n.o 539/2001 um novo artigo 4.o‑B, que mantenha os efeitos das disposições anuladas e de todas as medidas de execução delas decorrentes até à sua substituição, num prazo razoável, por atos adotados em conformidade com o Tratado e que condene as instituições recorridas nas despesas do processo. A título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça considere que as disposições supramencionadas não são separáveis do resto do regulamento, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o regulamento impugnado na sua totalidade, mantendo‑se os seus efeitos, e que condene as instituições recorridas nas despesas do processo.

16.

O Parlamento pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Comissão nas despesas. Pronuncia‑se a favor do pedido da Comissão de que sejam mantidos os efeitos do regulamento impugnado caso o Tribunal de Justiça decida dar provimento ao recurso.

17.

O Conselho pede ao Tribunal de Justiça, a título principal, que negue provimento ao recurso na sua totalidade e condene a Comissão nas despesas e, a título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça decida anular, no todo ou em parte, o regulamento impugnado, que mantenha os efeitos deste ou das disposições anuladas e dos atos adotados para a sua execução até à entrada em vigor, num prazo razoável, de um novo ato destinado a substituí‑los.

18.

A República Checa pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Comissão nas despesas, bem como, a título subsidiário, caso seja dado provimento ao recurso, que mantenha os efeitos das disposições anuladas do regulamento impugnado até à sua substituição por um novo regulamento.

19.

As partes apresentaram observações ao Tribunal de Justiça na audiência de 9 de março de 2015.

III – Quanto ao recurso

20.

A Comissão invoca um fundamento único para o seu recurso, baseado na violação dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE. Observa que os atos delegados e os atos de execução têm âmbitos de aplicação bem distintos: o recurso aos primeiros impõe‑se quando seja necessário completar ou modificar elementos não essenciais de um ato legislativo, enquanto os segundos são adotados quando sejam necessárias condições uniformes de execução dos atos juridicamente vinculativos da União. A escolha entre estas duas categorias de atos é de ordem puramente jurídica e deve fundamentar‑se, como para a escolha da base jurídica, em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional. No caso concreto, o recurso aos atos delegados previsto no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, viola os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE, uma vez que a decisão de suspensão temporária da isenção da obrigação de visto não constitui um ato que «complete» ou «altere» o Regulamento n.o 539/2001 na aceção do artigo 290.o, n.o 1, TFUE, inserindo‑se antes no quadro da execução do mesmo, e constitui uma aplicação a uma situação específica de disposições já enunciadas no regulamento.

21.

Antes de examinar os diversos argumentos apresentados pela Comissão, bem como os contra‑argumentos apresentados pelas instituições recorridas e pelo Estado interveniente, considero imprescindível deter‑me sobre as questões que foram objeto de debate mais intenso entre as partes, que dizem respeito a alguns aspetos da distinção entre a delegação legislativa e a função executiva realizada pelo Tratado de Lisboa, e que enfrentam a complexa questão da delimitação dos âmbitos de aplicação respetivos dos artigos 290.° e 291.° TFUE.

A – Quanto ao poder de apreciação da Comissão como critério de distinção entre os âmbitos de aplicação dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE

22.

Uma das questões mais debatidas pelas partes, tanto no decurso da fase escrita como na audiência, diz respeito à importância a atribuir, para traçar a linha de demarcação entre os atos delegados e os atos de execução, ao poder de apreciação conferido à Comissão.

23.

Esta última defende que, quando dispõe apenas de uma margem de manobra limitada — como acontece com os atos adotados com base no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado —, a função que é chamada a exercer é, em princípio, de natureza puramente executiva. Por seu turno, o Conselho observa que a concessão de um poder de apreciação à Comissão não consta entre as condições da delegação de poderes legislativos estabelecidas pelo artigo 290.o TFUE e é, portanto, irrelevante para efeitos da escolha entre atos delegados e atos de execução. Em contrapartida, o Parlamento considera que se trata de um dos elementos que os colegisladores devem ter em conta para qualificar o poder conferido à Comissão para efeitos da aplicação concreta de um ato legislativo, mas que este elemento desempenha uma função unicamente quando to referido poder vise integrar ou precisar o conteúdo do referido ato e não quando se trate de modificá‑lo. Neste último caso, com efeito, a existência de uma margem de apreciação mais ou menos ampla da Comissão é irrelevante, sendo, no entanto, obrigatória a escolha do ato delegado.

24.

A delegação de funções legislativas implica pela sua própria natureza ‐ pelo menos, na medida em que vise conferir o poder de completar o ato de base com normas de integração ‐ a transferência de um poder discricionário do legislador para o sujeito delegado. Embora o artigo 290.o TFUE não o refira expressamente, o poder de adotar atos delegados de natureza complementar é acompanhado necessariamente do exercício de um determinado poder de apreciação. Daqui resulta que, quando não exista esse poder de apreciação, a atividade que a Comissão é chamada a desenvolver não é de natureza a ser enquadrada, de um ponto de vista substancial, na função legislativa delegada, mas sim na função executiva.

25.

Esta última carateriza‑se, em princípio, por um poder de apreciação mais limitado do que a primeira, de tal modo que é possível identificar um critério de distinção entre atos delegados e atos executivos com base no maior ou menor poder de apreciação conferido à Comissão. Embora este critério não assuma, por si só, uma importância decisiva — seja porque deve ser necessariamente combinado com um critério funcional, atinente à relação entre as normas a adotar e o conteúdo normativo do ato de base ( 12 ), seja na medida em que os limites impostos por este último aos objetivos, ao conteúdo e ao alcance da delegação possam restringir consideravelmente a margem de apreciação deixada à Comissão, reduzindo, em concreto, a diferença entre delegação legislativa e competência executiva — constitui, no entanto, um importante parâmetro a considerar para incluir um ato numa ou noutra das categorias previstas nos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE ( 13 ).

26.

É certo que o acórdão Produtos biocidas, no qual o Tribunal de Justiça foi chamado, pela primeira vez, a pronunciar‑se sobre a definição dos âmbitos de aplicação respetivos dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE ( 14 ), não contém qualquer referência explícita à margem de apreciação concedida à Comissão enquanto elemento idóneo para distinguir entre atos delegados e atos de execução. Todavia, a conclusão segundo a qual o legislador pôde considerar razoavelmente que a execução do artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento n.o 528/2012 ( 15 ) não exige o recurso aos atos delegados ( 16 ) — a que o Tribunal de Justiça chega no fim de um exame aprofundado das disposições do regulamento ( 17 ) — fundamenta‑se na constatação do caráter suficientemente detalhado e definido a nível legislativo do regime tarifário estabelecido nesse artigo e, portanto, em substância, na constatação da margem de manobra limitada deixada à Comissão, que indicia a natureza executiva da competência que lhe é conferida.

27.

Se considero que não se pode negar a priori, para estabelecer a distinção entre atos delegados e atos executivos, a importância do critério constituído pela mais ou menos ampla margem de apreciação concedida à Comissão, é mais discutível a pertinência desse critério no caso de a referida instituição estar investida, como no caso presente, do poder de adotar atos modificativos do ato de base. Com efeito, se se verificar que esse poder, como afirmam as instituições recorridas apoiadas pelo Estado interveniente, só pode ser concedido mediante delegação legislativa, o facto de tal implicar ou não uma margem de apreciação é, em substância, irrelevante para efeitos da escolha entre os instrumentos previstos pelos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE ( 18 ).

