ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

18 de junho de 2015 ( *1 )

«Recurso de anulação — Diretiva 2013/34/UE — Obrigações em matéria de demonstrações financeiras a cargo de certas formas de empresas — Princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade — Dever de fundamentação»

No processo C‑508/13,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 23 de setembro de 2013,

República da Estónia, representada por K. Kraavi‑Käerdi, na qualidade de agente,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por U. Rösslein e M. Allik, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Conselho da União Europeia, representado por P. Mahnič Bruni e A. Stolfot, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Comissão Europeia, representada por H. Støvlbæk e L. Naaber‑Kivisoo, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J.‑C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev, J. L. da Cruz Vilaça e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Através da sua petição, a República da Estónia pede ao Tribunal de Justiça que anule parcialmente o artigo 4.o, n.os 6 e 8, e na totalidade os artigos 6.°, n.o 3, e 16.°, n.o 3, da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho (JO L 182, p. 19, a seguir «diretiva»).

Quadro jurídico

2

Os considerandos 4, 8, 10 e 55 da diretiva enunciam:

«(4)

[…] A legislação contabilística da União precisa de encontrar um equilíbrio adequado entre os interesses dos destinatários das demonstrações financeiras e o interesse das empresas em não serem indevidamente sobrecarregadas com requisitos de divulgação.

[…]

(8)

Além disso, é necessário estabelecer requisitos legais mínimos equivalentes a nível da União quanto ao âmbito das informações financeiras que deverão ser divulgadas ao público por empresas que concorrem entre si.

[…]

(10)

A presente diretiva deverá assegurar que os requisitos aplicáveis às pequenas empresas sejam em larga medida harmonizados em toda a União. A presente diretiva baseia‑se no princípio ‘pensar primeiro [nas pequenas e médias empresas]’. A fim de evitar encargos administrativos desproporcionados para essas empresas, os Estados‑Membros só deverão ser autorizados a exigir um reduzido número de divulgações através de notas adicionais às notas obrigatórias. No entanto, no caso de um sistema de apresentação única, os Estados‑Membros podem em certos casos exigir um número limitado de divulgações adicionais, sempre que estas estejam explicitamente previstas na sua legislação fiscal nacional e sejam estritamente necessárias para fins de cobrança de impostos. Os Estados‑Membros deverão poder impor às médias e grandes empresas requisitos que vão além dos requisitos mínimos previstos na presente diretiva.

[…]

(55)

Atendendo a que os objetivos da presente diretiva, a saber, facilitar os investimentos transfronteiras e melhorar a comparabilidade à escala da UE e a confiança do público nas demonstrações financeiras e relatos através de divulgações específicas reforçadas e coerentes, não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros e podem, pois, devido à dimensão e aos efeitos da presente diretiva, ser mais bem alcançados a nível da União, a União pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado da União Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente diretiva não excede o necessário para alcançar esses objetivos.»

3

O artigo 4.o, n.os 5 a 8, desta diretiva, epigrafado «Disposições gerais», prevê:

«5.   Os Estados‑Membros podem exigir que empresas que não sejam pequenas empresas divulguem nas suas demonstrações financeiras anuais informações adicionais às exigidas nos termos da presente diretiva.

6.   Em derrogação ao n.o 5, os Estados‑Membros podem exigir que as pequenas empresas elaborem, divulguem e publiquem, nas demonstrações financeiras, informações que vão além dos requisitos da presente diretiva, desde que essas informações sejam coligidas no quadro de um sistema de apresentação única e que o requisito de divulgação figure na legislação fiscal nacional estritamente para fins de cobrança de impostos. […]

7.   Os Estados‑Membros comunicam à Comissão todas as informações adicionais que tenham exigido nos termos do n.o 6 aquando da transposição da presente diretiva e sempre que tenham introduzido no direito nacional novos requisitos nos termos do n.o 6.

8.   Os Estados‑Membros que utilizem meios eletrónicos para apresentar e publicar as demonstrações financeiras anuais asseguram que as pequenas empresas não sejam obrigadas a publicar, nos termos do [c]apítulo 7, as divulgações adicionais exigidas pela legislação fiscal nacional a que se refere o n.o 6.»

