CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 16 de abril de 2015 ( 1 )

Processo C‑85/14

KPN BV

contra

Autoriteit Consument en Markt (ACM)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/22/CE — Artigo 28.o — Interesses e direitos dos utilizadores finais — Acesso aos números não geográficos e aos serviços que utilizam esses números — Regulamentação nacional que impõe que os fornecedores de serviços de tráfego das chamadas telefónicas não pratiquem tarifas mais elevadas para as chamadas para números não geográficos que para as chamadas para números geográficos — Situação de acesso transfronteiriço — Fiscalização da proporcionalidade da medida necessária pelo órgão jurisdicional nacional — Conceito de ‘autoridades [nacionais competentes]’»

1. 

Em matéria de comunicações eletrónicas, a existência de um mercado único europeu implica, nomeadamente, que, em princípio, todas as pessoas singulares possam ter acesso a todos os números geográficos e não geográficos na União Europeia, bem como aos serviços propostos através de números não geográficos.

2. 

No novo quadro regulamentar aplicável aos serviços de comunicações eletrónicas (a seguir «NQR») ( 2 ), o artigo 28.o da diretiva serviço universal visa garantir esse acesso aos números e aos serviços.

3. 

Com efeito, o referido artigo 28.o, que se insere no capítulo IV da diretiva serviço universal ( 3 ), prevê, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros asseguram que as autoridades nacionais competentes ( *1 ) tomem todas as medidas necessárias para que os utilizadores finais ( 4 ) possam ter acesso aos serviços e utilizá‑los através de números não geográficos no interior da União e a todos os números fornecidos na União.

4. 

Nos termos do artigo 2.o, alíneas d) e f), da diretiva serviço universal, um número não geográfico, definido por oposição a um número geográfico ( 5 ), é um número do plano nacional de numeração cuja estrutura numérica não contém nenhum dos significados geográficos utilizados para encaminhar as chamadas para o local físico do ponto de terminação de rede. Inclui, nomeadamente, os números móveis, verdes e de tarifa majorada.

5. 

Com o presente pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça é convidado, pela primeira vez, a precisar o âmbito de aplicação e o alcance do artigo 28.o da diretiva serviço universal.

6. 

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a KPN BV (a seguir «KPN»), a operadora histórica de telecomunicações nos Países Baixos, à Autoriteit Consument en Markt (ACM) (Autoridade dos Consumidores e dos Mercados), que atua na qualidade de autoridade reguladora nacional (a seguir «ARN»), devido à violação pela KPN da legislação nacional que transpõe o artigo 28.o da diretiva serviço universal.

7. 

O Reino dos Países Baixos transpôs este artigo 28.o para o direito nacional mediante o artigo 6.5 da Lei das telecomunicações (Telecommunicatiewet), que prevê a possibilidade de estabelecer regras mais pormenorizadas através de um medida geral de administração ( 6 ) a fim de garantir a obrigação de acesso aos números geográficos e não geográficos, bem como aos serviços que utilizam estes últimos números.

8. 

O Governo neerlandês fez uso desta possibilidade ao adotar o artigo 5.o do Decreto relativo às regras de interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas públicos, ao acesso ao espaço de numeração telefónica europeu e ao acesso transfronteiriço aos números não geográficos (Besluit houdende regels met betrekking tot interoperabiliteit van openbare elektronische communicatiediensten, toegang tot de Europese telefoonnummeringsruimte en landsgrensoverschrijdende toegang tot niet‑geografische nummers — Besluit Interoperabiliteit) (a seguir «medida tarifária nacional»). Esta medida, depois da sua alteração em 1 de julho de 2013, visa garantir o acesso aos serviços que utilizam os números não geográficos proibindo os fornecedores de redes ou de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público de faturar, para as chamadas para números não geográficos, tarifas mais elevadas que as que faturam para as chamadas para números geográficos.

9. 

Resulta dos autos que a medida tarifária nacional aplica‑se a todos os fornecedores que intervêm quando da chamada de um número não geográfico, incluindo aos fornecedores de serviços de tráfego de chamadas ( 7 ), tais como a KPN nos Países Baixos.

10. 

O artigo 28.o da diretiva serviço universal permite a adoção dessa medida contra os fornecedores de serviços de tráfego de chamadas? É esta, em substância, a questão central que o Tribunal de Justiça é convidado a responder.

11. 

Segundo a KPN e a Comissão Europeia, a resposta a esta questão deve ser negativa, principalmente por três razões. Em primeiro lugar, o artigo 28.o da diretiva serviço universal não pode regular as relações entre os fornecedores (mercado grossista). Aplica‑se apenas às relações entre os fornecedores e os particulares (mercado retalhista). Em segundo lugar, o NQR só autoriza a adoção da medida tarifária nacional após uma análise do mercado efetuada pela ARN contra um operador com poder significativo no mercado em causa, e não, como no caso vertente, contra um conjunto de fornecedores. Em terceiro lugar, só uma ARN, e não o Governo neerlandês, é a autoridade nacional competente para impor tal medida.

12. 

Nas presentes conclusões, explicarei as razões pelas quais considero que a resposta a dar à referida questão deve, pelo contrário, ser afirmativa. Na minha opinião, o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma autoridade que diferente de uma ARN adote uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal, sem que uma análise do mercado demonstre que um operador dispõe de um poder significativo no mercado, desde que essa medida seja necessária para garantir os direitos que resultam desse artigo 28.o para os utilizadores finais, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

I – Quadro jurídico

A – Legislação da União

1. Diretiva acesso

13.

O artigo 8.o da diretiva acesso dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros assegurarão que as [ARN] tenham poderes para impor as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.°‑A.

2.   Caso um operador seja designado como operador com poder de mercado significativo num mercado específico, na sequência de uma análise do mercado efetuada em conformidade com o disposto no artigo 16.o da [diretiva‑quadro], as [ARN] imporão as obrigações previstas nos artigos 9.° a 13.° da presente diretiva, consoante adequado.

3.   Sem prejuízo:

do disposto no n.o 1 do artigo 5.o e no artigo 6.o,

do disposto nos artigos 12.° e 13.° da [diretiva‑quadro], da condição 7 na secção B do anexo à [diretiva autorização] tal como aplicado por força do n.o 1 do artigo 6.o dessa diretiva, e dos artigos 27.°, 28.° e 30.° da [diretiva serviço universal] ou das disposições relevantes da [Diretiva 2002/58/CE], que contêm obrigações relativas a empresas não designadas como detendo poder de mercado significativo, ou

da necessidade de respeitar os compromissos internacionais.

As [ARN] não imporão as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.° aos operadores que não tenham sido designados em conformidade com o n.o 2.

[...]»

14.

O artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso prevê o seguinte:

«A [ARN] pode, nos termos do disposto no artigo 8.o, impor obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços em função dos custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso, em situações em que uma análise do mercado indique que uma potencial falta de concorrência efetiva implica que o operador em causa possa manter os preços a um nível excessivamente elevado, ou comprimir os preços, em detrimento dos utilizadores finais. [...]»

2. Diretiva serviço universal

15.

