CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 11 de novembro de 2015 ( 1 )

Processo C‑49/14

Finanmadrid EFC SA

contra

Jesús Vicente Albán Zambrano,

María Josefa García Zapata,

Jorge Luis Albán Zambrano,

Miriam Elisabeth Caicedo Merino

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de Primera Instancia no 5 de Cartagena (Espanha)]

«Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Procedimento de injunção de pagamento — Procedimento de execução coerciva — Competência do juiz nacional para suscitar oficiosamente a ineficácia de uma cláusula abusiva na execução de uma injunção de pagamento — Injunção de pagamento emitida pelo secretário judicial de um órgão jurisdicional — Princípio da autoridade de caso julgado — Princípio da efetividade»

I – Introdução

1.

O presente pedido de decisão prejudicial permite ao Tribunal de Justiça precisar o alcance dos poderes do juiz nacional na análise das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores que sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13/CEE ( 2 ).

2.

Tendo sido submetido ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de execução de uma injunção de pagamento, este interroga‑se sobre a questão de saber se lhe compete suscitar oficiosamente a ineficácia de uma cláusula contratual abusiva, quando não foi efetuada nenhuma fiscalização das cláusulas abusivas na análise do pedido de injunção de pagamento ( 3 ).

3.

Esta questão diz respeito à situação em que ao procedimento de injunção de pagamento se segue um procedimento de execução coerciva, situação que o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de analisar na sua abundante jurisprudência relativa à fiscalização judicial das cláusulas abusivas.

II – Quadro jurídico

A – Direito da União

4.

O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

5.

O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

B – Direito espanhol

6.

O procedimento de injunção de pagamento rege‑se pelo Código de Processo Civil (Ley de Enjuiciamiento Civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575), na versão aplicável ao litígio (a seguir «Código de Processo Civil»).

7.

O artigo 812.o, n.o 1, do referido código dispõe:

«Pode recorrer ao procedimento de injunção quem reclame de outrem o pagamento de uma dívida pecuniária de qualquer montante, líquida, determinada, vencida e exigível, desde que a dívida seja comprovada de acordo com uma das modalidades seguintes:

1)

mediante a apresentação de documentos, independentemente da sua forma, tipo ou suporte material, assinados pelo devedor […];

[…]»

8.

O artigo 815.o, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil dispõe:

«1.   Se os documentos juntos à petição […] constituírem um princípio de prova do direito do demandante, confirmado pelo que nela se expõe, o secretario judicial [(secretário judicial)] ordena ao devedor que efetue o pagamento ao credor no prazo de vinte dias e apresente a prova desse pagamento ao tribunal, ou que compareça em juízo e indique sucintamente, em articulado de oposição, as razões pelas quais não se considera devedor, no todo ou em parte, do montante reclamado.

[…]

3.   Se da documentação junta ao pedido resultar que o montante reclamado não está correto, o secretário judicial comunica ao juiz, que, se for o caso, mediante despacho, pode convidar o credor a aceitar ou recusar uma proposta de injunção de pagamento por um montante inferior ao inicialmente solicitado, que especifica.

[…]»

9.

O artigo 816.o, n.os 1 e 2, do referido código dispõe:

«1.   Se o devedor não cumprir a injunção de pagamento ou não comparecer em juízo, o secretário judicial deve emitir um despacho que ponha termo ao procedimento de injunção de pagamento, dando cópia ao credor, para que este requeira a ordem de execução, bastando, para esse efeito, a simples apresentação de requerimento.

2.   Uma vez ordenada a execução, a mesma deve prosseguir de acordo com o disposto para a execução de sentenças judiciais, podendo ser deduzida a oposição prevista nesses casos […].

[…]»

10.

O artigo 818.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido código, relativo à oposição do devedor, prevê:

«Se o devedor apresentar requerimento de oposição dentro do prazo, o litígio é decidido definitivamente de acordo com o procedimento adequado e a decisão proferida tem força de caso julgado.»

11.

No procedimento de execução coerciva, que se rege pelas disposições do livro III do Código de Processo Civil, o procedimento previsto para a execução de um título judicial ou arbitral distingue‑se do previsto para a execução de outros títulos executivos.

12.

O artigo 552.o, n.o 1, segundo parágrafo, do referido código, permite ao juiz de execução indeferir a ordem de execução sempre que um dos títulos executivos referidos no artigo 557.o, n.o 1, contenha cláusulas abusivas. A oposição prevista no artigo 557.o apenas respeita aos títulos executivos não judiciais nem arbitrais.

III – Litígio no processo principal

13.

Em 29 de junho de 2006, J. V. Albán Zambrano celebrou com a Finanmadrid um contrato de mútuo no montante de 30000 euros, para financiamento da compra de um veículo.

14.

Nos termos do contrato, M. J. García Zapata, J. L. Albán Zambrano e M. E.. Caicedo Merino constituíram‑se fiadores solidários. O contrato previa uma duração do mútuo de 84 meses e uma taxa de juros remuneratórios anual de 7%, bem como uma taxa de juros de mora de 1,5% por mês e uma sanção pecuniária de 30 euros por cada prestação não paga.

