Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo C‑220/13 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de abril de 2013,

Kalliopi Nikolaou, residente em Atenas (Grécia), representada por V. Christianos e S. Paliou, dikigoroi,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Tribunal de Contas da União Europeia, representado por T. Kennedy e I. Ní Riagáin Düro, na qualidade de agentes, assistidos por P. Tridimas, barrister,

demandado em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Berger, S. Rodin e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 22 de janeiro de 2014,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de março de 2014,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. No seu recurso, K. Nikolaou pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Nikolaou/Tribunal de Contas (T‑241/09, EU:T:2013:79, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual foi julgada improcedente a ação de indemnização da recorrente destinada a obter a reparação do prejuízo que, alegadamente, sofreu na sequência de irregularidades e de violações do direito da União que o Tribunal de Contas terá cometido no âmbito de um inquérito interno.

Antecedentes do litígio

2. K. Nikolaou foi membro do Tribunal de Contas de 1996 a 2001. Segundo uma reportagem publicada em 19 de fevereiro de 2002 pelo Europa Journal, B. Staes, deputado ao Parlamento Europeu, teve acesso a informações respeitantes a comportamentos ilegais imputáveis à recorrente durante o seu mandato como membro do Tribunal de Contas.

3. Por carta de 18 de março de 2002, o secretário‑geral do Tribunal de Contas (a seguir «secretário‑geral») transmitiu ao diretor‑geral do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) um dossiê com elementos relativos a esses comportamentos, de que ele próprio e o presidente dessa instituição tiveram conhecimento. Além disso, o secretário‑geral pediu ao OLAF que lhe indicasse se devia informar K. Nikolaou da existência de um inquérito a esta respeitante, em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Decisão 99/50 do Tribunal de Contas relativa às condições e modalidades dos inquéritos internos no domínio da luta contra a fraude, a corrupção e qualquer outra atividade ilegal lesiva dos interesses financeiros das Comunidades.

4. Por carta de 8 de abril de 2002, o presidente do Tribunal de Contas informou K. Nikolaou da existência de um inquérito interno conduzido pelo OLAF na sequência do artigo publicado no Europa Journal . Por carta de 26 de abril de 2002, o diretor‑geral do OLAF informou K. Nikolaou de que, na sequência das informações recebidas pelo OLAF por parte de B. Staes e com base num dossiê de inquérito preliminar instruído pelo secretário‑geral, havia sido aberto um inquérito interno, no qual seria convidada a cooperar.

5. K. Nikolaou encontrou‑se com os responsáveis do OLAF em 24 de maio de 2002. Em 17 de outubro de 2002, o sítio Internet European Voice publicou uma reportagem que divulgava, nomeadamente, que o OLAF estava prestes a finalizar o inquérito conduzido contra a recorrente. A imprensa grega publicou reportagens análogas. Por carta de 28 de outubro de 2002, o OLAF informou K. Nikolaou do encerramento desse inquérito, indicando‑lhe que o relatório final, bem como as informações relevantes, haviam sido transmitidas ao secretário‑geral e às autoridades judiciais luxemburguesas. Por carta de 10 de fevereiro de 2004, o Tribunal de Contas comunicou à recorrente uma versão resumida do relatório final do OLAF.

6. Segundo esse relatório final de 28 de outubro de 2002, as informações sobre K. Nikolaou haviam sido dadas a B. Staes por dois agentes do Tribunal de Contas, tendo um dos agentes sido membro do gabinete da recorrente. As acusações examinadas diziam respeito, primeiro, a quantias em dinheiro que a recorrente recebeu do seu pessoal a título de empréstimos; segundo, a alegadas falsas declarações relativas a pedidos de adiamento de férias do seu chefe de gabinete, que deram lugar ao reembolso de cerca de 28 790 euros a este último a título de férias não gozadas durante os anos de 1999, 2000 e 2001; terceiro, à utilização do veículo de serviço de K. Nikolaou para efeitos não previstos na respetiva regulamentação; quarto, a ordens de missão dadas ao motorista da recorrente para efeitos não abrangidos pela regulamentação correspondente; quinto, a uma política de absentismo no gabinete da recorrente; sexto, a atividades de ordem comercial e a intervenções junto de pessoas com elevados cargos para facilitar tais atividades exercidas por membros da família da interessada; sétimo, a uma fraude cometida no âmbito de um concurso; e, oitavo, a fraudes relativas às despesas de representação recebidas pela recorrente.

7. O OLAF concluiu pela possibilidade de terem sido cometidas infrações suscetíveis de serem qualificadas de falsificação de documentos e uso de documentos falsos e de burla, quanto aos pedidos de adiamento de férias do chefe de gabinete da recorrente. Segundo o referido relatório final, era possível que tivessem sido cometidas infrações penais pela recorrente e pelos membros do seu gabinete, relacionadas com quantias em dinheiro que a interessada recebeu, segundo as pessoas implicadas, a título de empréstimos. Nessas condições, o OLAF, em conformidade com o artigo 10.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pela Organização Europeia de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 1), comunicou esses elementos às autoridades judiciais luxemburguesas, a fim de que estas últimas investigassem os factos suscetíveis de revelar que haviam sido cometidas infrações penais.