O artigo 17.o, n.o 1, da diretiva serviço universal dispõe o seguinte:

«Os Estados‑Membros asseguram que as [ARN] imponham obrigações regulamentares adequadas às empresas identificadas como tendo poder de mercado significativo num dado mercado retalhista, em conformidade com o artigo 14.o da [diretiva‑quadro], sempre que:

a)

Na sequência de uma análise do mercado realizada nos termos do artigo 16.o da [diretiva‑quadro], uma autoridade reguladora nacional determinar que um dado mercado retalhista identificado em conformidade com o artigo 15.o dessa diretiva não é efetivamente concorrencial; e

b)

A [ARN] concluir que as obrigações impostas nos termos dos artigos 9.° a 13.° da [diretiva acesso] não conduzirão à realização dos objetivos estabelecidos no artigo 8.o da [diretiva‑quadro].»

16.

O artigo 28.o, n.o 1, alínea a), da diretiva serviço universal prevê:

«Os Estados‑Membros asseguram que, sempre que tal seja técnica e economicamente viável, exceto nos casos em que um assinante chamado tenha decidido, por motivos comerciais, limitar o acesso de chamadas provenientes de áreas geográficas específicas, as autoridades reguladoras nacionais tomem todas as medidas necessárias para que os utilizadores finais possam ter acesso:

a)

Aos serviços e utilizá‑los através de números não geográficos no interior da Comunidade […]»

B – Direito neerlandês

17.

Recorde‑se que o artigo 28.o da diretiva serviço universal, foi transposto para a legislação neerlandesa mediante o artigo 6.5 da Lei das telecomunicações. Este artigo dispõe:

«1.   Os fornecedores de redes públicas de comunicações eletrónicas ou de serviços públicos de comunicações eletrónicas que, nesse âmbito, controlam o acesso aos utilizadores finais, assegurarão que todos os utilizadores finais que se encontram na União […] têm acesso a:

a.

todos os números de um plano nacional de numeração atribuídos na União […],

b.

todos os números do espaço europeu de numeração telefónica, e

c.

todos os números atribuídos pela [Internationale Unie voor Telecommunicatie],

e que possam usufruir de serviços, recorrendo aos números referidos nas alíneas a) a c), salvo se tal não for técnica e economicamente viável ou se o assinante que receber chamadas tiver decidido limitar o acesso dos utilizadores que efetuarem chamadas e que se encontram em determinadas áreas geográficas.

2.   Por ou ao abrigo de um regulamento, podem ser estabelecidas regras para garantir a obrigação prevista no n.o 1. Estas regras podem referir‑se, nomeadamente, às remunerações do acesso aos números referidos no n.o 1.

3.   As regras previstas no n.o 2 podem ser diferentes para determinadas categorias de fornecedores, como os referidos no n.o 1. Essas regras podem transferir funções e atribuir competências à [ACM].»

18.

Foi feito uso da possibilidade de fixar regras mais pormenorizadas para a adoção da medida tarifária nacional que prevê, a contar de 1 de julho de 2013, o seguinte:

«1.

Um fornecedor de serviços telefónicos públicos ou um fornecedor de redes de comunicações eletrónicas públicas que controla o acesso aos utilizadores finais deve assegurar que os utilizadores finais possam usufruir de serviços com recurso a números não geográficos no interior da União […].

2.

A obrigação referida no n.o 1 implica, em todo o caso, que os fornecedores de serviços telefónicos públicos ou de redes públicas de comunicações eletrónicas aí referidos apliquem, às chamadas efetuadas para um número das séries 0800, 084, 085, 087, 088, 0900, 0906, 0909, 116, 14 ou 18, tarifas ou outras remunerações comparáveis com as tarifas ou outras remunerações que esses fornecedores aplicam às chamadas efetuadas para números geográficos, e que apenas podem aplicar tarifas ou remunerações diferentes caso isso seja estritamente necessário para cobrir os custos adicionais relacionados com as chamadas efetuadas para estes números não geográficos [...]

[...]»

II – Matéria de facto do processo principal e questões prejudiciais

19.

Resulta do despacho de reenvio que a KPN fornece serviços de tráfego de chamadas para números não geográficos nos Países Baixos.

20.

Tendo a ACM verificado que a KPN, em violação da medida nacional, aplicava tarifas mais elevadas aos serviços de tráfego de chamadas para números não geográficos que para os mesmos serviços para números geográficos e que essa diferença não se justificava pelos custos adicionais, impôs à KPN, por decisão de 18 de outubro de 2013, uma conduta no sentido de ajustar as suas tarifas, sob pena de sanção pecuniária compulsória de 25000 euros por dia, num montante máximo de 5 milhões de euros.

21.

A KPN interpôs recurso desta decisão no College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de recurso de contencioso administrativo em matéria económica, Países Baixos).

22.

Durante o processo de recurso, a KPN alegou, nomeadamente, que a medida de tarifária nacional não é compatível com o NQR, em especial com o artigo 28.o da diretiva serviço universal.

23.

No âmbito do recurso que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional de reenvio questionou‑se sobre o âmbito de aplicação e o alcance do artigo 28.o da diretiva serviço universal. Tendo dúvidas sobre a interpretação desta disposição, o College van Beroep voor het bedrijfsleven decidiu suspender a instância e a submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)   O artigo 28.o da diretiva [s]erviço [u]niversal permite a imposição de uma regulação de tarifas, sem que resulte de uma análise de mercado que uma parte tem, quanto ao serviço regulado, um poder de mercado significativo, quando são tecnicamente viáveis, sem mais, as ligações transfronteiriças com números não geográficos e a única restrição ao acesso a estes números consiste na aplicação de tarifas que levam a que uma chamada efetuada para um número não geográfico seja mais cara do que uma chamada efetuada para um número geográfico?

2)   Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio submete as duas questões seguintes:

a)

A competência para a regulação de tarifas também se aplica quando a influência de tarifas superiores no volume de chamadas efetuadas para números não geográficos é limitada?

b)

Até que ponto o órgão jurisdicional nacional ainda tem margem para apreciar se uma medida de regulação de tarifas, necessária por força do artigo 28.o da [d]iretiva [s]erviço [u]niversal, não constitui um ónus excessivo para o fornecedor do serviço de trânsito, atendendo aos objetivos que a mesma visa prosseguir?

3)

O artigo 28.o, n.o 1, da [d]iretiva [s]erviço [u]niversal deixa em aberto a possibilidade de as medidas referidas nessa disposição serem tomadas por uma instância diferente da [ARN] que exerce a competência referida no artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso, tendo esta última autoridade apenas competência para aplicar essas medidas?»

III – Análise

A – Quanto à primeira questão

24.

Com sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 28.o da diretiva serviço universal pode constituir a base jurídica para impor uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal, sem que resulte de uma análise do mercado em questão que um operador dispõe de um poder significativo nesse mercado e quando a restrição ao acesso aos números não geográficos e aos serviços que utilizam esses números não é de natureza técnica, mas sim tarifária ( 8 ).

25.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a questão de saber se o artigo 28.o da diretiva serviço universal visa apenas as situações de acesso transfronteiriço ou as restrições técnicas.

26.

Explicarei antes de mais, as razões pelas quais considero que o artigo 28.o da diretiva serviço universal autoriza a adoção de uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal, antes de demonstrar que essa disposição não se limita às situações de acesso transfronteiriço e aplica‑se às restrições tanto técnicas como não técnicas.

1. Quanto à possibilidade de impor uma obrigação tarifária com base no artigo 28.o da diretiva serviço universal

27.