15.

Tendo J. V. Albán Zambrano deixado de pagar as prestações no início de 2011, a Finanmadrid declarou o vencimento antecipado do contrato e apresentou, em 8 de novembro de 2011, um requerimento de procedimento de injunção de pagamento contra os quatro demandados no processo principal, no montante de 13447,01 euros.

16.

O secretário judicial (do órgão jurisdicional de reenvio) admitiu o requerimento, sem o transmitir a um juiz. J. V. Albán Zambrano e M. García Zapata foram notificados do requerimento de injunção de pagamento, que os intimava a transmiti‑lo aos dois outros demandados.

17.

Uma vez que os demandados no processo principal não deram seguimento nem deduziram oposição à injunção de pagamento, o secretário judicial pôs termo ao procedimento de injunção de pagamento por decisão de 18 de junho de 2012.

18.

Em 8 de julho de 2013, a Finanmadrid apresentou no Juzgado de Primera Instancia no 5 de Cartagena um pedido de execução da decisão referida no número anterior.

19.

Em 13 de setembro de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio convidou as partes no processo principal a apresentarem alegações sobre o eventual caráter abusivo das cláusulas contratuais em causa, sobre a possibilidade de proceder ainda a uma fiscalização judicial oficiosa dessas cláusulas e sobre a eventual violação do direito à proteção jurisdicional efetiva.

20.

Apenas a demandante no processo principal apresentou alegações.

21.

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no direito processual espanhol, o juiz não é informado do procedimento de injunção de pagamento, salvo se o secretário judicial o considerar oportuno ou se os devedores deduzirem oposição. Assim, como aconteceu no caso em apreço, o juiz toma conhecimento desse procedimento apenas no âmbito da execução da decisão do secretário judicial. Ora, uma vez que a decisão do secretário judicial é um título judicial executivo com força de caso julgado, o juiz de execução não pode fiscalizar oficiosamente a eventual existência de cláusulas abusivas no contrato que deu origem ao procedimento de injunção de pagamento.

22.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se essa legislação, na medida em que não prevê, em nenhum momento do procedimento, a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas, é conforme com a Diretiva 93/13.

IV – Questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

23.

Neste contexto, o Juzgado de Primera Instancia no 5 de Cartagena decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve a Diretiva [93/13] ser interpretada no sentido de que se opõe — por dificultar ou impedir a fiscalização judicial oficiosa dos contratos nos quais podem existir cláusulas abusivas —, [a] uma legislação nacional como a regulamentação em vigor do procedimento de injunção de pagamento espanhol (artigos 815.° e 816.° [do Código de Processo Civil]), na qual não está obrigatoriamente prevista a fiscalização das cláusulas abusivas nem a intervenção de um juiz, salvo se o secretário judicial o considerar oportuno ou os devedores deduzirem oposição?

2)

Deve a Diretiva [93/13] ser interpretada no sentido de que se opõe [a] uma legislação nacional, como o ordenamento jurídico espanhol, que não permite fiscalizar oficiosamente [in] limine litis, no processo de execução posterior, o título executivo judicial — despacho proferido pelo secretário judicial pondo termo ao procedimento de injunção de pagamento — e a existência de cláusulas abusivas no contrato que serviu de base à adoção do referido decreto cuja execução é pedida, devido ao facto de o direito nacional considerar que existe caso julgado (artigos 551.° e 552.° em conjugação com o artigo 816.o, n.o 2[,] todos [do Código de Processo Civil])?

3)

Deve a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a regulamentação do procedimento de injunção de pagamento e do processo de execução de títulos de natureza judicial, na qual não se prevê a fiscalização judicial em nenhum caso, durante a fase declarativa, e que também não permite que, na fase de execução, o juiz que conhece da mesma reaprecie o que já foi decidido pelo secretário judicial?

4)

Deve a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não permite fiscalizar oficiosamente a observância do direito de audição por existir caso julgado?»

24.

A decisão de reenvio, datada de 23 de janeiro de 2014, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 3 de fevereiro de 2014. Os Governos espanhol, alemão e húngaro, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas. Estes interessados, com exceção do Governo húngaro, participaram igualmente na audiência, realizada em 2 de setembro de 2015.

V – Análise

A – Observações preliminares

25.

As questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito às competências do juiz nacional no âmbito da adoção de uma injunção de pagamento e da sua execução, à luz quer da Diretiva 93/13 quer do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

26.

Antes de mais, analisarei as duas questões respeitantes à Diretiva 93/13, uma vez que as duas questões relativas à interpretação da Carta são, na minha opinião, subsidiárias.

27.

