ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

5 de março de 2015 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Fiscalidade — IVA — Aplicação de uma taxa reduzida — Fornecimento de livros digitais ou eletrónicos»

No processo C‑502/13,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 18 de setembro de 2013,

Comissão Europeia, representada por C. Soulay e F. Dintilhac, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

apoiada por:

Conselho da União Europeia, representado por E. Chatziioakeimidou e A. de Gregorio Merino, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por D. Holderer, na qualidade de agente,

demandado,

apoiado por:

Reino da Bélgica, representado por M. Jacobs e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Jürimäe, J. Malenovský, M. Safjan e A. Prechal (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao aplicar uma taxa de imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») de 3% ao fornecimento de livros digitais (ou eletrónicos), o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 96.° a 99.°, 110.° e 114.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/88/UE do Conselho, de 7 de dezembro de 2010 (JO L 326, p. 1, a seguir «diretiva IVA»), lidos em conjugação com os anexos II e III da referida diretiva e o Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO L 77, p. 1).

Quadro jurídico

Direito da União

2

O artigo 14.o da diretiva IVA prevê, no seu n.o 1:

«Entende‑se por ‘entrega de bens’ a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

3

Nos termos do artigo 24.o, n.o 1, desta diretiva:

«Entende‑se por ‘prestação de serviços’ qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

4

O artigo 96.o da referida diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado‑Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços.»

5

Nos termos do artigo 97.o da diretiva IVA:

«A partir de 1 de janeiro de 2011 e até 31 de dezembro de 2015, a taxa normal não pode ser inferior a 15%».

6

O artigo 98.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva prevê:

«1.   Os Estados‑Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas.

2.   As taxas reduzidas aplicam‑se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III.

As taxas reduzidas não se aplicam aos serviços prestados por via eletrónica.»

7

O artigo 99.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«As taxas reduzidas são fixadas numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 5%.»

8

Nos termos do artigo 110.o desta mesma diretiva:

«Os Estados‑Membros que, em 1 de janeiro de 1991, concediam isenções com direito à dedução do IVA pago no estádio anterior ou aplicavam taxas reduzidas inferiores ao mínimo fixado no artigo 99.o podem mantê‑las em vigor.

As isenções e reduções de taxas previstas no primeiro parágrafo devem ser conformes com a legislação comunitária e ter sido adotadas por motivos de interesse social bem definidos e em benefício dos consumidores finais.»

9

O artigo 114.o, n.o 1, da diretiva IVA prevê:

«Os Estados‑Membros que, em 1 de janeiro de 1993, foram obrigados a aumentar em mais de 2% a sua taxa normal em vigor em 1 de janeiro de 1991 podem aplicar uma taxa reduzida inferior ao mínimo fixado no artigo 99.o às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias referidas no anexo III.

[...]»

10

O anexo II da diretiva IVA, que contém uma «[l]ista indicativa dos serviços prestados por via eletrónica a que se refere o artigo 58.o e a alínea k) do primeiro parágrafo do artigo 59.o», sendo que estes dois artigos regulam a determinação do lugar das prestações dos serviços efetuadas a pessoas que não sejam sujeitos passivos, menciona, no ponto 3:

«Fornecimento de imagens, textos e informações, e disponibilização de bases de dados».

11

Na versão inicial da Diretiva 2006/112, o seu anexo III, que incluía a lista das entregas de bens e das prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas no artigo 98.o desta diretiva, mencionava no seu ponto 6:

«Fornecimento de livros, mesmo os emprestados por bibliotecas (e incluindo as brochuras, desdobráveis e outros impressos do mesmo tipo, álbuns ou livros de ilustrações e álbuns para desenhar ou colorir para crianças, pautas de música impressas ou manuscritas, mapas e cartas hidrográficas ou outras do mesmo tipo), jornais e publicações periódicas, com exceção dos materiais total ou predominantemente destinados a publicidade».

12

A Diretiva 2009/47/CE do Conselho, de 5 de maio de 2009 (JO L 116, p. 18), alterou a Diretiva 2006/112. O considerando 4 da Diretiva 2009/47 enuncia:

«Por conseguinte, a Diretiva 2006/112/CE deverá ser alterada de modo a permitir a aplicação de taxas reduzidas ou uma isenção, respetivamente, num número limitado de situações específicas, por razões sociais ou de saúde, e de modo a clarificar e adaptar ao progresso técnico a referência aos livros no seu anexo III.»