Nas suas observações escritas, a KPN sustenta que o NQR só autoriza a adoção de uma medida tarifária após uma análise do mercado efetuada pela ARN, que demonstre a existência de um operador com poder significativo no mercado em causa no processo principal.

28.

A Comissão sustenta, por seu lado, nas suas observações escritas, que o NQR estabelece uma distinção deliberada e expressa entre a regulamentação dos aspetos pertinentes ao nível do mercado retalhista e ao nível do mercado grossista. Enquanto a primeira entra no âmbito da diretiva serviço universal, a segunda é regulada pela diretiva acesso. Assim, segundo a Comissão, o artigo 28.o da diretiva serviço universal não pode servir de base jurídica a fim de adotar uma medida tarifária contra fornecedores de serviços de tráfego de chamadas ativos no mercado grossista.

29.

Não posso aderir a essa argumentação, que constitui, na minha opinião, uma leitura errónea do NQR.

30.

Segundo jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, deve atender‑se não só aos termos dessa disposição mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra ( 9 ).

31.

No âmbito do processo principal, essa análise implica ter em consideração a economia geral e o objetivo não só da diretiva serviço universal, mas também das outras diretivas que constituem, com ela, o NQR, designadamente da diretiva acesso.

32.

Verifico, antes de mais, que a redação do artigo 28.o da diretiva serviço universal não fornece nenhuma indicação precisa quanto ao respetivo âmbito de aplicação.

33.

Recordo que, em virtude desse artigo 28.o, os Estados‑Membros asseguram que as autoridades nacionais competentes tomem «todas as medidas necessárias» para que os utilizadores finais possam, nomeadamente, ter acesso aos serviços e utilizá‑los através de números não geográficos no interior da União.

34.

Considero que ao empregar termos de alcance extremamente amplo, a saber «todas as medidas necessárias», que o referido artigo 28.o não exclui, a priori, a imposição de uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal na medida em que a mesma permite garantir o acesso dos utilizadores finais aos números não geográficos e aos serviços propostos por meio desses números.

35.

Essa solução é confirmada pela análise da diretiva acesso, e mais precisamente do seu artigo 8.o, relativo à imposição, alteração ou supressão das obrigações.

36.

Com efeito, resulta da leitura do artigo 8.o, n.os 2 e 3, da diretiva acesso que, em princípio, uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal não pode ser adotada contra operadores que não foram designados como sendo poderosos no mercado em questão ( 10 ), «salvo em certos casos», aí enumerados exaustivamente, e entre os quais figura o artigo 28.o da diretiva serviço universal.

37.

Analisarei sucessivamente estes dois números, o que permitirá demonstrar que uma obrigação como a que está em causa no processo principal pode entrar no âmbito de aplicação do artigo 28.o da diretiva serviço universal.

38.

Em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, da diretiva acesso, as obrigações visadas no artigo 13.o da mesma diretiva ( 11 ) apenas devem ser adotadas pelas ARN na falta de concorrência efetiva, isto é, nos mercados onde operam um ou mais operadores que dispõem de um poder significativo ( 12 ). A imposição dessas obrigações visa evitar que o operador poderoso possa manter os preços a um nível excessivamente elevado, ou reduzir os preços em detrimento dos utilizadores finais ( 13 ) e permite, por conseguinte, restabelecer uma concorrência real no mercado em questão.

39.

Ora, resulta dos documentos dos autos que, no caso vertente, a ACM considerou que o mercado dos serviços de tráfego de chamadas em causa no processo principal era efetivamente concorrencial e que nenhum operador dispunha, de um poder significativo ( 14 ), nesse mercado. Por outro lado, essa conclusão foi também confirmada pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven ( 15 ).

40.

Além disso, verifico que, desde 2007, o mercado dos serviços de tráfego de chamadas na rede telefónica pública fixa já não faz parte dos mercados mencionados pela Comissão no anexo da sua recomendação relativa aos mercados pertinentes ( 16 ), cujas caraterísticas poderiam justificar a aplicação de uma obrigação regulamentar ex ante contra operadores identificados como poderosos nesse mercado.

41.

Na falta de um mercado pertinente identificado pela Comissão nessa recomendação e da presença de um operador com poder no mercado dos serviços de tráfego de chamadas em causa no processo principal, a ACM não tinha, no caso em apreço, competência para impor uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal com base no artigo 13.o da diretiva acesso ( 17 ).

42.

Considero que se impõe a mesma conclusão relativamente ao artigo 17.o da diretiva serviço universal, intitulado «Controlos regulamentares dos serviços a retalho» ( 18 ).

43.

Com efeito, resulta do artigo 17.o da diretiva serviço universal, à semelhança do que está previsto no âmbito do artigo 13.o da diretiva acesso, que as obrigações tarifárias ( 19 ) só podem ser impostas no caso de o mercado de retalho visado não se encontrar em situação de concorrência real.

44.

Segundo a KPN, nessas circunstâncias, a ACM não podia impor uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal aos fornecedores ativos no mercado dos serviços de tráfego de chamadas.

45.

Não posso subscrever essa conclusão, que não tem em consideração o artigo 8.o, n.o 3, da diretiva acesso.

46.

Com efeito, essa disposição prevê que, «sem prejuízo» das disposições dos artigos 27.°, 28.° e 30.° da diretiva serviço universal, que impõem obrigações a «empresas não designadas como detendo poder de mercado significativo», as ARN não impõem as obrigações definidas nos artigos 9.° a 13.° da diretiva acesso aos operadores que não foram designados em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, dessa mesma diretiva.

47.

Na minha opinião, há que interpretar o artigo 8.o, n.o 3, da diretiva acesso no sentido de que, «salvo» no âmbito de certas disposições, nomeadamente do artigo 28.o da diretiva serviço universal, as ARN não impõem obrigações tarifárias comparáveis às previstas no artigo 13.o da diretiva acesso aos operadores que não têm poder no mercado em questão. Por outras palavras, o artigo 28.o da diretiva serviço universal permite impor obrigações tarifárias comparáveis às previstas no artigo 13.o da diretiva acesso, e contra operadores sem poder no referido mercado.

48.

A minha análise é corroborada pelas orientações da Comissão, que preveem, no seu n.o 111, que, «[no] âmbito do [NRU], [as] obrigações [previstas nos artigos 9.° a 13.° da diretiva acesso e no artigo 17.o da diretiva serviço universal] só devem ser impostas a empresas que tenham sido designadas como detendo um PMS num mercado relevante, exceto em determinados casos definidos e enumerados na secção 4.3» ( 20 ).

49.

Esta secção 4.3 das orientações da Comissão remete para os casos contemplados no artigo 8.o, n.o 3, da diretiva acesso. Entre esses casos figura, como indicado, o artigo 28.o da diretiva serviço universal.

50.

Resulta do exposto que a obrigação tarifária em causa no processo principal é suscetível de constituir uma «medida» que pode ser adotada contra um conjunto de operadores sem poder no mercado em questão, nos termos do artigo 28.o da diretiva serviço universal.

51.

Na minha opinião, essa conclusão reflete a vontade do legislador da União de garantir os direitos e os interesses dos utilizadores finais em qualquer hipótese, incluindo os casos em que, apesar da existência de uma concorrência efetiva no mercado em questão, a garantia dos direitos que os utilizadores retiram de um mercado integrado e concorrencial em matéria de comunicações eletrónicas não pode ser assegurada ( 21 ).

52.

