ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de março de 2015 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Mercado interno do gás natural — Obrigação das empresas de gás natural — Implementação de um sistema de acesso negociado de terceiros às instalações de armazenamento de gás — Decisão das autoridades checas — Derrogação temporária para as futuras instalações de armazenamento subterrâneo de gás de Dambořice — Decisão da Comissão — Ordem de revogação da decisão de derrogação — Diretivas 2003/55/CE e 2009/73/CE — Aplicação no tempo»

No processo C‑596/13 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 21 de novembro de 2013,

Comissão Europeia, representada por L. Armati e K. Herrmann, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Moravia Gas Storage a.s., anteriormente Globula a.s., com sede em Hodonín (República Checa), representada por P. Zákoucký e D. Koláček, advokáti,

recorrente em primeira instância,

República Checa, representada por M. Smolek, T. Müller e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, J. L. da Cruz Vilaça e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 11 de dezembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

No presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Globula/Comissão (T‑465/11, EU:T:2013:406, a seguir «acórdão recorrido»), que anulou a Decisão C‑(2011) 4509 da Comissão, de 27 de junho de 2011, relativa à derrogação referente a uma instalação de armazenamento subterrâneo de gás em Dambořice, à luz das regras do mercado interno sobre o acesso de terceiros (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

2

O artigo 22.o da Diretiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Diretiva 98/30/CE (JO L 176, p. 57), dispõe:

«1.   As novas infraestruturas importantes do setor do gás, ou seja, as interligações entre Estados‑Membros e as instalações de [gás natural liquefeito (GNL)] e de armazenamento, podem, a pedido, beneficiar de derrogações ao disposto nos artigos 18.°, 19.° e 20.°, e nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 25.o, sob as seguintes condições:

a)

O investimento deve promover a concorrência no fornecimento de gás e promover a segurança do fornecimento;

b)

O nível de risco associado ao investimento é de tal ordem que este não se realizaria se não fosse concedida a derrogação;

c)

A infraestrutura deve ser propriedade de uma pessoa singular ou coletiva separada, pelo menos no plano jurídico, dos operadores em cujas redes a referida infraestrutura será construída;

d)

Devem ser cobradas taxas de utilização aos utilizadores dessa infraestrutura;

e)

A derrogação não prejudica a concorrência nem o funcionamento eficaz do mercado interno do gás ou o funcionamento eficiente do sistema regulado a que está ligada a infraestrutura.

2.   O n.o 1 aplica‑se igualmente aos aumentos significativos de capacidade nas infraestruturas existentes e às alterações dessas infraestruturas que permitam o desenvolvimento de novas fontes de fornecimento de gás.

3.   

a)

A entidade reguladora referida no artigo 25.o pode decidir, caso a caso, sobre a derrogação referida nos n.os 1 e 2. Todavia, os Estados‑Membros podem determinar que as entidades reguladoras submetam o seu parecer sobre o pedido de derrogação à apreciação do organismo competente do Estado‑Membro, para decisão formal. Este parecer será publicado juntamente com a decisão;

b)

i)

A derrogação poderá abranger a totalidade ou partes, respetivamente, da nova infraestrutura, da estrutura existente significativamente ampliada ou da alteração da infraestrutura existente;

ii)

Ao decidir conceder uma derrogação, há que analisar, caso a caso, se é necessário impor condições no que se refere à duração da derrogação e ao acesso não discriminatório à interligação;

iii)

Aquando do processo decisório sobre as condições desta alínea, dever‑se‑á ter em conta, em particular, a duração dos contratos, a capacidade adicional a construir ou a alteração da capacidade existente, o horizonte temporal do projeto e as circunstâncias nacionais;

c)

Ao conceder uma derrogação, a autoridade competente pode decidir sobre a regulamentação e os mecanismos de gestão e repartição de capacidades desde que tal não impeça a realização dos contratos a longo prazo;

d)

A decisão de isenção, incluindo as condições referidas na alínea b), deve ser devidamente justificada e publicada;

e)

No caso das interligações, qualquer decisão de derrogação deve ser tomada após consulta com os outros Estados‑Membros ou entidades reguladoras interessadas.

4.   A decisão de derrogação deve ser imediatamente notificada pela autoridade competente à Comissão, acompanhada de todas as informações relevantes acerca da decisão. Essas informações podem ser apresentadas à Comissão de forma agregada, para que esta possa formular uma decisão bem fundamentada.