28.

A procedência do argumento a favor da natureza materialmente executiva dos poderes conferidos pelo artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, que a Comissão baseia no facto de que não dispõe de nenhuma margem de manobra, depende, portanto, do significado e do alcance a atribuir ao conceito de «alteração do ato legislativo» que consta do artigo 290.o, n.o 1, TFUE.

29.

Antes de examinar essa questão, é necessário, todavia, determo‑nos sobre um outro tema que constituiu objeto de debate entre as partes e que diz respeito, desta vez, à margem de apreciação de que dispõe o legislador quando decide o tipo de competência a conferir à Comissão para efeitos da execução do ato de base.

B – Quanto ao poder de apreciação do legislador quando decide recorrer aos atos delegados ou aos atos de execução

30.

As instituições recorridas, apoiadas neste ponto pelo Estado interveniente, invocaram de vários modos, em apoio das suas posições, a margem de apreciação do legislador para decidir as modalidades de execução dos atos legislativos que adota.

31.

A este respeito, recordo, antes de mais, que o legislador goza de total poder de apreciação política, insuscetível de fiscalização jurisdicional, no que respeita à escolha de conceder ou não uma delegação legislativa ( 19 ). O recurso à delegação não é uma obrigação mas um instrumento, ou melhor, uma possibilidade à qual o legislador pode decidir recorrer com o fim de simplificar e acelerar o processo normativo sobre aspetos que não têm caráter essencial no âmbito da disciplina estabelecida pelo ato legislativo de base. Embora não seja obrigado a delegar os seus próprios poderes, o legislador está, no entanto, vinculado, quando decida fazê‑lo, ao respeito das condições fixadas no artigo 290.o TFUE, sendo a primeira de todas a impossibilidade de delegação das opções políticas essenciais, enunciada no segundo parágrafo do n.o 1 deste artigo ( 20 ).

32.

Recordo, além disso, que, no n.o 40 do acórdão Produtos biocidas, o Tribunal de Justiça afirmou que o legislador «dispõe de um poder de apreciação quando decide atribuir à Comissão um poder delegado nos termos do artigo 290.o, n.o 1, TFUE ou um poder de execução nos termos do artigo 291.o, n.o 2, TFUE».

33.

Tanto o Conselho como o Parlamento remetem, nos seus articulados, para o ponto em questão e para o princípio que aí é afirmado ( 21 ). Em contrapartida, a Comissão questiona a sua pertinência no caso concreto com argumentos que, em meu entender, devem ser rejeitados. A formulação e o teor complexo deste ponto não permitem de facto considerar, como sugere a instituição recorrente, que a afirmação do referido princípio está circunscrita apenas aos casos em que, como no processo que deu origem a esse acórdão, se trata de estabelecer se uma medida de execução completa o ato legislativo de base nos termos do artigo 290.o TFUE e não é também aplicável aos casos em que, como neste caso concreto, a discussão tem por objeto a sua natureza modificativa na aceção desta disposição.

34.

Dito isto, convém interrogarmo‑nos sobre o alcance do poder de apreciação reconhecido ao legislador no referido n.o 40 do acórdão Produtos biocidas. Antes de mais, parece‑me claro que tal poder de apreciação deve ser exercido no respeito das condições previstas pelos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE. A faculdade de escolha reconhecida ao legislador não lhe confere o poder de qualificar como executivos atos que, na realidade, implicam o exercício de funções legislativas delegadas e vice‑versa. Com efeito, um tal poder anularia de facto a distinção entre a função delegada e a função executiva, ao alterar a repartição das competências e o equilíbrio institucional que ela reflete. Os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE estabelecem competências específicas para os colegisladores, por um lado, e para as entidades a quem é atribuída a função executiva (essencialmente, Estados‑Membros e Comissão), por outro. Para além da adoção dos regulamentos previstos no artigo 291.o, n.o 3, TFUE, destinados a fixar as regras e princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo que os Estados‑Membros podem aplicar ao exercício das competências de execução pela Comissão, os colegisladores não exercem, em princípio, qualquer função na elaboração das medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação deste artigo ( 22 ). Daí resulta que os atos delegados adotados por força do artigo 290.o TFUE não podem conter medidas executivas na aceção do artigo 291.o TFUE e que os atos de execução adotados com base nesta disposição não podem conter normas de alcance geral que recaiam no âmbito de aplicação do artigo 290.o TFUE.

35.

Também não considero que, no referido n.o 40 do acórdão Produtos biocidas, o Tribunal de Justiça tenha pretendido implicitamente admitir a existência de uma «zona cinzenta», na qual a linha de demarcação entre atos delegados e atos de execução tenda a esfumar‑se e dentro da qual é exercido o poder de apreciação reconhecido ao legislador. No seguimento do convite formulado nas suas conclusões pelo advogado‑geral Cruz Villalón, o Tribunal de Justiça evitou, de facto, tomar posição sobre a tese avançada pela Comissão, segundo a qual os âmbitos de aplicação dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE se excluem mutuamente.

36.

Parece‑me, pelo contrário, que o poder de apreciação a que o Tribunal de Justiça faz referência se consubstancia na faculdade para o legislador de decidir segundo qual modalidade (ato delegado ou ato de execução) deverá ser dada execução ao ato legislativo. Depois de tomada essa decisão, caberá ao legislador adaptar, em consequência, o conteúdo e a estrutura do ato de base, a fim de estabelecer a relação entre os dois níveis normativos (ato legislativo e medida de execução) que se reflete numa ou noutra fonte (ato delegado ou ato de execução).

37.

Compete ao Tribunal de Justiça avaliar se as condições estabelecidas pelos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE são respeitadas, mais concretamente se o conteúdo e a estrutura do ato legislativo em questão são compatíveis com o instrumento de produção normativa designado para dar execução a tal ato. Neste sentido deve, na minha opinião, ser interpretada a aparente discrepância entre a afirmação, contida no referido n.o 40 do acórdão Produtos biocidas, segundo o qual a fiscalização jurisdicional do exercício, por parte do legislador, do poder de apreciação que lhe é reconhecido se limita a uma fiscalização marginal, e a realização pelo Tribunal de Justiça, nos n.os 41 a 51 da fundamentação do acórdão, de uma fiscalização completa do respeito das condições previstas no artigo 290.o TFUE. Segundo a interpretação proposta, de facto, a fiscalização do Tribunal de Justiça limita‑se ao erro manifesto de apreciação no que respeita à escolha efetuada pelo legislador de recorrer aos atos delegados ou aos atos de execução, enquanto seria completa quanto ao respeito por este último das condições fixadas pelos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE.

38.

Passo agora a examinar o significado e o alcance que devem ser atribuídos ao conceito de «alteração» do ato legislativo na aceção do artigo 290.o, n.o 1, TFUE.

C – Quanto ao conceito de «alteração » do ato legislativo na aceção do artigo 290.o TFUE

39.