O artigo 28.o da diretiva serviço universal, inserindo‑se no seu capítulo IV, intitulado «Interesses e direitos dos utilizadores finais», prossegue, evidentemente, o objetivo de garantir os direitos e os interesses que os utilizadores finais retiram da existência de um mercado integrado e concorrencial em matéria de comunicações eletrónicas. Assim, esse artigo 28.o constitui, na minha opinião, uma base jurídica adequada para adotar uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal.

53.

Contudo, ainda é necessário que se trate de medida «necessária» para garantir os direitos que os utilizadores finais retiram do referido artigo 28.o, a saber o acesso aos números não geográficos e aos serviços propostos por meio desses números. Na minha opinião, o caráter necessário da medida nacional implica igualmente que não se pudesse garantir esses direitos mediante outras medidas menos restritivas para os operadores em questão.

54.

A esse título, saliento que resulta das observações escritas do Governo neerlandês que a adoção da medida tarifária nacional pretendia pôr fim a uma série de práticas comerciais contrárias ao objetivo do artigo 28.o da diretiva serviço universal ( 22 ). Devido às referidas práticas, as tarifas aplicáveis aos utilizadores finais eram elevadas e não transparentes e alguns números não geográficos já não podiam ser utilizados por grandes grupos de utilizadores finais. De facto, o acesso aos números não geográficos era limitado e, por conseguinte, o acesso a certos serviços, era restringido.

55.

Do mesmo modo, a ACM concluiu que a faturação de tarifas elevadas constituía um entrave ao acesso aos números e aos serviços garantidos pelo artigo 28.o da diretiva serviço universal.

56.

A KPN, por seu lado, reconhece que as tarifas podem ser fixadas num nível tão elevado que tornam de facto impossível um acesso aos números não geográficos. Todavia, na sua opinião, não era esse o caso nos Países Baixos.

57.

À luz das considerações precedentes, entendo que o artigo 28.o da diretiva serviço universal permite a adoção de uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal, na medida em que essa obrigação tarifária é «necessária» para garantir o acesso aos números não geográficos e aos serviços que utilizam esses números. Uma vez que essa apreciação constitui uma questão de facto, considero que incumbe ao órgão jurisdicional nacional efetuar essa análise in concreto.

58.

Por último, contrariamente à Comissão, entendo que o facto de a medida tarifária nacional pretender regulamentar uma relação ao nível do mercado grossista não tem nenhuma incidência na possibilidade de aplicar o artigo 28.o da diretiva serviço universal no caso de essa relação ser de facto suscetível de restringir o acesso dos utilizadores finais aos serviços que utilizam números não geográficos garantido pelo referido artigo 28.o

59.

A esse título, verifico que resulta das observações escritas do Governo neerlandês, e das indicações desse mesmo governo na audiência, que as tarifas elevadas aplicadas entre eles pelos fornecedores de redes e de serviços de comunicações eletrónicas se repercutiam, in fine, sobre o utilizador final.

60.

Com efeito, segundo o referido governo, na ligação a números não geográficos intervém uma cadeia de fornecedores que colaboram para realizar a conversa telefónica. Nessa cadeia, cada fornecedor, incluindo o fornecedor do serviço de trânsito de chamadas, repercute noutro fornecedor a tarifa faturada pelo serviço que fornece. Essas tarifas elevadas de um ou mais fornecedores na cadeia são, em seguida, repercutidas sobre o utilizador final.

61.

Estes elementos comunicados pelo Governo neerlandês, nos quais a Comissão se baseou igualmente na audiência, demonstram a existência de uma incidência das práticas exercidas pelos fornecedores entre eles a nível do mercado grossista, sobre os utilizadores finais situados a nível do mercado retalhista. Ora, segundo o Governo neerlandês, foram essas práticas que restringiram o acesso aos números não geográficos e aos serviços que utilizam esses números.

62.

Assim, à semelhança do Governo neerlandês, considero que essas práticas seguidas pelos fornecedores de redes e de serviços de comunicações eletrónicas a nível do mercado grossista são suscetíveis de restringir o acesso dos utilizadores finais aos serviços que utilizam números não geográficos garantido pelo artigo 28.o da diretiva serviço universal.

63.

À luz de todos estes elementos, considero que o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção de uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal sem que resulte de uma análise do mercado que um operador dispõe de um poder significativo nesse mercado, desde que a obrigação tarifária seja necessária para garantir o acesso dos utilizadores finais aos serviços que utilizam números não geográficos, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

2. Quanto às situações de acesso transfronteiriço e à natureza das restrições

64.

No âmbito da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que uma obrigação tarifária só pode ser adotada em caso de «restrição técnica» a um «acesso transfronteiriço» aos serviços que utilizam números não geográficos.

65.

Em primeiro lugar, quanto à questão do acesso transfronteiriço, resulta do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio entende que o considerando 46 da Diretiva 2009/136 sugere que o artigo 28.o da diretiva serviço universal apenas visa a adoção de todas as medidas necessárias para garantir o tráfego telefónico «transfronteiriço» entre os Estados‑Membros.

66.

Na minha opinião, a redação e a génese do artigo 28.o da diretiva serviço universal demonstram que este deve ser interpretado no sentido de que se refere, doravante, de maneira geral, ao mercado único europeu em matéria de comunicações eletrónicas, sem que a sua aplicação se limite às situações de acesso transfronteiriço.

67.

Verifico, antes de mais, que a dimensão transfronteiriça resultava claramente do artigo 28.o da diretiva serviço universal, na sua versão inicial.

68.

Com efeito, esse artigo 28.o previa que «[o]s Estados‑Membros garantirão que os utilizadores finais de outros Estados‑Membros possam aceder a números não geográficos nos seus territórios, sempre que tal seja técnica e economicamente viável» ( 23 ).

69.

Na sequência da alteração pela Diretiva 2009/136, o artigo 28.o, n.o 1, da diretiva serviço universal dispõe, doravante, que os Estados‑Membros asseguram que, sempre que tal seja técnica e economicamente viável, as autoridades reguladoras nacionais tomem todas as medidas necessárias para que os utilizadores finais possam ter acesso aos serviços e utilizá‑los através de números não geográficos no interior da União.

70.

Assim, a restrição «de outros Estados‑Membros» já não figura nesta disposição, que prevê, doravante, um acesso para todos os utilizadores finais aos números e aos serviços «no interior da [União]».

71.

Na medida em que os utilizadores finais, e já não os utilizadores finais de outros Estados‑Membros, devem ter acesso aos serviços e utilizá‑los através de números não geográficos no interior da União, esse acesso deveria, na minha opinião, ser garantido pelas autoridades nacionais competentes a todos os utilizadores finais, independentemente de onde estes se encontrem do ponto de vista geográfico. Por conseguinte, o acesso também deveria ser garantido aos utilizadores finais estabelecidos no Estado‑Membro do operador de rede e/ou do serviço de comunicações eletrónicas.

72.

Esta alteração inscreve‑se, na minha opinião, no objetivo de estabelecer o mercado único europeu em matéria de comunicações eletrónicas. Com efeito, em conformidade com o considerando 38 da diretiva serviço universal, «[o] acesso dos utilizadores finais a todos os recursos numéricos da Comunidade constitui um requisito essencial para um mercado interno. Esse acesso deverá incluir os números verdes e de tarifa majorada e outros números não geográficos».

73.

