CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 10 de fevereiro de 2015 ( 1 )

Processo C‑76/14

Mihai Manea

contra

Instituția Prefectului județul Brașov — Serviciul public comunitar regim de permise de conducere și înmatriculare a vehiculelor

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Braşov (Roménia)]

«Livre circulação de mercadorias — Imposto sobre as emissões poluentes que incide sobre os veículos automóveis no momento da atribuição da primeira matrícula ou no momento da primeira transferência do direito de propriedade — Isenção dos veículos sujeitos a impostos anteriormente em vigor — Proibição de uma tributação nacional discriminatória na aceção do artigo 110.o TFUE — Não discriminação dos veículos usados importados de outros Estados‑Membros em relação aos veículos nacionais semelhantes»

Introdução — origem do problema e quadro jurídico

1.

A problemática da tributação dos veículos, nomeadamente dos veículos usados, é uma constante na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 2 ). Nos últimos anos, o sistema romeno do imposto de registo único está no cerne da jurisprudência relativa a estas questões. O presente processo tem por objeto disposições que, após uma série de decisões que declaram a incompatibilidade deste sistema com o direito da União, visam, por último, afastar tais incoerências.

2.

A República da Roménia aderiu à União Europeia em 1 de janeiro de 2007. No mesmo dia entrou em vigor um imposto especial sobre as viaturas e os veículos automóveis, instituído pela Lei de 17 de julho de 2006 que altera e completa a Lei n.o 571/2003 relativa ao Código Fiscal (legea n.o 343/2006 din 17 iulie 2006 pentru modificarea şi completarea Legii nr. 571/2003 privind Codul fiscal, a seguir «Lei n.o 343/2006») ( 3 ). Em 1 de julho de 2008, este imposto foi substituído por um imposto sobre a poluição dos veículos automóveis, instituído pelo Despacho urgente do governo n.o 50/2008, de 21 de abril de 2008, que estabelece o imposto sobre a poluição dos veículos automóveis (Ordonanţă de Urgenţă a Guvernului nr. 50/2008 din 21 aprilie 2008 pentru instituirea taxei pe poluare pentru autovehicule, a seguir «OUG 50/2008») ( 4 ). A obrigação fiscal imposta nos termos destes dois atos surgia no momento da primeira matrícula de um veículo no território romeno.

3.

O imposto instituído nos termos do OUG 50/2008 foi declarado contrário ao artigo 110.o TFUE na sequência de um acórdão do Tribunal de Justiça ( 5 ). Este considerou que um imposto cobrado exclusivamente por ocasião da primeira matrícula de um veículo no território nacional, e que, no que respeita aos veículos usados, incide apenas sobre os veículos importados do estrangeiro, desincentiva a compra de veículos usados originários de outros Estados‑Membros, sem no entanto desencorajar a compra de veículos usados da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional ( 6 ). Em seguida, o Tribunal de Justiça confirmou reiteradamente esta posição em relação às disposições do OUG 50/2008, na sua redação inicial ou conforme redigidas após terem sido objeto de alterações meramente formais ( 7 ).

4.

Em 13 de janeiro de 2012, o OUG 50/2008 foi substituído pela Lei n.o 9/2012 de 6 de janeiro de 2012, referente ao imposto sobre as emissões poluentes dos veículos motorizados (Legea nr. 9/2012 din 6 ianuarie 2012 privind taxa pentru emisiile poluante provenite de la autovehicule, a seguir «Lei n.o 9/2012»). Também o imposto instituído por força desta lei tinha como facto gerador a primeira matrícula do veículo em território romeno. No entanto, incluía uma disposição suplementar, o artigo 4.o, n.o 2, nos termos do qual:

«A obrigação de pagamento do imposto surge igualmente por ocasião da primeira transcrição na Roménia do direito de propriedade dum veículo a motor usado, em relação ao qual não tenha sido pago o imposto especial sobre os veículos particulares e os veículos a motor previsto pela Lei n.o 571/2003, alterada e completada posteriormente [designadamente pela Lei n.o 343/2006], nem o imposto sobre a poluição para os veículos a motor [ou seja, o imposto previsto pelo OUG 50/2008], e que não faça parte da categoria dos veículos isentos do pagamento destes impostos, nos termos das disposições em vigor no momento da sua matrícula.»