As referidas informações devem incluir nomeadamente:

a)

As razões pormenorizadas em que se baseou a entidade reguladora ou o Estado‑Membro que concedeu a derrogação, incluindo as informações financeiras que justificam a necessidade dessa derrogação;

b)

A análise realizada sobre os efeitos, em termos de concorrência e de eficácia de funcionamento do mercado interno do gás natural, que resultam da concessão dessa derrogação;

c)

As razões em que se fundamentam o período de derrogação e a percentagem da capacidade total da infraestrutura de gás em questão a que a mesma é concedida;

d)

Caso a derrogação diga respeito a uma interligação, o resultado da consulta com os Estados‑Membros ou as entidades reguladoras interessados;

e)

O contributo da infraestrutura para a diversificação do fornecimento de gás.

No prazo de dois meses após receção da notificação, a Comissão pode solicitar que a entidade reguladora ou o Estado‑Membro em questão altere ou anule a decisão de conceder a derrogação. Este prazo de dois meses pode ser prorrogado por mais um mês sempre que a Comissão pretenda obter informações complementares.

Caso a entidade reguladora ou o Estado‑Membro em questão não deem seguimento a um pedido no prazo de quatro semanas, deve ser tomada uma decisão nos termos do n.o 2 do artigo 30.o

A Comissão deve preservar a confidencialidade das informações comercialmente sensíveis.»

3

O artigo 36.o da Diretiva 2009/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno do gás natural e que revoga a Diretiva 2003/55/CE (JO L 211, p. 94), prevê:

«1.   As novas infraestruturas importantes do setor do gás, ou seja, as interligações, instalações de GNL e instalações de armazenamento, podem, apresentando pedido nesse sentido, beneficiar de derrogações, por um período definido, ao disposto nos artigos 9.°, 32.°, 33.° e 34.° e nos n.os 6, 8 e 10 do artigo 41.o, nas seguintes condições:

a)

O investimento deve promover a concorrência no fornecimento de gás e aumentar a segurança do abastecimento;

b)

O nível de risco associado ao investimento é de tal ordem que não haveria investimento se não fosse concedida a derrogação;

c)

A infraestrutura deve ser propriedade de uma pessoa singular ou coletiva separada, pelo menos em termos de forma jurídica, dos operadores em cujas redes a referida infraestrutura será construída;

d)

Têm de ser cobradas taxas de utilização aos utilizadores dessa infraestrutura; e

e)

A derrogação não prejudica a concorrência nem o bom funcionamento do mercado interno do gás natural ou o funcionamento eficiente do sistema regulado a que está ligada a infraestrutura.

2.   O n.o 1 aplica‑se igualmente aos aumentos significativos de capacidade nas infraestruturas existentes e às alterações dessas infraestruturas que permitam o desenvolvimento de novas fontes de fornecimento de gás.

3.   A entidade reguladora a que se refere o capítulo VIII pode decidir, caso a caso, sobre a derrogação referida nos n.os 1 e 2.

4.   Se a infraestrutura em questão estiver localizada no território de mais de um Estado‑Membro, a Agência pode apresentar um parecer consultivo às entidades reguladoras, o qual pode constituir uma base para a sua decisão, no prazo de dois meses a contar da data de receção do pedido de isenção à última das entidades reguladoras em causa.

Caso todas as entidades reguladoras em causa tenham chegado a acordo sobre o pedido de isenção no prazo de seis meses a contar da data de receção deste pela última entidade reguladora, aquelas devem informar a Agência dessa decisão.

A Agência exerce as funções atribuídas pelo presente artigo às entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa:

a)

Se, no prazo de seis meses a contar da data de receção do pedido de isenção pela última das entidades reguladoras nacionais em causa, estas não tiverem chegado a acordo; ou

b)

Mediante pedido conjunto das entidades reguladoras em causa.

A pedido conjunto das entidades reguladoras em causa, o prazo a que se refere a alínea a) do terceiro parágrafo pode ser prorrogado por um período máximo de três meses.

5.   Antes de tomar uma decisão, a Agência deve consultar as entidades reguladoras e os requerentes.

6.   A derrogação pode abranger a totalidade ou parte da capacidade da nova infraestrutura ou da infraestrutura existente com capacidade significativamente aumentada.