Por outro lado, considero que seria paradoxal considerar que o artigo 28.o da diretiva serviço universal garantisse a um utilizador final um acesso aos serviços que utilizam números não geográficos noutros Estados‑Membros, mas que não garantisse esse acesso aos números não geográficos e aos serviços propostos no seu próprio Estado‑Membro.

74.

Em segundo lugar, quanto à questão relativa à natureza da restrição, consideramos que, da redação do artigo 28.o da diretiva serviço universal, não resulta de modo nenhum que só restrições técnicas permitiriam a adoção pelas autoridades nacionais competentes de uma medida necessária.

75.

Na minha opinião, qualquer restrição ao acesso aos números não geográficos e aos serviços que utilizam esses números, que impeça os utilizadores finais de beneficiar dos direitos decorrentes do artigo 28.o da diretiva serviço universal, seria suscetível de fundamentar a adoção de uma obrigação tarifária necessária, exceto nos casos em que a restrição se justifique por razões objetivas.

76.

O considerando 46 da Diretiva 2009/136 corrobora a nossa análise.

77.

Com efeito, em virtude desse considerando 46, «[o] acesso transfronteiriço a recursos de numeração e aos correspondentes serviços não poderá ser impedido, exceto em casos devidamente justificados, como no combate à fraude ou ao abuso [...], quando o número é de âmbito unicamente nacional [...] ou quando técnica ou economicamente inviável» ( 24 ).

78.

Resulta do despacho de reenvio que era tecnicamente possível ligar para números não geográficos e que não foi invocada nenhuma das outras justificações objetivas. Na falta de uma justificação objetiva da restrição tarifária, esta última deve ser considerada ilícita, nos termos do artigo 28.o da diretiva serviço universal.

79.

Por conseguinte, entendo que o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção de uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal sem que resulte de uma análise do mercado que um operador dispõe de poder significativo nesse mercado, e quando a restrição ao acesso aos números não geográficos é de natureza não técnica, desde que a obrigação tarifária seja necessária para garantir o acesso dos utilizadores finais aos serviços que utilizam esses números, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

B – Quanto à segunda questão relativa às restrições ao efeito limitado e à fiscalização da proporcionalidade das medidas necessárias pelo órgão jurisdicional nacional

80.

A segunda questão compõe‑se de duas partes.

81.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção de uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal no caso de a influência das tarifas mais elevadas aplicadas sobre o volume de chamadas de números não geográficos apenas ser limitada.

82.

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a margem de apreciação de que dispõe o órgão jurisdicional nacional para verificar se uma medida tarifária necessária segundo o artigo 28.o da diretiva serviço universal constitui um ónus excessivo para o fornecedor, tendo em conta os objetivos a atingir com essa medida.

83.

No que respeita à primeira parte dessa segunda questão, observo, como faz o Governo neerlandês, que o artigo 28.o da diretiva serviço universal não prevê nenhuma exceção para as restrições de minimis.

84.

Pelo contrário, e como já observei, o acesso aos serviços que utilizam números não geográficos não deve, em princípio, ser impedido em virtude do artigo 28.o da diretiva serviço universal ( 25 ).

85.

Recordo, igualmente, que esse acesso dos utilizadores finais a todos os recursos da União constitui um requisito essencial para um mercado interno, e deverá incluir os números verdes e de tarifa majorada e outros números não geográficos ( 26 ).

86.

Na minha opinião, resulta do que antecede que qualquer restrição, incluindo uma restrição limitada ao acesso aos serviços que utilizam números não geográficos, é contrária ao objetivo prosseguido pelo legislador da União, a saber, a realização de um mercado único europeu e, por conseguinte, à garantia dos direitos que os utilizadores finais daí retiram, e deve portanto ser considerada proibida. Entendo que qualquer interpretação contrária afeta o efeito útil do artigo 28.o da diretiva serviço universal.

87.

Quanto à segunda parte da segunda questão, considero, tal como a KPN e o Governo neerlandês, que o órgão jurisdicional nacional tem competência para apreciar se a aplicação de uma obrigação tarifária implica, numa situação concreta, um ónus excessivo para o operador em questão. Com efeito, na minha opinião, essa análise faz parte integrante da fiscalização da proporcionalidade dessa obrigação, efetuada pelo órgão jurisdicional nacional.

88.

O órgão jurisdicional nacional deve, assim, analisar se os objetivos prosseguidos pela medida tarifária das autoridades nacionais competentes são conformes ao enunciado no artigo 28.o da diretiva serviço universal, a saber, o acesso aos serviços que utilizam números não geográficos e a utilização desses serviços.

89.

Se os objetivos da medida estão em conformidade com os enunciados na legislação da União, caberá seguidamente ao órgão jurisdicional nacional efetuar uma fiscalização da adequação, necessidade e proporcionalidade, stricto sensu, da medida. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional nacional apreciará se a medida adotada é objetivamente adequada para atingir os fins prosseguidos. Em segundo lugar, determinará se existem meios menos restritivos para atingir os referidos objetivos. Em terceiro lugar, a proporcionalidade em sentido estrito implica a realização de uma ponderação dos interesses em jogo ( 27 ).

90.

É no âmbito dessa fiscalização da proporcionalidade que o órgão jurisdicional nacional deve avaliar se as autoridades nacionais competentes ponderaram adequadamente a onerosidade da medida tarifária, para o operador em questão, à luz das vantagens que dela decorrem para os utilizadores finais, a fim de apreciar se essa medida deve ser considerada como um ónus excessivo para o operador em questão ( 28 ).

91.

Por conseguinte, creio que o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção de uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal no caso de a influência das tarifas mais elevadas aplicadas sobre o volume de chamadas de números não geográficos apenas ser limitada. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar, no âmbito da fiscalização da proporcionalidade da medida necessária segundo o artigo 28.o da diretiva serviço universal, se a imposição de uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal implica um ónus excessivo para o operador em questão.

C – Quanto à terceira questão relativa à interpretação dos termos «autoridades [nacionais competentes] » referidos no artigo 28.o da diretiva serviço universal

92.

Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que as medidas necessárias previstas nesse artigo 28.o podem ser adotadas por uma autoridade que não seja a ARN que exerce a competência a que se refere o artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso.

93.

Nas suas observações escritas, a KPN sustenta que, com base no NQR, e mais precisamente no artigo 13.o da diretiva acesso, só uma ARN seria competente para impor uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal. Ora, segundo a KPN, o Governo neerlandês não pode ser considerado uma ARN, porque por um lado essa função nunca lhe foi atribuída e, por outro, não preenche os requisitos exigidos em matéria de independência mencionados no considerando 11 da diretiva‑quadro ( 29 ) e também não tem a competência discricionária que uma ARN possui, em virtude do artigo 13.o da diretiva acesso, para adotar uma regulamentação após uma análise do mercado.

94.

Contrariamente à KPN, os Governos neerlandês e italiano e a Comissão propõem responder que o artigo 28.o da diretiva serviço universal autoriza a adoção das medidas necessárias aí previstas, por uma autoridade que não seja a ARN.

95.

Antes de proceder à análise desta terceira questão, considero útil fazer duas observações prévias.

96.

Em primeiro lugar, resulta do despacho de reenvio que o Governo neerlandês, como órgão legislativo, adotou a medida tarifária nacional, e depois, a ACM, na qualidade de ARN, procedeu à sua aplicação impondo uma conduta à KPN.