5.

Nos termos do Despacho urgente do governo n.o 1/2012, de 30 de janeiro de 2012, relativo à suspensão da aplicação de algumas disposições da Lei n.o 9/2012, referente ao imposto sobre as emissões poluentes dos veículos a motor e ao reembolso do imposto pago em conformidade com as disposições do artigo 4.o, n.o 2, desta lei [Ordonanţa de urgenţă a Guvernului nr 1/2012 din 30 ianuarie 2012 pentru suspendarea aplicării unor dispoziţii ale Legii nr. 9/2012 privind taxa pentru emisiile poluante provenite de la autovehicule, precum şi pentru restituirea taxei achitate în conformitate cu prevederile articolului 4 alineatul (2) din lege] ( 8 ), a aplicação do artigo 4.o, n.o 2, da Lei n.o 9/2012 foi suspensa de 31 de janeiro de 2012 a 1 de janeiro de 2013, e os impostos já pagos nos termos desta disposição deviam ser reembolsados. O imposto cobrado até 1 de janeiro de 2013 com base na Lei n.o 9/2012 continuou, assim, a ser contrário ao artigo 110.o TFUE, o que é confirmado por jurisprudência posterior do Tribunal de Justiça ( 9 ).

6.

A Lei n.o 9/2012 foi, por sua vez, substituída, em 15 de março de 2013, pelo Despacho urgente do governo n.o 9/2013, de 19 fevereiro de 2013, relativo ao selo ambiental para os veículos a motor (Ordonanţa de urgenţă a Guvernului nr. 9/2013 din 19 februarie 2013 privind timbrul de mediu pentru autovehicule, a seguir «OUG 9/2013») ( 10 ). Assim, o artigo 4.o, n.o 2, da Lei n.o 9/2012 foi aplicado de 1 de janeiro a 14 de março de 2013. Durante este período ocorreram os factos examinados no processo principal. Por conseguinte, o presente processo é relativo à análise da situação jurídica prevista pela Lei 9/2012, nomeadamente pelo seu artigo 4.o, n.o 2.

Factos e tramitação

7.

Mihai Manea, recorrente no processo principal, requereu ao Instituția Prefectului — județul Brașov ‑ Serviciul public comunitar regim permise de conducere și înmatriculare a vehiculelor [entidade competente para matricular veículos na região de Brasov (Roménia)], recorrido no processo principal, que matriculasse um veículo usado que tinha comprado em Espanha. Por ofício de 5 de março de 2013, esta entidade exigiu o pagamento do imposto previsto pela Lei n.o 9/2012. Mihai Manea interpôs um recurso no Tribunalul Brașov (Tribunal de Primeira Instância de Brasov), no qual solicitou que o seu veículo fosse matriculado sem a obrigação de pagamento do referido imposto, que considera contrário ao direito da União. Uma vez que foi negado provimento ao seu recurso, o recorrente recorreu para o Curtea de Apel Brașov (Tribunal de Recurso de Brasov), que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.

É necessário considerar, tendo em conta as disposições da Lei n.o 9/2012 e o objeto do imposto previsto nesta lei, que o artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que obsta a que um Estado‑Membro da União institua um imposto sobre as emissões poluentes aplicável a todos os veículos a motor estrangeiros quando da sua matrícula no referido Estado, imposto que se aplica igualmente por ocasião da transferência do direito de propriedade sobre os veículos a motor nacionais, exceto no caso de esse imposto ou um imposto semelhante já ter sido pago?

2.

