ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

17 de setembro de 2015 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado das ceras de parafina — Mercado da parafina bruta — Infração cometida por uma sociedade filial detida a 100% por uma sociedade‑mãe — Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre a filial — Responsabilidade da sociedade‑mãe decorrente exclusivamente do comportamento infrator da sua filial — Acórdão que reduz o montante da coima aplicada à filial — Efeitos na situação jurídica da sociedade‑mãe»

No processo C‑597/13 P,

que tem por objeto um recurso nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 22 de novembro de 2013,

Total SA, com sede em Courbevoie (França), representada por É. Morgan de Rivery e É. Lagathu, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por É. Gippini Fournier e P. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, A. Rosas, E. Juhász (relator), D. Šváby e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de janeiro de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de março de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Total SA (a seguir «Total») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia Total/Comissão (T‑548/08, EU:T:2013:434, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este negou provimento ao seu recurso que tinha por objeto, a título principal, a anulação parcial da Decisão C (2008) 5476 final da Comissão, de 1 de outubro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.o [CE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/39.181 — Cera para velas) (resumo publicado no JO 2009, C 295, p. 17, a seguir «decisão impugnada»), e, a título subsidiário, a anulação ou a redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

Antecedentes do litígio e decisão impugnada

2

O acórdão recorrido contém as seguintes constatações:

«1

Com a decisão [impugnada], a Comissão [Europeia] constatou que a recorrente […] e a sua filial detida a quase 100%, a Total France SA [(a seguir ‘Total France’)], tinham, com outras empresas, violado o artigo 81.o, n.o 1, [CE] e o artigo 53.o, n.o 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE)[, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3)], ao participarem num cartel no mercado das ceras de parafina no EEE e no mercado alemão da parafina bruta.

2

Os destinatários da decisão impugnada são as seguintes sociedades: […], bem como a recorrente e a sua filial […].

3

As ceras de parafina são produzidas em refinarias a partir de petróleo bruto. São utilizadas para a produção de produtos como velas, produtos químicos, pneus e produtos da indústria automóvel, assim como nas indústrias da borracha, da embalagem, dos adesivos e das pastilhas elásticas (considerando 4 da decisão impugnada).

4

A parafina bruta é a matéria‑prima necessária para a produção de ceras de parafina. É produzida em refinarias como subproduto da produção de óleos de base a partir do petróleo bruto. É igualmente vendida a clientes finais como, por exemplo, produtores de painéis de partículas (considerando 5 da decisão impugnada).

5

A Comissão iniciou o seu inquérito após ter sido informada [por uma sociedade], por carta de 17 de março de 2005, da existência de um cartel […] (considerando 72 da decisão impugnada).

6

Em 28 e 29 de abril de 2005, a Comissão realizou, em aplicação do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), inspeções nas instalações da […] Total [France] (considerando 75 da decisão impugnada).

7

No que se refere à Total France, as inspeções foram efetuadas com base na decisão da Comissão, de 18 de abril de 2005, que ordenou à recorrente e ao conjunto das empresas por si controladas direta ou indiretamente, incluindo a Total France, que se sujeitassem a uma inspeção em aplicação do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 […].

8

A decisão de inspeção [da Comissão, de 18 de abril de 2005,] foi notificada à Total France em 28 de abril de 2005. Não foi notificada à recorrente.

9

A Total France recebeu pedidos de informações da Comissão em 3 de novembro de 2005 e 27 de novembro de 2006, aos quais respondeu, respetivamente, em 23 de dezembro de 2005 e 13 de dezembro de 2006. Em 30 de janeiro de 2007, recebeu perguntas complementares da Comissão, a que respondeu em 4 de abril de 2007.

10

Em 29 de maio de 2007, a Comissão enviou uma comunicação de acusações [aos destinatários da decisão impugnada], entre os quais a recorrente e a Total France (considerando 85 da decisão impugnada).

11

Por carta de 13 de agosto de 2007, a recorrente apresentou observações em resposta à comunicação de acusações […].

12

Em 10 e 11 de dezembro de 2007, a Comissão realizou uma audição na qual a recorrente participou.