No debate entre as partes, opõem‑se uma tese «formalista», defendida pelas instituições recorridas, segundo a qual qualquer alteração formal do ato de base, por menor e insignificante que seja, exige um ato delegado, e uma tese «substancialista», avançada pela Comissão, segundo a qual não relevam para efeitos da aplicação do artigo 290.o TFUE as alterações que não exigem o exercício do seu poder de apreciação e não implicam modificações do conteúdo normativo desse ato. A primeira, como todas as teses baseadas em critérios formais, apresenta a vantagem da simplicidade de aplicação e da previsibilidade ( 23 ). Arrisca‑se, todavia, a enquadrar no esquema da delegação legislativa medidas de alteração com natureza materialmente executiva. A segunda tese reserva para a função delegada apenas as medidas que, em termos substantivos, entram nessa categoria, mas torna mais complexa e potencialmente conflitual a escolha entre atos delegados e atos de execução nos casos em que seja conferida à Comissão a competência para alterar formalmente o ato de base. Além disso, seguir a tese da Comissão significa admitir que determinadas alterações ao texto de um ato legislativo possam ser efetuadas mediante um ato de execução.

40.

Antes de tomar posição favorável a uma ou outra tese, merece ser analisado um outro argumento que parece emergir de algumas passagens dos articulados da Comissão, com base no qual o conceito de «alteração» do ato de base na aceção do artigo 290.o, n.o 1, TFUE não inclui o aditamento de elementos (não essenciais) ao texto do mesmo.

41.

A este respeito, concordo com o Parlamento quando considera que, de um modo geral, a «alteração» de um ato normativo inclui qualquer mudança que seja aposta no texto do ato, quer se trate de suprimir, acrescentar ou substituir um qualquer elemento do mesmo. O texto do artigo 290.o TFUE, à luz da sua génese histórica, não permite, na minha opinião, uma interpretação diferente.

42.

A este propósito, recordo que, no quadro do sistema da comitologia instituído com base no artigo 202.o CE, o conceito de «alteração» de um ato de base incluía claramente a função de integração normativa («aditamento de novos elementos»), incluída unicamente na categoria da «competência de execução». Na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Decisão 1999/468 ( 24 ), introduzido pela Decisão 2006/512 ( 25 ), o recurso ao procedimento de regulamentação com controlo, para efeitos de permitir ao Parlamento, na sua qualidade de colegislador, exercer um controlo limitado sobre determinados atos de execução de atos adotados pelo procedimento de codecisão, impunha‑se quando fosse conferido à Comissão o poder de adotar medidas de alcance geral tendo por objeto alterar elementos não essenciais do ato de base, nomeadamente suprimindo alguns desses elementos oucompletando o ato mediante o aditamento de novos elementos não essenciais ( 26 ). Por outro lado, na lógica subjacente a tal formulação, «completar» um ato mediante a regulamentação das questões de pormenor ou técnicas da disciplina estabelecida por este implicava a sua alteração, mesmo que tal regulamentação não fosse destinada a integrar‑se materialmente no texto do ato ( 27 ).

43.

Diferentemente do artigo 2.o, n.o 2, da Decisão 1999/468, o artigo 290.o, n.o 1, TFUE — como já o artigo I‑36.° do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa — distingue entre as medidas que «completem» e as medidas que «alterem» o ato de base. Dada a intenção sistematizante prosseguida pelos autores do Tratado de Lisboa, destinada a reformar o mecanismo da delegação normativa na União, é lógico considerar que a diferente opção de redação corresponda à vontade de identificar duas categorias de atos delegados funcionalmente distintas. A primeira compreende as medidas destinadas a introduzir alterações formais ao texto do ato legislativo, a segunda, aquelas que integram o seu conteúdo normativo sem intervenção no texto. Nesta perspetiva, conforme a técnica escolhida, o aditamento de novos elementos não essenciais ao ato de base, para efeitos do artigo 290.o TFUE, «altera» quando tais elementos são inseridos no texto desse ato (no articulado ou num anexo), e «completa», quando, em contrapartida, não se destinam a ser materialmente integrados no ato de base, mas se mantêm regulamentados num ato normativo separado ( 28 ). A escolha de uma ou de outra técnica dependerá, entre outras coisas, da natureza da integração exigida: uma alteração textual pode ser preferível quando se trate de aditamentos pontuais, por exemplo, a um anexo do ato, mas não, pelo contrário, quando seja necessária a elaboração de um articulado normativo detalhado.

44.

Dito isto, cumpre tomar posição sobre a tese «substancialista» defendida pela Comissão, segunda a qual, como observei anteriormente, não constituem alterações na aceção do artigo 290.o TFUE aquelas que não exigem o exercício, por sua parte, de um poder de apreciação e aquelas que não alteram o contexto normativo do ato de base.

45.

Como observei anteriormente, a função legislativa delegada carateriza‑se pelo exercício, por parte do poder delegado, de um certo poder de apreciação, que, em contrapartida, não carateriza a função executiva. A delegação de poderes legislativos ao poder executivo é, por norma, acompanhada de mecanismos que permitem de vários modos ao órgão constitucionalmente titular da função legislativa controlar o exercício dos poderes delegados — e portanto, o uso de tal poder de apreciação — eventualmente, também, através da revogação dos mesmos. Tais mecanismos têm o objetivo de contrabalançar a derrogação ao princípio da separação de poderes ínsita — ainda que circunscrita aos aspetos mais técnicos da legislação — no instrumento da delegação legislativa, assegurando desse modo o pleno respeito do princípio democrático, consagrado, no direito da União, nos artigos 2.° TUE e 10.° TUE ( 29 ). Ora, quando não é conferido ao órgão delegado qualquer poder de apreciação, o controlo por parte do legislador perde toda a utilidade e desaparece a própria justificação do recurso à legislação delegada, tendo em conta que a função em questão pode ser exercida mediante uma medida meramente executiva. Seguindo esta linha de raciocínio, as alterações ao texto de um ato legislativo que permite o exercício, por parte da Comissão, de uma competência vinculada estaria fora do âmbito de aplicação do artigo 290.o TFUE, dado que não é suscetível de se enquadrar no esquema da legislação delegada.

46.

Do mesmo modo, a alteração do texto de um ato legislativo que não incida sobre o contexto normativo do mesmo, quando por contexto normativo se entenda o conjunto das prescrições jurídicas contidas no ato, não parece exigir a concessão de uma delegação legislativa na medida em que não altera elementos normativos deste último.

47.

O texto do artigo 290.o, n.o 1, TFUE não fornece, no entanto, apoios para distinguir entre as medidas de alteração do ato de base e parece antes fundamentar‑se num critério formal, com base no qual constitui «alteração» na aceção dessa disposição qualquer intervenção formal sobre o texto do ato, com a consequência de que a função de alteração pertenceria pela sua própria natureza à delegação legislativa. Daqui resultaria uma não completa coincidência, no que se refere a essa função, entre ato delegado em sentido material e em sentido formal, podendo, e devendo mesmo, um ato normativo materialmente executivo, dada a sua função de alteração, ser adotado através de um ato delegado.

48.