8. No que respeita às restantes acusações, com exceção da fraude cometida no âmbito de um concurso, o OLAF detetou possíveis irregularidades ou dúvidas quanto ao comportamento de K. Nikolaou e sugeriu que o Tribunal de Contas tomasse «medidas corretivas» a respeito da recorrente, bem como medidas no sentido de melhorar o sistema de controlo em vigor nessa instituição.

9. Em 26 de abril de 2004, a recorrente foi ouvida numa reunião restrita do Tribunal de Contas, tendo em vista a eventual aplicação do artigo 247.°, n.° 7, CE. Por carta de 13 de maio de 2004 (a seguir «carta de 13 de maio de 2004»), o presidente do Tribunal de Contas indicou que, quanto à remessa do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia para efeitos da aplicação do artigo 247.°, n.° 7, CE, por K. Nikolaou ter alegadamente solicitado e obtido empréstimos pessoais de membros do seu gabinete, a unanimidade exigida no artigo 6.° do Regulamento Interno do Tribunal de Contas, aprovado em 31 de janeiro de 2002, não tinha sido obtida na reunião realizada em 4 de maio de 2004. A este respeito, o presidente do Tribunal de Contas acrescentou que uma grande maioria dos membros dessa instituição havia considerado o comportamento da recorrente absolutamente desadequado. Quanto aos dias de férias do chefe de gabinete desta última, o presidente do Tribunal de Contas explanou que, uma vez que o processo estava pendente nos órgãos jurisdicionais luxemburgueses, a instituição em causa tinha diferido a sua decisão, enquanto aguardava as conclusões dos respetivos processos.

10. No acórdão Nikolaou/Comissão (T‑259/03, EU:T:2007:254), o Tribunal Geral condenou a Comissão das Comunidades Europeias a pagar à recorrente uma indemnização de 3 000 euros, na sequência da publicação de informações relativas ao inquérito conduzido pelo OLAF.

11. Por sentença proferida em 2 de outubro de 2008 (a seguir «sentença de 2 de outubro de 2008»), a chambre correctionnelle do tribunal d’arrondissement de Luxembourg (Secção Correcional do Tribunal de Comarca da Cidade do Luxemburgo) absolveu a recorrente e o seu chefe de gabinete das acusações de falsificação de documentos e uso de documentos falsos, de falsas declarações, subsidiariamente, de apropriação de prestação, de subvenção ou de subsídio sem causa e, mais subsidiariamente, de burla. O referido tribunal considerou, no essencial, que certas explicações dadas pelo chefe de gabinete da recorrente e por esta última punham em dúvida o conjunto dos elementos de prova recolhidos pelo OLAF e pela polícia judiciária luxemburguesa destinado a demonstrar que o referido chefe de gabinete esteve de férias não declaradas durante vários dias durante os anos de 1999, 2000 e 2001. O mesmo tribunal concluiu que a materialidade dos factos imputados a K. Nikolaou não havia sido provada sem margem para dúvida e que, visto que a mais pequena dúvida beneficia o arguido, a interessada devia ser absolvida das acusações que lhe tinham sido imputadas. Segundo o preâmbulo da sentença de 2 de outubro de 2008, a recorrente e o seu chefe de gabinete tinham sido levados a julgamento na chambre correctionnelle du tribunal d’arrondissement de Luxembourg por despacho da chambre du conseil desse tribunal, confirmado pelo acórdão da chambre du conseil de la cour d’appel (tribunal de recurso) de 29 de janeiro de 2008. Não tendo havido recurso, a sentença de 2 de outubro de 2008 transitou em julgado.

12. Por carta de 14 de abril de 2009, a recorrente pediu que o Tribunal de Contas publicasse em todos os jornais belgas, alemães, gregos, espanhóis, franceses, e luxemburgueses uma comunicação sobre a sua absolvição e que informasse as outras instituições da União Europeia desse facto. A título subsidiário, não procedendo o Tribunal de Contas às referidas publicações, a recorrente pediu uma indemnização de 100 000 euros a título de reparação dos danos morais, montante que, afirmava, iria utilizar para efetuar as ditas publicações. A recorrente pediu igualmente que o Tribunal de Contas, primeiro, lhe pagasse 40 000 euros a título da reparação dos danos morais causados pelo processo intentado nos órgãos jurisdicionais luxemburgueses e 57 771,40 euros a título de reparação dos danos morais causados por esse processo, segundo, lhe reembolsasse as despesas efetuadas nomeadamente no juiz de instrução e no tribunal d’arrondissement de Luxembourg e, terceiro, lhe reembolsasse as despesas efetuadas no âmbito do processo no Tribunal de Contas.