97.

Assim, à luz dessa situação, entendo que o órgão jurisdicional de reenvio deseje, em substância, saber se o artigo 28.o da diretiva serviço universal deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal seja adotada pelo Governo neerlandês, considerado como autoridade «que não a» ARN.

98.

Em segundo lugar, como já precisei quando da análise da primeira questão, sou de opinião que, em certas condições, uma obrigação tarifária comparável à que pode ser imposta por uma ARN com base no artigo 13.o da diretiva acesso pode ser imposta no âmbito do artigo 28.o da diretiva serviço universal.

99.

A este título, recordo que as funções de regulamentação que incumbem às ARN com base no artigo 13.o da diretiva acesso estão sujeitas à condição da existência de um ou mais operadores com poder significativo no mercado em questão. A intervenção das ARN torna‑se efetivamente necessária para garantir que esse ou esses operadores possam utilizar o seu poder de mercado para restringir ou falsear a concorrência no mercado pertinente ou exercer esse poder nos mercados adjacentes. Assim, trata‑se de uma regulamentação ex ante adotada por uma ARN contra um ou mais operadores com poder no mercado em questão.

100.

Ora, podendo as obrigações tarifárias que as autoridades nacionais competentes podem adotar no âmbito do artigo 28.o da diretiva serviço universal, não estão condicionadas por uma análise do mercado que demonstre que um ou mais operadores dispõem de um poder significativo no mercado em questão. Devem ser necessárias para garantir os direitos que os utilizadores finais retiram do mercado único europeu, e designadamente, o direito de acesso dos utilizadores finais aos serviços que utilizam números não geográficos. Trata‑se de obrigações tarifárias adotadas pelas autoridades nacionais competentes contra um conjunto de operadores sem poder no mercado.

101.

Assim, apesar de poderem ser impostas com base nos artigos 13.° da diretiva acesso e 17.° e 28.° da diretiva serviço universal, as obrigações tarifárias comparáveis visam atingir objetivos diferentes e são dirigidas contra categorias diferentes de operadores ( 30 ).

102.

É à luz desses elementos, que analisarei a terceira questão.

103.

A fim de dar uma resposta útil a esta terceira questão, impõe‑se uma interpretação dos termos «autoridades [nacionais competentes]», na aceção do artigo 28.o da diretiva serviço universal. Há que interpretar esses termos no sentido de que visam as ARN com exclusão de qualquer outra autoridade nacional?

104.

Observo, antes de mais, que os referidos termos não foram definidos pelo NQR, ao contrário das ARN, definidas no artigo 2.o, alínea g), da diretiva‑quadro. Em virtude dessa última disposição, entende‑se por «autoridade reguladora nacional», o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas na diretiva‑quadro e nas diretivas específicas. Observamos que esta definição é aplicável para os fins das diretivas específicas, designadamente da diretiva serviço universal ( 31 ).

105.

Resulta da referida definição que uma ARN é uma autoridade nacional competente. No entanto, considero que as autoridades nacionais competentes referidas no artigo 28.o da diretiva serviço universal não podem limitar‑se apenas às ARN, por diversos motivos.

106.

Em primeiro lugar, verifico que o legislador da União parece ter escolhido propositadamente os termos «autoridades [nacionais competentes]» em vez dos termos «ARN». Com efeito, esses termos só foram adotados no decurso do processo legislativo que conduziu à alteração do quadro regulamentar em 2009.

107.

Assim, quer a proposta de diretiva da Comissão ( 32 ) quer a posição adotada pelo Parlamento Europeu em primeira leitura ( 33 ) visavam ainda as «ARN». O facto de o texto final atribuir uma competência expressa às «autoridades [nacionais competentes]» demonstra à partida a vontade do legislador da União de não visar unicamente as ARN, mas de optar por um conceito mais alargado.

108.

Em segundo lugar, resulta da redação do artigo 28.o da diretiva serviço universal que esses termos não podem limitar‑se apenas às ARN. Com efeito, esse artigo 28.o não atribui nenhuma competência especial e não impõe nenhuma obrigação específica às ARN, contrariamente às outras disposições da referida diretiva. Impõe obrigações aos Estados‑Membros, enquanto tais, e às «autoridades [nacionais competentes]».

109.

Em terceiro lugar, observamos que o Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre a questão de saber se uma autoridade nacional que não seja uma ARN podia intervir como uma ARN ou a par desta última a fim de desempenhar funções que foram expressamente atribuídas pelo NQR à ARN.

110.

Assim, no seu acórdão Base e o. ( 34 ), o Tribunal de Justiça considerou que «a [diretiva serviço universal] não se opõe, em princípio e por si só, a que o legislador nacional intervenha na qualidade de [ARN], na aceção da diretiva‑quadro, desde que, no exercício dessa função, cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência definidos nas referidas diretivas e que as decisões que tome no exercício dessa função possam ser objeto de recurso efetivo para um organismo independente das partes envolvidas» ( 35 ).

111.

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou que a diretiva‑quadro não se opõe a que um Estado‑Membro atribua a organismos distintos, no caso em apreço a ARN e as autoridades ministeriais, as funções que esta diretiva confia às ARN, desde que o Estado‑Membro assegure a independência funcional dessas autoridades reguladoras em relação aos operadores de redes e de serviços de comunicações eletrónicas e publique de modo facilmente acessível as funções a cumprir pelas referidas autoridades reguladoras e as notifique sem demora à Comissão ( 36 ).

112.

Por último, verifico que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão Comissão/Alemanha ( 37 ), indicou que, a fim de se conformar com as diretivas, a intervenção do órgão legislativo não pode limitar nem eliminar as funções que foram expressamente atribuídas à ARN pelas diretivas ( 38 ). O legislador nacional não pode excluir as ARN da definição e da análise de novos mercados, porque então privaria esses organismos das faculdades que lhes foram expressamente conferidas pelas diretivas ( 39 ). Deste modo, e isso resulta igualmente da jurisprudência mais recente, uma regulamentação nacional não pode sobrepor‑se às competências que as ARN retiram diretamente das disposições do NQR ( 40 ).

113.

Na minha opinião, dessas soluções jurisprudenciais podem ser retirados dois ensinamentos para o caso que se discute no processo principal.

114.

Em primeiro lugar, observo que o Tribunal de Justiça não exclui que, em certas condições, uma autoridade que não seja a ARN, a saber, um órgão legislativo ou uma autoridade ministerial, possa intervir como uma ARN ou a par desta, em conformidade com o NQR.

115.

Na medida em que essas autoridades nacionais, agindo na qualidade de ARN, e respeitando as condições acima referidas, podem desempenhar funções que foram atribuídas pelo NQR a uma ARN, sou de opinião que, por maioria de razão, essas autoridades nacionais devem poder intervir no caso de o NQR atribuir a função regulamentar expressamente às «autoridades [nacionais competentes]».

116.

Em segundo lugar, considero, todavia, que se as autoridades nacionais competentes referidas no artigo 28.o da diretiva serviço universal impõem uma obrigação tarifária comparável à que pode ser adotada pelas ARN, nos termos dos artigos 13.°, n.o 1, da diretiva acesso e 17.°, n.o 1, da diretiva serviço universal, e apesar do facto de essa obrigação visar objetivos diferentes, essas autoridades nacionais competentes devem respeitar as mesmas exigências que as atribuídas às ARN pelo NQR, designadamente a exigência de uma independência funcional em relação aos operadores ( 41 ). Do mesmo modo, as decisões tomadas por essas autoridades nacionais competentes devem poder ser objeto de recursos efetivos junto de um organismo independente das partes interessadas ( 42 ).