É lícito perguntarmo‑nos se uma interpretação tão ampla do conceito de alteração, que, em substância, autoriza o legislador a reservar para si o controlo dos atos materialmente executivos, é compatível com o princípio enunciado no artigo 13.o, n.o 2, TUE, e com o equilíbrio institucional exigido pelos Tratados. A função executiva — que, por norma, é exercida fora do quadro institucional da União, sendo em princípio remetida para os Estados‑Membros — é, de facto, quando sejam necessárias condições uniformes de execução do ato de base, conferida, salvo casos específicos, à Comissão sob o controlo dos Estados‑Membros. Por outro lado, o artigo 290.o TFUE não cobre eventuais alterações de partes do ato legislativo mediante medidas que não sejam de alcance geral — por exemplo, a atualização de um anexo que não contém tais medidas — e, portanto, não traduz um princípio absoluto de intangibilidade do ato legislativo fora da esfera de controlo do legislador.

49.

À luz das considerações que precedem e sem que seja necessário, nas circunstâncias deste caso concreto, efetuar outras análises, considero que só nos casos em que é claro que a medida de alteração a adotar não deixa nenhuma margem de apreciação à Comissão e não incide sobre elementos normativos do ato de base, não é necessário o recurso aos atos delegados. A título exemplificativo, está abrangida nessa hipótese a atualização de um anexo de um ato legislativo na sequência de informações transmitidas pelos Estados‑Membros, cujo conteúdo não pode, de modo nenhum, ser posto em questão pela Comissão e que não incidem sobre elementos normativos do ato ( 30 ).

50.

À luz do conjunto das considerações que precedem, examinarei, nos números seguintes, as acusações formuladas pela Comissão em apoio da ilegalidade das disposições do regulamento impugnado cuja anulação requer.

D – Quanto às acusações formuladas pela Comissão contra o regulamento impugnado

1. Quanto à acusação fundamentada na natureza substancialmente executiva do ato delegado a que se refere o artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado

51.

A Comissão argumenta que a suspensão temporária prevista no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, decidida com base nos critérios contidos no regulamento, não pode ser equiparada a uma alteração do ato de base na aceção do artigo 290.o, n.o 1, TFUE. Observa que tal disposição exige que o ato delegado altere «certos elementos» (não essenciais) do ato legislativo e explica que, para que isso seja possível, esses elementos devem, logicamente, constar já do ato de base, cujo conteúdo normativo é, por isso, alterado pelo ato delegado. Todavia, o regulamento impugnado não identifica os países terceiros para os quais deve ser estabelecida uma suspensão da isenção de obrigação de visto, mas fixa os critérios com base nos quais essa identificação deve ser efetuada. Daí resulta, segundo a Comissão, que o ato que estabelece essa suspensão não altera elementos já constantes do Regulamento n.o 539/2001, apenas, simplesmente, dá execução a este último.

52.

Na medida em que tal argumento deva ser entendido no sentido de que a inserção da nota de rodapé no Anexo II do Regulamento n.o 539/2001, prevista pelo artigo 1.o, n.o 4, alínea f), desse regulamento, conforme alterado pelo regulamento impugnado, não constitui «alteração» na aceção do artigo 290.o TFUE, uma vez que esse conceito não abrange o «aditamento» de novos elementos não essenciais ao texto do ato de base, permito‑me remeter para os n.os 40 a 42 das presentes conclusões. Neste momento, limito‑me a salientar que o país terceiro, em relação a cujos nacionais o ato delegado previsto pela referida disposição do Regulamento n.o 539/2001 suspende temporariamente o regime de vantagem a que se refere o artigo 1.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, consta do Anexo II desse regulamento. Ao inserir uma nota de rodapé ao lado do nome desse país, o ato delegado acrescenta uma precisão quanto ao regime jurídico aplicável aos nacionais desse país, «alterando» formalmente um elemento já existente do regulamento de base.

53.

A argumentação da Comissão pode, todavia, ser interpretada, também, no sentido de que uma medida mediante a qual a aplicação de alguns aspetos do regime jurídico do ato de base é temporariamente suspensa não entra, pela sua natureza, no âmbito de aplicação do artigo 290.o TFUE dado que não «completa» nem «altera» elementos desse ato, apenas aplica a regulamentação contida no mesmo adaptando‑a a circunstâncias e eventos não previsíveis pelo legislador, a não ser em abstrato. Entendida neste sentido, a mesma suscita aquela que é, em meu entender, a questão mais delicada do presente processo, que consiste em saber se, quando se abstrai da alteração formal introduzida no Anexo II do Regulamento n.o 539/2001 através do aditamento da nota de rodapé, a medida prevista no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), desse regulamento, conforme alterado pelo regulamento impugnado, apresenta uma natureza puramente executiva.

54.

O Parlamento e o Conselho não tomam expressamente posição sobre essa questão, pois fundamentam as respetivas linhas de defesa no argumento segundo o qual a medida em questão entra no âmbito de aplicação do artigo 290.o TFUE por força da sua natureza de alteração do Anexo II do Regulamento n.o 539/2001. A Comissão deduz dessa ausência de tomada de posição uma admissão tácita, por parte das instituições recorridas, da natureza materialmente executiva dessa medida. Para além do que possam parecer exageros dialéticos, é certo que o Conselho admite, nas suas observações escritas, que poderia ter sido concebido um mecanismo diferente que não exigisse a adoção no caso concreto de atos delegados, e que esse resultado poderia ter sido alcançado evitando modificar formalmente o Anexo II.

55.

De resto, um tal mecanismo foi efetivamente adotado no artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 539/2001, inserido pelo regulamento impugnado. Como expus no n.o 12 das presentes conclusões, esse artigo prevê um sistema que permite, em derrogação do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 539/2001, suspender temporariamente a isenção da obrigação de visto para os nacionais de um país terceiro constante da lista do Anexo II, em situações de emergência, por um período de seis meses prorrogável por um novo período de doze meses. Essa suspensão, que produz os mesmos efeitos que a prevista pelo artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do mesmo regulamento ( 31 ), mas não é acompanhada de uma alteração do próprio texto, é decidida pela Comissão através de ato executivo adotado segundo o procedimento de exame a que se refere o artigo 5.o do Regulamento n.o 182/2011. O caráter de urgência do procedimento previsto pelo referido artigo 1.o‑A, invocado na audiência pelo Parlamento em resposta a uma pergunta colocada pelo Tribunal de Justiça, não me parece suficiente para justificar o recurso, no contexto desse procedimento, aos atos executivos. É, de facto, com base na natureza e nos efeitos das medidas a adotar para dar execução ao ato de base que se avalia a correção do instrumento normativo escolhido. Assim, por exemplo, razões políticas atinentes à sensibilidade do setor em que tais medidas são destinadas a operar ( 32 ) não incidem, como aliás acabaram por admitir, no caso concreto, as próprias instituições recorridas, sobre tal avaliação ( 33 ). O mesmo se diga para o eventual caráter de urgência das medidas em questão. A este respeito, saliente‑se, além disso, que o Título VI do Entendimento comum sobre disposições práticas para a utilização de atos delegados, aprovado em 21 de junho de 2011 pela Conferência dos presidentes do Parlamento Europeu, que fixa as disposições práticas e as especificações e preferências aprovadas de comum acordo que são aplicáveis à delegação de poderes legislativos na aceção do artigo 290.o TFUE, prevê um procedimento específico de urgência reservado à adoção de atos delegados em casos excecionais e em determinados âmbitos, tais como a segurança, a proteção da saúde, e, precisamente, as relações externas, incluindo as crises humanitárias. O ato adotado com base nesse procedimento entra em vigor imediatamente e aplica‑se enquanto não forem suscitadas objeções por parte do Parlamento ou do Conselho dentro do prazo fixado no ato de base.