Ao decidir conceder uma derrogação, há que analisar, caso a caso, se é necessário impor condições no que se refere à duração da derrogação e ao acesso não discriminatório à infraestrutura. Aquando da decisão sobre essas condições, deve ter‑se em conta, nomeadamente, a capacidade adicional a construir ou a alteração da capacidade existente, o horizonte temporal do projeto e as circunstâncias nacionais.

Antes de conceder uma derrogação, a entidade reguladora deve decidir das regras e dos mecanismos de gestão e atribuição de capacidade. Essas regras devem prever que todos os potenciais utilizadores da infraestrutura sejam convidados a indicar o seu interesse em contratar capacidade, inclusivamente capacidade para uso próprio antes da atribuição de capacidade à nova infraestrutura. A entidade reguladora deve exigir que as regras de gestão dos congestionamentos incluam a obrigação de oferecer no mercado capacidade não utilizada e que os utilizadores da infraestrutura tenham o direito de transacionar no mercado secundário a capacidade que tenham contratado. Na sua avaliação dos critérios a que se referem as alíneas a), b) e e) do n.o 1, a entidade reguladora deve ter em conta os resultados do procedimento de atribuição de capacidade.

A decisão de isenção, incluindo as condições referidas no segundo parágrafo do presente número, deve ser devidamente justificada e publicada.

7.   Não obstante o disposto no n.o 3, os Estados‑Membros podem determinar que a entidade reguladora ou a Agência, consoante o caso, submeta o seu parecer sobre o pedido de derrogação à apreciação do organismo competente do Estado‑Membro, para efeitos de decisão formal. Esse parecer deve ser publicado juntamente com a decisão.

8.   A entidade reguladora transmite à Comissão uma cópia de cada pedido de derrogação, imediatamente após a sua receção. A decisão deve ser imediatamente notificada pela autoridade competente à Comissão, acompanhada de todas as informações relevantes acerca da decisão. Essas informações podem ser apresentadas à Comissão de forma agregada, para que esta possa formular uma decisão bem fundamentada. As referidas informações devem incluir nomeadamente:

a)

As razões circunstanciadas em que a entidade reguladora ou o Estado‑Membro se basearam para conceder ou recusar a derrogação, juntamente com a referência ao n.o 1, incluindo a alínea ou alíneas pertinentes do mesmo número em que assenta essa decisão, incluindo as informações financeiras que a justificam;

b)

A análise realizada sobre os efeitos, em termos de concorrência e de eficácia de funcionamento do mercado interno do gás natural, que resultam da concessão dessa derrogação;

c)

As razões em que se fundamentam o período de derrogação e a percentagem da capacidade total da infraestrutura de gás em questão a que a mesma é concedida;

d)

Caso a derrogação diga respeito a uma interligação, o resultado da consulta com as entidades reguladoras em causa; e

e)

O contributo da infraestrutura para a diversificação do fornecimento de gás.

9.   No prazo de dois meses a contar do dia de receção de uma notificação, a Comissão pode tomar uma decisão que inste a entidade reguladora a alterar ou retirar a decisão de conceder uma derrogação. O prazo de dois meses pode ser prorrogado por mais dois meses sempre que a Comissão pretenda obter informações complementares. O novo prazo começa a correr no dia seguinte ao da receção das informações completas. O prazo inicial de dois meses pode também ser prorrogado mediante o acordo conjunto da Comissão e da entidade reguladora.

Se as informações pedidas não derem entrada dentro do prazo indicado no pedido, considerar‑se‑á que a notificação foi retirada, salvo se, antes de findo o prazo, este tiver sido prorrogado com o consentimento conjunto da Comissão e da entidade reguladora ou se a entidade reguladora, numa declaração devidamente fundamentada, tiver informado a Comissão de que considera a notificação completa.

A entidade reguladora deve cumprir a decisão da Comissão de alterar ou retirar a decisão de certificação no prazo de um mês e informar a Comissão em conformidade.

A Comissão deve preservar a confidencialidade das informações comercialmente sensíveis.