É necessário considerar, tendo em conta as disposições da Lei n.o 9/2012 e o objeto do imposto previsto nesta lei, que o artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que obsta a que um Estado‑Membro da União institua um imposto sobre as emissões poluentes aplicável a todos os veículos a motor estrangeiros quando da sua matrícula no referido Estado, imposto que, no caso dos veículos a motor nacionais, apenas é devido por ocasião da transferência do direito de propriedade sobre tal veículo, o que tem como consequência que um veículo estrangeiro não possa ser utilizado sem pagamento do imposto, ao passo que um veículo nacional pode ser utilizado por tempo ilimitado sem pagamento do imposto, até ao momento da transferência do direito de propriedade sobre o referido veículo, se essa transferência se verificar?»

Análise

8.

Com as suas duas questões, que devem ser apreciadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 110.o TFUE se opõe à instituição, por parte de um Estado‑Membro, de um imposto único sobre os veículos, cobrado no momento da primeira matrícula do veículo no território desse Estado, assim como no momento da primeira transferência, desde o dia da introdução do referido imposto, do direito de propriedade sobre um veículo já matriculado, e do qual estão isentos os veículos em relação aos quais um imposto semelhante já tinha sido pago no passado, sendo que os veículos já matriculados no território deste Estado não estão sujeitos a este novo imposto se não tiverem sido objeto de uma transferência de propriedade.

9.

A resposta a esta questão exige o esclarecimento dos seguintes pontos: em primeiro lugar, a possibilidade de instituir um imposto como o imposto romeno em causa no processo principal, aspeto que comporta igualmente o problema da não tributação dos veículos que não mudaram de proprietário; em segundo lugar, a possibilidade de isentar do referido imposto os veículos em relação aos quais um imposto semelhante já foi pago no passado; e, em terceiro lugar, a possibilidade de aplicar tal isenção caso os impostos romenos anteriormente em vigor tenham sido declarados incompatíveis com o direito da União.

Possibilidade de instituir um imposto de matrícula único sobre os veículos

10.

Se abstrairmos da questão da isenção dos veículos em relação aos quais um imposto semelhante já foi pago no passado, a estrutura do imposto instituído na Roménia nos termos da Lei n.o 9/2012, na sua redação aplicável no processo principal, não apresenta qualquer dificuldade: o imposto é devido a cada primeira inscrição, desde o dia da sua entrada em vigor, do nome do proprietário do veículo no documento de registo ( 11 ). A este respeito, é irrelevante que o veículo tenha sido anteriormente matriculado, ou que esta matrícula tenha sido efetuada na Roménia ou noutro Estado.

11.

Ao instituir um imposto concebido deste modo, a República da Roménia tencionava fazer cessar a incompatibilidade do imposto previsto pelo OUG 50/2008 com o artigo 110.o TFUE. Esta incompatibilidade resultava do facto de o imposto ser cobrado exclusivamente no momento da primeira matrícula do veículo na Roménia, pelo que, no que respeita aos veículos usados, aqueles que eram importados de outros Estados‑Membros estavam sujeitos a este imposto ao contrário daqueles que já estavam presentes no mercado nacional ( 12 ). O imposto instituído nos termos da Lei n.o 9/2012 incide, em contrapartida, uma única vez sobre qualquer veículo que, após a sua aquisição, é matriculado em nome de um novo proprietário.

12.

Tal configuração do imposto parece não suscitar dúvidas do ponto de vista do artigo 110.o TFUE. Em conformidade com jurisprudência constante, o artigo 110.o TFUE não proíbe os Estados‑Membros de instituírem novos impostos nem de alterarem os impostos ou as bases de tributação dos impostos existentes, uma vez que estes impostos assentam em critérios objetivos e não têm por efeito discriminar os produtos importados de outros Estados‑Membros ( 13 ). No caso de um imposto que onera exclusivamente os veículos importados do estrangeiro, a discriminação resulta do facto de o adquirente de tal veículo dever pagar um imposto além do preço, ao passo que se comprar este mesmo veículo no país, apenas paga o preço. O alargamento do imposto aos veículos nacionais elimina este efeito discriminatório.