56.

Por outro lado, se se considerasse que a medida de suspensão prevista no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, tem, ainda que independentemente da alteração que a mesma introduz no ato de base, natureza de ato delegado, deveria admitir‑se, seguindo o esquema acima proposto ( 34 ), que a mesma «completa», na aceção do artigo 290.o, n.o 1, TFUE, determinados elementos não essenciais do Regulamento n.o 539/2001. Este cenário é, no entanto, excluído por todas as partes do presente processo.

57.

De uma forma geral, considero que as medidas que decidem a suspensão de aspetos específicos do regime jurídico previsto por um ato legislativo, como as medidas que preveem a sua prorrogação ou derrogação, recaem, em princípio e ressalvada a necessária avaliação casuística que preside à qualificação da natureza das competências conferidas em concreto à Comissão, na função executiva. Para retomar os termos utilizados pelo Tribunal de Justiça nos n.os 38 e 39 do acórdão Produtos biocidas, esta tipologia de medidas parece‑me mais destinada a «especificar o conteúdo do ato legislativo» do que a integrá‑lo.

58.

Em conclusão, concordo com a Comissão quando considera que a medida de suspensão prevista no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, constituiria, se não se considerasse a alteração do ato de base que a mesma contém, uma simples aplicação das disposições contidas nesse ato e entraria, portanto, na categoria dos atos de execução, da mesma forma que as medidas adotadas na primeira fase do mecanismo de reciprocidade e das que foram decididas por força do artigo 1.o‑A, já referido. No presente caso, milita igualmente a favor dessa conclusão a reduzida margem de apreciação de que goza a Comissão para decidir tal suspensão.

59.

Existe todavia uma diferença «qualitativa» entre as medidas de suspensão da obrigação de visto adotadas com base no artigo 1.o, n.o 4, alínea e), e as adotadas nos termos do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, constituída pela circunstância de as segundas introduzirem uma alteração formal numa parte desse regulamento. Convém, portanto, neste ponto, apreciar com base nos argumentos avançados pela Comissão em apoio do recurso, por um lado, se esta única diferença permite justificar o recurso ao artigo 290.o TFUE para a adoção das medidas previstas no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, não obstante a sua natureza materialmente executiva e, por outro lado, se, prevendo que a Comissão proceda simultaneamente a uma alteração do texto do ato de base, o legislador não excedeu a margem de apreciação de que dispõe para determinar a estrutura e o conteúdo desse ato.

2. Quanto ao argumento segundo o qual a inserção de uma nota de rodapé no Anexo II do Regulamento n.o 539/2001 não justifica o recurso aos atos delegados

60.

A Comissão sustenta que a inserção no Anexo II do Regulamento n.o 539/2001, ao lado do nome do Estado terceiro em causa, da nota de rodapé prevista no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), desse regulamento, conforme alterado pelo regulamento impugnado, não constitui «alteração» nos termos do artigo 290.o, n.o 1, TFUE na medida em que não incide sobre o regime jurídico do ato de base.

61.

A este respeito, saliento que a medida adotada por força da disposição referida não se limita a identificar um país terceiro que já não assegura a reciprocidade em matéria de vistos relativamente aos nacionais da União, individualizando uma situação prevista de modo geral e abstrato no regulamento de base, mas suspende temporariamente o regime mais favorável previsto pelo artigo 1.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 539/2001 em relação aos nacionais desse país. Esta medida incide, portanto, diretamente sobre alguns aspetos da disciplina fixada pelo Regulamento n.o 539/2001, isto é, a inclusão do país terceiro em causa no Anexo II e a plena aplicação, em relação aos seus nacionais, da isenção da obrigação de visto.

62.

É verdade que, como observa a Comissão, a suspensão adquiriria eficácia ainda que não estivesse prevista a inserção da mencionada nota de rodapé e que a decisão de suspensão fosse adotada através de um ato de execução, como acontece com as medidas adotadas na primeira fase do mecanismo de reciprocidade e com as adotadas por força do artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado. Com efeito, como, de resto, se deduz do próprio teor do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), desse regulamento, a referida nota limita‑se a assinalar que teve lugar a suspensão da isenção da obrigação de visto e a indicar a duração da mesma, tendo, portanto, natureza puramente informativa. Como afirma o próprio Conselho nos seus articulados e resulta do considerando 11 do regulamento impugnado, a mesma tem como finalidade a transparência e a segurança jurídica.

63.

Todavia, considero correto o que o Parlamento afirmou na audiência, isto é, que não se pode considerar a alteração do Anexo II do Regulamento n.o 539/2001, através da inserção da nota em causa, independentemente da decisão de suspensão.

64.

Mais precisamente, considero que, ao prever a referida alteração, o legislador tenha pretendido inserir a decisão de suspensão no corpo do ato de base. Graças a essa operação, a decisão de suspensão torna‑se parte integrante do referido ato, adquirindo, do ponto de vista formal da hierarquia das fontes de direito, uma configuração diferente da das medidas adotadas na primeira fase do mecanismo de reciprocidade e das previstas no âmbito do mecanismo de salvaguarda, ainda que partilhando com estas a mesma morfologia normativa.

65.

Em tais circunstâncias, dada a função de ligação entre a decisão de suspensão e o texto do Regulamento n.o 539/2001 desempenhada pela nota de rodapé, não me parece possível afirmar, como faz a Comissão, que a alteração do Anexo II desse regulamento que o aditamento dessa nota comporta não tem incidência sobre os elementos normativos do mesmo. Estamos, por isso, fora das hipóteses formuladas no n.o 48 das presentes conclusões, em que o poder de alterar o ato de base conferido à Comissão poderia escapar ao âmbito de aplicação do artigo 290.o TFUE.

66.

Considero, igualmente, que deve ser rejeitado o argumento da Comissão segundo o qual, no presente caso, não pode existir alteração na aceção do artigo 290.o TFUE dado o caráter vinculado da sua competência. A este respeito, convém salientar que a segunda etapa do mecanismo de reciprocidade introduzido pelo regulamento impugnado é indubitavelmente caraterizada por um certo automatismo, como atestam quer a redação do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, quer a circunstância de a suspensão temporária da isenção da obrigação de visto estar subordinada, nesta disposição, apenas à condição de o país terceiro em causa não ter suprimido a obrigação de visto num prazo de 24 meses. Todavia, como salienta a própria Comissão, a alínea d) do mesmo n.o 4, estabelece que, quando «se propuser efetuar novas diligências», em particular, nos termos da alínea f), a Comissão «deve ter em conta os resultados das medidas tomadas pelo Estado‑Membro em questão para assegurar a isenção de visto com o país terceiro em causa, as diligências efetuadas nos termos da alínea b) e as consequências da suspensão da isenção da obrigação de visto para as relações externas da União e dos seus Estados‑Membros com o país terceiro em causa». Ora, resulta desta disposição que, não obstante o tendencial automatismo da segunda fase do mecanismo de reciprocidade, a Comissão dispõe, em quaisquer circunstâncias, de uma certa margem de apreciação, ainda que reduzida, para adotar a decisão de suspensão temporária a que se refere a alínea f). Portanto, também deste ponto de vista, estamos fora das hipóteses consideradas no n.o 48 das presentes conclusões.