A aprovação, por parte da Comissão, de uma decisão de derrogação deixa de produzir efeitos dois anos após a sua adoção se a construção da infraestrutura não tiver ainda começado ou cinco anos após a referida adoção se a infraestrutura não estiver ainda operacional, a menos que a Comissão decida que os atrasos se devem a importantes obstáculos, que estão para lá do controlo da pessoa a quem a isenção foi concedida.

10.   A Comissão pode aprovar orientações para a aplicação das condições mencionadas no n.o 1 e para estabelecer o procedimento relativo à aplicação do disposto nos n.os 3, 6, 8 e 9. Essas medidas, que têm por objeto alterar elementos não essenciais da presente diretiva, completando‑a, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 3 do artigo 51.o»

4

Nos termos do artigo 53.o da Diretiva 2009/73, a Diretiva 2003/55 é revogada com efeitos a partir de 3 de março de 2011 e, a partir dessa data, as remissões para essa última diretiva devem considerar‑se feitas para a Diretiva 2009/73 e devem ler‑se nos termos do quadro de correspondência constante do anexo II desta última. Nos termos desse quadro, o artigo 22.o da Diretiva 2003/55 corresponde ao artigo 36.o da Diretiva 2009/73.

Factos que estão na origem do litígio

5

Em 14 de abril de 2009, a Moravia Gas Storage a.s. (a seguir «MGS»), anteriormente Globula a.s., apresentou um pedido ao Ministério da Indústria e do Comércio checo (a seguir «ministério»), destinado a obter uma autorização para a construção de uma instalação de armazenamento subterrâneo de gás, em Dambořice (República Checa, a seguir «instalação ASG»). No âmbito desse pedido, solicitou uma derrogação temporária, para a totalidade da nova capacidade da instalação ASG, à obrigação de fornecer um acesso negociado de terceiros à referida instalação.

6

Por decisão de 26 de outubro de 2010, o ministério autorizou a construção da instalação ASG e concedeu à MGS uma derrogação temporária à obrigação de fornecer um acesso negociado de terceiros, para 90% da capacidade da instalação ASG, durante quinze anos a partir da data efetiva da autorização de utilização.

7

A referida decisão foi notificada à Comissão por carta do ministério de 11 de fevereiro de 2011, recebida em 18 de fevereiro de 2011.

8

Por carta de 15 de abril de 2011, a Comissão pediu informações complementares ao ministério, esclarecendo que, se tivesse de lhe pedir para alterar ou revogar a decisão de 26 de outubro de 2010, fá‑lo‑ia antes de 18 de junho de 2011. O ministério respondeu em 29 de abril de 2011, no prazo fixado pela Comissão.

9

Por carta de 13 de maio de 2011, a Comissão endereçou ao ministério um segundo pedido de informações complementares, indicando, de novo, que, se tivesse de lhe pedir para alterar ou revogar a decisão notificada, fá‑lo‑ia antes de 18 de junho de 2011. O ministério respondeu em 20 de maio de 2011, no prazo fixado pela Comissão.

10

Por carta de 23 de junho de 2011, assinada pelo membro da Comissão responsável pelas questões energéticas, a Comissão informou o ministério de que adotaria uma decisão formal antes de 29 de junho de 2011.

11

Através da decisão controvertida, notificada à República Checa em 28 de junho de 2011, a Comissão instou com esse Estado‑Membro no sentido de que revogasse a decisão de 26 de outubro de 2010.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

12

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de agosto de 2011, a MGS interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida e pediu a condenação da Comissão nas despesas.

13

Em apoio do seu recurso, a MGS invocou três fundamentos, relativos, em primeiro lugar, a erros na determinação do direito aplicável, em segundo lugar, à violação do princípio da confiança legítima e, em terceiro lugar, a um erro manifesto de apreciação dos elementos de facto.

14

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente o primeiro fundamento invocado pela MGS e anulou a decisão controvertida, dado que esta devia ter sido adotada com base nas disposições da Diretiva 2003/55, e não com base nas disposições da Diretiva 2009/73. Deste modo, o Tribunal Geral não apreciou o segundo e terceiro fundamentos invocados pela MGS em apoio do seu recurso.

Pedidos das partes

15

Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal que se digne:

anular o acórdão recorrido;

julgar improcedente o primeiro fundamento invocado em primeira instância e remeter o processo ao Tribunal Geral para apreciação do segundo e terceiro fundamentos invocados em primeira instância; e

reservar para final a decisão quanto às despesas em ambas as instâncias.