13

Após a audição, a recorrente recebeu diversos pedidos de informações da Comissão. Os pedidos de 21 de dezembro de 2007 e de 29 de maio de 2008 diziam respeito ao volume de negócios da recorrente e da Total France, em especial nos mercados da cera de parafina e da parafina bruta. O pedido de 4 de abril de 2008 tinha por objeto a existência material da infração em que tinha participado a Total France. A recorrente respondeu, respetivamente, em 20 de fevereiro, 8 de abril e 10 de junho de 2008, indicando que não tinha tido conhecimento da infração imputada à Total France.

14

Segundo a decisão impugnada, empregados da Total France participaram ativamente na infração durante toda a sua duração. Consequentemente, a Comissão considerou a Total France diretamente responsável pelo cartel (considerandos 555 e 556 da decisão impugnada). A Comissão afirmou que pelo menos 98% do capital da Total France era detido pela recorrente e que se podia presumir, nessa base, que esta exercia uma influência determinante no comportamento da Total France, fazendo as duas sociedades parte de uma mesma empresa (considerandos 557 a 559 da decisão impugnada). Em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal Geral relativa à identidade dos outros proprietários da Total France, a recorrente esclareceu que o resto do capital da Total France também era detido por si, de maneira indireta. Assim, foi revelado no decurso da instância que a Total France era uma filial detida a 100% pela recorrente durante o período controvertido.

15

No caso em apreço, o montante das coimas aplicadas foi calculado com base nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2) […], em vigor à data da notificação da comunicação de acusações [aos destinatários da decisão impugnada].»

3

Os artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada dispõem:

«Artigo 1.o

As seguintes empresas infringiram o artigo 81.o, n.o 1, [CE] e, a partir de 1 de janeiro de 1994, o artigo 53.o do Acordo EEE por terem participado, durante os períodos indicados, num acordo continuado e/ou numa prática concertada no setor das ceras de parafina no mercado comum e, a partir de 1 de janeiro de 1994, no EEE:

[…]

Total France […]: de 3 de setembro de 1992 a 28 de abril de 2005; e

Total: […]: de 3 de setembro de 1992 a 28 de abril de 2005.

Relativamente às seguintes empresas, a infração diz igualmente respeito, nos períodos indicados, à parafina bruta vendida a clientes finais no mercado alemão:

Total France […]: de 30 de outubro de 1997 a 12 de maio de 2004; e

Total: […]: de 30 de outubro de 1997 a 12 de maio de 2004.

[…]

Artigo 2.o

São aplicadas as seguintes coimas pelas infrações referidas no artigo 1.o:

[…]

Total France […] conjunta e solidariamente com a Total […]: 128163000 [euros].»

4

No considerando 577 da decisão impugnada, a Comissão declarou que a maior parte dos argumentos da Total assentavam na capacidade de a filial atuar autonomamente no âmbito da gestão corrente das suas atividades comerciais. No considerando 578 da decisão impugnada, a Comissão procedeu a apreciações quanto ao conceito de «ação autónoma» de uma filial, designadamente à apreciação segundo a qual «o exercício de uma influência determinante na política comercial de uma filial não requer uma intervenção quotidiana na gestão da exploração da filial».

5

Neste mesmo considerando, a Comissão acrescentou o seguinte:

«Na verdade, a [Total] admite que desempenha um papel de coordenação institucional e de controlo das orientações estratégicas e que dispõe do poder de aprovar ou não os investimentos mais importantes ou qualquer modificação mais relevante das atividades no seio do grupo. Isto prova que a [Total], enquanto sociedade‑mãe, dispõe de um interesse e desempenha um papel em relação às suas filiais como um acionista desejoso de proteger os seus interesses financeiros de proprietário e os seus interesses em matéria de estratégia comercial. A [Total] enumera igualmente certos outros assuntos, como a política aplicável aos recursos humanos, a manutenção de contas consolidadas, a determinação da política fiscal do grupo e certas outras tarefas operacionais transversais, como a segurança industrial, o ambiente, a gestão dos fundos de forma eticamente responsável, as atividades de financiamento, etc., que estão confiadas à [Total] por conta de todo o grupo.»

6

Nos considerandos 579 a 582 da decisão impugnada, a Comissão examinou os argumentos da Total relativos à inexistência de sobreposição das responsabilidades de direção entre a sociedade‑mãe e a filial, ao facto de a filial nunca ter recebido instruções da sua sociedade‑mãe quanto à política que devia seguir no que respeita à comercialização das ceras de parafina, de a filial nunca ter informado a sociedade‑mãe das suas atividades no mercado em causa e, por fim, de a cera de parafina ser uma atividade muito marginal tanto para a filial como para a sociedade‑mãe. No considerando 585 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que os elementos aduzidos pela Total não eram suficientes para ilidir a presunção de influência determinante decorrente da detenção direta ou indireta por esta da quase totalidade do capital da sua filial Total France.

