ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

26 de fevereiro de 2015 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE — Responsabilidade contratual da União — Artigo 272.o TFUE — Cláusula compromissória — Sexto programa‑quadro de ações em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração — Contratos relativos aos projetos Ontogov, FIT e RACWeb — Custos elegíveis e montantes pagos pela Comissão — Ação declarativa — Falta de interesse em agir efetivo e atual»

No processo C‑564/13 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 31 de outubro de 2013,

Planet AE Anonymi Etaireia Parochis Symvouleftikon Ypiresion, com sede em Atenas (Grécia), representada por V. Christianos e S. Paliou, dikigoroi,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por R. Lyal, B. Conte e D. Triantafyllou, na qualidade de agentes, assistidos por S. Drakakakis, avocat,

demandada em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda (relator), A. Rosas, E. Juhász e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de setembro de 2014,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 6 de novembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Planet AE Anonymi Etaireia Parochis Symvouleftikon Ypiresion pede a anulação do despacho do Tribunal Geral da União Europeia, Planet/Comissão (T‑489/12, EU:T:2013:496, a seguir «despacho recorrido»), através do qual este último julgou manifestamente inadmissível a sua ação proposta nos termos dos artigos 272.° TFUE e 340.°, primeiro parágrafo, TFUE, destinada a obter a declaração de que a Comissão Europeia tinha violado vários contratos celebrados com ela, ao recusar os custos com pessoal próprios aos quadros de categoria superior que emprega, e de que, por conseguinte, esses custos eram elegíveis e não deviam ser restituídos à Comissão.

Antecedentes do litígio

2

Os antecedentes do litígio foram descritos nos n.os 1 a 22 do despacho recorrido, do seguinte modo:

«1

A demandante, PLANET AE Anonymi Etaireia Parohis Symvouleftikon Ypiresion, é uma sociedade de consultadoria em gestão de empresas e de projetos. Colabora com parceiros internacionais e europeus, entre os quais a Comissão [...], no setor da consultadoria em estratégia, informática e gestão de projetos.

2

O presente processo diz respeito aos direitos e obrigações da Comissão, decorrentes dos contratos celebrados com a demandante para três projetos de investigação. Esses contratos tinham por base a Decisão n.o 1513/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho de 2002, relativa ao sexto programa‑quadro da Comunidade Europeia de ações em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração que visam contribuir para a realização do espaço europeu da investigação e para a inovação (2002‑2006) (JO L 232, p. 1).

3

Trata‑se, mais precisamente, de contratos celebrados entre a Comunidade Europeia, representada pela Comissão, e:

a demandante, agindo na qualidade de coordenadora e membro de um consórcio assinado em 17 de dezembro de 2003 para o projeto ‘Ontology enabled E‑Gov Service Configuration’ (Ontogov, n.o 507237);

o Forschungszentrum Informatik an der Universität Karlsruhe, agindo na qualidade de coordenador de um consórcio do qual a demandante era membro, assinado em 21 de dezembro de 2005 para o projeto ‘Fostering self‑adaptive e‑government service improvement using semantic technologies’ (FIT, n.o 27090);

a demandante, agindo na qualidade de coordenadora e membro de um consórcio assinado em 18 de dezembro de 2006 para o projeto ‘Risk Assessment for Customs in Western Balkans’ (RACWeb, n.o 45101) (a seguir, em conjunto, ‘contratos controvertidos’).

4

O artigo ΙΙ.24, n.o 1, ponto a), dos contratos controvertidos prevê que a contribuição financeira da União Europeia se baseia nos custos elegíveis declarados pelos contratantes.

5

Em conformidade com o artigo II.8 dos contratos controvertidos, a Comissão deve, antes de reembolsar os custos declarados pelo consórcio e/ou pelos contratantes no final de cada período de comunicação, avaliar e aprovar os relatórios e os elementos a fornecer. Segundo o n.o 4 do mesmo artigo, a aprovação de um relatório pela Comissão não implica a isenção de uma auditoria ou de um controlo, que pode ser efetuado em conformidade com as disposições do artigo II.29.