4

O artigo 6.o, n.os 1 e 3, da diretiva, epigrafado «Princípios de relato financeiro», dispõe:

«1.   As rubricas que figuram nas demonstrações financeiras anuais e nas demonstrações financeiras consolidadas são reconhecidas e mensuradas de acordo com os seguintes princípios gerais:

[…]

h)

As rubricas da demonstração de resultados e do balanço são contabilizadas e apresentadas tendo em conta a substância da operação ou do acordo em questão;

[…]

3.   Os Estados‑Membros podem dispensar empresas dos requisitos previstos no n.o 1, alínea h).»

5

O artigo 16.o, n.o 3, da mesma diretiva, epigrafado «Conteúdo das notas às demonstrações financeiras relativas a todas as empresas», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros não devem exigir que as pequenas empresas divulguem mais informações do que as exigidas ou autorizadas pelo presente artigo.»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

6

A República da Estónia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

a título principal, anular as seguintes disposições da diretiva:

artigo 4.o, n.o 6, na medida em que faz depender a possibilidade de os Estados‑Membros imporem às pequenas empresas exigências de informação de contabilidade que vão além da diretiva ao requisito de que essa exigência «figure na legislação fiscal nacional estritamente para fins de cobrança de impostos»;

artigo 4.o, n.o 8, na medida em que o mesmo faz referência ao requisito relativo a que a exigência de informações suplementares «figure na legislação fiscal nacional estritamente para fins de cobrança de impostos» mencionada no artigo 4.o, n.o 6;

artigo 6.o, n.o 3; e

artigo 16.o, n.o 3;

a título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça vir a considerar que esse pedido de anulação parcial não é admissível, anular a diretiva na íntegra; e

condenar o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia nas despesas.

7

O Parlamento e o Conselho pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso, e

condenar a República da Estónia nas despesas.

8

Em conformidade com o artigo 131.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a Comissão Europeia foi admitida a intervir em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

Quanto ao recurso

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

9

O Parlamento e o Conselho alegam que o pedido de anulação parcial da diretiva é inadmissível, porque as disposições cuja anulação é pedida pela República da Estónia não são dissociáveis das restantes disposições da diretiva.

10

Em contrapartida, a República da Estónia considera que a anulação unicamente das disposições impugnadas não afeta a substância da diretiva. Assim, o pedido de anulação parcial é admissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

11

Por força de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a anulação parcial de um ato da União apenas é possível na medida em que os elementos cuja anulação é pedida sejam dissociáveis do resto do ato (v., designadamente, acórdãos Comissão/Conselho, C‑29/99, EU:C:2002:734, n.o 45, e Comissão/Parlamento e Conselho, C‑427/12, EU:C:2014:170, n.o 16).

12

O Tribunal de Justiça tem vindo a declarar reiteradamente que esta exigência de divisibilidade não está cumprida quando a anulação parcial de um ato tiver por efeito modificar a substância deste (v., neste sentido, acórdão Comissão/Polónia, C‑504/09 P, EU:C:2012:178, n.o 98 e jurisprudência referida).

13

No caso vertente, resulta dos considerandos 4, 8 e 10 da diretiva que a legislação da União de harmonização da compatibilidade deve, por um lado, instaurar um equilíbrio justo entre as exigências contraditórias dos utilizadores da informação financeira e dos seus produtores que são as empresas e, por outro, ter em conta o encargo especial que representa a produção desta informação para as empresas mais pequenas.

14

Assim, o legislador da União procurou, em substância, ao adotar a diretiva, atingir um duplo equilíbrio, simultaneamente entre empresas e utilizadores de informação financeira, bem como entre grandes e pequenas empresas, uma vez que estas últimas suportam um encargo administrativo relativamente superior às primeiras sendo certo que, tanto umas como as outras, devem respeitar em todos os pontos as mesmas exigências.

15

Ora, as disposições impugnadas, para umas, limitam a margem de manobra deixada aos Estados‑Membros para agravar o referido encargo administrativo e, para as outras, preveem uma derrogação à harmonização tratando‑se de um princípio geral da informação financeira. Trata‑se, por conseguinte, de disposições consubstanciais à obtenção dos equilíbrios procurados pelo legislador da União, mencionados no n.o 14 do presente acórdão.

16

Daqui decorre que a anulação eventual das disposições impugnadas mais não poderia do que afetar a substância da diretiva e que, por conseguinte, não se pode considerar que as referidas disposições sejam indissociáveis do quadro legislativo por ela estabelecido.