13

Desde 1 de junho de 2009, data da entrada em vigor da Diretiva 2009/47, o anexo III, ponto 6, da diretiva IVA tem a seguinte redação:

«Fornecimento de livros em todos os suportes físicos, mesmo os emprestados por bibliotecas (e incluindo as brochuras, desdobráveis e outros impressos do mesmo tipo, álbuns ou livros de ilustrações e álbuns para desenhar ou colorir para crianças, pautas de música impressas ou manuscritas, mapas e cartas hidrográficas ou outras do mesmo tipo), jornais e publicações periódicas, com exceção dos materiais total ou predominantemente destinados a publicidade».

14

O ponto 9 do anexo III da diretiva IVA menciona, a título das prestações de serviços a que se podem aplicar taxas reduzidas, «[p]restações de serviços efetuadas por escritores, compositores e intérpretes ou executantes e direitos de autor que lhes sejam devidos».

15

O Regulamento de Execução n.o 282/2011 prevê, no seu artigo 7.o, n.os 1 e 2:

«1.   Entende‑se por ‘serviços prestados por via eletrónica’ a que se refere a [diretiva IVA] os serviços que são prestados através da Internet ou de uma rede eletrónica e cuja natureza torna a sua prestação essencialmente automatizada, requerendo uma intervenção humana mínima, e que são impossíveis de assegurar na ausência de tecnologias da informação.

2.   O n.o 1 abrange, em especial, o seguinte:

[...]

f)

Serviços enumerados no anexo I.»

16

O Anexo I do Regulamento de execução n.o 282/2011, sob a epígrafe «Artigo 7.o do presente regulamento», dispõe, no seu ponto 3:

«Ponto 3 do anexo II da [diretiva IVA]:

[...]

c)

Conteúdo digitalizado de livros e outras publicações eletrónicas;

[...]»

Direito luxemburguês

17

A Lei de 12 de fevereiro de 1979 relativa ao imposto sobre o valor acrescentado, na sua versão em vigor no termo do prazo fixado no parecer fundamentado enviado em 25 de outubro de 2012 ao Grão‑Ducado do Luxemburgo (a seguir «lei do IVA»), prevê, no seu artigo 39.o, n.o 3:

«A taxa normal de [IVA] aplicável às operações tributáveis é fixada em quinze por cento do valor tributável [...].

A taxa reduzida de imposto é fixada em seis por cento do referido valor tributável.

A taxa super‑reduzida de imposto é fixada em três por cento do referido valor tributável.»

18

Nos termos do artigo 40.o da lei do IVA:

«1.   Nos limites e nas condições a determinar por regulamento grão‑ducal, o [IVA] é pago:

[...]

à taxa super‑reduzida de três por cento para as entregas de bens e as prestações de serviços e para as aquisições intracomunitárias e importações de bens, como os bens e serviços designados no anexo B da presente lei;

[...]

2.   O [IVA] é pago à taxa normal de quinze por cento para as operações tributáveis não incluídas no n.o 1.

[...]»

19

O ponto 5 do anexo B da lei do IVA, sob a epígrafe «Lista de bens e serviços sujeitos à taxa super‑reduzida», dispõe:

«Livros (incluindo brochuras, desdobráveis e outros impressos do mesmo tipo, álbuns ou livros de ilustrações e álbuns para desenhar ou colorir para crianças, pautas de música impressas ou manuscritas, mapas e cartas hidrográficas ou outras do mesmo tipo), jornais e publicações periódicas. Estão excluídos os materiais total ou predominantemente destinados a publicidade, bem como livros, jornais e publicações pornográficos».

20

O Regulamento grão‑ducal de 21 de dezembro de 1991 que estabelece os limites e as condições de aplicação das taxas reduzidas, super‑reduzidas e intermediárias do imposto sobre o valor acrescentado, na sua versão em vigor no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (a seguir «Regulamento grão‑ducal de 21 de dezembro de 1991»), prevê, no seu artigo 2.o:

«Os bens elencados nos pontos 1° a 7° do anexo B da lei [do IVA] são definidos com mais rigor por referência às respetivas posições da tarifa dos direitos de entrada (TD) prevista no artigo 1.o do presente regulamento.

[...]