13.

Relativamente aos veículos usados, o Tribunal de Justiça também elaborou, na sua jurisprudência, uma doutrina que completa o princípio da não discriminação fiscal das mercadorias originárias de outros Estados‑Membros. Segundo esta doutrina, um imposto que incide sobre os veículos usados importados de outros Estados‑Membros não viola o artigo 110.o TFUE desde que não exceda o montante residual de um imposto semelhante incorporado no valor dos veículos usados já presentes no mercado nacional ( 14 ).

14.

O Tribunal de Justiça não definiu o método obrigatório de cálculo do imposto sobre os veículos. No entanto, tal método deve ter em conta a diminuição do valor do veículo, assim como a sua idade e o seu grau de utilização, de modo que o imposto cobrado sobre os veículos usados importados de outros Estados‑Membros não excede o referido montante residual do imposto incorporado no valor de mercado dos veículos nacionais ( 15 ).

15.

Quanto ao imposto instituído pelo OUG 50/2008, o Tribunal de Justiça efetuou uma análise minuciosa e considerou que satisfazia o critério acima referido ( 16 ). Uma vez que as regras de cálculo do imposto instituído nos termos da Lei n.o 9/2012, conforme definidas nos seus artigos 6.° e 9.°, são, aparentemente, muito próximas das regras previstas pelo OUG 50/2008, é provável que também preencham o requisito acima referido. No entanto, é ao tribunal de reenvio que compete em definitivo efetuar esta constatação.

16.

O problema suscitado na segunda questão prejudicial quanto à existência de veículos matriculados na Roménia que não estão sujeitos ao referido imposto uma vez que não mudaram de proprietário não parece alterar esta conclusão. Em primeiro lugar, conforme observa corretamente a Comissão nas suas observações, não se trata de um imposto que onera a utilização do veículo mas a sua matrícula, e assim, indiretamente, a aquisição deste. Em segundo lugar, em conformidade com jurisprudência constante, o artigo 110.o TFUE constitui, no sistema do Tratado CE, um complemento das disposições relativas à supressão dos direitos aduaneiros e dos impostos de efeito equivalente. Esta disposição tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros em condições normais de concorrência, proibindo todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas que tenham caráter discriminatório relativamente a mercadorias originárias de outros Estados‑Membros ( 17 ). No entanto, um veículo usado só é uma mercadoria se for posto à venda. A não tributação dos veículos que não são comercializados não origina, assim, uma discriminação contrária ao artigo 110.o TFUE.

17.

Por último, importa recordar que o Tribunal de Justiça proferiu recentemente um acórdão suscetível de sugerir que a análise da taxa, da base de tributação e do método de cálculo do imposto pode ser insuficiente em determinadas situações ( 18 ). Com efeito, é possível que seja necessário procurar no mercado nacional o veículo que possui as características que mais se aproximam às do veículo que é objeto do processo e comparar o montante do imposto a pagar em relação a este segundo veículo com o montante residual do imposto incorporado no valor do primeiro. Todavia, este acórdão dizia respeito à situação específica de um imposto neerlandês cuja matéria coletável era calculada com base no preço de catálogo do veículo, diminuído proporcionalmente em função da taxa de depreciação aplicável aos veículos usados ( 19 ). Não considero que a apreciação efetuada neste acórdão possa ser objeto de uma aplicação mais vasta, nomeadamente no que respeita aos impostos de com uma estrutura diferente da do referido imposto neerlandês. Aliás, o Tribunal de Justiça declarou que este era contrário ao artigo 110.o TFUE devido a uma alteração introduzida ao seu modo de cálculo, que consistia em acrescentar ao elemento baseado no valor do veículo outro elemento que era função das emissões de CO2, de tal modo que o imposto que onera os veículos importados de outros Estados‑Membros excedia inevitavelmente, após a alteração, o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos análogos matriculados nos Países Baixos antes desta alteração ( 20 ). Assim, o referido acórdão diz respeito a uma situação em que o Estado‑Membro aumenta o imposto já em vigor, originando uma discriminação que incide sobre os veículos usados importados de outros Estados‑Membros.