O procedimento de injunção de pagamento é um procedimento que permite a um credor obter rapidamente e com poucas formalidades um título executivo para créditos não contestados. Embora as modalidades específicas variem de país para país, trata‑se todavia, no essencial, de um procedimento que não implica nenhum debate contraditório sobre o mérito, a menos que o devedor desencadeie esse debate ao deduzir oposição. Esta transferência da iniciativa processual para o demandado — denominada inversão do contencioso — significa que compete ao destinatário da injunção de pagamento dar início ao procedimento contraditório para impedir que aquela adquira força executória ( 4 ).

28.

A nível europeu, existe um procedimento idêntico para determinados créditos transfronteiriços não contestados ( 5 ).

29.

Portanto, a questão que se coloca no presente debate pode ser resumida da seguinte forma: como garantir a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas no âmbito de um procedimento simplificado como o que está em causa, que apenas prevê um debate contraditório perante um juiz no caso de ser deduzida oposição? O juiz está obrigado a proceder a tal fiscalização oficiosa, igualmente na fase da execução de uma injunção, quando não tenha sido chamado a intervir numa fase anterior, por não ter sido deduzida oposição?

B – Âmbito dos poderes do juiz na execução de uma injunção de pagamento (primeira e segunda questões)

1. Reformulação da primeira e segunda questões

30.

Através da primeira e segunda questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva 93/13 se opõe a uma legislação nacional que, em primeiro lugar, não prevê imperativamente a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas na fase da análise do pedido de injunção de pagamento e, em segundo lugar, não permite tal fiscalização oficiosa na fase da execução da referida injunção de pagamento.

31.

As duas questões estão estreitamente ligadas, na medida em que dizem respeito a dois procedimentos consecutivos que visam, num primeiro momento, a adoção e, depois, a execução de uma injunção de pagamento. A questão da fiscalização das cláusulas abusivas na fase da execução de uma injunção de pagamento coloca‑se unicamente quando tal fiscalização devesse ter sido imperativamente garantida na fase anterior, antes da adoção da injunção, mas não o tenha sido.

32.

Assim, para analisar se o mecanismo espanhol de injunção de pagamento garante a efetividade da proteção prevista na Diretiva 93/13, há que ter em conta todas as normas processuais relevantes.

33.

Consequentemente, o argumento do Governo alemão de que a primeira questão relativa à adoção da injunção de pagamento é inadmissível pelo facto de o procedimento no órgão jurisdicional de reenvio dizer respeito apenas à fase da execução de uma injunção não me convence.

34.

Por conseguinte, para responder utilmente às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que analisar se a Diretiva 93/13 se opõe a uma legislação nacional que, ao mesmo tempo que não prevê qualquer fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas na fase da análise do pedido de injunção de pagamento, também não permite ao juiz responsável pelo processo de execução de uma injunção que proceda a essa fiscalização.

2. Resumo da jurisprudência

35.

Começo por recordar que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores.

36.

Trata‑se de uma disposição imperativa que, nas relações contratuais entre o profissional e o consumidor, visa restabelecer a igualdade entre os cocontratantes ( 6 ).

37.

No acórdão Océano Grupo Editorial ( 7 ), o Tribunal de Justiça declarou que o objetivo prosseguido pelo artigo 6.o da Diretiva 93/13 apenas pode ser atingido se ao juiz nacional for reconhecida a faculdade de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual.

38.

Após este acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu, de forma constante, que o papel atribuído ao juiz nacional no domínio em causa não se limita à simples faculdade, mas inclui também a obrigação deste de fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito ( 8 ).

39.

Além disso, o juiz nacional está obrigado a adotar medidas de instrução a fim de poder efetuar essa fiscalização oficiosa ( 9 ).

40.

No acórdão Banco Español de Crédito ( 10 ), o Tribunal de Justiça considerou que a obrigação de fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas abrange igualmente o procedimento de injunção de pagamento, mesmo antes de o consumidor deduzir oposição à injunção.

41.

A este respeito, recordo que, na falta de harmonização dos mecanismos nacionais de cobrança de créditos não contestados, as modalidades de aplicação de procedimentos nacionais de injunção de pagamento dependem da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes, na condição, porém, de não serem menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e de não tornarem impossível, na prática, ou excessivamente difícil, o exercício dos direitos conferidos aos consumidores pelo direito da União (princípio da efetividade) ( 11 ).

42.

Contudo, o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 93/13 se opõe à legislação de um Estado‑Membro que não permite ao juiz a quem é apresentado um pedido de injunção de pagamento, e na falta de oposição do consumidor, apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual, mesmo quando disponha dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito. Esta conclusão assenta no entendimento de que, tendo em conta toda a tramitação e particularidades do procedimento de injunção de pagamento previsto no direito espanhol, existe um risco não negligenciável de que os consumidores em causa não deduzam oposição ( 12 ).

3. Obrigação de fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas na fase da análise do pedido de injunção de pagamento

43.

Na minha opinião, o acórdão Banco Español de Crédito ( 13 ) deve ser entendido como uma solução de princípio que, tendo em conta as particularidades do procedimento de injunção de pagamento no direito espanhol, introduz um equilíbrio entre a ideia de que um juiz deve compensar uma omissão processual de um consumidor que ignora os seus direitos e a de que não pode suprir a passividade total desse consumidor ( 14 ).