117.

Daí resulta que, embora os Estados‑Membros gozem, nessa matéria, de uma autonomia institucional na organização e estruturação das suas autoridades nacionais competentes na aceção do artigo 28.o da diretiva serviço universal, só a podem exercer respeitando os objetivos e as obrigações definidos pelo NQR ( 43 ).

118.

Por conseguinte, no âmbito do processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar in concreto se o Governo neerlandês, tendo agido na qualidade de autoridade nacional competente nos termos do artigo 28.o da diretiva serviço universal, cumpre as exigências de competência, independência, imparcialidade e transparência previstas pelo NQR.

119.

A esse título, salientou que na audiência, o Governo neerlandês referiu que, no momento dos factos do litígio em causa no processo principal, o Reino dos Países Baixos tinha procedido à privatização da KPN. Embora esta informação tenda a demonstrar que o Governo neerlandês pode ser considerado jurídica e funcionalmente independente dessa empresa, considero‑a insuficiente para permitir concluir que essa autoridade nacional competente respeita as exigências acima referidas. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio, à luz do conjunto dos elementos de que dispõe no âmbito deste processo, proceder a essa apreciação.

120.

Por outro lado, para completar a minha análise, considero que compete igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a ACM, por seu lado, na qualidade de ARN que garante a aplicação da medida tarifária nacional adotada pelo Governo neerlandês, respeitou as exigências acima referidas pelo NQR. Essa análise implica, desta vez, determinar designadamente se a ARN esteve a salvo de intervenções exteriores ou de pressões políticas suscetíveis de comprometer a sua imparcialidade na apreciação das questões que lhe são submetidas ( 44 ).

121.

À luz de todos estes elementos, considero que o Governo neerlandês pode adotar uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal, desde que essa intervenção vise garantir o objetivo prosseguido pelo artigo 28.o da diretiva serviço universal e que as exigências em matéria de competência, independência, imparcialidade e transparência tenham sido respeitadas, o que compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar.

122.

Por conseguinte, há que interpretar o artigo 28.o da diretiva serviço universal no sentido de que uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal pode ser adotada por uma autoridade que não seja a ARN que exerce a competência prevista no artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso, desde que as exigências em matéria de competência, independência, imparcialidade e transparência sejam respeitadas, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

IV – Conclusão

123.

À luz das considerações precedentes, propomos que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo ao College van Beroep voor het bedrijfsleven:

1)

O artigo 28.o da Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção de uma obrigação tarifária como a que está em causa no processo principal sem que resulte de uma análise do mercado que um operador dispõe de um poder significativo nesse mercado, e quando a restrição ao acesso aos números não geográficos não seja de natureza técnica, desde que a obrigação tarifária seja necessária para garantir o acesso dos utilizadores finais aos serviços que utilizam números não geográficos, o que compete ao órgão jurisdicional verificar.

2)

a) O artigo 28.o da Diretiva 2002/22, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à adoção de uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal no caso de a influência das tarifas mais elevadas aplicadas sobre o volume de chamadas de números não geográficos ser apenas limitada.

b)

Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar, no âmbito da fiscalização da proporcionalidade da medida necessária segundo o artigo 28.o da Diretiva 2002/22, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, se a imposição de uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal implica um ónus excessivo para o operador em questão.

3)

O artigo 28.o da Diretiva 2002/22, conforme alterada pela Diretiva 2009/136, deve ser interpretado no sentido de que uma medida tarifária como a que está em causa no processo principal pode ser adotada por uma autoridade que não seja a ARN que exerce a competência prevista no artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, desde que as exigências em matéria de competência, independência, imparcialidade e transparência sejam respeitadas, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) O NQR é composto pela Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 37, a seguir «diretiva‑quadro»), bem como as quatro diretivas especiais que a acompanham, a saber, a Diretiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações eletrónicas e recursos conexos (diretiva acesso) (JO L 108, p. 7), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «diretiva acesso»); a Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO L 108, p. 21), na versão alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «diretiva autorização»); a Diretiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva serviço universal) (JO L 108, p. 51), conforme alterada pela Diretiva 2009/136/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO L 337, p. 11, a seguir «diretiva serviço universal»), e a Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva relativa à privacidade e às comunicações eletrónicas) (JO L 201, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 2009/136 (a seguir «Diretiva 2002/58»).

( 3 ) A diretiva serviço universal é constituída por três pilares muito diferentes, a saber um capítulo II relativo à organização do serviço universal, um capítulo III sobre as obrigações que podem ser impostas aos operadores com poder no mercado retalhista, e um capítulo IV relativo à proteção reforçada dos utilizadores finais, regulando os seus interesses e direitos.

( *1 ) * Ndt — Ao contrário de outras versões linguísticas (p. ex.: a francesa, espanhola, italiana, etc.) a versão portuguesa do artigo 28.o da Diretiva 2002/22 (diretiva serviço universal), conforme alterada pela Diretiva 2009/136, manteve a expressão «autoridades reguladoras nacionais». Dado que uma das questões em apreço reside precisamente na alteração introduzida pela expressão em francês «autorités nationales compétentes» por oposição a «autorité réglementaire nationale» decidi, para melhor compreensão, utilizar a expressão «autoridades nacionais competentes» mesmo quando se remete para o referido artigo da diretiva.

( 4 ) Em virtude do artigo 2.o, alínea h), da diretiva‑quadro, um «utilizador» é «a pessoa singular ou coletiva que utiliza ou solicita um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público». O «utilizador final» é definido no artigo 2.o, alínea n), dessa mesma diretiva como «o utilizador que não oferece redes de comunicações públicas, ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público».

( 5 ) Nos termos do artigo 2.o, alínea d), da diretiva serviço universal, um «número geográfico» é um «número do plano nacional de numeração que contém alguns dígitos com significado geográfico, cuja função é encaminhar as chamadas para o local físico do ponto de terminação de rede».

( 6 ) Resulta das observações escritas da KPN que uma medida geral de administração é uma decisão adotada pelo governo que inclui uma medida geral obrigatória que não carece da aprovação do Parlamento. Em princípio, uma medida geral de administração deve ser baseada numa competência conferida num domínio especial. É esse o caso da medida geral de administração em causa no processo principal.

( 7 ) Os serviços de tráfego de chamadas consistem, para um operador, em transportar para a sua rede uma chamada que não é emitida nem termina nessa rede.

( 8 ) Recordo que resulta do despacho de reenvio que essa restrição consiste na aplicação de tarifas mais elevadas ao serviço de tráfego de chamadas para números não geográficos do que ao serviço de tráfego de chamadas para números geográficos.

( 9 ) V. acórdãos Sturgeon e o. (C‑402/07 e C‑432/07, EU:C:2009:716, n.o 41 e jurisprudência referida) e T‑Mobile Austria (C‑282/13, EU:C:2015:24, n.o 32 e jurisprudência referida).

( 10 ) Segundo o artigo 14.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da diretiva‑quadro, «[considera‑se] que uma empresa tem poder de mercado significativo se, individualmente ou em conjunto com outras, gozar de uma posição equivalente a uma posição dominante, ou seja, de uma posição de força económica que lhe permita agir, em larga medida, independentemente dos concorrentes, dos clientes e mesmo dos consumidores».