13. Por carta de 7 de julho de 2009, o presidente do Tribunal de Contas transmitiu a K. Nikolaou a decisão adotada em 2 de julho de 2009 em resposta aos referidos pedidos. Nessa decisão, por um lado, foram rejeitados os argumentos invocados na carta acima mencionada de 14 de abril de 2009 e, por outro lado, K. Nikolaou foi informada de que o Tribunal de Contas tinha «procurado determinar, com base nas informações de que dispunha, se os factos tinham um grau de gravidade suficiente para os submeter ao [Tribunal de Justiça]», para que se pronunciasse sobre o possível incumprimento de obrigações que incumbiam a esse antigo membro nos termos do Tratado CE e sobre a necessidade de aplicar eventuais sanções. A este respeito, foram também recordados na referida decisão os elementos que levaram o Tribunal de Contas a não recorrer ao Tribunal de Justiça, de entre os quais constava, nomeadamente, a absolvição de K. Nikolaou pela sentença de 2 de outubro de 2008, e a inexistência de prejuízo causado ao orçamento comunitário, tendo em conta o reembolso da quantia paga indevidamente ao chefe de gabinete da interessada.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

14. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de junho de 2009, K. Nikolaou intentou uma ação de indemnização destinada a obter a condenação do Tribunal de Contas no pagamento de 85 000 euros, acrescidos de juros a contar de 14 de abril de 2009, como reparação dos danos morais causados por «atos» e omissões imputáveis a essa instituição, montante que se comprometeu a utilizar na publicação de uma comunicação da sua absolvição.

15. Em apoio da sua ação, a recorrente invocou, em primeiro lugar, seis fundamentos, relativos à violação caracterizada pelo Tribunal de Contas das regras de direito da União que conferem direitos aos particulares. Em segundo lugar, invocou a existência de um nexo de causalidade direto entre essa violação e os danos morais e materiais causados.

16. O Tribunal Geral julgou improcedente a referida ação por considerar que o Tribunal de Contas não tinha cometido nenhuma das violações do direito da União imputadas.

17. Quanto ao que é pertinente para o presente recurso, o Tribunal Geral concluiu, em primeiro lugar, nos n. os  27 a 31 do acórdão recorrido, que os «atos» do Tribunal de Contas no inquérito preliminar não constituem nenhuma ilegalidade, na medida em que essa instituição não violou as exigências decorrentes da interpretação conjugada dos artigos 2.° e 4.° da Decisão 99/50, nem os direitos de defesa, nem sequer o princípio da imparcialidade.

18. Em especial, no n.° 29 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que o inquérito preliminar a que o artigo 2.° da Decisão 99/50 se refere tem por objeto, por um lado, permitir ao secretário‑geral apreciar se os elementos levados ao seu conhecimento deixam presumir a existência de irregularidades lesivas dos interesses financeiros da União e, por outro, transmitir ao OLAF, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1073/1999, um dossiê que permita ao OLAF apreciar se há que abrir um inquérito interno nos termos do artigo 5.°, segundo parágrafo, deste regulamento. O Tribunal Geral declarou assim que, não devendo esse inquérito preliminar levar à adoção de conclusões sobre a pessoa em causa, a obrigação decorrente do artigo 4.°, primeiro parágrafo, segunda frase, da Decisão 99/50 não diz respeito aos «atos» do secretário‑geral no quadro do artigo 2.° da Decisão 99/50.

19. De igual modo, no n.° 30 do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que, uma vez que as comunicações recebidas nas cartas de 8 e 26 de abril de 2002 preenchem os requisitos previstos no artigo 4.°, primeiro parágrafo, primeira frase, da Decisão 99/50, a recorrente não podia invocar a violação desta disposição por o Tribunal de Contas não a ter ouvido antes de transmitir o dossiê ao OLAF com os elementos recolhidos pelo secretário‑geral a seu respeito.

20. Em segundo lugar, no n.° 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou improcedente a alegação da recorrente de que o Tribunal de Contas tinha usado um documento falso. A este respeito, verificou que o documento em causa, concretamente um pedido de adiamento de férias anuais do chefe de gabinete de K. Nikolaou, datado de 20 de novembro de 2001, não constava dos documentos que faziam parte do dossiê preliminar transmitido ao OLAF. Em todo o caso, assinalou que, admitindo que o Tribunal de Contas tivesse efetivamente transmitido esse documento ao OLAF ou às autoridades luxemburguesas, essa eventual transmissão não significava que o Tribunal de Contas tinha agido de má‑fé no que dizia respeito à autenticidade da assinatura da recorrente.

21. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral declarou, nos n. os  43 a 47 do acórdão recorrido, que a omissão do Tribunal de Contas da adoção de uma decisão formal que absolvesse a recorrente de todas as acusações imputadas na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008 não estava ferida de ilegalidade.

22. Antes de mais, no n.° 45 do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que a recorrente tinha sido absolvida com fundamento em dúvidas nascidas de determinadas explicações dadas pelo seu chefe de gabinete. Por conseguinte, segundo o Tribunal Geral, o motivo da absolvição não implicava que as acusações imputadas à recorrente eram desprovidas de fundamento, mas, como declarado pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg, o facto de essas acusações não terem sido provadas «sem margem para dúvidas».

23. Em seguida, no n.° 46 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral declarou que cabia exclusivamente às autoridades judiciais nacionais examinar as referidas acusações no plano penal e ao Tribunal de Justiça apreciá‑las no plano disciplinar, nos termos do artigo 247.°, n.° 7, CE. Segundo o Tribunal Geral, o Tribunal de Contas não tinha competência para se pronunciar a esse respeito.