44.

Assim, a menos que a solução adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Banco Español de Crédito seja revista, não pode admitir‑se a posição defendida pelos Governos alemão e húngaro, de que um juiz não pode ser chamado a fiscalizar as cláusulas abusivas no procedimento de injunção de pagamento quando o consumidor permaneça passivo e não deduza oposição.

45.

Observe‑se igualmente que o acórdão Banco Español de Crédito é plenamente relevante no processo principal, ainda que se reporte ao procedimento de injunção de pagamento na sua configuração anterior à revisão ocorrida no direito espanhol em 2009 ( 15 ).

46.

De facto, como decorre da decisão de reenvio, o objetivo desta revisão foi transferir a competência jurisdicional relativa à injunção de pagamento para o secretário judicial do órgão jurisdicional nacional, o secretário judicial, de modo que, desde então, o juiz apenas intervém no procedimento se o secretário judicial o considerar oportuno ou se o devedor deduzir oposição, dando assim início ao procedimento normal.

47.

Na minha opinião, a jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante ao papel do juiz na fiscalização das cláusulas abusivas deve ser aplicada aos restantes membros dos órgãos jurisdicionais, como os secretários judiciais, sempre que para eles sejam transferidas competências que afetem diretamente a aplicação da Diretiva 93/13.

48.

Assim acontece no caso em apreço, dado que foi atribuída ao secretário judicial a competência para aprovar decisões que, por força do direito processual espanhol, produzem efeitos análogos aos de uma decisão judicial.

49.

Uma vez que, no direito espanhol, a competência para apreciar o pedido de injunção de pagamento e para aprovar decisões análogas a decisões judiciais é agora atribuída ao secretário judicial, a legislação nacional deve impor‑lhe a obrigação de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual e de, em caso de dúvida, suscitar a intervenção de um juiz, o que permitirá a fiscalização de um cláusula contratual num procedimento conforme com o princípio do contraditório ( 16 ).

50.

A este respeito, o processo principal distingue‑se do que deu origem ao acórdão ERSTE Bank Hungary ( 17 ), no qual o Tribunal de Justiça afirmou, inspirando‑se na proposta do advogado‑geral P. Cruz Villalón, que a jurisprudência relativa à fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas não é aplicável aos notários, face às diferenças fundamentais entre as funções de um juiz e as de um notário.

51.

De facto, ao contrário de um notário, o secretário judicial tem como única função contribuir para o exercício da justiça, estando adstrito a um órgão jurisdicional e atuando sob o controlo de um juiz.

52.

Ora, o Estado‑Membro não pode eximir‑se da sua obrigação de garantir a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas no procedimento de injunção de pagamento transferindo para o secretário judicial de um órgão jurisdicional a competência para emitir uma injunção de pagamento. A legislação nacional deve sujeitar esse órgão à obrigação de exercer a referida fiscalização oficiosa e de, em caso de dúvida, suscitar a intervenção de um juiz.

4. Obrigação de fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas na fase da execução de uma injunção de pagamento

53.

Em seguida, há que analisar a questão, essencial para o presente processo, de saber se a legislação nacional deve igualmente permitir ao juiz de execução fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas no caso de essa fiscalização não ter tido lugar na fase da análise do pedido de injunção de pagamento.

54.

Considero que existem várias razões pelas quais não se afigura desejável, em princípio, permitir que essa fiscalização oficiosa seja efetuada na fase da execução.

55.

Em primeiro lugar, o procedimento de execução está pouco adaptado à análise do mérito das pretensões. Se interviesse nesse procedimento, o juiz raramente disporia dos elementos de facto necessários para analisar as cláusulas contratuais, pelo que seria frequentemente obrigado a adotar medidas de instrução para obtê‑los.

56.

Em segundo lugar, sempre que o procedimento vise executar uma injunção proferida por decisão jurisdicional, a fiscalização das cláusulas abusivas pode entrar em conflito com o princípio da autoridade de caso julgado.

57.

Em terceiro lugar, uma solução que imponha ao juiz que fiscalize as cláusulas abusivas na execução de um título resultante do procedimento de injunção de pagamento dificilmente será conciliável com o modelo traçado pelos atos do direito da União que instituem o procedimento europeu de injunção de pagamento, bem como o título executivo europeu para créditos não contestados.

58.

No âmbito do procedimento europeu de injunção de pagamento, uma injunção de pagamento europeia não pode, em caso algum, ser reapreciada quanto ao mérito no Estado‑Membro de execução ( 18 ). O mesmo se aplica ao título executivo europeu, no âmbito do regime europeu de execução de créditos não contestados ( 19 ).

59.

Uma vez que a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas está expressamente proibida na execução de uma injunção de pagamento ou de um título executivo europeu provenientes de outro Estado‑Membro e abrangidos pelo âmbito de aplicação dos regimes europeus referidos, afigura‑se pouco coerente prever essa fiscalização na execução das injunções abrangidas unicamente pelo direito nacional, como a que está em causa no processo principal ( 20 ).