17

Consequentemente, o recurso da República da Estónia apenas é admissível se o mesmo tiver por objeto a anulação da diretiva na íntegra.

Quanto à legalidade da diretiva impugnada

18

Em apoio do seu pedido de anulação da diretiva, a República da Estónia invoca três fundamentos, relativos a violação, respetivamente, do princípio da proporcionalidade, do princípio da subsidiariedade e do dever de fundamentação.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

¾ Argumentos das partes

19

A República da Estónia alega, no que respeita, antes de mais, às disposições que limitam a possibilidade de os Estados‑Membros estabelecerem derrogações à proibição, que figura nos artigos 4.°, n.os 6 e 8, e 16.°, n.o 3, da diretiva, de impor exigências suplementares às pequenas empresas, que estas não instituem medidas adequadas aos dois objetivos perseguidos pela diretiva e não constituem as medidas menos restritivas para a realização destes objetivos.

20

Quanto ao primeiro objetivo, a saber, a melhoria da clareza e a comparabilidade das demonstrações financeiras das empresas no mercado interno, este Estado‑Membro sustenta que as suas próprias regras nacionais foram elaboradas com base no modelo das normas internacionais de informação financeira, as quais exigem informações suplementares em relação às previstas na diretiva. Considera que a Comissão cometeu um erro de apreciação nos critérios acolhidos na fase da análise do impacto, na medida em que esta última se baseia sobretudo em indicadores quantitativos relativos ao número de pequenas empresas, em vez de se basear em indicadores qualitativos como a parte do volume de negócios das referidas pequenas empresas na economia nacional. Ora, na Estónia, o contributo das pequenas empresas para o volume de negócios do conjunto das empresas é maior do que noutros Estados‑Membros. É nisso que os artigos 4.°, n.os 6 e 8, e 16.°, n.o 3, desta diretiva violam o artigo 5.o do Protocolo (n.o 2) sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexado ao Tratado UE e ao Tratado FUE (a seguir «Protocolo n.o 2»).

21

Quanto ao segundo objetivo da diretiva (limitação das exigências de informação a cargo das pequenas empresas), a República da Estónia afirma que a aplicação dos artigos 4.°, n.os 6 e 8, e 16.°, n.o 3, desta não levará a essa limitação, mas somente a uma deslocação dessa exigência, na medida em que as informações que deverão deixar de figurar nas demonstrações financeiras continuarão a ser exigidas por parte de certas autoridades nacionais. Este Estado‑Membro alega que, por seu lado, já instituiu uma política nacional de redução da carga administrativa das empresas através de um sistema de declaração eletrónica dito «one‑stop‑shop».

22

No que diz respeito, seguidamente, às disposições conjugadas dos n.os 1, alínea h), e 3, do artigo 6.o da diretiva que permitem aos Estados‑Membros isentar as empresas do respeito do princípio contabilístico do «predomínio da substância sobre a forma», a República da Estónia afirma que essa dispensa, ao estabelecer uma derrogação ao princípio da «imagem fiel», é contrária ao objetivo de melhoria da comparabilidade e da clareza das demonstrações financeiras das empresas.

23

A República da Estónia afirma, por último, mais geralmente, que o princípio da proporcionalidade foi violado na medida em que o legislador da União não teve em conta a sua situação particular do Estado‑Membro avançado em matéria de administração eletrónica, ou ainda em razão da possibilidade de aplicar as normas internacionais de contabilidade previstas pelo Regulamento n.o 1606/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, relativo à aplicação das normas internacionais de contabilidade (JO L 243, p. 1).

24

Pelo contrário, o Parlamento e o Conselho explicam, no que diz respeito às disposições que limitam as possibilidades de encargos suplementares sobre as pequenas empresas, que a decisão do legislador da União de diferenciar as exigências em matéria de demonstrações financeiras das empresas em função da respetiva dimensão é uma opção política baseada em critérios objetivos, após ponderação de todos os interesses em causa. O princípio da proporcionalidade requer, segundo entendem, que essa escolha constitua uma medida adequada tendo em conta os objetivos prosseguidos pela diretiva ao nível da União, e não, de qualquer modo, tendo em conta a situação particular de um Estado‑Membro. Estas instituições sustentam igualmente que tal medida é necessária para alcançar estes objetivos e que, pelo contrário, seria desproporcionado impor às pequenas empresas obrigações iguais às impostas às grandes. O Conselho acrescenta que, se a derrogação à proibição dos encargos suplementares para as pequenas empresas fosse permitida para outros fins diferentes da cobrança do imposto, a mesma levaria a um excesso de regulamentação.