6

O artigo II.29 dos contratos controvertidos prevê o seguinte:

‘1.   A Comissão pode, a todo o tempo, durante a vigência do contrato, e até cinco anos após o termo do projeto, realizar auditorias por revisores ou por auditores científicos ou tecnológicos externos, ou ainda pela própria Comissão, incluindo o Organismo Europeu de Luta Antifraude. Essas auditorias podem incidir sobre aspetos científicos, financeiros, tecnológicos e outros (como os princípios da contabilidade e da gestão) relativos à boa execução do projeto e do contrato. Essas auditorias devem ser realizadas numa base de confidencialidade. Os montantes devidos à Comissão de acordo com as conclusões dessas auditorias podem dar origem a recuperação, conforme previsto no artigo II.31 [...]

2.   Os contratantes devem disponibilizar diretamente à Comissão todos os dados detalhados que esta lhes possa pedir com o objetivo de verificar se o contrato está a ser corretamente gerido e executado.

3.   Os contratantes devem conservar o original ou, em casos excecionais devidamente fundamentados, as cópias autenticadas conformes ao original de todos os documentos relativos ao projeto, durante um período de cinco anos a contar do termo do projeto. Estes documentos devem ser disponibilizados à Comissão, sempre que forem pedidos no decurso da execução de uma auditoria no âmbito do contrato.’

7

Em conformidade com o artigo II.31, n.o 1, dos contratos controvertidos, ‘quando um montante tenha sido pago indevidamente ao contratante ou quando uma recuperação se justifique nos termos do contrato, o contratante obriga‑se a restituir à Comissão a quantia em questão, nas condições e na data que esta indicar’.

8

Por fim, segundo o artigo 12.o dos contratos controvertidos, é‑lhes aplicável a lei belga. O artigo 13.o dispõe que ‘[o] Tribunal Geral [...] ou o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, consoante o caso, dispõe de competência para decidir sobre os litígios entre a Comunidade e os contratantes, quanto à validade, à aplicação ou à interpretação do presente contrato’.

9

Durante o período de 17 a 21 de novembro de 2008, e em 4 de dezembro de 2008, uma sociedade de auditoria externa efetuou, por conta da unidade de auditoria externa da Direção‑Geral (DG) ‘Sociedade da informação e media’ da Comissão (a seguir ‘DG Informação’), uma auditoria financeira à demandante, focalizada nos custos declarados relativamente a certos períodos, a título dos projetos Ontogov, FIT e RACWeb.

10

Por correio eletrónico de 8 de abril de 2009, a sociedade de auditoria transmitiu à demandante o relatório de auditoria provisório, que punha em causa, nomeadamente, os custos com pessoal relativos a três dos [seus] quadros superiores (a seguir ‘custos controvertidos’).

11

Em 29 de maio de 2009, a demandante apresentou as suas observações sobre o referido relatório de auditoria provisório.

12

Em 10 de julho de 2009, a demandante apresentou uma declaração de custos revista, aceitando certas recomendações da sociedade auditora.

13

Por carta de 11 de novembro de 2009, a unidade de auditoria externa da DG Informação expôs as razões por que mantinha as conclusões apresentadas no relatório de auditoria provisório e transmitiu à recorrente o relatório de auditoria final.

14

Por carta de 23 de dezembro de 2009, a demandante contestou a regularidade da auditoria e convidou a Comissão para uma reunião, a fim de fornecer informações detalhadas sobre as suas objeções.

15

Em 4 de março de 2010, teve lugar uma reunião entre a demandante e a unidade de auditoria externa da DG Informação. Nela ficou acordado que a demandante forneceria à Comissão elementos suplementares sobre a participação dos seus quadros superiores.