18.

Por estes motivos, considero que um imposto único que onera os veículos na sua primeira matrícula no território do Estado‑Membro que instituiu o referido imposto, assim como na primeira transferência, desde o dia do estabelecimento deste imposto, do direito de propriedade sobre o veículo já matriculado, não é, em princípio, contrário ao artigo 110.o TFUE, na medida em que satisfaz o critério referido no n.o 14 das presentes conclusões.

Possibilidade de isentar de imposto os veículos em relação aos quais já foi pago um imposto semelhante anteriormente aplicável

19.

Ao instituir o novo imposto cobrado em virtude da matrícula dos veículos, o artigo 4.o, n.o 2, da Lei n.o 9/2012 isenta simultaneamente os veículos em relação aos quais já foi pago o imposto anteriormente aplicável, ou seja, aquele que estava previsto na Lei n.o 343/2006 ou no OUG 50/2008. Segundo os esclarecimentos prestados pelo Governo romeno nas observações que apresentou neste processo, tal isenção visa prevenir a dupla tributação destes mesmos veículos. Deve questionar‑se se esta isenção se traduz na não conformidade do imposto romeno com o artigo 110.o TFUE.

20.

Tal isenção significa que este novo imposto não onera todos os veículos usados vendidos no mercado nacional, apesar de, em princípio, incidir sobre todos os veículos importados de outros Estados‑Membros. O montante residual do imposto anteriormente aplicável será, no entanto, incorporado no valor dos veículos que estão isentos do novo imposto. O requisito da licitude desta isenção é, assim, análogo ao referido no n.o 14, ou seja, o montante do novo imposto que onera os veículos usados importados de outros Estados‑Membros não pode exceder o montante residual do imposto anterior que é incorporado no valor dos veículos usados nacionais semelhantes.

21.

Ao instituir o imposto referido no n.o 18 das presentes conclusões, o Estado‑Membro pode isentar os veículos em relação aos quais já foi pago o imposto anteriormente aplicável, desde que o montante do novo imposto cobrado sobre os veículos usados importados de outros Estados‑Membros não exceda o montante residual do imposto anterior incorporado no valor de mercado dos veículos nacionais.

22.

Este requisito afigura‑se preenchido neste caso, uma vez que, conforme referi, o método de cálculo do imposto instituído nos termos da Lei n.o 9/2012 é muito próximo do método de cálculo do imposto previsto pelo OUG 50/2008, e do que correspondia anteriormente à Lei n.o 343/2006, e tem em devida consideração a depreciação do veículo, assim como a sua idade e o seu grau de utilização.

Possibilidade de aplicar uma isenção no caso do imposto romeno sobre os veículos

23.

Importa ainda examinar se e em que medida o princípio referido no n.o 21 das presentes conclusões pode ser aplicado no caso específico do imposto romeno sobre os veículos.

24.

Conforme referi na introdução, as disposições da Lei n.o 9/2012, que implementam o imposto que é objeto do presente processo, preveem que estão isentos os veículos em relação aos quais já foi pago o imposto previsto pela Lei n.o 343/2006 ou pelo OUG 50/2008.

25.

Na sequência do acórdão Tatu, confirmado por decisões posteriores ( 21 ), o imposto instituído pelo OUG 50/2008 foi considerado contrário ao artigo 110.o TFUE porque discrimina os veículos usados importados de outros Estados‑Membros em relação aos veículos nacionais semelhantes.

26.