25

Quanto à possibilidade de os Estados‑Membros concederem às empresas derrogações ao princípio do «predomínio da substância sobre a forma», o Parlamento recorda que se trata de uma medida menos restritiva do que a sua aplicação a todas as empresas, e, portanto, de uma harmonização mínima cujo caráter desproporcionado não está demonstrado pela República da Estónia.

26

A Comissão afirma que as críticas formuladas pela República da Estónia contra a sua análise do impacto não têm fundamento uma vez que essa análise foi realizada segundo o procedimento adequado por um contratante externo, após consulta do comité competente e tendo em conta a situação tanto da União como de cada um dos Estados‑Membros.

27

O Parlamento e o Conselho sustentam, sempre a propósito da análise do impacto da Comissão, que, de qualquer modo, a invocação, pela República da Estónia, do artigo 5.o do Protocolo n.o 2 é inoperante, uma vez que esta disposição se aplica não ao processo de elaboração das diretivas, mas ao dos projetos de atos legislativos e não tem valor vinculativo quanto à maneira como o legislador da União deve proceder para avaliar a conformidade de um ato legislativo com o princípio da proporcionalidade.

¾ Apreciação do Tribunal de Justiça

28

Importa recordar, a título preliminar, que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os meios postos em prática por uma disposição sejam aptos a realizar o objetivo visado e que não vão além do que é necessário para alcançar esse objetivo [v., designadamente, acórdãos British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 122, e Digital Rights Ireland e o., C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238, n.o 46 e jurisprudência referida].

29

No que diz respeito à fiscalização jurisdicional das condições indicadas no número anterior, impõe‑se reconhecer ao legislador comunitário um amplo poder de apreciação num domínio como o dos autos, que implica da sua parte opções de natureza política, económica e social e em que é chamado a efetuar apreciações complexas. Por conseguinte, apenas o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesse domínio, em relação ao objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida [v. acórdãos British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 123, e Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 52 e jurisprudência referida].

30

No que diz respeito ao objetivo prosseguido pela diretiva, importa referir que, como resulta designadamente dos seus artigos 4.°, 6.° e 16.°, bem como dos seus considerandos 8, 10, 38 e 55, esta visa, por um lado, estabelecer regras harmonizadas respeitantes às informações financeiras que devem ser postas à disposição do público a fim de melhorar a comparabilidade das demonstrações financeiras anuais das empresas em toda a União e, por outro, evitar que a aplicação destas regras seja um encargo para as pequenas empresas ao prever certas derrogações que no que a estas diz respeito.

31

Para este efeito, o legislador da União previu, designadamente, dois tipos de medidas, cuja conformidade com o princípio da proporcionalidade é contestada pela República da Estónia.

32

Por um lado, os artigos 4.°, n.os 6 e 8, e 16.°, n.o 3, da diretiva enquadram as possibilidades permitidas aos Estados‑Membros de exigir às pequenas empresas que inscrevam, nos seus balanços, contas de resultados e anexos, obrigações suplementares às previstas pela diretiva de maneira harmonizada. A este propósito, a diretiva proíbe, por princípio, aos Estados‑Membros que imponham a essas empresas exigências suplementares, e só estabelece derrogações a essa proibição acompanhando as exceções que prevê de limites precisos. De entre esses limites figura a exigência, prevista no seu artigo 4.o, n.o 6, de que as obrigações suplementares impostas pelo Estado‑Membro já estejam previstas na legislação fiscal nacional e o sejam exclusivamente para fins da cobrança do imposto.

33

Ao enunciar esse limite, baseado em critérios objetivos, o legislador da União pretendeu, em substância que as pequenas empresas não sejam obrigadas a fornecer documentos ou informações de ordem contabilística para além, por um lado, das obrigações de informação previstas na diretiva, e, por outro, das obrigações de declaração previstas pelas legislações fiscais nacionais.