24. Por último, no n.° 47 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que não era possível deduzir do facto de não se ter recorrido para o Tribunal de Justiça nos termos dessa disposição que o Tribunal de Contas considerava que os factos imputados à recorrente estavam desprovidos de fundamento. Com efeito, segundo o artigo 6.° do Regulamento Interno do Tribunal de Contas, o recurso ao Tribunal de Justiça deve, segundo o Tribunal Geral, ser decidido por unanimidade. Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou que, embora fosse verdade que não recorrer para o Tribunal de Justiça implicava que a unanimidade não tinha sido obtida, isto não valia como tomada de posição do Tribunal de Contas sobre a materialidade dos factos. Nesse contexto, pronunciando‑se sobre a observação constante da carta de 13 de maio de 2004, o Tribunal Geral considerou que «não era despropositado que o presidente do Tribunal de Contas comunicasse à recorrente que a grande maioria dos membros da instituição [tinha considerado] o seu comportamento inaceitável, impedindo, assim, que o facto de não submeter o assunto ao Tribunal de Justiça pudesse ser entendido como uma suposta negação da materialidade dos factos imputados, o que, aliás, não corresponderia à realidade».

25. Em quarto lugar, o Tribunal Geral declarou, no n.° 49 do acórdão recorrido, que não era possível deduzir do dever de solicitude nenhuma obrigação de o Tribunal de Contas proceder à publicação da absolvição da recorrente.

Pedidos das partes

26. No seu recurso, K. Nikolaou pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

– anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral para decisão; e

– condenar o Tribunal de Contas nas despesas.

27. O Tribunal de Contas pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

– julgar o recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente; e

– condenar K. Nikolaou nas despesas.

Quanto ao presente recurso

28. K. Nikolaou invoca quatro fundamentos de recurso.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

29. No seu primeiro fundamento, a recorrente sustenta que o princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, assegura uma garantia processual que não se limita apenas à fase que precede a prolação de uma sentença, mas é também aplicável posteriormente. Assim, este princípio deve ser interpretado no sentido de que se opõe à decisão de um órgão jurisdicional da União que volte a pôr em causa a inocência de uma pessoa acusada, quando essa pessoa tiver sido previamente absolvida por decisão penal irrevogável (v. TEDH, acórdão Vassilios Stavropoulos c. Grécia de 27 de setembro de 2007, Recueil des arrêts et décisions 2007‑I, § 39).

30. À luz destas considerações, a recorrente alega que, no n.° 45 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral violou o referido princípio ao declarar que o fundamento da absolvição fundado na existência de dúvidas julgado procedente pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg «não implica[va] que as acusações imputadas à recorrente [eram] desprovidas de fundamento».

31. Ora, segundo a recorrente, tal violação afeta necessariamente a validade desse acórdão, na medida em que foi determinante para declarar legais, nos n. os  44 e 49 do referido acórdão, as omissões do Tribunal de Contas ao não adotar uma decisão formal que absolvesse a recorrente de todas as acusações que lhe foram imputadas na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008, e em não proceder à publicação, na imprensa, da absolvição da recorrente.

32. O Tribunal de Contas alega que este primeiro fundamento se baseia na premissa de que essa instituição ou o Tribunal Geral procederam à reapreciação do mérito da sentença de 2 de outubro de 2008. Ora, esta premissa está errada.

33. Com efeito, segundo o Tribunal de Contas, quando da adoção da decisão de 2 de julho de 2009 a que se refere o n.° 13 do presente acórdão, o Tribunal de Contas tomou conhecimento dessa sentença e retirou as conclusões que se impõem no exercício da sua própria competência, a qual não compreendia a possibilidade de proceder à publicação da absolvição da recorrente. De igual modo, o Tribunal Geral reconheceu e respeitou o conteúdo da referida sentença no que respeita às consequências de caráter penal da mesma.

Apreciação do Tribunal de Justiça

34. No primeiro fundamento de recurso, K. Nikolaou sustenta que o Tribunal Geral violou o princípio da presunção da inocência, ao declarar, no n.° 45 do acórdão recorrido, que o fundamento da absolvição julgado procedente na sentença de 2 de outubro de 2008 «não implica[va] que as acusações imputadas à recorrente [eram] desprovidas de fundamento», mas «implica[va] o facto de não terem sido demonstradas ‘sem margem para dúvidas’». Esse erro deve, segundo a recorrente, determinar a anulação do referido acórdão, na medida em que, se esse princípio não tivesse sido infringido, o Tribunal Geral teria reconhecido, nos n. os  44 e 49 do dito acórdão, a ilegalidade das omissões do Tribunal de Contas ao não adotar uma decisão formal que absolvesse a recorrente de qualquer acusação contra a mesma, na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008, e ao não proceder à publicação, na imprensa, da absolvição da recorrente.

35. A este respeito, importa recordar que o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, pode ser infringido nomeadamente se uma decisão judicial refletir, na sua fundamentação, a impressão de que uma pessoa é culpada de uma infração, apesar de, com a sua absolvição, ter sido encerrado o processo penal (v. TEDH, acórdãos Allenet de Ribemont e França de 10 de fevereiro de 1995, série A n.° 308, §§ 35 e 36; Daktaras c. Lituânia de 10 de outubro de 2000, Recueil des arrêts et décisions 2000‑III, §§ 41 a 44; e Teodor c. Roménia de 4 de junho de 2013, Recueil des arrêts et décisions 2013‑III, §§ 36 e 37).