67.

Em conclusão, sou de opinião que, apesar da natureza materialmente executiva da medida de suspensão adotada por força do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, o recurso ao instrumento normativo previsto pelo artigo 290.o TFUE é, neste caso concreto, justificado em razão da alteração que essa medida introduz no ato de base.

3. Quanto ao argumento relativo a um alegado «abuso de caráter formal»

68.

A Comissão sustentou, em sede de recurso, que a inserção de uma nota de rodapé no Anexo II do Regulamento n.o 539/2001, que indique a suspensão da isenção da obrigação de visto para o país terceiro em causa, não constitui uma «alteração» na aceção do artigo 290.o, n.o 1, TFUE, mas uma simples construção técnica utilizada pelo legislador para justificar o recurso aos atos delegados e, portanto, «um abuso de ordem formal». Este argumento, pouco desenvolvido no recurso e que não foi retomado depois na réplica, evoca, segundo me parece, a hipótese de um desvio de poder.

69.

Segundo a jurisprudência, um ato só está viciado por desvio de poder se, com base em indícios objetivos, relevantes e concordantes, se verifica que ele foi adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de tornear um processo especialmente previsto pelo Tratado para obviar às circunstâncias do caso em apreço ( 35 ). Ora, independentemente de todas as outras considerações, não julgo que os elementos constantes do recurso da Comissão sobre a natureza substancialmente executiva da medida de suspensão a que se refere o artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, sejam suscetíveis de constituir os referidos indícios e permitam considerar que o legislador previu o aditamento da nota de rodapé mencionada nessa disposição com o fim exclusivo ou determinante de evitar o recurso aos atos executivos.

4. Quanto ao argumento relativo a um alegado erro manifesto de apreciação

70.

Na sua réplica, a Comissão, para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que devem ser aplicados no presente processo os princípios estabelecidos no acórdão Produtos biocidas ( 36 ), alega que a opção do legislador de recorrer, no presente caso, aos atos delegados está viciada por um erro manifesto de apreciação.

71.

A exceção de inadmissibilidade invocada pelo Conselho em relação a este argumento, em meu entender, deve ser julgada improcedente. Com efeito, contrariamente ao que sustenta esta instituição, a mesma não constitui um novo fundamento de recurso apresentado tardiamente na réplica, mas um desenvolvimento do único fundamento invocado em apoio do recurso, relativo à violação dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE. Por outro lado, ainda que este argumento devesse ser qualificado como fundamento novo, a sua tardia invocação era justificada pela circunstância de esse fundamento ter a sua origem nos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Produtos biocidas, proferido depois da interposição do recurso.

72.

Quanto ao mérito, recordo, antes de mais, que o Tribunal de Justiça reconheceu nesse acórdão que o legislador «dispõe de um poder de apreciação quando decide atribuir à Comissão um poder delegado nos termos do artigo 290.o, n.o 1, TFUE ou um poder de execução nos termos do artigo 291.o, n.o 2, TFUE» ( 37 ). No n.o 36 das presentes conclusões, afirmei que tal poder de apreciação se consubstancia na faculdade para o legislador de decidir segundo que modalidades deverá ser dada execução ao ato legislativo, adaptando, em consequência, o conteúdo e a estrutura desse ato.

73.

Pelos motivos expostos, designadamente, nos n.os 60 a 67 supra, considero que, dada a natureza de alteração dos atos adotados nos termos do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, estão preenchidas, no presente caso, as condições para o recurso ao artigo 290.o TFUE. Resta portanto verificar se a opção do legislador de executar a segunda fase do mecanismo de reciprocidade através de atos delegados, conferindo natureza de alteração às medidas adotadas no âmbito dessa fase, não excede os limites do poder de apreciação de que o mesmo dispõe para definir a estrutura e o conteúdo do ato de base. Tal hipótese pode verificar‑se no caso de a previsão da inserção da nota de rodapé se revelar arbitrária ou irrazoável ou, ainda, sem coerência com o sistema normativo em que se insere.

74.

Segundo a Comissão, como já observei por diversas vezes, um primeiro fator de incoerência é constituído pela circunstância de, para prever a suspensão da obrigação de visto nos termos do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, a mesma não dispor de qualquer poder de apreciação, apesar de dispor de uma ampla margem de apreciação para adotar, através de um ato de execução, medidas abrangidas pela primeira fase do mecanismo de reciprocidade. O caráter vinculado da competência que lhe é conferida por tais disposições torna inútil o poder de objeção reconhecido aos colegisladores pelo artigo 4.o‑B do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado.

75.

A este respeito, é verdade que, na primeira fase do mecanismo de reciprocidade, a Comissão goza de uma maior margem de apreciação, ainda que esta não esteja completamente ausente da segunda fase, como já tive oportunidade de observar supra ( 38 ).

76.

Todavia, como argumentam as instituições recorridas, a opção de recorrer aos atos delegados na segunda fase, e não na primeira, justifica‑se tendo em conta o maior alcance da medida de suspensão adotada nessa fase, cujos efeitos são substancialmente idênticos, salvo quanto ao seu caráter temporário, aos da exclusão do país terceiro em causa da lista constante do Anexo II do Regulamento n.o 539/2001, que carateriza a terceira e última fase do mecanismo de reciprocidade, efetuada mediante ato legislativo. Esse mecanismo foi concebido como um processo unitário, caraterizado por medidas de intensidade crescente, às quais correspondem instrumentos normativos colocados em níveis distintos na hierarquia das fontes de direito. Nesta perspetiva, não considero que seja de per si indício de confusão entre as funções normativas previstas respetivamente nos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE a circunstância, salientada pela Comissão, de o poder de veto previsto no artigo 4.o‑B do Regulamento n.o 539/2001 em relação aos atos adotados nos termos do artigo 1.o, n.o 4, alínea f), do mesmo regulamento, constituir, dado o caráter vinculado, nesta fase, da competência da Comissão, uma forma de controlo indireto do legislador sobre o exercício, por essa instituição, do poder de apreciação de que a mesma dispõe na primeira fase do mecanismo de reciprocidade.

77.

Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual as condições a que o artigo 4.o‑B, n.o 2, do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, submete a delegação de poderes, concretamente, a possibilidade de revogação dessa delegação e o seu caráter limitado no tempo, constituem também elementos que militam no sentido da não razoabilidade do recurso aos atos delegados, uma vez que o funcionamento do mecanismo de reciprocidade não seria concebível sem a medida prevista no artigo 1.o, n.o 4, alínea f), desse regulamento, limito‑me a salientar que as referidas condições são as expressamente mencionadas no artigo 290.o, n.o 2, TFUE e que, em consequência, o facto de estarem previstas não é de modo nenhum anormal, dada a opção do legislador de recorrer ao instrumento normativo previsto por estee artigo. Além disso, saliente‑se que, na aceção do artigo 1.o, n.o 4, alínea i), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, o procedimento previsto na alínea f) dessa disposição não afeta o direito da Comissão de apresentar, em qualquer momento, uma proposta legislativa de alteração do regulamento a fim de transferir a referência ao país terceiro em causa do Anexo II para o Anexo I. Em consequência, o mecanismo de reciprocidade poderia passar à terceira fase ainda que a segunda não estivesse concluída.