34

Um limite desta natureza é, manifestamente, adequado para realizar um dos objetivos visados pela diretiva, a saber, o de limitar a agravamento do encargo administrativo que pesa sobre as pequenas empresas.

35

Por outro lado, a República da Estónia não demonstra em que é que o legislador da União, ao impor este limite, adotou uma medida que iria além do que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido, designadamente na medida em que lesaria de forma manifestamente excessiva o interesse dos utilizadores de demonstrações financeiras em relação aos efeitos benéficos que resultariam em matéria de encargo administrativo das pequenas empresas.

36

Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 3, da diretiva permite aos Estados‑Membros isentar as empresas, na elaboração das suas demonstrações financeiras, da observância do princípio do «predomínio da substância sobre a forma». Esta possibilidade explica‑se em especial pelo facto de o encargo administrativo de um contabilista se tornar mais leve se lhe for possível limitar‑se a retraçar a forma jurídica de uma transação em vez da sua substância comercial.

37

Ora, no que diz respeito a esta possibilidade, não resulta dos autos no Tribunal de Justiça que a República da Estónia tenha, como lhe cabe fazer tendo em conta a fiscalização exercida pelo Tribunal de Justiça e recordada no n.o 29 do presente acórdão, acompanhado o seu fundamento de elementos suficientes que permitam estabelecer o caráter manifestamente inadequado das medidas adotadas pelo legislador da União tendo em conta o objetivo da melhoria da comparabilidade e da clareza das demonstrações financeiras das empresas, visada pela diretiva.

38

Consequentemente, não resulta da análise das medidas mencionadas nos n.os 32 e 36 do presente acórdão que o legislador da União tenha, ao adotá‑las, manifestamente excedido os limites do seu poder de apreciação.

39

Por último, no que respeita ao argumento da República da Estónia segundo o qual o princípio da proporcionalidade foi violado na medida em que o legislador da União não teve em conta a sua situação particular de Estado‑Membro avançado em matéria de administração eletrónica, há que referir que a Diretiva 2013/34 tem impacto em todos os Estados‑Membros e pressupõe que seja assegurado um equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo, tendo em conta objetivos prosseguidos por esta diretiva. Consequentemente, não pode considerar‑se contrária ao princípio da proporcionalidade a procura desse equilíbrio tomando em consideração não a situação particular de um Estado‑Membro, mas a de todos os Estados‑Membros da União.

40

Resulta do exposto que o primeiro fundamento, relativo a violação do princípio da proporcionalidade, deve ser afastado.

Quanto ao segundo fundamento, relativo a violação do princípio da subsidiariedade

¾ Argumentos das partes

41

A República da Estónia sustenta que o legislador da União violou o princípio da subsidiariedade, em primeiro lugar, na medida em que, se uma ação ao nível da União era necessária para assegurar a comparabilidade das demonstrações financeiras das empresas, a diretiva não dá execução a essa ação de maneira pertinente; em segundo lugar, porque o objetivo de redução do encargo administrativo das pequenas empresas poderia ter sido mais bem alcançado ao nível dos Estados‑Membros; em terceiro lugar, porque entre os elementos juntos ao projeto de diretiva não se encontrava a ficha de avaliação do respeito do princípio da subsidiariedade, previsto pelo Protocolo n.o 2; em quarto lugar, porque a justificação da diretiva no que respeita ao princípio da subsidiariedade deveria ter sido dada para cada uma das suas disposições; e, em quinto lugar, porque a situação particular de cada um dos Estados‑Membros no que respeita ao princípio da subsidiariedade não foi tomada em conta.

42

O Parlamento e o Conselho alegam, em primeiro lugar, que o legislador da União fez um exame suficiente do projeto de diretiva no que respeita ao princípio da subsidiariedade para concluir pela necessidade de uma ação ao nível da União; em segundo lugar, que a situação de um Estado‑Membro particular, seja qual for o seu grau de avanço na realização de um objetivo específico, não pode obstar à necessidade de uma ação da União para realizar diferentes objetivos em toda a União; em terceiro lugar, que a obrigação de fundamentação dos atos legislativos tendo em conta o princípio da subsidiariedade não é apreciado ao nível de cada disposição considerada isoladamente, mas que se trata de uma consideração de ordem geral; e, em quarto lugar, que não decorre deste princípio uma obrigação de ter em conta os interesses particulares de cada Estado‑Membro, individualmente considerado, que poria em causa a própria técnica de harmonização.