Acórdão recorrido

7

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de dezembro de 2008, a recorrente pediu, a título principal, a anulação da decisão impugnada na parte em que esta lhe dizia respeito, invocando em apoio do seu pedido sete fundamentos. A título subsidiário, pediu também a supressão ou a redução do montante da coima que lhe tinha sido aplicada solidariamente com a Total France, invocando a esse propósito dois fundamentos. Para este efeito, a recorrente sustentou, em substância, que não estava em condições de exercer uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial e que esta tinha, assim, um comportamento autónomo no mercado. Por conseguinte, uma vez que ela própria não estava implicada no cartel, não lhe podia ser imputado o comportamento infrator da sua filial. A recorrente tinha, além disso, contestado a duração da infração cometida pela sua filial, conforme calculada pela Comissão. Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente o conjunto destes fundamentos.

8

No n.o 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral retomou literalmente as apreciações da Comissão expostas no considerando 578 da decisão impugnada. Nos n.os 74 a 99 do acórdão recorrido, examinou cada um dos argumentos da Total relativamente à autonomia de ação da sua filial e entendeu, no n.o 102 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha corretamente considerado que a recorrente não tinha conseguido ilidir a presunção segundo a qual exercia uma influência determinante na política comercial da sua filial.

9

Nos n.os 215 a 219 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou os argumentos da Total relativos à duração da participação da filial desta sociedade na infração e, no n.o 224 do acórdão recorrido, declarou:

«No exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal Geral conclui que a recorrente não provou nenhum erro ou irregularidade na decisão impugnada que justifique a supressão da coima que lhe foi aplicada ou a redução do montante da mesma. Considera igualmente que, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente à gravidade e à duração da infração cometida pela recorrente, o montante da coima que lhe foi aplicada é adequado.»

Acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08)

10

Através do acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423), proferido no mesmo dia que o acórdão recorrido no presente processo, o Tribunal Geral reduziu para 125459842 euros a coima aplicada à filial Total France, nos direitos da qual sucedeu a Total Raffinage Marketing SA, negando quanto ao restante provimento ao recurso por esta interposto paralelamente ao recurso da Total, sua sociedade‑mãe. O Tribunal Geral considerou que a Comissão, na determinação do coeficiente multiplicador que reflete a duração da participação da Total France na infração, tinha violado os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, equiparando um período de participação de 7 meses e 28 dias para as ceras de parafina e um período de participação de 6 meses e 12 dias para a parafina bruta a uma participação de um ano inteiro. Em contrapartida, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não reduziu na mesma medida a coima aplicada à Total.

Quanto ao presente recurso

11

O presente recurso articula‑se em seis fundamentos. Com o seu primeiro e terceiro fundamentos, a recorrente alega que, apesar de a sua responsabilidade derivar inteiramente da responsabilidade da sua filial, o Tribunal Geral não procedeu, no que lhe diz respeito, à mesma redução do montante da coima de que a sua filial beneficiou. Agravou assim, sem fundamento legal, a sanção aplicada à recorrente. No segundo fundamento, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não anular a decisão impugnada por violação do dever de fundamentação pela Comissão. Nos seus quarto a sexto fundamentos, suscitados a título subsidiário, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do seu poder de reforma e tendo em conta todas as circunstâncias do caso, que lhe fixe uma coima de montante igual ao aplicado à sua filial.

12

Antes de mais, há que apreciar o segundo fundamento e, em seguida, conjuntamente, o primeiro e o terceiro fundamentos de recurso.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentação das partes

13

A Total alega que o Tribunal Geral cometeu, no exercício da sua fiscalização da legalidade, um erro de direito ao não ter anulado a decisão impugnada por violação do dever de fundamentação pela Comissão. Com efeito, segundo a Total, a Comissão não examinou os argumentos apresentados pela recorrente destinados a ilidir a presunção de influência determinante desta última na política comercial da sua filial.