16

A MGS pede ao Tribunal que se digne:

negar provimento ao recurso na sua totalidade; e

condenar a Comissão nas despesas apresentadas por ocasião do presente recurso.

17

A República Checa pede ao Tribunal que se digne:

negar provimento ao recurso; e

condenar a Comissão nas despesas apresentadas no processo em primeira instância e no âmbito do presente recurso.

Quanto ao presente recurso

Argumentos das partes

18

Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca um único fundamento, nos termos do qual alega, em substância, que, ao declarar que as normas da Diretiva 2003/55 eram aplicáveis ao litígio que foi chamado a apreciar, o Tribunal Geral violou os artigos 288.° TFUE e 297.°, n.o 1, TFUE.

19

Em seu entender, enquanto o prazo de que dispõe para exigir a alteração ou a revogação de uma decisão nacional de derrogação não tiver expirado, a notificação desta situação nos termos dos artigos 22.° da Diretiva 2003/55 e 36.° da Diretiva 2009/73 não constitui uma situação definitivamente adquirida, mas uma etapa do processo de derrogação em curso.

20

No caso em apreço, a Comissão alega que o processo não tinha terminado em 3 de março de 2011, data da revogação da Diretiva 2003/55, pelo que, nessa data, não existia nenhuma situação definitivamente adquirida e que, a partir da mesma data, eram aplicáveis as normas da Diretiva 2009/73.

21

Por outro lado, a Comissão alega que, ao considerar que o acórdão Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, EU:C:1981:270) era transponível para o caso em apreço e ao declarar que as alterações processuais e substantivas introduzidas pelo artigo 36.o da Diretiva 2009/73 formam um todo indissociável, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

22

Considera, nomeadamente, que a exceção decorrente desse acórdão no que diz respeito à aplicação no tempo das novas regras de direito deve ser interpretada de forma restritiva e não se aplica nos casos em que uma nova diretiva altera uma regulamentação da União preexistente.

23

Em especial, a Comissão considera que da circunstância de a Diretiva 2009/73 ter introduzido alterações, no caso, processuais, não se pode deduzir que as normas processuais e substantivas desta diretiva formam um todo indissociável e que estas não podem ser consideradas isoladamente quanto aos seus efeitos no tempo.

24

Segundo a MGS, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar que a Comissão devia ter aplicado as normas da Diretiva 2003/55.

25

Com efeito, a MGS alega que a adoção da decisão nacional de derrogação e a sua notificação à Comissão constituem uma situação adquirida anteriormente, na sequência da qual adquiriu direitos e à qual não podem ser aplicadas novas regras de direito.

26

Por outro lado, a MGS considera que uma abordagem diferente implicaria a violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

27

A MGS considera que a exceção resultante do acórdão Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, EU:C:1981:270) pode aplicar‑se a uma situação em que uma diretiva da União se substitui a uma diretiva anterior e que, no caso em apreço, o Tribunal Geral efetuou uma aplicação correta desta exceção.

28

A República Checa alega que, na medida em que, no âmbito do procedimento de derrogação previsto pelas Diretivas 2003/55 e 2009/73, a Comissão aprecia a regularidade de uma decisão adotada anteriormente pelas autoridades de um Estado‑Membro, ou seja, o respeito pelas condições aplicáveis no momento dessa adoção, esta apreciação não pode logicamente ser efetuada à luz de normas adotadas posteriormente a esta.

29

Segundo o referido Estado‑Membro, nos termos do princípio da segurança jurídica, a notificação da decisão nacional de derrogação condiciona o desenrolar das outras etapas do procedimento, nomeadamente no que diz respeito ao direito aplicável no quadro da apreciação desta decisão, quando esta última estabeleça uma situação «adquirida anteriormente».

30

Além disso, a República Checa considera que a interpretação da Comissão lhe permitiria apreciar de modo diferente decisões nacionais de derrogação notificadas na mesma data, dado que a escolha das disposições aplicáveis dependeria, na realidade, da data em que a Comissão efetuou as diligências relativas a estas decisões e seria assim deixada à livre apreciação desta. Tal levaria a uma diferença de tratamento das referidas decisões, que seria contrária aos princípios da igualdade e da equidade.