78.

Finalmente, a Comissão salienta uma série de dificuldades de ordem técnica resultantes da introdução da nota de rodapé ( 39 ), que demonstram também a não razoabilidade da opção do legislador. A este propósito, embora seja indubitável que a inserção dessa nota deixa numerosas questões por resolver no que respeita ao procedimento a seguir nas circunstâncias evidenciadas pela Comissão — como, além disso, decorre da diversidade das soluções sugeridas pelas instituições recorridas — não considero, todavia, que tais dificuldades possam ter incidência sobre a legalidade do recurso, no caso concreto, aos atos delegados.

79.

Com base nas considerações precedentes, considero que os argumentos invocados pela Comissão não permitem concluir que, ao decidir conferir natureza de alteração às medidas adotadas no âmbito da segunda fase do mecanismo de reciprocidade e recorrer, para a sua adoção, ao instrumento previsto no artigo 290.o TFUE, o legislador excedeu os limites do poder de apreciação de que dispõe para definir a estrutura e o conteúdo do ato de base. Acrescento ainda ao que já referi que a aposição de notas de rodapé ao lado do nome de um país terceiro inscrito no Anexo II do Regulamento n.o 539/2001 carateriza a própria estrutura desse Anexo, dado tratar‑se de um instrumento a que o legislador regularmente recorre com o fim de esclarecer o alcance da isenção da obrigação de visto para os nacionais do país em causa, ou de indicar eventuais condições a que tal isenção está subordinada.

E – Conclusões quanto à procedência do recurso

80.

À luz do conjunto das considerações precedentes, o recurso é, em meu entender, improcedente. Os pedidos de anulação formulados pela Comissão a título principal e subsidiário devem, pois, ser rejeitados quanto ao mérito. Se o Tribunal de Justiça decidir de forma diferente e der provimento ao recurso, considero que o pedido de anulação parcial apresentado a título principal pela Comissão deve ser considerado admissível, tendo em conta que as disposições do regulamento impugnado cuja anulação é pedida podem ser, como aliás lado sustentam todas as partes no presente processo, claramente separadas do resto do regulamento.

IV – Conclusão

81.

Com base no conjunto das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso, condene a Comissão nas despesas e declare que a República Checa suportará as suas próprias despesas.


( 1 ) Língua original: italiano.

( 2 ) Regulamento (UE) do Parlamento Europeu e do Conselho no 1289/2013, de 11 de dezembro de 2013, que altera o Regulamento (CE) n.o 539/2001 do Conselho, que fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação (JO L 347, p. 74).

( 3 ) Regulamento (CE) do Conselho, de 15 de março de 2001 (JO L 81, p. 1).

( 4 ) Assinado em Roma em 29 de outubro de 2004 (JO C 310, p. 1)

( 5 ) V. acórdão Produtos biocidas, n.o 36.

( 6 ) Com as modificações introduzidas pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que altera o Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen), a Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, os Regulamentos (CE) n.o 1683/95 e (CE) n.o 539/2001 do Conselho e os Regulamentos (CE) n.o 767/2008 e (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 182, p. 1).

( 7 ) De acordo com o considerando 5 do Regulamento n.o 539/2001, a fixação destas listas implica uma avaliação ponderada, caso a caso, utilizando diversos critérios, «nomeadamente atinentes à imigração clandestina, à ordem pública e à segurança, bem como às relações externas da União com os países terceiros» e tendo em conta as implicações da coerência regional e da reciprocidade. A remissão para esses critérios é confirmada, conjuntamente com a indicação de novos critérios, pelo Regulamento n.o 509/2014, o qual prevê a inserção, a partir de 9 de junho de 2014, antes do artigo 1.o do Regulamento n.o 539/2001, de um «Artigo 1.o» com o seguinte teor: «O presente regulamento tem como objetivo determinar os países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto ou estão isentos dessa obrigação, com base numa avaliação caso a caso de vários critérios atinentes, nomeadamente, à imigração ilegal, à ordem e segurança públicas, às vantagens económicas, em particular em termos de turismo e comércio externo, e às relações externas da União com os países terceiros pertinentes, incluindo nomeadamente considerações relativas aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como às implicações em termos de coerência regional e reciprocidade».

( 8 ) Regulamento (CE) do Conselho no 851/2005, de 2 de junho de 2005, que altera, em relação ao mecanismo de reciprocidade, o Regulamento (CE) n.o 539/2001 que fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação em relação ao mecanismo de reciprocidade (JO L 141, p. 3).

( 9 ) É interessante notar que, no que respeita ao mecanismo de reciprocidade, a proposta da Comissão se limitava a introduzir uma alteração ao artigo 1.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 539/2001, que permitisse suprimir a base jurídica derivada que a referida disposição continha, substituindo por um ato do legislador da União a decisão do Conselho sobre a proposta de reintrodução temporária da obrigação de visto em relação aos nacionais do país terceiro em causa [COM (2011)290 final/2].

( 10 ) Regulamento (UE) n.o 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO L 55, p. 13).

( 11 ) As circunstâncias suscetíveis de provocar uma situação de emergência são enumeradas no n.o 2 do artigo 1.o‑A do Regulamento n.o 539/2001.

( 12 ) Essa relação é posta em evidência pelo Tribunal de Justiça nos n.os 38 e 39 do acórdão Produtos biocidas, em que este precisa que «a atribuição de um poder delegado visa a adoção de regras que se inserem no âmbito regulamentar conforme definido pelo ato legislativo de base», ao passo que, quando o legislador «confere um poder de execução à Comissão […], esta é chamada a especificar o conteúdo de um ato legislativo, a fim de assegurar a sua execução em condições uniformes em todos os Estados‑Membros». V., também, acórdão Parlamento/Comissão (C‑65/13, EU:C:2014:2289, n.os 39 a 46) e conclusões do advogado‑geral Cruz Villalón no processo Comissão/Parlamento e Conselho (C‑427/12, EU:C:2013:871, n.os 76 e 77).

( 13 ) V., neste sentido, a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho ‑ Aplicação do artigo 290.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [COM (2009) 673, ponto 2.3] (a seguir «Comunicação da Comissão de 2009 sobre a aplicação do artigo 290.o TFUE») e o Relatório do Parlamento sobre o acompanhamento da delegação de poderes legislativos e do controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão, de 4 de dezembro de 2013 (A7‑0435/2013), que, no décimo primeiro travessão do ponto 1, refere: «Em geral, os atos delegados devem ser utilizados sempre que o ato de base deixe à Comissão uma margem discricionária substancial para complementar o quadro legislativo estabelecido no ato de base». V. também, conclusões do advogado‑geral Cruz Villalón no processo Comissão/Parlamento e Conselho (C‑427/12, EU:C:2013:871, n.o 62).