14

No entender da Total, o contexto do presente processo é análogo ao que deu origem ao acórdão Elf Aquitaine/Comissão (C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 167) e exigia assim, da parte da Comissão, uma fundamentação reforçada quanto às razões pelas quais considerava que os elementos apresentados pela recorrente não eram suficientes para ilidir esta presunção. A recorrente apresentou vários elementos de prova para o efeito, como a autonomia da sua filial, a não comunicação por esta à sociedade‑mãe da sua atuação no mercado e a falta de instruções da sociedade‑mãe à sua filial quanto à gestão da sua atividade. Ora, segundo a recorrente, a Comissão não respondeu a estes elementos de prova, o que constitui uma falta de fundamentação, mais concretamente, a violação de uma formalidade essencial, que o Tribunal Geral deveria ter suscitado oficiosamente, uma vez que tal fundamento é de ordem pública (v. acórdão Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, EU:C:2013:866, n.o 321).

15

Ao não ter conseguido identificar os pontos da decisão impugnada que respondem de forma circunstanciada aos elementos avançados pela recorrente, o Tribunal Geral deveria ter suscitado oficiosamente o fundamento relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada e decretado a sua anulação. Em vez de recorrer a tal fundamento, o Tribunal Geral, nos n.os 75 a 102 do acórdão recorrido, procedeu à sua própria apreciação sobre cada um desses elementos, substituindo‑se, deste modo, à Comissão.

16

A Comissão considera este fundamento inadmissível, dado que, em sua opinião, a recorrente pretende, através dele, alterar o objeto do litígio, tal como este foi discutido no Tribunal Geral, suscitando pela primeira vez perante o Tribunal de Justiça um fundamento relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada. Segundo a Comissão, o caráter de ordem pública do fundamento baseado na falta de fundamentação permite ao juiz suscitá‑lo oficiosamente, mas não significa que o Tribunal Geral seja obrigado, sob pena de anulação do seu acórdão, a fiscalizar oficiosamente todos os aspetos da fundamentação de uma decisão que não foram suscitados perante ele.

17

A Comissão salienta que os elementos de prova apresentados pela recorrente, concretamente, a autonomia financeira da sua filial, o facto de a filial dispor da sua própria direção local, a falta de comunicação entre a sociedade‑mãe e a sua filial quanto à atuação desta e a importância marginal da atividade de que o cartel infrator era objeto sobre o volume de negócios da sociedade‑mãe, constituíam argumentos que tinham sido avançados no âmbito do quarto fundamento do recurso de anulação interposto no Tribunal Geral e se referiam a um erro manifesto de apreciação da Comissão na decisão impugnada e não a uma falta de fundamentação desta decisão. O Tribunal Geral respondeu a estes fundamentos que visavam ilidir a presunção de exercício de uma influência determinante. Assim, foi chamado a pronunciar‑se, no âmbito da apreciação deste fundamento do recurso, não sobre uma questão de fundamentação mas sobre uma questão de mérito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

18

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o dever de fundamentação dos atos da União previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da justeza da fundamentação, a qual faz parte da legalidade substancial do ato controvertido (v. acórdãos Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 146 e jurisprudência referida, e Gascogne Sack Deutschland/Comissão, C‑40/12 P, EU:C:2013:768, n.o 46).

19

No caso vertente, a recorrente contestou no Tribunal Geral a apreciação, no n.o 578 da decisão impugnada, dos indícios que tinha invocado para ilidir a presunção da influência determinante. Sustentou que a Comissão tinha rejeitado erradamente os elementos avançados a fim de demonstrar a inexistência de influência determinante sobre o comportamento comercial da sua filial, sem, no entanto, alegar que esta tinha violado o seu dever de fundamentação a este respeito na decisão impugnada.

20

Há que observar, como resulta do n.o 8 do presente acórdão, que, após ter retomado literalmente as apreciações da Comissão expostas no considerando 578 da decisão impugnada, o Tribunal Geral examinou, nos n.os 74 a 99 do acórdão recorrido, cada um dos argumentos da Total relativos à autonomia de ação da sua filial e chegou à conclusão, no n.o 102 do acórdão recorrido, de que a Comissão tinha corretamente considerado que a recorrente não tinha conseguido ilidir a referida presunção.