O imposto instituído pela Lei n.o 343/2006 não foi objeto de qualquer reenvio prejudicial. No entanto, importa ter em conta o facto de que, no âmbito de um processo prejudicial, o Tribunal de Justiça não aprecia a conformidade com o direito da União de disposições concretas do direito nacional dos Estados‑Membros, mas efetua simplesmente uma interpretação do direito da União, com base na qual os órgãos jurisdicionais nacionais podem, em seguida, pronunciar‑se sobre a conformidade das regras nacionais. Afigura‑se que o imposto instituído nos termos da Lei n.o 343/2006 tinha um caráter discriminatório igual ao que foi constatado para o imposto previsto pelo OUG 50/2008. Neste contexto, os tribunais romenos deviam também considerá‑lo contrário ao artigo 110.o TFUE por força do acórdão Tatu e da jurisprudência posterior.

27.

Em conformidade com jurisprudência constante, um imposto cobrado em violação do direito da União deve ser reembolsado com juros. Esta obrigação constitui a consequência e a implementação dos direitos de que beneficiam os cidadãos nos termos das disposições do direito da União que proíbe tais impostos, assim como da interpretação efetuada pelo Tribunal de Justiça ( 22 ).

28.

Isentar um veículo do novo imposto por já ter sido sujeito a um imposto anteriormente aplicável e, em seguida, considerado contrário ao direito da União não constitui um método lícito de cumprir esta obrigação. As pessoas sujeitas a estes dois impostos pertencem, efetivamente, a dois tipos diferentes. Com efeito, a isenção beneficia o adquirente do veículo, que fica isento da obrigação de pagar o imposto no momento do registo do referido veículo em seu nome, ao passo que o titular do direito ao reembolso do imposto anterior, considerado incompatível com o direito da União, é aquele que pagou este imposto, ou seja, o vendedor do veículo ou um dos seus proprietários ainda mais antigos se este veículo já tiver sido vendido entre o dia do pagamento do imposto anterior e o dia da entrada em vigor do novo imposto. Mesmo que a receita fiscal que corresponde ao imposto que foi considerado incompatível com o direito da União se encontre, assim, nivelada, a vantagem que daí resulta não beneficia a pessoa que tem o direito de obter o reembolso deste imposto, mas um terceiro. O titular do direito recupera, no máximo, no preço de venda, o montante residual do imposto incorporado no valor do veículo, o qual, no entanto, apenas em raras situações será igual ao montante do imposto efetivamente pago e, em todo caso, não incluirá os juros devidos.

29.

Por estes motivos, tal mecanismo de compensação do imposto cobrado em violação do direito da União, através da isenção do novo imposto, também não garante a neutralidade deste, exigida pelo artigo 110.o TFUE. Com efeito, uma vez que a obrigação de reembolso do imposto não foi cumprida, o sujeito passivo continua a ter o direito de obter este reembolso e, assim, pode reclamar um preço mais baixo no momento da venda, que não tem em conta o imposto pago anteriormente. Por conseguinte, não se pode considerar que qualquer montante residual do referido imposto está incorporado no valor do veículo. Os veículos importados do estrangeiro, que continuam a estar sujeitos ao novo imposto, visto que não estão abrangidos pela definição de isenção, estão assim automaticamente colocados numa situação de concorrência mais desfavorável do que a dos veículos nacionais, em relação aos quais foi pago o imposto anterior, incompatível com o direito da União.

30.

Deste modo, entendo que embora o Estado‑Membro tenha, em princípio, o direito de aplicar este tipo de isenção referido no n.o 21 das presentes conclusões, esta não pode, no entanto, ser concedida devido ao pagamento do imposto anteriormente aplicável e posteriormente considerado incompatível com o direito da União.

31.