36. No caso em apreço, como sublinhou o advogado‑geral no n.° 57 das suas conclusões, importa notar que as passagens da fundamentação do Tribunal Geral constantes do n.° 45 do acórdão recorrido deixam efetivamente subsistir a impressão da possibilidade de K. Nikolaou ser culpada de uma infração penal fundada nos mesmos factos em que a sentença de 2 de outubro de 2008 havia já fundado a sua absolvição definitiva.

37. Por conseguinte, há que declarar que essas considerações infringem de forma manifesta o princípio da presunção de inocência.

38. Contudo, importa considerar que a violação deste princípio não pode determinar a anulação do acórdão recorrido, na medida em que as apreciações constantes dos seus n. os  44 e 49 sobre a legalidade das omissões imputadas ao Tribunal de Contas se baseiam, em todo o caso, validamente num motivo diferente, autonomamente desenvolvido no n.° 46 do referido acórdão (v., neste sentido, acórdãos JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, EU:C:2006:594, n.° 186, e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.° 233).

39. Com efeito, por esse motivo, o Tribunal Geral considerou, com razão, que cabe, por um lado, «exclusivamente às autoridades judiciais nacionais examinar as acusações no plano penal» imputadas a um antigo membro do Tribunal de Contas e, por outro, ao Tribunal de Justiça apreciá‑las «no plano disciplinar nos termos do artigo 247.°, n.° 7, CE», não estando, assim, o próprio Tribunal de Contas habilitado, no quadro da estrutura institucional da União, a adotar decisões formais de absolvição da recorrente de quaisquer acusações imputadas, no plano disciplinar ou no plano penal, nem a proceder à publicação, na impressa, da sua absolvição.

40. Por outro lado, esta conclusão está igualmente em conformidade com os princípios decorrentes da jurisprudência constante relativa à autonomia dos processos disciplinares tramitados no Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 247.°, n.° 7, CE, relativamente aos processos nacionais de natureza penal (acórdão Comissão/Cresson, C‑432/04, EU:C:2006:455, n. os  120 e 121). Com efeito, como também salientou o advogado‑geral nos n. os  71 a 73 das suas conclusões, decorre dessa jurisprudência que o Tribunal de Contas, enquanto autoridade competente para requerer ao Tribunal de Justiça uma decisão, tal como este último, não está vinculado pela qualificação jurídica dada aos factos no decurso de um processo penal nacional. Assim, o Tribunal de Contas não era obrigado a adotar, no caso vertente, na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008, os atos ou os comportamentos invocados pela recorrente.

41. Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o primeiro fundamento de recurso inoperante.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

42. No seu segundo fundamento, K. Nikolaou alegou que Tribunal Geral violou o princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE e ao qual estava vinculado na relação com o tribunal d’arrondissement de Luxembourg.

43. A este respeito, a recorrente, fazendo referência ao despacho Zwartveld e o. (C‑2/88, EU:C:1990:315, n.° 17) e ao acórdão Irlanda/Comissão (C‑339/00, EU:C:2003:545, n. os  71 e 72), sustenta que este princípio impõe não só aos Estados‑Membros mas também às instituições da União e, por extensão, a todos os órgãos da União, incluindo os seus órgãos jurisdicionais, deveres recíprocos de cooperação leal.

44. Assim sendo, a recorrente alega que, contudo, o Tribunal Geral não respeitou a sentença de 2 de outubro de 2008, nem a teve devidamente em conta.

45. Antes de mais, nos n. os  44 e 45 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral procedeu a uma interpretação dos factos relativos ao comportamento de K. Nikolaou totalmente divergente da apreciação realizada pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg.

46. Em seguida, a apreciação constante do n.° 35 do acórdão recorrido, segundo a qual a gestão de qualquer sistema de férias se baseia na obrigação de o superior hierárquico verificar a presença do pessoal que está sob a sua autoridade, é manifestamente contrária às considerações enunciadas na sentença de 2 de outubro de 2008, segundo as quais os membros dos gabinetes não estão obrigados a registar as férias.

47. Por último, o Tribunal Geral declarou, no n.° 38 do acórdão recorrido, que «as deficiências do sistema de registo e de supervisão das férias do Tribunal de Contas aplicável à data dos factos» não podiam justificar o arquivamento de um inquérito ou de uma ação judicial contra a recorrente, quando foram precisamente as referidas deficiências do sistema de gestão de férias que determinaram a absolvição da recorrente pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg.

48. Em resposta a estes argumentos, o Tribunal de Contas alega que este segundo fundamento assenta no desconhecimento das missões das instituições em causa e do alcance do artigo 4.°, n.° 3, TUE.

49. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência resultante do acórdão Comissão/Cresson (EU:C:2006:455), o Tribunal Geral não pôs em causa a sentença de 2 de outubro de 2008, mas simplesmente apreciou autonomamente certos factos já analisados durante o processo penal tramitado a nível nacional, no âmbito do exame da eventual responsabilidade extracontratual do Tribunal de Contas. Assim, as diferenças na apreciação de certas circunstâncias factuais resultam da autonomia de cada um dos processos jurisdicionais instaurados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

50. No seu segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral violou o princípio da cooperação leal, ao qual está vinculado em relação ao tribunal d’arrondissement de Luxembourg, uma vez que, nos n. os  44 e 45 e 35 e 38 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apreciou de forma diferente certos elementos de facto em relação às considerações enunciadas na sentença de 2 de outubro de 2008.