Livros, jornais e publicações periódicas:

a)

Livros, brochuras e outros impressos do mesmo tipo, mesmo em folhas soltas, com exceção dos materiais total ou predominantemente destinados a publicidade e dos livros pornográficos (antigo n.o 49.01 TD)

Incunábulos e outros livros que constituem objetos de antiguidade com mais de cem anos (antigo n.o 97.06 TD)

[...]»

21

A Circular n.o 756, de 12 de dezembro de 2011, da Direção de Registos e Património (direction de l’Enregistrement et des Domaines), enuncia:

«Uma vez que o conceito de ‘livro’ não tem uma interpretação unânime por parte dos Estados‑Membros da [União Europeia], o Governo decidiu, por razões de neutralidade, dar um sentido mais amplo a esse termo previsto no ponto 5 do anexo B da lei do [IVA] e no artigo 2.o, ponto 5, alínea a), do [Regulamento grão‑ducal de 21 de dezembro de 1991], de modo que, havendo identidade de funções, a distinção entre suporte físico e suporte digital não é necessária.

Esta interpretação é implicitamente corroborada pela Comunicação de 6 de dezembro de 2011 da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu sobre o futuro do IVA [COM(2011) 851 final], onde se salienta […] que ‘a questão da igualdade de tratamento para os produtos disponíveis seja em formatos tradicionais seja em linha suscitou reações consideráveis na consulta pública. Estas questões precisam de ser abordadas’.

A presente circular é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2012.»

Procedimento pré‑contencioso e tramitação no Tribunal de Justiça

22

A Comissão considerou que a aplicação, a partir de 1 de janeiro de 2012, de uma taxa «super‑reduzida» de IVA de 3% (a seguir «taxa reduzida de IVA de 3%») ao fornecimento de livros digitais ou eletrónicos era contrária à diretiva IVA. Consequentemente, enviou ao Grão‑Ducado do Luxemburgo, em 4 de julho de 2012, uma notificação para cumprir. Esse Estado‑Membro respondeu por carta de 31 de julho de 2012.

23

Em 25 de outubro de 2012, a Comissão emitiu um parecer fundamentado, convidando o Grão‑Ducado do Luxemburgo a tomar as medidas necessárias para o cumprir no prazo de dois meses a contar da sua notificação. Esse Estado‑Membro respondeu por carta de 29 de novembro de 2012.

24

Não tendo ficado satisfeita com as explicações dadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

25

Por decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de janeiro e 3 de fevereiro de 2014, foi admitida a intervenção do Conselho da União Europeia e do Reino da Bélgica em apoio dos pedidos da Comissão e do Grão‑Ducado do Luxemburgo, respetivamente.

Quanto à ação

Observações preliminares

26

A Comissão precisa que, por fornecimento de livros digitais ou eletrónicos, se deve entender o fornecimento, a título oneroso, por meio de descarregamento ou de difusão em fluxo («streaming») a partir de um sítio na Internet, de livros em formato eletrónico que podem ser consultados num computador, num smartphone, num leitor de livros eletrónicos ou em qualquer outro sistema de leitura (a seguir «fornecimento de livros eletrónicos»).

27

O Grão‑Ducado do Luxemburgo contesta a ampliação do objeto da ação. Em seu entender, a taxa reduzida de 3% apenas se aplica ao fornecimento de livros através do descarregamento, com exceção do fornecimento de livros por meio de difusão em fluxo.

28

A este respeito, importa observar que, como alega com razão a Comissão, não resulta do direito luxemburguês na matéria, reproduzido nos n.os 17 a 21 do presente acórdão, que o fornecimento de livros por meio de difusão em fluxo está excluído do benefício da taxa reduzida de IVA de 3%, ao invés do fornecimento de livros por meio de descarregamento.

29

Nestas circunstâncias, não há que restringir a apreciação da ação a uma categoria de livros digitais ou eletrónicos mais estrita do que aquela que é referida pela Comissão na sua petição.

Quanto ao mérito

30

A Comissão alega que a aplicação, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, de uma taxa reduzida de IVA de 3% ao fornecimento de livros eletrónicos é incompatível com os artigos 96.° a 99.°, 110.° e 114.° da diretiva IVA, lidos em conjugação com os anexos II e III desta diretiva e o Regulamento de execução n.o 282/2011.