No caso romeno concreto que é objeto do processo principal, considero que o artigo 110.o TFUE impede a isenção prevista pelo artigo 4.o, n.o 2, da Lei n.o 9/2012, que isenta do imposto nele instituído os veículos em relação aos quais já foi pago o imposto anteriormente aplicável nos termos da Lei n.o 343/2006 ou do OUG 50/2008 ( 23 ).

32.

Esta conclusão não deve ser alterada pelo facto de o Tribunal de Justiça, no seu acórdão Tatu, ter considerado que o imposto previsto pelo OUG 50/2008 não era fonte de discriminação entre os veículos usados provenientes de outros Estados‑Membros e os veículos que já estavam presentes no mercado romeno, após importação prévia e pagamento deste imposto ( 24 ). Com efeito, esta constatação foi efetuada antes de o Tribunal de Justiça comparar, na sequência do seu acórdão, a situação dos veículos provenientes de outros Estados‑Membros com a situação dos veículos em relação aos quais tal imposto nunca foi pago (matriculados na Roménia antes de este ser instituído), e de constatar o seu caráter discriminatório no que respeita aos veículos usados em geral ( 25 ).

33.

Todavia, importa ter em conta o facto de as decisões do Tribunal de Justiça que constataram a incompatibilidade com o direito da União do imposto instituído pelo OUG 50/2008, e que, conforme referido no n.o 26, são igualmente aplicáveis ao imposto estabelecido pela Lei n.o 343/2006, dizerem precisamente respeito aos veículos usados. Com efeito, o Tribunal de Justiça constatou nestes acórdãos que o artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro crie um imposto sobre a poluição que incide sobre os veículos automóveis no momento da sua primeira matrícula nesse Estado‑Membro, se esta medida fiscal for estruturada de tal maneira que desencoraje a colocação em circulação, no referido Estado‑Membro, de veículos usados adquiridos noutros Estados‑Membros, sem, por outro lado, desencorajar a compra de veículos usados da mesma idade e com o mesmo desgaste no mercado nacional ( 26 ). A este respeito, a situação dos novos veículos é diferente, uma vez que, por definição, um novo veículo é sempre matriculado pela primeira vez ( 27 ), quer tenha sido produzido no país no qual é efetuada esta matrícula, quer tenha sido importado do estrangeiro. O imposto cobrado por ocasião da primeira matrícula no Estado em causa não produz assim, em relação aos novos veículos, o efeito discriminatório que tem sobre os veículos usados.

34.

De igual modo, não vejo qualquer motivo para considerar os impostos cobrados nos termos da Lei n.o 343/2006 ou do OUG 50/2008 por ocasião da matrícula de novos veículos incompatíveis com o direito da União. Também a isenção prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Lei n.o 9/2012 não é contrária ao artigo 110.o TFUE na medida em que diz respeito aos veículos matriculados na Roménia enquanto veículos novos, sob reserva, como é evidente, da ressalva referida no n.o 21 in fine.

Conclusões

35.

Tendo em consideração o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pela Curtea de Apel Brașov, da seguinte forma:

1)

O artigo 110.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à instituição, por parte de um Estado‑Membro, de um imposto único sobre os veículos, cobrado no momento da primeira matrícula de um veículo no território do Estado‑Membro que institui este imposto, assim como no momento da primeira transferência, desde o dia da introdução deste imposto, do direito de propriedade sobre um veículo já matriculado neste Estado. O referido imposto deve ser estruturado de tal modo que o montante que onera os veículos usados provenientes de outros Estados‑Membros não exceda o montante residual do imposto incorporado no valor de mercado dos veículos nacionais.

2)

O artigo 110.o TFUE também não se opõe a que o Estado‑Membro, ao introduzir este imposto, isente os veículos em relação aos quais já foi pago um imposto anteriormente em vigor, desde que o montante do novo imposto que onera os veículos usados provenientes de outros Estados‑Membros não exceda o montante residual do imposto anterior incorporado no valor de mercado dos veículos nacionais.