21

Ora, a primeira parte do segundo fundamento baseia‑se, em substância, nos mesmos argumentos que a recorrente invocou no Tribunal Geral para contestar não uma eventual violação do dever de fundamentação mas uma pretensa aplicação incorreta da presunção de influência determinante. Na fase do presente recurso, a recorrente não critica, porém, o mérito do raciocínio do Tribunal Geral nesses números do acórdão recorrido, mas contesta simplesmente o erro de direito que este terá cometido ao não condenar a alegada insuficiência da fundamentação da decisão impugnada quanto à rejeição dos elementos apresentados pela recorrente com vista a ilidir a presunção de insuficiência determinante.

22

Essa parte introduz assim, ao nível do presente recurso, um argumento novo que consiste em contestar o caráter adequado da fundamentação da decisão impugnada quanto à aplicação da presunção de influência determinante. Daqui decorre que a referida parte do segundo fundamento deve ser declarada inadmissível, uma vez que, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça está, em princípio, limitada à apreciação da solução legal que foi dada aos fundamentos debatidos perante os juízes competentes para apreciar o mérito (v., neste sentido, acórdão Gascogne Sack Deutschland/Comissão, C‑40/12 P, EU:C:2013:768, n.o 52).

23

Sendo esta primeira parte do segundo fundamento inadmissível, a segunda parte deste fundamento, em que a recorrente alega que o Tribunal Geral procedeu a uma substituição da fundamentação da decisão impugnada, deve igualmente ser rejeitada, dado que implica necessariamente uma apreciação da fundamentação dessa decisão.

24

Daqui resulta que este fundamento deve ser rejeitado na totalidade.

Quanto ao primeiro e ao terceiro fundamentos

Argumentação das partes

25

A Total sustenta que, dado que a responsabilidade que lhe é imputada e a sua condenação no pagamento solidário da coima tinham origem na responsabilidade exclusiva da sua filial, o Tribunal Geral, ao ter reduzido o montante da coima aplicada a essa filial sem ter procedido à mesma redução relativamente à sua sociedade‑mãe, agravou a sanção imposta a esta última. Tendo em conta esta responsabilidade de natureza completamente derivada, a diferença entre os montantes de coimas aplicados à sociedade‑mãe e à sua filial, ou seja, um montante de 2704158 euros, constitui uma coima destituída de fundamento legal. Além disso, esta alteração de natureza da sua responsabilidade resulta do acórdão recorrido sem que lhe tenha sido concedida a possibilidade, em nenhuma fase do processo, de apresentar as suas observações sobre este ponto, o que constitui uma violação dos seus direitos de defesa.

26

No entender da recorrente, a situação controvertida é a mesma que a que deu origem ao acórdão Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), no qual o Tribunal de Justiça, após ter declarado que a responsabilidade da sociedade‑mãe era puramente derivada e acessória da responsabilidade da sua filial e dependia assim desta última, procedeu ao alinhamento do montante da coima aplicada à sociedade‑mãe sobre o montante reduzido da coima aplicada à sua filial. Ora, a situação da recorrente é no caso vertente a de uma sociedade‑mãe cuja responsabilidade é inteiramente derivada da responsabilidade da sua filial. A recorrente salienta que, uma vez que a duração da participação na infração em causa que foi considerada a seu respeito só pode ser idêntica à considerada em relação à sua filial e que a redução da coima imposta à sua filial resulta unicamente da redução dessa duração no que se refere a esta sociedade, o Tribunal Geral deveria ter usado o seu poder de reforma, como no caso do acórdão Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), e adaptado o montante da coima aplicada à sociedade‑mãe em função do montante da coima que acabou por ser aplicada à sua filial.

27

A Total acrescenta que tanto o acórdão recorrido como o acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423) foram proferidos no mesmo dia pela mesma formação de julgamento, de modo que o Tribunal Geral, ao decidir não reformar a coima que foi aplicada à recorrente, violou o princípio da não discriminação entre dois processos que versam sobre os mesmos factos e que dizem respeito a duas entidades de uma única e mesma empresa. Além disso, no âmbito do seu poder de reforma, o juiz da União está autorizado a alterar o montante da coima. Em contrapartida, não tem competência para modificar o caráter solidário e único da responsabilidade e da coima que daí decorre em relação às entidades que constituem uma única e mesma empresa, quando a responsabilidade da sociedade‑mãe depende exclusivamente da responsabilidade da sua filial. Assim, segundo a recorrente, o Tribunal Geral, ao modificar o caráter solidário e único da responsabilidade da Total e da sua filial e, consequentemente, da coima que lhes foi aplicada, cometeu um erro de direito.