31

Por último, esse Estado‑Membro salienta que estas considerações são corroboradas pelo facto de a Diretiva 2009/73 não conter nenhuma disposição relativa ao tratamento dos procedimentos em curso à data da sua entrada em vigor.

Apreciação do Tribunal de Justiça

32

Importa recordar que uma norma jurídica nova é aplicável a partir da entrada em vigor do ato que a instaura e que, embora esta não seja aplicável às situações jurídicas criadas e definitivamente adquiridas ao abrigo da lei anterior, é aplicável aos efeitos futuros das mesmas e às situações jurídicas novas. Só assim não será, e com ressalva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a norma nova for acompanhada de disposições especiais que determinam especialmente as suas regras de aplicação no tempo (acórdão Gemeinde Altrip e o., C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 22 e jurisprudência referida).

33

Em especial, segundo jurisprudência constante, pressupõe‑se que as regras processuais são aplicáveis, geralmente, na data em que entram em vigor (acórdão Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 45 e jurisprudência referida), diferentemente do que sucede com as regras substantivas, que são habitualmente interpretadas no sentido de que visam as situações adquiridas anteriormente à sua entrada em vigor, apenas na medida em que resulte claramente dos próprios termos, das suas finalidades ou da sua economia que esse efeito lhes deve ser atribuído (v. acórdãos Meridionale Industria Salumi e o., 212/80 a 217/80, EU:C:1981:270, n.o 9; Molenbergnatie, C‑201/04, EU:C:2006:136, n.o 31; e Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07 P, EU:C:2008:709, n.o 44).

34

O Tribunal de Justiça também declarou que a disposição que constitui a base jurídica de um ato e que habilita uma instituição da União a adotá‑lo deve estar em vigor à data da respetiva adoção (v. acórdão ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, EU:C:2011:191, n.o 88).

35

No caso em apreço, o Tribunal Geral declarou que as alterações de ordem processual e substantiva, introduzidas pelo artigo 36.o da Diretiva 2009/73, formavam um todo indissociável, de modo que, em conformidade com o acórdão Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, EU:C:1981:270), não se pode reconhecer efeito retroativo ao conjunto dessas disposições e que, por consequência, as regras aplicáveis eram as da Diretiva 2003/55, tanto em termos substantivos como processuais.

36

Há que recordar que, no n.o 11 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça considerou, em exceção à regra de interpretação recordada no n.o 33 do presente acórdão, que uma regulamentação da União que se destinava a estabelecer uma regulamentação geral de cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros continha regras tanto processuais como substantivas que formam um todo indissociável e cujas disposições não podiam ser consideradas isoladamente quanto aos seus efeitos no tempo. Esta exceção justificava‑se pela substituição dos regimes nacionais preexistentes por um regime comunitário novo, já que o objetivo era de conseguir uma aplicação coerente e uniforme da legislação comunitária assim estabelecida em matéria aduaneira (v. acórdão Molenbergnatie, C‑201/04, EU:C:2006:136, n.o 32).

37

A este respeito, importa observar que a situação em causa no processo que deu origem ao acórdão Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, EU:C:1981:270) não é comparável com a do processo em apreço. Com efeito, a Diretiva 2009/73 revoga e substitui uma regulamentação da União preexistente aplicável no mesmo domínio, a saber, a Diretiva 2003/55. A este propósito, a Diretiva 2009/73 não cria um regime novo, antes se inscrevendo na continuidade direta da Diretiva 2003/55, não alterando, aliás, o conteúdo das respetivas disposições substantivas, nomeadamente as relativas às condições materiais de que depende a derrogação, previstas nos artigos 22.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/55 e 36.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2009/73.

38

Neste contexto, como salientou a advogada‑geral nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, a circunstância de as disposições processuais da Diretiva 2003/55 terem sido alteradas pela Diretiva 2009/73 não é, por si mesma, suscetível, contrariamente ao que declarou o Tribunal Geral no n.o 36 do acórdão recorrido, de comprovar que as disposições processuais e substantivas previstas no artigo 36.o desta última diretiva apresentam um caráter «indissociável», na aceção do acórdão Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, EU:C:1981:270).

39

Por outro lado, o facto de, nas referidas diretivas, as mesmas disposições substantivas estarem acompanhadas de disposições processuais diferentes tende a indicar que, nas circunstâncias do caso em apreço, tais disposições substantivas podem ser dissociadas das referidas disposições processuais.