16

Por carta de 19 de abril de 2010, a demandante transmitiu à Comissão a documentação complementar que se tinha comprometido a fornecer.

17

Por carta de 10 de maio de 2010, a unidade de auditoria externa da DG Informação informou a demandante da sua intenção de efetuar um controlo suplementar (follow‑up audit), na sua sede, e transmitiu uma lista de justificativos que deviam ser apresentados durante o controlo. Este controlo teve lugar entre 20 e 22 de julho de 2010.

18

Em 3 de setembro e 9 de dezembro de 2010, a demandante apresentou as informações complementares pedidas durante o referido controlo suplementar.

19

Por carta de 22 de dezembro de 2010, a unidade de auditoria externa da DG Informação informou a demandante de que tinha decidido rever parcialmente as conclusões do seu relatório, aceitando certas despesas, mas mantendo as conclusões relativas aos custos controvertidos.

20

Por carta de 11 de fevereiro de 2011, a demandante apresentou as suas observações sobre as conclusões revistas do relatório de auditoria.

21

Por carta de 10 de abril de 2012, a unidade de auditoria externa da DG Informação respondeu que mantinha quase todas as suas conclusões relativas aos custos controvertidos.

22

Por carta de 21 de maio de 2012, a demandante reafirmou a sua posição relativa à elegibilidade dos custos controvertidos.»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e despacho recorrido

3

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de novembro de 2012, a demandante [ora recorrente] propôs uma ação, nos termos dos artigos 272.° TFUE e 340.°, primeiro parágrafo, TFUE, destinada a obter a declaração de que a Comissão tinha violado vários contratos celebrados com ela, ao recusar os custos controvertidos, e, que, por conseguinte, esses custos eram elegíveis e não deviam ser restituídos à Comissão.

4

Em 24 de janeiro de 2013, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Em 11 de março de 2013, a demandante apresentou observações sobre a exceção de inadmissibilidade da Comissão.

5

Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral julgou procedente a exceção de inadmissibilidade invocada pela Comissão, declarando que a demandante não tinha um interesse em agir efetivo e atual, no dia da propositura da sua ação.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

6

A recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o despacho recorrido;

remeter o processo ao Tribunal Geral, para que decida quanto ao mérito, e

condenar a Comissão nas despesas.

7

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso interposto do despacho do Tribunal Geral, por ser manifestamente desprovido de fundamento.

Quanto ao presente recurso

Argumentos das partes

8

Através de um fundamento de anulação único, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 31 a 35, 37, 38, 42 a 45 e 50 do despacho recorrido, que ela não tinha um interesse em agir efetivo e atual, no dia da propositura da sua ação, nos termos dos artigos 272.° TFUE e 340.°, primeiro parágrafo, TFUE.

9

A recorrente sustenta que o interesse em agir exigido no âmbito de uma ação declarativa destinada a obter o reconhecimento da responsabilidade contratual da União em aplicação dos artigos 272.° TFUE e 340.°, primeiro parágrafo, TFUE, como a que foi proposta no Tribunal Geral, tem um conteúdo diferente do interesse em agir exigido no âmbito dos outros recursos ou ações existentes no direito da União, como o recurso de anulação e a ação de indemnização.

10

Segundo a recorrente, o interesse em agir exigido no âmbito dessa ação declarativa destinada a obter o reconhecimento da responsabilidade contratual da União existe quando se verificar, por parte do cocontratante ou do seu representante qualificado, uma contestação séria, sistemática e repetida de um direito contratual, contestação essa que introduz razoavelmente uma incerteza quanto à existência, ao alcance e ao livre exercício do direito do interessado. Por conseguinte, o interesse em agir exigido no âmbito de uma ação de responsabilidade contratual não requer que a Comissão tenha adotado um ato definitivo que cause um prejuízo ou que exista um dano.