28

A Comissão entende que a argumentação da recorrente é infundada, porque assenta na premissa errada de que o Tribunal Geral, ao negar provimento ao recurso da recorrente, agravou a responsabilidade desta. Ora, ao negar provimento a esse recurso, o Tribunal Geral deixou intactos quer a responsabilidade da recorrente quer o montante da coima na sua totalidade. A diminuição, pelo Tribunal Geral, do montante da coima aplicada à filial não teve qualquer efeito sobre a dimensão da responsabilidade da recorrente, que está obrigada ao pagamento da integralidade do montante da coima.

29

A Comissão observa que o simples facto de, para uma fração da coima, a Total ter passado a ser a única devedora perante a Comissão não constitui uma modificação da coima que lhe foi aplicada e mais não é do que a consequência inelutável da decisão tomada pelo Tribunal Geral, no acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423), de reduzir o montante da coima imposta à sua codevedora. Em termos gerais, a situação de uma sociedade‑mãe condenada solidariamente com a sua filial não pode distinguir‑se da de outras entidades jurídicas consideradas solidariamente responsáveis e que se tornam codevedoras da coima aplicada. Nas hipóteses de condenação solidária no pagamento de uma coima, a redução do montante desta que fica a cargo de um dos codevedores torna inevitavelmente o outro codevedor único responsável pelo montante correspondente a esta redução.

30

No entender da Comissão, uma sociedade‑mãe e a sua filial podem sempre interpor conjuntamente um recurso único contra a decisão que lhes aplicou uma coima. Quando a sociedade‑mãe opta por pedir a anulação e a alteração da coima que lhe foi aplicada num recurso próprio, o resultado desse recurso depende dos argumentos invocados para o efeito e não dos eventuais argumentos adiantados pela filial num recurso paralelo. De qualquer modo, as condições impostas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29) relativas à «identidade de objeto» dos recursos paralelos das sociedades‑mãe e das suas filiais não estavam preenchidas no caso vertente. Se é verdade que tanto a Total como a sua filial criticaram no Tribunal Geral a apreciação feita pela Comissão relativamente à duração da participação na infração, o Tribunal Geral, no entanto, reduziu a coima aplicada à filial com base nos argumentos apresentados por esta, mas não pela sociedade‑mãe.

Apreciação do Tribunal de Justiça

31

Com os seus premeio e terceiro fundamentos, a recorrente contesta o facto de, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não ter tido em conta o acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423), reduzindo a coima aplicada à Total France para 125459842 euros. Sustenta que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do acórdão Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), o Tribunal Geral era obrigado a reduzir a referida coima também no que diz respeito à Total.

32

O direito da concorrência da União visa as atividades das empresas. A opção dos autores dos Tratados foi utilizar o conceito de «empresa» para designar o autor de uma infração ao direito da concorrência, suscetível de ser punido em aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE e não outros conceitos, como os conceitos de «sociedade» ou de «pessoa coletiva», utilizados, nomeadamente, no artigo 54.o TFUE (v. acórdão Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.os 41, 42 e jurisprudência referida).

33

O conceito de empresa designa qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Esse conceito deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas. Quando tal entidade económica infringe as regras da concorrência, cabe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (v. acórdão Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.os 43, 44 e jurisprudência referida).

34

Neste contexto, em certas circunstâncias, uma pessoa coletiva que não é a autora de uma infração ao direito da concorrência pode, contudo, ser punida pelo comportamento ilícito de outra pessoa coletiva, desde que façam ambas parte da mesma entidade económica e constituam, assim, a empresa que infringiu o artigo 101.o TFUE (v. acórdão Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.o 45).

35

Assim, o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe quando esta exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento dessa filial (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.os 58, 59 e jurisprudência referida).

36

No caso de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.o 60 e jurisprudência referida).

37

No caso presente, a Comissão imputou a responsabilidade da Total France à Total e aplicou‑lhes solidariamente uma coima de 128163000 euros. Resulta do n.o 10 do presente acórdão que o Tribunal Geral, no seu acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423), reduziu a coima aplicada à filial Total France para 125459842 euros.

38

O Tribunal de Justiça declarou que, na situação em que a responsabilidade da sociedade‑mãe deriva inteiramente da responsabilidade da sua filial e na qual nenhum outro fator caracteriza individualmente o comportamento imputado à sociedade‑mãe, a responsabilidade desta não pode exceder a da sua filial (v., neste sentido, acórdão Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.os 37, 39, 43 e 49).