60.

Mesmo admitindo o valor desses argumentos, apresentados pelos Governos espanhol, alemão e húngaro, considero, todavia, que a apreciação respeitante à efetividade do artigo 6.o da Diretiva 93/13 deve prevalecer no caso de o direito nacional não prever a obrigação de fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas em nenhuma fase do procedimento subsequente ao pedido de injunção de pagamento.

61.

Não se trata de sanar as eventuais omissões surgidas no âmbito do procedimento de injunção de pagamento, mas sim de resolver um problema sistémico, de acordo com o entendimento de que a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas deve estar prevista numa das fases do procedimento relativo à emissão e à execução de uma injunção de pagamento.

62.

Assim, a título de exceção e na falta de melhor solução, sempre que as normas de procedimento nacionais não prevejam tal fiscalização oficiosa em nenhuma fase anterior, compete, em última instância, ao juiz de execução garantir essa fiscalização.

63.

Parece ser esse o caso no processo principal, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

64.

De facto, embora o Governo espanhol esclareça que o procedimento de injunção de pagamento está a ser objeto de revisão a fim de ter em conta o acórdão Banco Español de Crédito ( 21 ) e que, na sequência dessa revisão, o secretário judicial passará a estar obrigado a informar o juiz, antes de se pronunciar sobre a injunção de pagamento, sobre os pedidos respeitantes a contratos com consumidores, para que este possa fiscalizar as cláusulas abusivas, o mesmo Governo refere igualmente que essa revisão ainda não entrou em vigor ( 22 ).

65.

Além disso, mesmo que, como alega o Governo espanhol, as novas normas já sejam aplicadas, de facto, desde a prolação do acórdão Banco Español de Crédito e que, consequentemente, os secretários judiciais informem os juízes sobre os pedidos de injunção de pagamento respeitantes a contratos com consumidores, tal aplicação de facto não é suficiente para assegurar a proteção efetiva dos direitos que decorrem da Diretiva 93/13. Em todo o caso, como admite o Governo espanhol nas suas observações escritas, o procedimento de injunção de pagamento no processo principal é anterior à data da prolação do acórdão Banco Español de Crédito.

66.

Na minha opinião, nessa situação, caracterizada pela inexistência de fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas em qualquer das fases do procedimento que conduziu à emissão da injunção de pagamento, a exigência da proteção efetiva dos direitos que decorre da Diretiva 93/13 deve prevalecer sobre os argumentos de ordem prática que militam contra a admissão dessa fiscalização na fase da execução de uma injunção de pagamento.

67.

Todavia, há que analisar ainda a questão de saber se a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas na fase da execução da injunção de pagamento não colide com o princípio da autoridade de caso julgado que decorre das normas do direito processual espanhol, as quais atribuem a uma decisão do secretário judicial efeitos análogos aos de uma decisão jurisdicional.

68.

Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a deixar de aplicar as regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permita obviar a uma violação, pela decisão em causa, de uma disposição, seja de que natureza for, do direito da União ( 23 ).

69.

Na falta de regulamentação de direito da União nesta matéria, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade de caso julgado fazem parte da ordem jurídica interna dos Estados‑Membros por força do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, essas modalidades devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade ( 24 ).

70.

No que respeita ao princípio da equivalência, nenhum elemento no processo principal permite concluir que, no direito espanhol, as modalidades de aplicação do princípio da autoridade de caso julgado nos processos relativos à Diretiva 93/13 são menos favoráveis do que as que regulam situações fora do âmbito de aplicação dessa Diretiva.

71.

No que respeita ao princípio da efetividade, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais ( 25 ).

72.

A este respeito, observe‑se que a atribuição de autoridade de caso julgado a uma decisão relativa a uma injunção de pagamento pode suscitar dúvidas, mesmo quando essa decisão seja adotada por um juiz e não, como no caso em apreço, pelo secretário judicial de um órgão jurisdicional nacional. Essas dúvidas resultam, nomeadamente, do facto de o procedimento de injunção de pagamento não implicar nenhuma análise contraditória do pedido e fazer pender sobre o demandado um ónus considerável, atribuindo‑lhe a responsabilidade de desencadear o debate contraditório ( 26 ).

73.

Assim, no caso em apreço, a decisão do secretário judicial que põe termo ao procedimento de injunção de pagamento tornou‑se definitiva apenas porque os consumidores não deduziram oposição à injunção no prazo previsto para o efeito e porque o secretário judicial não considerou oportuno suscitar a intervenção de um juiz. A este respeito, decorre das regras do procedimento de injunção de pagamento que o secretário judicial se limitou a efetuar uma análise formal do pedido, em conformidade com o artigo 815.o, n.os 1 a 3, do Código de Processo Civil, dado que não lhe competia apreciar o conteúdo das cláusulas do contrato nem sequer informar o juiz desse conteúdo.

74.