( 14 ) No acórdão Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18, n.os 77 a 86), o Tribunal de Justiça pronunciou‑se apenas sobre a questão de saber se os artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE estabelecem um quadro jurídico único que permite atribuir exclusivamente à Comissão certos poderes delegados e de execução ou se o legislador da União pode prever outros sistemas de delegação em órgãos ou organismos da União. Pelo contrário, nas suas conclusões neste processo (C‑270/12, EU:C:2013:562), o advogado‑geral Jääskinen faz algumas reflexões sobre a temática da distinção entre os âmbitos de aplicação dos artigos 290.° TFUE e 291.° TFUE (v., em particular, n.os 75 a 88).

( 15 ) Regulamento (UE) no 528/12 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativo à disponibilização no mercado e à utilização de produtos biocidas (JO L 167, p. 1).

( 16 ) V. n.o 52 da fundamentação.

( 17 ) V. n.os 41 a 51 da fundamentação.

( 18 ) Saliente‑se que, em diversas passagens do seu recurso, a própria Comissão parece limitar a relevância deste critério apenas às hipóteses em que a execução do ato de base comporte uma forma de integração normativa.

( 19 ) Como se lê na Comunicação da Comissão de 2009 sobre a aplicação do artigo 290.o TFUE, «[o] legislador pode regulamentar inteiramente um determinado domínio de ação, confiando à Comissão a responsabilidade de assegurar a aplicação harmonizada dessa regulamentação através de atos de execução; de igual modo, o legislador pode optar por só regulamentar parcialmente o domínio em causa, deixando à Comissão a responsabilidade de completar a regulamentação através de atos delegados».

( 20 ) O princípio segundo o qual a definição dos elementos essenciais do ato de base está reservada ao legislador foi afirmado pelo Tribunal de Justiça a partir do acórdão Köster, Berodt & Co. (25/70, EU:C:1970:115).

( 21 ) Não se pode deixar de salientar uma certa contradição nas argumentações do Conselho e do Parlamento, que, por um lado, reiteram o poder de apreciação reconhecido ao legislador no acórdão Produtos biocidas e, por outro, alegam que, quando a execução de um ato legislativo exija uma alteração do mesmo, o recurso ao artigo 290.o TFUE é a única opção possível. Esta contradição está, na realidade, mais presente nos articulados do Conselho, enquanto o Parlamento insiste mais no poder de apreciação do legislador na apreciação da necessidade da alteração.

( 22 ) Ressalvada a hipótese, prevista no artigo 291o, no 2, TFUE, de serem conferidas competências de execução ao Conselho.

( 23 ) Este último objetivo é mencionado pela própria Comissão na sua Comunicação de 2009 sobre a aplicação do artigo 290.o TFUE, v. n.o 1 «Introdução».

( 24 ) Decisão do Conselho, de 28 de junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 184, p. 23). Tal decisão, que esteve em vigor até 28 de fevereiro de 2011, foi revogada pelo Regulamento n.o 182/2011, adotado com base no artigo 291.o, n.o 3, TFUE.

( 25 ) Decisão do Conselho, de 17 de julho de 2006, que altera a Decisão 1999/468/CE que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO L 200, p. 11).

( 26 ) A inclusão da função de integração normativa no conceito de «alteração» do ato de base resulta de modo evidente na maior parte das versões linguísticas do artigo 2.o, n.o 2, da Decisão 1999/468 (v., por exemplo, as versões inglesa, espanhola, francesa e alemã). A versão italiana apresenta, pelo contrário, uma formulação pouco clara neste sentido, sendo mesmo gramaticalmente incorreta. V., todavia, na versão italiana, o considerando 3 da Decisão 2006/512 e o considerando 7‑A da Decisão 1999/468, introduzido pela Decisão 2006/512. O Tribunal de Justiça, a partir dos anos 70, confirmou a legitimidade dos atos de execução destinados a alterar alguns elementos do ato de base, sempre que essa competência resulte de modo claro e expresso desse ato [v. acórdão CAM/CEE (100/74, EU:C:1975:152, n.os 26 a 29), relativo à alteração, estabelecida pelo regulamento da Comissão, dos preços aplicáveis ao setor agrícola para a campanha 1974‑1975 fixado pelo Conselho] e não altere ou viole os princípios essenciais por este fixados [acórdãos Eridania‑Zuccherifici nazionale e Società italiana per l’industria degli zuccheri (230/78, EU:C:1979:216, n.o 9) e Parlamento/Conselho (C‑417/93, EU:C:1995:127, n.os 28 a 33)]. V., todavia, acórdão Parlamento/Conselho (C‑93/00, EU:C:2001:689), em que o Tribunal de Justiça anulou o regulamento pelo qual o Conselho, agindo no quadro dos seus poderes de execução, tinha prorrogado a validade das normas do regime de rotulagem facultativa enunciadas no Regulamento n.o 820/97, na medida em que a alteração do referido regulamento não tinha sido adotada «recorrendo a uma base jurídica de natureza equivalente à utilizada para a sua adoção, ou seja, com base no próprio Tratado e no respeito do processo de decisão nele previsto», n.o 42).

( 27 ) V., a título exemplificativo, processos pendentes C‑506/14, C‑389/14, C‑391/14 e C‑393/14.

( 28 ) V., neste sentido, Comunicação da Comissão de 2009 sobre a aplicação do artigo 290.o TFUE (ponto 2.3) e, de modo ainda mais explícito, as orientações aos serviços da Comissão «Implementation of the Treaty of Lisbon. Delegated Acts» anexa à nota (SEC) 855 de 24 de junho de 2011 (a seguir «Orientações aos serviços da Comissão de 2011»), n.o 34.

( 29 ) Como sublinhou o advogado‑geral N. Jääskinen no n.o 85 das suas conclusões no processo Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2013:562), esse princípio é assegurado também limitando a delegação de poderes legislativos apenas à Comissão, responsável, em última instância, perante o Parlamento.

( 30 ) O exemplo é retomado das Orientações aos Serviços da Comissão de 2011, n.o 37.

( 31 ) A suspensão abrange todos os nacionais do país terceiro em causa e não só algumas categorias como, pelo contrário, preveem os atos executivos adotados nos termos do artigo 1.o, n.o 4, alínea e), do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado.

( 32 ) V. Comunicação da Comissão de 2009 sobre a aplicação do artigo 290.o TFUE, n.o 3.

( 33 ) Podem, todavia, incidir a montante sobre a definição da estrutura e do conteúdo do ato de base.

( 34 ) V. n.o 43 supra.

( 35 ) Acórdãos Walzstahl‑Vereinigung e Thyssen/Comissão (140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, EU:C:1984:66, n.o 27); Lux/Tribunal de Contas (69/83, EU:C:1984:225, n.o 30) e Fédesa e o. (C‑331/88, EU:C:1990:391, n.o 24).

( 36 ) Como já observei, a Comissão alega que tais princípios não são transponíveis para o caso em apreço (v. n.o 32 supra).

( 37 ) N.o 40 do acórdão Produtos biocidas.

( 38 ) V. n.o 66 supra.

( 39 ) Segundo a Comissão, não é claro que procedimento pode ser utilizado para alterar ou suprimir a nota de rodapé nos casos em que tal seja exigido pelo artigo 1.o, n.o 4, do Regulamento n.o 539/2001, conforme alterado pelo regulamento impugnado, isto é, quando a Comissão apresentar uma proposta com vista a transferir a referência ao país terceiro em causa do Anexo II para o Anexo I desse regulamento ou no caso de o país terceiro reintroduzir a reciprocidade.