31

Essa instituição salienta que, nos termos do artigo 98.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da diretiva IVA, as taxas reduzidas de IVA apenas se aplicam às entregas de bens e às prestações de serviços previstas no anexo III desta diretiva. Ora, o fornecimento de livros eletrónicos não está abrangido pelo âmbito de aplicação do referido anexo e não pode, assim, beneficiar de uma taxa reduzida de IVA. Segundo a Comissão, esta interpretação é confirmada pelo artigo 98.o, n.o 2, segundo parágrafo, da diretiva IVA, que exclui a aplicação de uma taxa reduzida aos serviços prestados por via eletrónica. Nestas condições, os artigos 110.° e 114.° da diretiva IVA também não permitem a aplicação de uma taxa reduzida de IVA de 3% ao fornecimento de livros eletrónicos.

32

O Grão‑Ducado do Luxemburgo, apoiado pelo Reino da Bélgica, contesta a interpretação que a Comissão faz das disposições em causa da diretiva IVA. Segundo esses Estados‑Membros, o fornecimento de livros eletrónicos está incluído no ponto 6 do anexo III da diretiva IVA e, como alega subsidiariamente o Grão‑Ducado do Luxemburgo, no ponto 9 do referido anexo. Por outro lado, sustentam que os artigos 110.° e 114.° da diretiva IVA permitem, em todo o caso, a aplicação, por este último Estado‑Membro, de uma taxa reduzida de IVA de 3% a um fornecimento dessa natureza.

33

A este respeito, recorde‑se que o artigo 96.o da diretiva IVA prevê que a mesma taxa de IVA, isto é, a taxa normal, é aplicável às entregas de bens e às prestações de serviços. Em derrogação a este princípio, o artigo 98.o, n.o 1, desta diretiva reconhece aos Estados‑Membros a faculdade de aplicarem uma ou duas taxas reduzidas de IVA. Nos termos do n.o 2, primeiro parágrafo, desse artigo, as taxas reduzidas de IVA aplicam‑se apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III da diretiva IVA (acórdão K, C‑219/13, EU:C:2014:2207, n.os 21 e 22).

34

No que diz respeito ao argumento, invocado pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo e pelo Reino da Bélgica, segundo o qual o fornecimento de livros eletrónicos é abrangido pelo ponto 6 do anexo III da diretiva IVA, deve recordar‑se que, para determinar o alcance de uma disposição de direito da União, há que ter simultaneamente em conta os seus termos, o seu contexto e os seus objetivos (v., designadamente, acórdão NCC Construction Danmark, C‑174/08, EU:C:2009:669, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

35

Importa referir que esse anexo III menciona expressamente, no seu ponto 6, na categoria das prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas de IVA, o «fornecimento de livros em todos os suportes físicos». Resulta, assim, da redação desse ponto que a taxa reduzida de IVA se aplica à operação que consiste em fornecer um livro em suporte físico. Como observa a Comissão, com razão, uma interpretação em sentido diverso esvaziaria de sentido a expressão «em todos os suportes físicos» constante daquele ponto.

36

Apesar de um livro eletrónico, para poder ser lido, implicar um suporte físico, como um computador, esse suporte não está incluído no fornecimento de livros eletrónicos.

37

Daqui resulta que, atendendo à redação desse ponto 6, essa disposição não inclui no seu âmbito de aplicação o fornecimento de livros eletrónicos.

38

Esta interpretação é corroborada pelo contexto da referida disposição. Com efeito, esta constitui uma exceção ao princípio segundo o qual os Estados‑Membros aplicam uma taxa normal de IVA às operações sujeitas a este imposto e deve, portanto, ser interpretada de forma estrita (v., designadamente, acórdão Comissão/Espanha, C‑360/11, EU:C:2013:17, n.o 18 e jurisprudência aí referida).

39

É certo que, como referem com razão o Grão‑Ducado do Luxemburgo e o Reino da Bélgica, com o alargamento — na sequência da alteração introduzida pela Diretiva 2009/47 — do âmbito de aplicação do ponto 6 do anexo III da diretiva IVA ao «fornecimento de livros em todos os suportes físicos», o objetivo do legislador da União, como resulta do considerando 4 da Diretiva 2009/47, foi o de clarificar e adaptar ao progresso técnico a referência ao conceito de «livros» que figura nesse ponto.

40

Todavia, não deixa de ser verdade que, como resulta do artigo 98.o, n.o 2, segundo parágrafo, da diretiva IVA, o legislador também decidiu excluir qualquer possibilidade de aplicar uma taxa reduzida de IVA aos «serviços prestados por via eletrónica».