40

Por conseguinte, a exceção prevista no n.o 36 do presente acórdão não é aplicável no caso em apreço.

41

Nestas condições, tendo a Diretiva 2003/55 sido revogada com efeitos a partir de 3 de março de 2011, data em que foi substituída pela Diretiva 2009/73, as disposições em vigor em 27 de junho de 2011, data da adoção da decisão controvertida, não eram as da Diretiva 2003/55, mas as da Diretiva 2009/73.

42

Daqui resulta que a Comissão não aplicou retroativamente as disposições da Diretiva 2009/73, antes tendo adotado a decisão controvertida com fundamento na disposição então vigente.

43

Por outro lado, há que salientar que, nos termos dos artigos 22.° da Diretiva 2003/55 e 36.° da Diretiva 2009/73, a Comissão pode, após receção da notificação da decisão nacional de derrogação, solicitar a alteração, a anulação ou a revogação dessa decisão.

44

Deste modo, contrariamente ao que alega a MGS e como salientou a advogada‑geral nos n.os 66, 70 e 71 das suas conclusões, uma tal decisão ou notificação não pode ser considerada constitutiva de uma situação «nascida e definitivamente adquirida» ou de uma «situação adquirida anteriormente», na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 32 e 33 do presente acórdão.

45

Por conseguinte, na falta de disposições específicas que regulem especialmente as suas condições de aplicação no tempo, a Diretiva 2009/73 devia aplicar‑se aos procedimentos em curso a partir da data da sua entrada em vigor, ou seja, 3 de março de 2011. Consequentemente, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão aplicou erradamente esta diretiva ao adotar a decisão controvertida.

46

Neste contexto, no que respeita à pretensa violação do princípio da proteção da confiança legítima invocada pela MGS e pela República Checa, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, este princípio não poderá estender‑se ao ponto de impedir, de forma geral, que uma norma nova se aplique aos efeitos futuros de situações nascidas sob o domínio da norma anterior (v. acórdãos Tomadini, 84/78, EU:C:1979:129, n.o 21; Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07 P, EU:C:2008:709, n.o 43; e Stadt Papenburg, C‑226/08, EU:C:2010:10, n.o 46).

47

Quanto à violação dos princípios da igualdade e da equidade alegada pela República Checa, há que salientar que, como referiu a advogada‑geral nos n.os 62 e 63 das suas conclusões, na medida em que a alteração do regime jurídico aplicável assenta num elemento objetivo, a saber, a data da entrada em vigor da Diretiva 2009/73, na medida em que, segundo as conclusões do Tribunal Geral, a notificação da decisão nacional de derrogação em causa no caso em apreço antecedeu em poucos dias essa data e na medida em que não está, de modo algum, demonstrado que a Comissão tenha, consoante o caso, arbitrariamente e sem motivo objetivo, acelerado ou atrasado a tramitação das decisões nacionais de derrogação notificadas nessa mesma data, com vista a concluir determinados procedimentos antes e outros após a data de entrada em vigor da referida diretiva, não se pode concluir, no caso em apreço, pela violação dos referidos princípios.

48

Por conseguinte, ao declarar que, no caso em apreço, as normas da Diretiva 2003/55 eram aplicáveis quer substantiva quer processualmente, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

49

Nestas condições, há que julgar procedente o fundamento único invocado pela Comissão em apoio do seu recurso e anular o acórdão recorrido.

Quanto ao recurso no Tribunal Geral

50

Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso de uma decisão do Tribunal Geral for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

51

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que há que decidir definitivamente quanto ao primeiro fundamento do recurso de anulação da decisão controvertida interposto pela MGS.

52

A este respeito, basta salientar que, pelas razões enunciadas nos pontos 35 a 47 do presente acórdão, esse primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

53

No entanto, uma vez que o Tribunal Geral não analisou o segundo e terceiro fundamentos invocados pela MGS em apoio do seu recurso de anulação, o Tribunal de Justiça considera que o presente litígio não está em condições de ser julgado.

54

Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este decida quanto àqueles segundo e terceiro fundamentos.

Quanto às despesas

55

Tendo o processo sido remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Globula/Comissão (T‑465/11, EU:T:2013:406), é anulado.

 

2)

O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

 

3)

Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.