Ora, essas normas processuais têm por efeito não apenas conferir ao secretário judicial de um órgão jurisdicional a competência para emitir uma injunção de pagamento, mesmo quando não disponha do poder para fiscalizar as cláusulas abusivas, mas também para atribuir autoridade de caso julgado às suas decisões, o que impossibilita a fiscalização das cláusulas abusivas na fase da execução de uma injunção.

75.

Na minha opinião, tais regras de aplicação do princípio da autoridade de caso julgado no âmbito do procedimento de injunção de pagamento colidem com o princípio da efetividade, na medida em que impedem o juiz nacional de assegurar a aplicação efetiva do artigo 6.o da Diretiva 93/13.

76.

Nestas condições, compete ao juiz de execução assegurar uma proteção efetiva dos direitos que decorrem da Diretiva 93/13, não aplicando a norma de direito nacional que atribui autoridade de caso julgado a uma decisão, adotada pelo secretário judicial de um órgão jurisdicional, em virtude da qual é emitida uma injunção de pagamento.

77.

À luz de todas estas considerações, proponho que a resposta às primeira e segunda questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio seja que a Diretiva 93/13, em especial os seus artigos 6.° e 7.°, bem como o princípio da efetividade, se opõem a uma legislação nacional que, embora não prevendo a obrigação de suscitar oficiosamente a ineficácia de uma eventual cláusula abusiva na fase da análise do pedido de injunção de pagamento, que decorre perante o secretário judicial de um órgão jurisdicional, também não permite ao juiz responsável pelo processo de execução da referida injunção suscitar oficiosamente essa ineficácia.

C – Quanto à compatibilidade das normas processuais em causa com a Carta (terceira e quarta questões)

78.

Através da sua terceira e quarta questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a compatibilidade das normas do direito processual espanhol com os direitos fundamentais consagrados na Carta e, mais concretamente, com o direito à proteção jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 47.o da Carta.

79.

Se o Tribunal de Justiça seguir a minha proposta quanto às duas primeiras questões, não será necessário responder às questões do órgão jurisdicional de reenvio respeitantes à Carta. De facto, resulta da minha proposta que o juiz nacional está obrigado a não aplicar as normas nacionais em causa, sem que seja necessário analisar a sua compatibilidade com o artigo 47.o da Carta.

80.

Ainda assim, abordarei de forma sucinta a questão da conformidade com as exigências da Carta, para o caso de o Tribunal de Justiça optar por uma solução diferente.

81.

Antes de mais, quanto ao âmbito de aplicação da Carta, o Governo alemão alega que as normas do direito processual espanhol em causa no processo em apreço se enquadram no princípio da autonomia processual do direito nacional, pelo que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Carta.

82.

Não posso subscrever esta posição.

83.

O juiz nacional deve respeitar as exigências da proteção jurisdicional efetiva, garantida pelo artigo 47.o da Carta, no âmbito de qualquer ação judicial que tenha por objeto a proteção dos direitos conferidos a um cidadão pelo direito da União ( 27 ).

84.

Este entendimento prende‑se com o facto de a proteção dos direitos conferidos pelo direito da União assentar, regra geral, nos meios processuais previstos no direito nacional. Se os Estados‑Membros pudessem eximir‑se da obrigação de respeitar o artigo 47.o da Carta invocando o princípio da autonomia do direito processual nacional, a proteção jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União ficaria desprovida de conteúdo.

85.

Observe‑se que o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de esclarecer a articulação entre as exigências que decorrem do artigo 47.o da Carta e as exigências, muito semelhantes, que decorrem dos princípios da equivalência e da efetividade. Com efeito, especialmente este segundo princípio traduz‑se, também ele, na obrigação geral para os Estados‑Membros de assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos pelo direito da União. Por conseguinte, poder‑se‑ia colocar‑se a questão de saber se o artigo 47.o da Carta acresce ao princípio da efetividade ou se o substitui ( 28 ).

86.

Apesar desta hesitação, não há dúvidas de que os Estados‑Membros têm a obrigação de assegurar o respeito pelo artigo 47.o da Carta igualmente no domínio do direito processual.

87.

Assim, segundo jurisprudência constante relativa à aplicação da Diretiva 93/13, a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a efetividade dos direitos conferidos aos cidadãos por essa diretiva contra a utilização de cláusulas abusivas implica uma exigência de tutela jurisdicional, consagrada igualmente no artigo 47.o da Carta, que o juiz nacional deve respeitar ( 29 ).

88.

Voltando às questões relativas à interpretação da Carta suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, este pretende saber, através da sua terceira questão prejudicial, se a Carta se opõe a uma legislação nacional que, no caso de o demandado não deduzir oposição, não prevê nenhuma fiscalização jurisdicional do mérito das pretensões, nem na fase da análise do pedido de injunção de pagamento nem na fase da sua execução. Através da sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Carta se opõe a uma legislação nacional que não permite ao juiz de execução fiscalizar oficiosamente a observância do direito de audição no âmbito do procedimento de injunção de pagamento.

89.