3)

Esta isenção não pode ser concedida devido ao pagamento do imposto anteriormente aplicável e considerado incompatível com o direito da União.


( 1 ) Língua original: polaco.

( 2 ) Limitar‑me‑ei a recordar alguns acórdãos relacionados com as questões que são objeto do presente processo: acórdãos Comissão/Dinamarca (C‑47/88, EU:C:1990:449); Nunes Tadeu (C‑345/93, EU:C:1995:66); De Danske Bilimportører (C‑383/01, EU:C:2003:352); Nádasdi e Németh (C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652); Brzeziński (C‑313/05, EU:C:2007:33); e, recentemente, X (C‑437/12, EU:C:2013:857).

( 3 ) Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 662.

( 4 ) Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 327.

( 5 ) Acórdão Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219).

( 6 ) Ibidem, dispositivo.

( 7 ) Acórdão Nisipeanu (C‑263/10, EU:C:2011:466) e uma série de decisões posteriores.

( 8 ) Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 97.

( 9 ) Despacho Câmpean e Ciocoiu (C‑97/13 e C‑214/13, EU:C:2014:229).

( 10 ) Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 119.

( 11 ) O legislador romeno distingue a este respeito a «matrícula», em relação aos veículos que nunca foram matriculados na Roménia, e a «transferência do direito de propriedade», em relação aos veículos já matriculados neste país [v. artigo 2.o, alíneas h) e i), da Lei n.o 9/2012].

( 12 ) Acórdão Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 48 a 61).

( 13 ) V., em particular, acórdãos Nunes Tadeu (C‑345/93, EU:C:1995:66, n.o 11); Nádasdi e Németh (C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 49 e 51).

( 14 ) V., em particular, acórdãos Comissão/Dinamarca (C‑47/88, EU:C:1990:449, n.o 20); Brzeziński (C‑313/05, EU:C:2007:33, n.o 2 do dispositivo), e Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219, n.o 39).

( 15 ) V., em particular, acórdão Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 40 a 42 e jurisprudência referida).

( 16 ) Ibidem, n.os 43 a 47.

( 17 ) Acórdão Nádasdi e Németh (C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.o 45 e jurisprudência referida).

( 18 ) Acórdão X (C‑437/12, EU:C:2013:857).

( 19 ) Ibidem, n.os 3 a 10 e primeiro número do dispositivo.

( 20 ) Ibidem, n.os 39 a 41.

( 21 ) V. n.o 3 das presentes conclusões.

( 22 ) V., em particular, acórdão Littlewoods Retail e o. (C‑591/10, EU:C:2012:478, n.os 24 a 26), e, no que respeita ao imposto instituído nos termos do OUG 50/2008, acórdão Nicula (C‑331/13, EU:C:2014:2285, n.os 27 a 29).

( 23 ) Esta regulamentação deve ser distinguida da que foi apreciada no acórdão Nicula (C‑331/13, EU:C:2014:2285). Este acórdão era relativo ao mecanismo através do qual um imposto incompatível com o direito da União devia ser reembolsado à pessoa que o pagou, mecanismo que tinha sido fixado num ato jurídico posterior, ou seja, o OUG 9/2013 (v. n.o 6 das presentes conclusões). Em contrapartida, no presente processo, conforme já referi, trata‑se de isentar o novo proprietário do veículo ao abrigo do imposto pago em relação a este pelo anterior proprietário.

( 24 ) Acórdão Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 43 a 47). O Tribunal de Justiça considerou que o mecanismo de cálculo do imposto tinha suficientemente em conta a depreciação do veículo, de modo que o montante pago não excedia o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos semelhantes em relação aos quais este imposto já tinha sido anteriormente pago. V. n.o 15 das presentes conclusões.

( 25 ) Acórdão Tatu (C‑402/09, EU:C:2011:219, n.os 52 a 61).

( 26 ) Ibidem, dispositivo (o sublinhado é meu).

( 27 ) Considera‑se novo um veículo que ainda não foi matriculado.