41

Ora, o fornecimento de livros eletrónicos constitui um «serviço prestado por via eletrónica», na aceção desse artigo 98.o, n.o 2, segundo parágrafo.

42

Com efeito, por um lado, nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da diretiva IVA, entende‑se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens, ao passo que, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, se entende por uma «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário. Ora, o fornecimento de livros eletrónicos não pode ser considerado uma «entrega de bens», na aceção desta última disposição, pelo facto de o livro eletrónico não poder ser qualificado de bem corpóreo. Com efeito, como resulta do n.o 36 do presente acórdão, o suporte físico que permite a leitura desse livro e que poderá ser qualificado de «bem corpóreo» não está incluído no fornecimento. Por conseguinte, em aplicação deste artigo 24.o, n.o 1, o fornecimento de livros eletrónicos deve ser qualificado de prestação de serviços.

43

Por outro lado, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento de execução n.o 282/2011, constituem serviços prestados por via eletrónica, na aceção da diretiva IVA, «os serviços que são prestados através da Internet ou de uma rede eletrónica e cuja natureza torna a sua prestação essencialmente automatizada, requerendo uma intervenção humana mínima, e que são impossíveis de assegurar na ausência de tecnologias da informação». Há que reconhecer que o fornecimento de livros eletrónicos corresponde a esta definição.

44

Esta interpretação é confirmada pelo ponto 3 do anexo II da diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento de execução e com o ponto 3 do seu Anexo I, de onde resulta que o fornecimento do conteúdo digitalizado de livros constitui um serviço dessa natureza.

45

A tal não se opõe, contrariamente ao que alega o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o facto de o anexo II da diretiva IVA conter uma lista indicativa dos serviços prestados por via eletrónica a que se referem o artigo 58.o e o artigo 59.o, primeiro parágrafo, alínea k), da diretiva IVA. Com efeito, o facto de este anexo apenas elencar os serviços prestados por via eletrónica que sejam pertinentes para a aplicação destas últimas duas disposições não tem qualquer efeito sobre a própria natureza desses serviços.

46

Além disso, como resulta da letra do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento de execução n.o 282/2011, a referência feita, no contexto desta disposição, aos serviços elencados no ponto 3 do anexo II da diretiva IVA serve para determinar os serviços prestados por via eletrónica abrangidas pela diretiva IVA em geral e não apenas por determinadas disposições desta diretiva.

47

Por conseguinte, uma vez que o fornecimento de livros eletrónicos é um serviço prestado por via eletrónica, na aceção do artigo 98.o, n.o 2, segundo parágrafo, da diretiva IVA, e que esta disposição exclui qualquer possibilidade de aplicar uma taxa reduzida de IVA aos serviços dessa natureza, o ponto 6 do anexo III da diretiva IVA não pode ser interpretado no sentido de incluir no seu âmbito de aplicação o fornecimento de livros eletrónicos, sem violar a intenção do legislador da União de não permitir que esses serviços beneficiem de uma taxa reduzida de IVA.

48

Além disso, o argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo o qual a Diretiva 2009/47 teve por efeito a modificação, neste ponto, do alcance deste artigo 98.o, n.o 2, segundo parágrafo não pode ser acolhido, já que esta interpretação é contrária à própria redação desta disposição, que exclui, sem exceção, todos os serviços fornecidos por via eletrónica da possibilidade de beneficiar de uma taxa reduzida de IVA.

49

Daqui resulta que, atendendo quer à letra do ponto 6 do anexo III da diretiva IVA quer ao seu contexto e aos objetivos da regulamentação em que se insere esta disposição, este ponto não poderá ser interpretado no sentido de incluir no seu âmbito de aplicação o fornecimento de livros eletrónicos.

50

Contrariamente ao que alegam o Grão‑Ducado do Luxemburgo e o Reino da Bélgica, esta interpretação não é posta em causa pelo princípio da neutralidade fiscal, que constitui a tradução, pelo legislador da União, em matéria de IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento (acórdão NCC Construction Danmark, EU:C:2009:669, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

51

Com efeito, o princípio da neutralidade fiscal não permite alargar o âmbito de aplicação dessa isenção quando não exista uma disposição inequívoca (v., neste sentido, acórdão Zimmermann, C‑174/11, EU:C:2012:716, n.o 50 e jurisprudência aí referida). Ora, o ponto 6 do anexo III da diretiva IVA não é uma disposição que, de modo inequívoco, alargue o âmbito de aplicação das taxas reduzidas de IVA ao fornecimento de livros eletrónicos. Pelo contrário, como resulta do n.o 49 do presente acórdão, esse fornecimento não é abrangido por esta disposição.