11

No presente caso, a recorrente considera que o seu interesse em agir não é hipotético, mas sim efetivo e atual, uma vez que as contestações repetidas por parte da Comissão criaram uma incerteza quanto à existência do seu direito de registar as remunerações de quadros superiores como custos diretos elegíveis.

12

À luz destes princípios, a recorrente considera que o Tribunal Geral aplicou erradamente o critério do interesse em agir exigido para se interpor um recurso de anulação, a saber, a existência de um ato definitivo, no n.o 34 do despacho recorrido, lido em conjugação com os seus n.os 45, 35, 37, 38 e 42. A recorrente considera igualmente que o Tribunal Geral aplicou erradamente o critério do interesse em agir exigido para se propor uma ação de indemnização, a saber, a existência de um dano certo, nos n.os 42 a 44 do despacho recorrido.

13

A recorrente alega que o Tribunal Geral declarou erradamente, no n.o 50 do despacho recorrido, que o seu interesse em agir apenas podia ser efetivo e atual na sequência da emissão, pela Comissão, de uma ordem de recuperação ou de qualquer outro ato. Esta exigência gera nos particulares uma insegurança jurídica a longo prazo, na medida em que estes são obrigados a aguardar pela emissão de uma ordem de recuperação, apesar de a Comissão já ter contestado de forma séria, repetida e sistemática o direito contratual que lhe assiste.

14

A Comissão considera que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar que a recorrente não tinha um interesse em agir efetivo e atual no dia da propositura da sua ação de declaração de incumprimento de obrigações contratuais nos termos dos artigos 272.° TFUE e 340.°, primeiro parágrafo, TFUE.

15

Em primeiro lugar, a Comissão alega que o Tribunal Geral não baseou o despacho recorrido nas condições de admissibilidade dos recursos de anulação. Em particular, o Tribunal Geral não baseou a sua apreciação na falta de um ato que cause prejuízo na aceção do artigo 263.o TFUE.

16

Em segundo lugar, a Comissão afirma que não contestou os direitos contratuais da recorrente, uma vez que não emitiu uma nota de débito para exigir a restituição dos custos controvertidos. A este respeito, a Comissão recorda que o artigo II.29, n.o 1, dos contratos controvertidos celebrados com a recorrente dispõe que «os montantes eventualmente devidos à Comissão de acordo com as conclusões dessas auditorias podem dar origem a recuperação». Em aplicação dessa disposição, a redação de um relatório final desfavorável não conduz automaticamente à recuperação dos custos controvertidos, uma vez que os serviços competentes da Comissão conservam o poder discricionário de exigir ou não a sua restituição. A fortiori, no caso vertente, a redação de um relatório desfavorável por um dos seus serviços internos, quando o procedimento da auditoria não estava encerrado, não pode ser considerada uma contestação dos direitos contratuais da recorrente. A Comissão considera, em definitivo, que ainda não existe nenhum litígio entre as partes contratuais, uma vez que nenhuma delas tomou medidas concretas para impor a aplicação de uma cláusula contratual com a qual as partes estivessem em desacordo.

17

Em terceiro lugar, a Comissão considera que o facto de ainda não ter emitido uma nota de débito não implica consequências negativas para a recorrente. Esta situação não gera insegurança jurídica, uma vez que, por um lado, a possibilidade de a Comissão exigir uma restituição está sujeita à prescrição em conformidade com as disposições do direito nacional em matéria de contratos e, por outro, a eventual ordem de recuperação está sujeita a uma fiscalização jurisdicional completa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

18

A título preliminar, há que sublinhar que, através da sua petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de novembro de 2012, a ora recorrente propôs uma ação declarativa, nos termos, nomeadamente, do artigo 272.o TFUE. Com efeito, como a advogada‑geral J. Kokott referiu no n.o 16 das suas conclusões, a ação proposta pela recorrente no Tribunal Geral não se destinava a obter uma prestação por parte da Comissão, mas sim uma declaração, por parte do juiz da União, que a autorizasse a conservar as quantias já pagas pela Comissão ao abrigo dos contratos controvertidos.