51. A este respeito, importa recordar que o princípio da cooperação leal, que, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, constava do artigo 10.° CE, e que, atualmente, está consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, determina a obrigação de os Estados‑Membros tomarem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União e impõe às instituições da União deveres recíprocos de respeito e de assistência em relação aos Estados‑Membros na execução das missões decorrentes dos Tratados (v., neste sentido, acórdãos First e Franex, C‑275/00, EU:C:2002:711, n.° 49, e Irlanda/Comissão, EU:C:2003:545, n.° 71).

52. Ora, no âmbito dessas missões, o artigo 235.° CE, lido em conjugação com o artigo 225.°, n.° 1, CE, confere expressamente ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Geral a competência para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do artigo 288.° CE, o qual tem por objeto a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Segundo jurisprudência constante, esta competência é exclusiva, devendo os órgãos jurisdicionais comunitários verificar o preenchimento de uma série de requisitos cumulativos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado, de cuja verificação depende o envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade (v. acórdão Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.° 60 e jurisprudência referida).

53. Além disso, no que se refere nomeadamente ao preenchimento do primeiro desses requisitos, o Tribunal de Justiça já declarou por várias vezes que deve ser demonstrada a violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares (v. acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.° 42), concretamente, uma violação manifesta e grave, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação (v., neste sentido, acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.° 55, e Comissão/CEVA e Pfizer, C‑198/03 P, EU:C:2005:445, n.° 64).

54. Assim, decorre destes princípios que a ação de indemnização por responsabilidade extracontratual da Comunidade pelos atos ou omissões das suas instituições foi instituída como um meio processual autónomo em relação a outras ações judiciais, com a sua função particular no âmbito do sistema dos meios processuais e sujeita a condições de exercício concebidas com vista ao seu objeto específico (v., designadamente, acórdão Lütticke/Comissão, 4/69, EU:C:1971:40, n.° 6, e Unifrex/Comissão e Conselho, 281/82, EU:C:1984:165, n.° 11).

55. Por conseguinte, como também assinalou o Tribunal de Contas nas suas observações escritas, embora as constatações feitas ao longo de um processo penal baseado em factos idênticos aos examinados no âmbito de um processo fundado no artigo 235.° CE possam ser tidas em conta pelo órgão jurisdicional comunitário ao qual foi submetido o processo, este último não está porém vinculado pela qualificação jurídica dos referidos factos realizada pelo juiz penal, cabendo‑lhe antes, no pleno uso do seu poder de apreciação, analisá‑los autonomamente para verificar se estão preenchidos os requisitos de cuja verificação depende o envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade (v., por analogia, acórdão Comissão/Cresson, EU:C:2006:455, n. os  120 e 121).

56. À luz destas considerações, importa desde já declarar que estão desprovidas de fundamento as alegações pelas quais a recorrente alega que o Tribunal Geral, nos n. os  44 e 45 e 35 e 38 do acórdão recorrido, violou o princípio da cooperação leal.

57. Com efeito, nos referidos números desse acórdão, o Tribunal Geral não violou o dever de respeito institucional que lhe incumbia em relação ao tribunal d’arrondissement de Luxembourg, na medida em que se pronunciou sobre certos factos já analisados na sentença de 2 de outubro de 2008 unicamente para verificar a legalidade das omissões imputadas ao Tribunal de Contas no âmbito do litígio sobre a responsabilidade extracontratual da Comunidade e não com a finalidade de apreciar a procedência das acusações penais deduzidas contra K. Nikolaou.

58. Daqui se conclui que o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

59. No seu terceiro fundamento, K. Nikolaou alega que o acórdão recorrido está ferido de um vício de incompetência do Tribunal Geral, visto que esse Tribunal decidiu questões que excedem os limites das competências que os Tratados lhe atribuem.

60. Em primeiro lugar, a recorrente considera que, no n.° 45 desse acórdão, o Tribunal Geral pronunciou‑se como um «tribunal de recurso em matéria penal», quando apreciou o mérito, no plano penal, o «que implica» ou o «que não implica» o motivo da absolvição «fundado na dúvida», acolhido na sentença de 2 de outubro de 2008.

61. Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral agiu como um «órgão jurisdicional disciplinar» e, além disso, validou uma interpretação incorreta das atribuições do Tribunal de Contas, considerando no n.° 47 do acórdão recorrido, a propósito da observação constante da carta de 13 de maio de 2004, que «não era despropositado que o presidente do Tribunal de Contas comunicasse à recorrente que a grande maioria dos membros da instituição [tinha considerado] o seu comportamento inaceitável».

62. A este respeito, K. Nikolaou precisa que, sendo o Tribunal de Justiça, por força do artigo 247.°, n.° 7, CE, a única instituição competente para se pronunciar sobre os incumprimentos de natureza disciplinar imputados a um membro do Tribunal de Contas, o Tribunal Geral não tinha o direito de se pronunciar para esse efeito sobre o comportamento imputado à recorrente na referida carta, nem reconhecer a legalidade do conteúdo da mesma.