52

A interpretação acolhida no n.o 49 do presente acórdão também não é, como ssutenta o Grão‑Ducado do Luxemburgo, posta em causa pelos trabalhos preparatórios da Diretiva 2009/47. Esse Estado‑Membro refere‑se, em especial, à redação do ponto 6 do anexo III da diretiva IVA, como proposta pela Comissão, nos termos da qual estariam abrangidos por aquele anexo o «[f]ornecimento de livros, mesmo os emprestados por bibliotecas (e incluindo as brochuras, desdobráveis e outros impressos do mesmo tipo, álbuns ou livros de ilustrações e álbuns para desenhar ou colorir para crianças, pautas de música impressas ou manuscritas, mapas e cartas hidrográficas ou outras do mesmo tipo, bem como livros áudio, CD, CD‑ROM ou qualquer outro suporte físico semelhante que reproduza basicamente o mesmo conteúdo dos livros impressos), jornais e publicações periódicas, com exceção dos materiais total ou predominantemente destinados a publicidade».

53

Com efeito, afigura‑se, como observa a Comissão, que a redação desse ponto 6, como acabou por ser aprovado, é uma mera simplificação da redação do texto inicialmente proposto.

54

Do mesmo modo, não pode ser acolhido o argumento do Grão‑Ducado do Luxemburgo segundo o qual o ponto 6 do anexo III da diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de incluir o fornecimento de livros eletrónicos, sob pena de violar o objetivo desta disposição, uma vez que já não existem livros digitais materialmente entregues ao cliente. Com efeito, basta salientar, a este respeito, que, como demonstram as circunstâncias em causa no processo que deu origem ao acórdão K (EU:C:2014:2207), este argumento assenta numa premissa errada.

55

Importa acrescentar que, na medida em que o Grão‑Ducado do Luxemburgo põe em causa a validade da diretiva IVA e, em especial, do ponto 6 do seu anexo III à luz do princípio da igualdade de tratamento, a apreciação desta validade não pode ocorrer no âmbito da presente ação por incumprimento.

56

Com efeito, um Estado‑Membro não poderá utilmente, na inexistência de uma disposição do Tratado FUE que expressamente lho autorize, invocar a ilegalidade de uma diretiva de que é destinatário como defesa contra uma ação por incumprimento fundada na inexecução dessa diretiva. Só o poderia fazer se o ato em causa enfermasse de vícios particularmente graves e evidentes, a ponto de poder ser qualificado de ato inexistente, vícios esses que não foram alegados pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo (v. acórdão Comissão/Áustria, C‑189/09, EU:C:2010:455, n.os 15 a 17 e jurisprudência aí referida).

57

Por essa mesma razão, esse Estado‑Membro não pode validamente invocar o argumento relativo à invalidade da Diretiva 2009/47 pelo facto de o papel do Parlamento Europeu ter sido ignorado na aprovação desta.

58

O Grão‑Ducado do Luxemburgo refere‑se também ao artigo 110.o TFUE, que, em seu entender, demonstra que os autores do Tratado não pretenderam atribuir às instituições da União o direito de criar imposições discriminatórias.

59

Contudo, este argumento coincide, em substância, com a argumentação desse Estado‑Membro relativa ao princípio da igualdade de tratamento. Este argumento deve, assim, improceder com base nos mesmos fundamentos que os enunciados nos n.os 50, 51, 55 e 56 do presente acórdão.

60

A título subsidiário, se o fornecimento de livros eletrónicos não for abrangido pelo ponto 6 do anexo III da diretiva IVA, o Grão‑Ducado do Luxemburgo sustenta que esse fornecimento é abrangido pelo ponto 9 do referido anexo.

61

Todavia, este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, tal interpretação do referido ponto 9, o qual diz respeito às prestações de serviços efetuadas por escritores, compositores e intérpretes ou executantes e direitos de autor que lhes sejam devidos, não encontra apoio na redação desta disposição e leva ao alargamento do âmbito de aplicação desta, ao passo que, como resulta do n.o 38 do presente acórdão, se impõe uma interpretação estrita dessa mesma disposição.