19

Tendo em conta a natureza declarativa da ação proposta pela recorrente no Tribunal Geral, há que verificar se o juiz da União é competente para conhecer desse tipo de ação, e isso não obstante o facto de a Comissão não ter alegado a incompetência do Tribunal Geral durante o processo nele pendente nem durante o presente processo.

20

Com efeito, no caso de uma questão que afeta a própria competência do juiz da União, ela deve ser suscitada oficiosamente pelo juiz, mesmo que nenhuma das partes lhe tenha pedido para o fazer (v., neste sentido, acórdãos Alemanha/Alta Autoridade, 19/58, EU:C:1960:19, p. 488, e Ferriera Valsabbia e o./Comissão, 154/78, 205/78, 206/78, 226/78 a 228/78, 263/78, 264/78, 31/79, 39/79, 83/79 e 85/79, EU:C:1980:81, n.o 7). Além disso, as partes foram convidadas a apresentar as suas observações sobre essa questão que o Tribunal de Justiça suscitou oficiosamente.

21

A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que, embora, no âmbito de uma cláusula compromissória estabelecida ao abrigo do artigo 272.o TFUE, o Tribunal de Justiça possa ser chamado a decidir o litígio aplicando o direito nacional que rege o contrato, a sua competência para conhecer de um litígio relativo a tal contrato é apreciada exclusivamente com base nas disposições daquele artigo e nas estipulações da cláusula compromissória, sem que lhe possam ser opostas disposições do direito nacional que alegadamente obstem à sua competência (acórdãos Comissão/Zoubek, 426/85, EU:C:1986:501, n.o 10, e Comissão/Feilhauer, C‑209/90, EU:C:1992:172, n.o 13).

22

Nos termos do artigo 272.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 256.o TFUE, o Tribunal Geral é competente para decidir, em primeira instância, com fundamento numa cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou de direito privado celebrado pela União ou por sua conta.

23

Resulta do que precede que o artigo 272.o TFUE constitui uma disposição específica que permite recorrer ao juiz da União com fundamento numa cláusula compromissória estipulada pelas partes para contratos de direito público ou de direito privado, e isto sem restrições quanto à natureza da ação proposta perante o juiz da União.

24

Não obstante, há que verificar se, no caso vertente, a cláusula compromissória inserida nos contratos controvertidos atribuía ao Tribunal Geral competência para conhecer da ação declarativa proposta pela recorrente.

25

Nos termos da cláusula compromissória inscrita no artigo 13.o dos contratos controvertidos, o Tribunal Geral ou o Tribunal de Justiça, consoante o caso, dispõe de competência para decidir sobre os litígios entre a União e os contratantes, quanto à validade, à aplicação ou à interpretação desses contratos. Resulta daí que essa cláusula compromissória também não limita a competência do Tribunal Geral ou do Tribunal de Justiça quanto à natureza da ação.

26

À luz do seu teor, a referida cláusula compromissória é, assim, suscetível de servir de fundamento à competência do Tribunal Geral ou do Tribunal de Justiça para decidir uma ação declarativa, como a que está em causa, que tem por objeto um litígio entre a União e a recorrente, quanto à validade, à aplicação ou à interpretação dos referidos contratos.

27

A este respeito, não restam dúvidas de que a ação proposta pela recorrente no Tribunal Geral tinha por objeto a interpretação dos contratos controvertidos, mais precisamente a elegibilidade dos custos controvertidos à luz desses contratos.

28

No entanto, o Tribunal Geral declarou, no n.o 33 do despacho recorrido, que a recorrente não tinha demonstrado que, no dia da propositura da sua ação, esta tinha por base um interesse efetivo e atual que necessitasse de proteção jurídica.