63. O Tribunal de Contas alega que este fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível, na medida em que constitui a mera reiteração dos argumentos invocados em primeira instância a propósito da carta de 13 de maio de 2004, e parcialmente improcedente, na medida em que o Tribunal Geral não pôs em causa a sentença de 2 de outubro de 2008, podendo, com efeito, a avaliação do mesmo comportamento levar a conclusões diferentes, consoante a natureza da instância jurisdicional chamada a decidir e da ação judicial intentada.

Apreciação do Tribunal de Justiça

64. No seu terceiro fundamento, K. Nikolaou sustenta que o Tribunal Geral violou as regras de competência decorrentes dos Tratados. Em primeiro lugar, no n.° 45 do acórdão recorrido, apreciou, quanto ao mérito, as acusações penais imputadas à recorrente e o motivo de absolvição acolhido na sentença de 2 de outubro de 2008. Em segundo lugar, no n.° 47 desse acórdão, o Tribunal Geral analisou, sem razão, a observação de natureza disciplinar constante da carta de 13 de maio de 2004 e confirmou a legalidade do conteúdo da mesma, desrespeitando os limites das suas atribuições e das do Tribunal de Contas.

65. Ora, importa verificar que estas alegações procedem de uma leitura errada do acórdão recorrido.

66. Com efeito, quanto à primeira parte deste fundamento, basta salientar que, no n.° 45 desse acórdão, o Tribunal Geral não analisou os factos na origem das acusações penais imputadas à recorrente nem o motivo de absolvição acolhido na sentença de 2 de outubro de 2008, com o fim de pôr em causa o resultado final da sentença ou de reabrir o processo penal tramitado a nível nacional.

67. Em contrapartida, como foi salientado nos n. os  56 e 57 do presente acórdão, dentro dos limites da sua competência exclusiva em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade, o Tribunal Geral limitou‑se a fazer referência aos mesmos elementos de facto que os tidos em conta no decorrer do referido processo penal, com o fim exclusivo de responder aos argumentos da recorrente sobre a alegada ilegalidade da omissão, pelo Tribunal de Contas, ao não adotar uma decisão formal que a absolvesse de qualquer acusação dirigida contra a mesma, na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008.

68. Assim, no n.° 45 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não agiu como um «tribunal de recurso em matéria penal», mas manteve‑se no quadro das suas competências.

69. Quanto à segunda parte do terceiro fundamento de recurso, importa realçar, por um lado, que o raciocínio seguido no n.° 47 do acórdão recorrido constitui também uma resposta a um argumento da recorrente, relativo à violação, pelo Tribunal de Contas, do princípio da imparcialidade e do dever de solicitude, decorrente de uma observação indelicada e supérflua constante da carta de 13 de maio de 2004.

70. Assim, ao proceder à análise dessa observação no âmbito da ação de indemnização que foi intentada, o Tribunal Geral não se pronunciou, do ponto de vista disciplinar, sobre o comportamento imputado à recorrente e não foi além dos limites da sua competência em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade.

71. Por outro lado, quanto ao conteúdo da carta de 13 de maio de 2004, importa salientar que, como foi também sublinhado pelo advogado‑geral no n.° 84 das suas conclusões, o referido conteúdo limitou‑se, acertadamente, à mera indicação do resultado dos votos dos membros do Tribunal de Contas, reunidos para decidir do recurso para o Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 247.°, n.° 7, CE, e, assim, não procedeu à apreciação, no plano disciplinar, do comportamento imputado a K. Nikolaou.

72. Com efeito, visto que o recurso para o Tribunal de Justiça podia ser legitimamente decidido, em conformidade com os princípios decorrentes da jurisprudência nesta matéria, com base na existência pressuposta de um «incumprimento com um certo grau de gravidade» (v., neste sentido, acórdão Comissão/Cresson, EU:C:2006:455, n.° 72), o Tribunal de Contas podia indicar que a unanimidade necessária para o efeito, na aceção do artigo 6.° do seu Regulamento Interno, não tinha sido obtida, apesar de a larga maioria dos seus membros ter criticado o comportamento imputado no ponto (i) da referida carta.

73. De resto, como foi confirmado por todas as partes na audiência no Tribunal de Justiça, a observação constante dessa mesma carta foi estritamente pessoal e não foi divulgada na imprensa.

74. Decorre destas circunstâncias que, ao declarar que o conteúdo da carta de 13 de maio de 2004 era legal, o Tribunal Geral de forma alguma reconheceu ao Tribunal de Contas competências em matéria disciplinar, de que não dispunha, nem sequer violou o âmbito das suas competências, visto que não agiu como «órgão jurisdicional disciplinar».

75. Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o terceiro fundamento totalmente improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

76. Na primeira parte do seu quarto fundamento, K. Nikolaou alega que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente as regras que regem a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Com efeito, no n.° 32 do acórdão recorrido, acrescentou um requisito adicional, não exigido pela jurisprudência, concretamente, o requisito segundo o qual a instituição em causa deve ter agido «de má‑fé».

77. Na segunda parte do referido fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 99/50, lido em conjugação com o seu artigo 4.°, primeiro parágrafo.