( 11 ) Em aplicação do artigo 13.o, n.o 1, da diretiva acesso, «[a ARN] pode, nos termos do disposto no artigo 8.o, impor obrigações relacionadas com a amortização de custos e controlos de preços, incluindo a obrigação de orientação dos preços para os custos e a obrigação relativa a sistemas de contabilização dos custos, para fins de oferta de tipos específicos de interligação e/ou acesso […]».

( 12 ) V. considerando 27 da diretiva‑quadro.

( 13 ) V. artigo 13.o da diretiva acesso.

( 14 ) V., também, observações da Comissão de 30 de outubro de 2008 à Onafhankelijke Post em Telecommunicatie Autoriteit (OPTA) em conformidade com o artigo 7.o, n.o 3, da diretiva‑quadro, em resposta ao seu projeto de decisão relativa ao mercado dos serviços de tráfego sobre a rede telefónica pública nos Países Baixos (processo NL/2008/0800). Essas observações estão disponíveis no sítio internet https://circabc.europa.eu/sd/a/df6e1540‑38c6‑4595‑a101‑265a5cc500a7/NL‑2008‑0800%20Acte_em%20CORR.pdf.

( 15 ) V. acórdão de 1 de fevereiro de 2012 (ECLI:NL:CBB:2012:BV2285).

( 16 ) Recomendação 2007/879/CE da Comissão, de 17 de dezembro de 2007, sobre os mercados pertinentes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de serem sujeitas a uma regulamentação ex ante em conformidade com a Diretiva 2002/21/CE (JO L 344, p. 65).

( 17 ) Nos termos do n.o 17 das Orientações da Comissão relativas à análise e avaliação de poder de mercado significativo no âmbito do quadro regulamentar comunitário para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, C 165, p. 6, a seguir «orientações da Comissão»), «[e]stas obrigações regulamentares apenas devem ser impostas aos mercados de comunicações eletrónicas cujas caraterísticas sejam suscetíveis de justificar regulamentação setorial específica e nos quais as ARN relevantes tenham determinado a existência de um ou mais operadores com PMS» (v, igualmente artigo 15.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da diretiva‑quadro).

( 18 ) Recorde‑se que esse artigo 17.o diz respeito aos serviços a retalho, ao passo que os serviços de tráfego de chamadas para números não geográficos em causa no processo principal são prestados no mercado grossista, o que torna o referido artigo 17.o inaplicável no caso em apreço.

( 19 ) Em virtude do artigo 17.o, n.o 2, da diretiva serviço universal, «[as] obrigações [...] podem incluir a exigência de que as empresas identificadas não imponham preços excessivamente altos, nem inibam a entrada no mercado ou restrinjam a concorrência através de preços predatórios». Além disso, esse mesmo n.o 2 prevê que «[as] [ARN] podem aplicar a essas empresas medidas adequadas de imposição de preços máximos de retalho, medidas de controlo individual das tarifas ou medidas destinadas a orientar as tarifas para os custos ou preços de mercados comparáveis, de modo a proteger os interesses dos utilizadores finais, promovendo ao mesmo tempo uma concorrência efetiva».

( 20 ) O sublinhado é meu.

( 21 ) V. p. 86 do documento de trabalho da Comissão, disponível em inglês [SEC(2007) 1472], introdução ao título IV, intitulado «Connecting with citizens».

( 22 ) Este governo menciona como sendo práticas comerciais indesejáveis, designadamente, as chamadas a partir de telefones móveis para números 0900 às quais se aplica uma majoração standard de 25 a 35 cêntimos de euro por minuto sobre a tarifa de transporte (trânsito); os operadores de telefones móveis que praticavam também uma tarifa de 25 cêntimos de euro por minuto para as chamadas de números 0800, apesar de esses serviços de informações serem oferecidos gratuitamente, o que tinha por consequência que certos fornecedores de serviços ligados a esses números 0800 operassem de modo a que já não pudessem ser efetuadas chamadas para esses números a partir das redes móveis, ou ainda, para os números 14 (serviços de caráter social), 088 (números de empresa) e 116 (serviços europeus harmonizados de caráter social), o facto de que, regra geral, o utilizador final atribui as tarifas de tráfego derrogatórias para esse número não geográficos à parte ligada ao número é utilizado, pelos fornecedores, para faturar majorações elevadas sobre as tarifas do tráfego.

( 23 ) O sublinhado é meu.

( 24 ) O sublinhado é meu.

( 25 ) V. considerando 46 da Diretiva 2009/136.

( 26 ) V. considerando 38 da diretiva serviço universal.

( 27 ) V., neste sentido, conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón apresentadas no processo TDC (C‑556/12, EU:C:2014:17, n.os 41 e 42).

( 28 ) Ibidem (n.os 43 e 44).

( 29 ) Esse considerando 11 prevê que, «[d]e acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacional, os Estados‑Membros devem garantir a independência da [ARN], com vista a garantir a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados‑Membros».

( 30 ) O considerando 5 da diretiva serviço universal recorda essa distinção entre duas categorias de operadores. Com efeito, prevê que, «[num] mercado concorrencial, determinadas obrigações devem ser aplicáveis a todas as empresas que oferecem serviços telefónicos acessíveis ao público em locais fixos e outras apenas devem ser aplicáveis às empresas que gozam de um poder de mercado significativo, ou que foram designadas como operadores do serviço universal».

( 31 ) O artigo 2.o, primeiro parágrafo, da diretiva serviço universal dispõe que, «para os efeitos da presente diretiva, são aplicáveis as definições constantes do artigo 2.o da [diretiva‑quadro]».

( 32 ) V. p. 32 da proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2002/22/CE, a Diretiva 2002/58/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor [COM(2007) 698 final].

( 33 ) V. p. 46 da posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 24 de setembro de 2008 tendo em vista a aprovação da Diretiva 2008/[…]/CE do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2002/22/CE, a Diretiva 2002/58/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 relativo à cooperação no domínio da defesa do consumidor [document P6_TC1‑COD(2007) 0248, JO 2010, C 8E, p. 360].

( 34 ) C‑389/08, EU:C:2010:584.

( 35 ) N.o 30.

( 36 ) V. acórdão Comisión del Mercado das Telecomunicaciones (C‑82/07, EU:C:2008:143, n.os 24 a 26).

( 37 ) C‑424/07, EU:C:2009:749.

( 38 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón apresentadas no processo Base e o. (C‑389/08, EU:C:2010:360, n.o 46).

( 39 ) Ibidem (n.o 41). V., também, acórdão Comissão/Alemanha (C‑424/07, EU:C:2009:749, n.os 74 a 78).

( 40 ) V. acórdão Deutsche Telekom (C‑543/09, EU:C:2011:279, n.o 43 e jurisprudência citada).

( 41 ) V. considerando 11 e artigo 3.o, n.o 2, da diretiva‑quadro.

( 42 ) V. artigo 4.o, n.o 1, da diretiva‑quadro.

( 43 ) V., nesse sentido, acórdão Base e o. (C‑389/08, EU:C:2010:584, n.o 26 e jurisprudência citada).

( 44 ) V. considerando 13 da Diretiva 2009/140 e, igualmente neste sentido, artigo 3.o‑A da diretiva‑quadro.