29

A recorrente considera que, ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na medida em que, no âmbito de uma ação declarativa, para que surja tal interesse, basta que um direito contratual seja contestado de forma séria, sistemática e repetida por uma das partes no contrato, criando assim num dos cocontratantes uma incerteza quanto à existência ou ao alcance desse direito. No caso vertente, esta condição encontra‑se preenchida, uma vez que a Comissão contestou de forma séria, sistemática e repetida o direito da recorrente ao reembolso dos custos controvertidos.

30

A Comissão afirma que não contestou os direitos contratuais da recorrente, pelos motivos resumidos no n.o 16 do presente acórdão. Em substância, a Comissão alega que, à data da propositura da ação da então demandante no Tribunal Geral, ainda não tinha exigido a restituição dos custos controvertidos através da emissão de uma nota de débito e que a elegibilidade desses custos era objeto de um procedimento de auditoria não encerrado, cujo relatório final não era, em qualquer hipótese, vinculativo para os serviços de recuperação da Comissão, nos termos do artigo II.29, n.o 1, dos contratos controvertidos.

31

A este respeito, convém recordar que o interesse em agir de um demandante deve existir, tendo em conta o objeto da ação, no momento da sua propositura, sob pena de esta ser julgada inadmissível (v., por analogia e no que respeita ao recurso de anulação, acórdãos Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 42, e Cañas/Comissão, C‑269/12 P, EU:C:2013:415, n.o 15).

32

Ora, segundo as conclusões do Tribunal Geral que figuram no n.o 34 do despacho recorrido, à data da propositura da ação, o serviço competente da Comissão ainda não tinha emitido nenhum pedido de reembolso de montantes pagos a título de despesas no âmbito dos contratos controvertidos. Além disso, o Tribunal Geral precisou, no n.o 35 do despacho recorrido, que a elegibilidade dos custos controvertidos era objeto de um procedimento de auditoria, o qual é apenas um procedimento prévio e preparatório, distinto daquele que pode eventualmente levar a uma recuperação, sendo esta última levada a cabo pelos serviços operacionais da Comissão.

33

Por outro lado, resulta dos n.os 36 a 39 do despacho recorrido que este procedimento de auditoria ainda não tinha sido encerrado à data da propositura da ação da então demandante e que o serviço da Comissão encarregado dessa auditoria continuou a comunicar com esta, mesmo após essa data, sobre uma eventual alteração das conclusões prévias da referida auditoria.

34

À luz das circunstâncias recordadas nos n.os 32 e 33 do presente acórdão, a recorrente não tem fundamento para sustentar que, à data da propositura da sua ação no Tribunal Geral, dispunha de um interesse efetivo e atual que necessitasse de proteção jurídica.

35

Com efeito, uma vez que a elegibilidade dos custos controvertidos ainda era objeto de um procedimento de auditoria, cujo relatório final não era, em qualquer hipótese, vinculativo para os serviços de recuperação da Comissão, deve concluir‑se que a Comissão ainda não tinha determinado definitivamente os custos que considerava não elegíveis à luz das disposições pertinentes dos contratos controvertidos. Ora, a resposta à questão de saber se, e em que medida, os referidos custos poderiam efetivamente dar lugar a um pedido de restituição por parte da Comissão ainda era incerta. Por conseguinte, a recorrente não dispunha de um interesse em agir, à data da propositura da sua ação.

36

Resulta do que precede que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar que a demandante não dispunha de um interesse efetivo e atual que necessitasse de proteção jurídica à data da propositura da sua ação.

37

Resulta do acima exposto que o fundamento invocado pela recorrente em apoio do presente recurso não pode ser acolhido e, portanto, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

Quanto às despesas

38

Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do disposto no artigo 138.o, n.o 1, desse mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

39

Uma vez que a Comissão não requereu a condenação da recorrente nas despesas, esta última e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Planet AE Anonymi Etaireia Parochis Symvouleftikon Ypiresion e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.