62

Por outro lado, como salienta acertadamente a Comissão, o facto de considerar que o fornecimento de livros é abrangido pelo âmbito de aplicação do ponto 9 do anexo III da diretiva IVA esvaziaria de sentido o ponto 6 do referido anexo.

63

Decorre do exposto que o fornecimento de livros eletrónicos não é abrangido pelo ponto 6 nem pelo ponto 9 do anexo III da diretiva IVA. Por outro lado, é pacífico que o referido fornecimento não está incluído em nenhuma outra categoria de prestações de serviços mencionada no mesmo anexo. Nessas condições, a aplicação de uma taxa reduzida de IVA a esse fornecimento não está em conformidade com o artigo 98.o, n.o 2, da diretiva IVA.

64

A Comissão censura também o Estado‑Membro demandado por aplicar a taxa reduzida de IVA de 3%, em violação dos artigos 99.°, 110.° e 114.° da diretiva IVA.

65

O Grão‑Ducado do Luxemburgo, apoiado pelo Reino da Bélgica, alega, em contrapartida, que os artigos 110.° e 114.° da diretiva IVA lhe permitem, em todo o caso, aplicar essa taxa de IVA ao fornecimento de livros eletrónicos.

66

No que diz respeito ao artigo 110.o da diretiva IVA, importa recordar que, como resulta da redação desta disposição, a possibilidade para um Estado‑Membro de aplicar taxas reduzidas inferiores ao mínimo fixado no artigo 99.o da diretiva IVA está subordinada à reunião de quatro requisitos cumulativos, em especial, aquele segundo o qual as taxas reduzidas devem ser conformes com a legislação da União (acórdão Comissão/França, C‑596/10, EU:C:2012:130, n.o 75).

67

Ora, como resulta do n.o 63 do presente acórdão, a aplicação de uma taxa reduzida de IVA ao fornecimento de livros eletrónicos não está em conformidade com o artigo 98.o, n.o 2, da diretiva IVA. Nessas condições, sem que seja necessário examinar se os outros requisitos enunciados no artigo 110.o da mesma diretiva estão preenchidos, a derrogação prevista nesta disposição não pode justificar a aplicação, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, de uma taxa reduzida de IVA de 3% ao fornecimento de livros eletrónicos (v., neste sentido, acórdão Comissão/França, EU:C:2012:130, n.os 76 e 77).

68

No que se refere ao artigo 114.o da diretiva IVA, basta salientar que esta disposição exige expressamente que a entrega de bens ou a prestação de serviços em causa esteja incluída numa das categorias que constam do anexo III da diretiva IVA. Ora, é pacífico que não é esse o caso do fornecimento de livros eletrónicos.

69

Nessas condições, a aplicação, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, de uma taxa reduzida de IVA de 3% ao fornecimento de livros eletrónicos não encontra justificação nos artigos 110.° ou 114.° da diretiva IVA.

70

Decorre do exposto que a ação da Comissão deve ser julgada procedente.

71

Por conseguinte, há que concluir que, ao aplicar uma taxa reduzida de IVA de 3% ao fornecimento de livros eletrónicos, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 96.° a 99.°, 110.° e 114.° da diretiva IVA, lidos em conjugação com os anexos II e III da referida diretiva e o Regulamento de execução n.o 282/2011.

Quanto às despesas

72

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Grão‑Ducado do Luxemburgo e tendo este sido vencido, há que condená‑lo a suportar as suas próprias despesas e as efetuadas pela Comissão.

73

Nos termos do disposto no artigo 140.o, n.o 1, deste mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. O Reino da Bélgica e o Conselho suportarão, por conseguinte, as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

Ao aplicar uma taxa de imposto sobre o valor acrescentado de 3% ao fornecimento de livros digitais ou eletrónicos, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 96.° a 99.°, 110.° e 114.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/88/UE do Conselho, de 7 de dezembro de 2010, lidos em conjugação com os anexos II e III da referida diretiva e o Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112.

 

2)

O Grão‑Ducado do Luxemburgo suporta as suas próprias despesas e as efetuadas pela Comissão Europeia.

 

3)

O Reino da Bélgica e o Conselho da União Europeia suportam as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.