43

A Comissão considera que a República da Estónia não demonstrou, como lhe incumbe fazê‑lo tendo em conta a natureza da fiscalização feita pelo Tribunal de Justiça, que o legislador da União cometeu um erro manifesto de apreciação ao aplicar o princípio da subsidiariedade.

¾ Apreciação do Tribunal de Justiça

44

Importa recordar que o princípio da subsidiariedade se encontra enunciado no artigo 5.o, n.o 3, TFUE, nos termos do qual, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser melhor alcançados ao nível da União. O Protocolo n.o 2 estabelece, por outro lado, no seu artigo 5.o, orientações para determinar se essas condições estão preenchidas (acórdão Luxemburgo/Parlamento e Conselho, C‑176/09, EU:C:2011:290, n.o 76 e jurisprudência referida).

45

Tratando‑se de um domínio, concretamente a melhoria das condições da liberdade de estabelecimento, que não se encontra entre aqueles em que a União dispõe de competência exclusiva, importa verificar se o objetivo da ação planeada podia ser mais bem obtido ao nível da União [v. acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 180].

46

A este propósito, e como foi indicado nos n.os 13 e 14 do presente acórdão, a diretiva prossegue um objetivo duplo que consiste não apenas em harmonizar as demonstrações financeiras das empresas da União para que os utilizadores da informação financeira disponham de dados comparáveis, mas também de o fazer tendo em conta, através de um regime especial, ele próprio igualmente harmonizado em larga medida, a situação particular das pequenas empresas, sobre as quais a aplicação das exigências de contabilidade previstas para as médias e grandes empresas faz pesar um encargo administrativo excessivo.

47

Ora, mesmo supondo, como sustenta a República da Estónia, que o segundo destes dois objetivos possa ser mais bem alcançado através de uma ação ao nível dos Estados‑Membros, não é menos verdade que o alcance desse objetivo a esse nível poderia consolidar, ou mesmo gerar, situações em que alguns Estados‑Membros desagravariam mais do que ou diversamente de outros o encargo administrativo das pequenas empresas, indo assim em sentido exatamente oposto ao objetivo primeiro da diretiva, a saber, o estabelecimento de condições jurídicas equivalentes mínimas para a contabilidade das empresas concorrentes.

48

Resulta da interdependência dos dois objetivos visados pela diretiva que o legislador da União podia legitimamente considerar que a sua ação devia comportar um regime especial de pequenas empresas e que, em razão dessa interdependência, esse duplo objetivo podia ser mais bem alcançado ao nível da União (v., neste sentido, acórdão Vodafone e o., C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 78).

49

Por conseguinte, a diretiva não foi adotada em violação do princípio da subsidiariedade.

50

A argumentação adiantada pela República da Estónia sobre a maneira pretensamente insuficiente do modo como o legislador da União se assegurou do respeito do princípio da subsidiariedade previamente à sua atuação não é de molde a infirmar esta conclusão.

51

A este propósito, a República da Estónia não pode utilmente sustentar que a verificação do respeito do princípio da subsidiariedade deveria ter sido feita, não para a diretiva considerada na sua totalidade, mas ao nível de cada uma das suas disposições em particular. Com efeito, essa alegação entra, de qualquer modo, no âmbito da crítica da fundamentação do ato impugnado, e será examinada no quadro do terceiro fundamento.

52

Por último, embora a República da Estónia sustente que o legislador da União não teve suficientemente em conta a situação de cada um dos Estados‑Membros e, portanto, a sua, tal argumentação não pode prosperar.

53

Com efeito, o princípio da subsidiariedade não tem por objeto limitar a competência da União em função da situação de tal ou tal Estado‑Membro individualmente considerado, antes impõe somente que a ação planeada possa, em razão da sua dimensão ou dos seus efeitos, ser mais bem realizada ao nível da União, tendo em conta os seus objetivos, enumerados no artigo 3.o TUE e as disposições próprias dos diferentes domínios, designadamente as diferentes liberdades, como a liberdade de estabelecimento, visadas pelos Tratados.