39

A aplicação dos princípios decorrentes desta jurisprudência pelos órgãos jurisdicionais da União exige que estejam preenchidos certos requisitos processuais, designadamente a interposição de recursos paralelos com o mesmo objeto pela filial e pela sociedade‑mãe (v. acórdão Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.o 49). O Tribunal de Justiça precisou que o conceito de «mesmo objeto» não exige que a extensão dos pedidos destas sociedades e dos argumentos por elas invocados seja idêntica (v. acórdão Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.o 43).

40

Há que observar que, no presente caso, esses requisitos estão preenchidos. Com efeito, à semelhança da sociedade‑mãe e da filial em causa na situação que esteve na origem do acórdão Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), tanto a Total como a Total France tinham interposto um recurso da decisão impugnada e esses recursos tinham o mesmo objeto, na medida em que se referiam, designadamente, à duração da infração.

41

Embora o Tribunal de Justiça, no acórdão Comissão/Tomkins (C‑286/11 P, EU:C:2013:29), só se tenha pronunciado sobre a possibilidade de ter em conta, no âmbito de um recurso interposto por uma sociedade‑mãe cuja responsabilidade deriva inteiramente da responsabilidade da sua filial, o resultado do recurso interposto por esta última, decorre, contudo, da sua jurisprudência, designadamente do acórdão Areva e o./Comissão (C‑247/11 P e C‑253/11 P, EU:C:2014:257, n.os 136 a 138), que, sempre que estejam cumpridos os pressupostos processuais identificados nos números anteriores, a sociedade‑mãe cuja responsabilidade deriva inteiramente da responsabilidade da sua filial deve, em princípio, beneficiar de uma eventual redução da responsabilidade da sua filial que lhe tinha sido imputada.

42

Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter em conta o resultado do acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423).

43

Daqui resulta que o primeiro e o terceiro fundamentos do recurso são procedentes.

44

Consequentemente, há que anular o acórdão recorrido, na medida em que o Tribunal Geral não procedeu ao alinhamento do montante da coima imposta à Total com o montante da coima imposta à Total France.

45

Nestas condições, e na sequência também do acórdão hoje proferido no processo Total Marketing Services/Comissão (C‑634/13 P, EU:C:2015:614), não há que examinar os quarto a sexto fundamentos subsidiários do recurso.

46

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. É o que acontece no caso em apreço.

47

Com base nas considerações constantes dos n.os 38 a 44 do presente acórdão, há que reduzir o montante da coima imposta à Total para o nível da coima aplicada à sua filial, a Total France, fixado no n.o 1 do dispositivo do acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423).

48

Por conseguinte, há que fixar o montante da coima aplicada à Total solidariamente com a Total France no artigo 2.o da decisão impugnada em 125459842 euros.

Quanto às despesas

49

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

50

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 138.o, n.o 3, do mesmo regulamento prevê, além disso, que se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

51

A este respeito, há que decidir, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, que a Total suporte três quartos das despesas da Comissão e as suas próprias despesas efetuadas no âmbito do presente recurso e do processo no Tribunal Geral e que a Comissão suporte um quarto das suas próprias despesas e das despesas da Total relativas a esses dois processos.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia Total/Comissão (T‑548/08, EU:T:2013:434) é anulado na medida em que não procedeu ao alinhamento do montante da coima imposta à Total SA com o montante da coima imposta à Total Raffinage Marketing SA pelo acórdão Total Raffinage Marketing/Comissão (T‑566/08, EU:T:2013:423).

 

2)

É negado provimento ao presente recurso quanto ao restante.

 

3)

O montante da coima aplicada à Total SA solidariamente com a Total Raffinage Marketing SA no artigo 2.o da Decisão C (2008) 5476 final da Comissão, de 1 de outubro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81° [CE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/39.181 — Cera para velas), é fixado em 125459842 euros.

 

4)

A Total SA suporta três quartos das despesas da Comissão Europeia e das suas próprias despesas relacionadas com o presente recurso e com o processo em primeira instância.

 

5)

A Comissão Europeia suporta um quarto das suas próprias despesas e das despesas da Total SA relacionadas com o presente recurso e com o processo em primeira instância.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.