A este respeito, apesar de já ter concluído que a Diretiva 93/13 e o princípio da efetividade se opõem às normas nacionais em questão, tal conclusão não pode, na minha opinião, ser retirada apenas do artigo 47.o da Carta.

90.

Esta divergência explica‑se pelo facto de o nível da proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos consumidores pela Diretiva 93/13 ser mais amplo do que o que decorre, para as partes num litígio civil que envolva o direito da União, do artigo 47.o da Carta.

91.

De facto, como refere, corretamente, a Comissão, o artigo 47.o da Carta não se opõe, de forma geral, a que determinadas decisões abrangidas pelo exercício da função jurisdicional sejam proferidas por um órgão não jurisdicional, desde que essas decisões possam, a posteriori, ser objeto de fiscalização jurisdicional. Por outro lado, o direito a um tribunal, consagrado no referido artigo 47.o, não inclui, enquanto tal, a exigência de uma análise oficiosa por um juiz a fim de salvaguardar os direitos conferidos às partes pelo direito da União.

92.

A exigência de fiscalização oficiosa é uma particularidade dos litígios caracterizados por um desequilíbrio entre as partes. No caso em apreço, essa exigência apenas pode decorrer da necessidade de assegurar a proteção do consumidor, prevista no artigo 6.o da Diretiva 93/13.

93.

Assim, na minha opinião, o artigo 47.o da Carta não se opõe a um procedimento nacional simplificado que apenas prevê a análise do mérito das pretensões em caso de oposição do demandado e que, por conseguinte, não permite ao juiz proceder oficiosamente à análise das cláusulas contratuais se não tiver sido deduzida oposição. Além disso, o referido artigo 47.o não se opõe a uma norma processual que impede o juiz de execução de suscitar oficiosamente a violação dos direitos da defesa que decorre da citação irregular, se o demandado não tiver deduzido oposição.

94.

A este propósito, recorde‑se que o respeito pelos direitos da defesa não é uma prerrogativa absoluta e pode comportar restrições. Na sua jurisprudência relativa à interpretação do Regulamento (CE) n.o 44/2001 ( 30 ), o Tribunal de Justiça admitiu a possibilidade de prosseguir o processo contra a vontade do requerido, desde que tenham sido efetuadas todas as averiguações exigidas pelos princípios da diligência e da boa‑fé para encontrar o requerido, uma vez que este poderá, em seguida, opor‑se ao reconhecimento da sentença ( 31 ).

95.

Outra solução se imporia se o demandado não tivesse acesso a um recurso efetivo que lhe permitisse opor‑se à injunção, por exemplo, devido às modalidades restritivas da contagem do prazo para deduzir oposição ( 32 ), aos custos proibitivos do procedimento ou à própria falta de um procedimento que permita reapreciar uma injunção de pagamento emitida contra a vontade do demandado ( 33 ).

96.

Ora, a decisão de reenvio não contém elementos suficientes para responder a estas questões. Em especial, ainda que o órgão jurisdicional de reenvio pareça considerar que, no caso em apreço, o procedimento de injunção de pagamento contém uma citação irregular, não esclarece em que consiste essa irregularidade nem refere se existem vias de recurso que permitam às partes interessadas opor‑se à execução, quando finalmente tomem conhecimento da decisão adotada sem o seu conhecimento.

97.

Consequentemente, considero que, se o Tribunal de Justiça entender responder às terceira e quarta questões, deveria responder que o artigo 47.o da Carta não se opõe a uma legislação nacional que impede o juiz de execução de fiscalizar oficiosamente o título executivo e de suscitar oficiosamente os vícios do procedimento de injunção de pagamento, desde que o demandado tenha acesso a um recurso efetivo que lhe permita opor‑se à injunção de pagamento e alegar a eventual violação dos seus direitos de defesa.

VI – Conclusão

98.

Tendo em conta a considerações que antecedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Juzgado de Primera Instancia no 5 de Cartagena do seguinte modo:

A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, e o princípio da efetividade opõem‑se a uma legislação nacional relativa ao procedimento de injunção de pagamento que, embora não prevendo a obrigação de suscitar oficiosamente a ineficácia de uma eventual cláusula abusiva na fase da análise do pedido de injunção de pagamento, que decorre perante o secretário judicial de um órgão jurisdicional, também não permite ao juiz responsável pelo processo de execução de uma injunção suscitar oficiosamente essa ineficácia.


( 1 )   Língua original: francês.

( 2 )   Diretiva do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29).

( 3 )   O mesmo órgão jurisdicional espanhol suscitou uma questão análoga no processo Aktiv Kapital Portfolio Investment (C‑122/14, pendente no Tribunal de Justiça).

( 4 )   V., para uma análise comparativa efetuada por altura do debate sobre o procedimento europeu nesta matéria, relatório de Serverin, E., «Des procédures de traitement judiciaire des demandes de faible importance ou non contestées dans les droits des États membres de l’Union européenne», p. 27‑28 (http://ec.europa.eu/civiljustice), bem como Livro Verde relativo a um procedimento europeu de injunção de pagamento e a medidas para simplificar e acelerar as ações de pequeno montante [COM (2002) 746 final, de 20 de dezembro de 2002, pp. 11 e 12].