54

Daqui resulta que o princípio da subsidiariedade não pode ter por efeito tornar inválido um ato da União em razão da situação particular de um Estado‑Membro, ainda que este esteja mais avançado do que outros no que respeita a um objetivo prosseguido pelo legislador da União, uma vez que este considerou, como no caso vertente, com base em elementos circunstanciados e sem incorrer em erro de apreciação, que o interesse geral da União seria mais bem servido através de uma ação ao nível desta.

55

Resulta das considerações precedentes que o segundo fundamento, relativo a violação do princípio da subsidiariedade, deve ser afastado.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a violação do dever de fundamentação

¾ Argumentos das partes

56

A República da Estónia sustenta, por um lado, que o legislador da União não expôs suficientemente, de direito e de facto, os fundamentos dos limites por ele impostos nos artigos 4.°, n.os 6 e 8, e 16.°, n.o 3, da diretiva, à possibilidade de exigir das pequenas empresas dados contabilísticos suplementares em relação aos previstos pela diretiva e, por outro, que o legislador deveria ter justificado melhor a possibilidade que deixou aos Estados‑Membros de estabelecerem derrogações ao princípio contabilístico do «predomínio da substância sobre a forma».

57

Segundo o Parlamento, o Conselho e a Comissão, a diretiva está suficientemente fundamentada no que respeita às exigências do artigo 296.o TFUE. Estas mesmas instituições alegam, a este respeito, nomeadamente, que o legislador da União não é obrigado a fundamentar especificamente cada uma das opções técnicas que faz.

¾ Apreciação do Tribunal de Justiça

58

Importa recordar que, embora a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deva revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela autoridade da União, autora do ato censurado, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões que justificaram a medida adotada e possibilitar ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, não se exige, porém, que essa fundamentação especifique todos os elementos de facto ou de direito pertinentes (v., nomeadamente, acórdão Comissão/Conselho, C‑122/94, EU:C:1996:68, n.o 29).

59

Mais especialmente, não se pode exigir que a fundamentação especifique os diferentes factos, por vezes muito numerosos e complexos, que levaram à adoção de um regulamento nem, a fortiori, que forneça uma apreciação mais ou menos exaustiva dos mesmos (v., por analogia, acórdão Itália/Conselho e Comissão, C‑100/99, EU:C:2001:383, n.o 63).

60

Em consequência, se o ato contestado revelar o essencial do objetivo prosseguido pela instituição, é inútil exigir uma fundamentação específica para cada uma das escolhas técnicas efetuadas (v., nomeadamente, acórdão Itália/Conselho e Comissão, C‑100/99, EU:C:2001:383, n.o 64).

61

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o respeito do dever de fundamentação deve ser apreciado tendo em conta não só a redação do ato impugnado mas também o seu contexto e as circunstâncias do caso específico, e, em especial, o interesse que os destinatários ou outras pessoas a que o ato diga direta ou individualmente respeito possam ter em obter explicações (acórdão VBA/Florimex e o., C‑265/97 P, EU:C:2000:170, n.o 93).

62

Ora, a este propósito, importa sublinhar que a República da Estónia participou, segundo as modalidades previstas pelo Tratado FUE, no processo legislativo que conduziu à adoção da diretiva, da qual é destinatária ao mesmo título que todos os outros Estados‑Membros representados no Conselho por força do artigo 55.o de referida diretiva. Consequentemente, e de qualquer modo, não pode alegar utilmente que o Parlamento e o Conselho, autores da diretiva, não lhe tenham dado conhecimento das justificações das medidas por que optaram.

63

Quanto à questão de saber se o legislador da União deixou o Tribunal de Justiça em condições de exercer a sua missão de fiscalizar a legalidade dessas escolhas, há que concluir que nada pode ser censurado ao legislador da União, vistos os elementos suficientes, de direito e de facto, contidos na diretiva, recordados, designadamente, nos n.os 2 e 3 do presente acórdão.

64

Nestas condições, há que afastar o terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação.

65

Resulta de todas as considerações antecedentes que nenhum dos fundamentos invocados pela República da Estónia em apoio do seu recurso merece acolhimento, pelo que deve ser negado provimento ao mesmo.

Quanto às despesas

66

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e a Comissão pedido a condenação da República da Estónia e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. Em aplicação do artigo 140.o, n.o 4, do mesmo regulamento, a Comissão, interveniente no presente litígio, suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A República da Estónia é condenada nas despesas.

 

3)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: estónio.