( 5 )   Regulamento (CE) n.o 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO L 399, p. 1).

( 6 )   V., nomeadamente, acórdãos Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 36) e Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 30).

( 7 )   C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346, n.os 26 e 28.

( 8 )   Acórdãos Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 38), Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 32), bem como Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 32).

( 9 )   V., acórdãos VB Pénzügyi Lízing (C‑137/08, EU:C:2010:659, n.o 56), Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 44), bem como Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88, n.o 24).

( 10 )   C‑618/10, EU:C:2012:349, n.os 53 e 54.

( 11 )   Ibidem, n.o 46.

( 12 )   Ibidem, n.o 57.

( 13 )   C‑618/10, EU:C:2012:349.

( 14 )   V., para uma articulação entre estas duas ideias, acórdão Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 47).

( 15 )   Por força da Lei 13/2009, relativa à revisão da legislação processual para a criação da nova Secretaria Judicial (Ley 13/2009 de reforma de la legislación procesal para la implantación de la nueva oficina judicial), de 3 de novembro de 2009 (BOE n.o 266, de 4 de novembro de 2009, p. 92103).

( 16 )   Regra geral, este princípio impõe que o juiz nacional que tenha reconhecido oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual informe as partes no litígio desse facto e lhes dê a possibilidade de debatê‑lo, com observância do contraditório, segundo as formas previstas a esse respeito nas normas processuais nacionais. V., nesse sentido, acórdão Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88, n.os 17 a 36).

( 17 )   C‑32/14, EU:C:2015:637, n.os 47 e 48.

( 18 )   Artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1896/2006.

( 19 )   Artigo 21.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO L 143, p. 15).

( 20 )   Observe‑se, de lege ferenda, que seria desejável alterar o Regulamento n.o 1896/2006, que abrange potencialmente os créditos resultantes de contratos com consumidores, de modo a prever expressamente a fiscalização oficiosa das cláusulas abusivas na fase da emissão da injunção de pagamento europeia.

( 21 )   C‑618/10, EU:C:2012:349.

( 22 )   Observe‑se que a Lei 42/2015, relativa à revisão do Código de Processo Civil (Ley 42/2015 de reforma de la Ley de Enjuiciamiento Civil), de 5 de outubro de 2015 (BOE n.o 239, de 6 de outubro de 2015, p. 90240) foi adotada pouco tempo após a audiência do presente processo. Contudo, decorre das disposições transitórias da Lei 42/2015 que a revisão não afeta os procedimentos de injunção de pagamento — como o que está em causa no processo principal — encerrados antes da sua entrada em vigor.

( 23 )   Acórdãos Kapferer (C‑234/04, EU:C:2006:178, n.o 21), e Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 37). V., para uma análise da tensão entre o princípio da autonomia processual e os mecanismos do direito da União que permitem limitar a força obrigatória das decisões definitivas no direito nacional, Taborowski, M., Konsekwencje naruszenia prawa Unii Europejskiej przez sądy krajowe (Consequências da violação do direito da União Europeia pelos órgãos jurisdicionais nacionais), Lex — Wolters Kluwer, Varsóvia 2012, p. 259 e segs.

( 24 )   Acórdão Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 38 e jurisprudência referida).

( 25 )   Acórdãos Peterbroeck (C‑312/93, EU:C:1995:437, n.o 14) e Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 39).

( 26 )   V., para um reflexão crítica sobre esta questão, Livro Verde da Comissão [COM(2002)746, questões 23 a 26].

( 27 )   V., nesse sentido, acórdão DEB (C‑279/09, EU:C:2010:811, n.os 28 e 29). V., igualmente, a contrario, acórdão Torralbo Marcos (C‑265/13, EU:C:2014:187, n.o 34) e despacho Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de S. Paio (C‑258/13, EU:C:2013:810, n.o 23).

( 28 )   V., quanto à articulação entre estes princípios, conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:172, n.o 30); conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo E.ON Földgáz Trade (C‑510/13, EU:C:2014:2325, n.o 43), e conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Orizzonte Salute (C‑61/14, EU:C:2015:307, n.o 24).

( 29 )   V., acórdãos Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88, n.o 29); Sánchez Morcillo e abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 35), e Kušionová (C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 47).

( 30 )   Regulamento do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

( 31 )   Acórdãos Gambazzi (C‑394/07, EU:C:2009:219, n.o 29) e Hypoteční banka (C‑327/10, EU:C:2011:745, n.o 50).

( 32 )   V., conclusões que apresentei no processo BBVA (C‑8/14, EU:C:2015:321, n.os 54 a 67).

( 33 )   Assim, por exemplo, no sistema do Regulamento n.o 1896/2006, a falta de citação correta pode levar à reapreciação da injunção de pagamento europeia no tribunal competente do Estado‑Membro de origem (artigo 20.o).