78. Segundo a recorrente, por um lado, no n.° 30 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu erradamente que não era necessário informá‑la da abertura de um inquérito preliminar contra a mesma e que as cartas de 8 e 26 de abril de 2002, que apenas informaram a recorrente da abertura do inquérito interno do OLAF, respondiam às exigências previstas no artigo 4.°, primeiro parágrafo, primeira frase, dessa decisão. Por outro lado, no n.° 29 desse acórdão, o Tribunal Geral admitiu erradamente que a omissão, pelo Tribunal de Contas, da divulgação à recorrente do conteúdo do dossiê instruído no inquérito preliminar ou de a ouvir antes de transmitir o dossiê ao OLAF não era constitutiva de nenhuma ilegalidade, na aceção do artigo 4.°, primeiro parágrafo, segunda frase, da referida decisão.

79. Segundo o Tribunal de Contas, este fundamento deve ser declarado inadmissível, uma vez que consiste numa mera reiteração dos argumentos apresentados em primeira instância e constitui, assim, um pedido de reapreciação dos factos do caso vertente.

80. Em todo o caso, no n.° 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não acrescentou nenhum requisito adicional para o envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade. De igual modo, não cometeu nenhum erro na sua interpretação do artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 99/50, dado que esta disposição não impõe que se informe a pessoa suspeita de irregularidades da abertura de um inquérito preliminar, antes exige simplesmente que o secretário‑geral do Tribunal de Contas, logo que possível, transmita ao OLAF as informações recolhidas no âmbito de um tal inquérito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

81. Na primeira parte do quarto fundamento do recurso, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação dos requisitos do envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade, considerando, no n.° 32 do acórdão recorrido, que a eventual transmissão ao OLAF ou às autoridades luxemburguesas de um documento datado de 20 de novembro de 2001, do chefe de gabinete de K. Nikolaou e cuja assinatura era provavelmente falsa, não significava que o Tribunal de Contas tivesse agido de má‑fé quanto à questão da autenticidade da assinatura da recorrente.

82. A este respeito, basta salientar que o Tribunal Geral retirou esta conclusão apenas a título subsidiário, após ter verificado, a título principal, que o referido documento não constava do dossiê preliminar transmitido pelo Tribunal de Contas ao OLAF e também não tinha sido comunicado às autoridades luxemburguesas.

83. Assim, não tendo essa apreciação de natureza factual sido contestada no presente recurso, a primeira parte do quarto fundamento de recurso deve ser julgada inoperante.

84. Na segunda parte do quarto fundamento de recurso, K. Nikolaou alega que o Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 99/50, lido em conjugação o seu artigo 4.°, primeiro parágrafo, na medida em que considerou, por um lado, no n.° 30 do acórdão recorrido, que as cartas de 8 e 26 de abril de 2002, que informaram a recorrente da abertura do inquérito interno do OLAF e não do inquérito preliminar, preenchiam os requisitos previstos no artigo 4.°, primeiro parágrafo, primeira frase, da mesma decisão e, por outro, no n.° 29 desse acórdão, que o artigo 4.°, primeiro parágrafo, segunda frase, da referida decisão não impunha ao Tribunal de Contas a divulgação do conteúdo do dossiê instruído no inquérito preliminar à recorrente nem a sua audição antes de transmitir o dossiê ao OLAF.

85. A este respeito, importa recordar que o artigo 2.°, segundo parágrafo, da Decisão 99/50 dispõe que o secretário‑geral, por um lado, «transmitirá, imediatamente, ao [OLAF] todos os elementos de facto que deixem presumir a existência de irregularidades», como a fraude, a corrupção e qualquer atividade ilegal lesiva dos interesses financeiros das Comunidades, e, por outro, «procederá a um inquérito preliminar, sem prejuízo dos inquéritos internos efetuados pelo [OLAF]».

86. Ora, não havendo indicações explícitas decorrentes deste artigo, para responder ao primeiro argumento invocado em apoio da segunda parte do quarto fundamento, importa determinar, antes de mais, se a obrigação de informação a que o artigo 4.°, primeiro parágrafo, primeira frase, da Decisão 99/50 se refere abrange também o inquérito preliminar, em seguida, em caso afirmativo, qual a natureza dessa obrigação e, por último, se a recorrente efetivamente recebeu, no caso vertente, a informação em causa.

87. Quanto ao exame desses aspetos, há que observar que, sem de todo especificar o tipo de inquérito visado, o referido artigo 4.°, primeiro parágrafo, primeira frase, prevê simplesmente que, no caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente do Tribunal de Contas, o interessado deve «rapidamente» ser informado, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito.

88. Daqui decorre que, mesmo admitindo que esta disposição também diz respeito ao inquérito preliminar, importa assinalar que, por um lado, não prevê uma obrigação de informação imediata, desde o início do inquérito, e que, por outro, mitiga esta obrigação ao exigir a proteção da eficácia do inquérito.

89. Assim sendo, importa referir que, neste caso, contrariamente ao que sustenta, a recorrente foi efetivamente informada, por carta de 26 de abril de 2002, que havia sido aberto um inquérito interno, que tinha sido efetuado um inquérito preliminar pelo Tribunal de Contas e que o secretário‑geral dessa instituição tinha transmitido um dossiê relativo ao inquérito preliminar ao OLAF.

90. Assim, não havendo alegações da recorrente que ponham em causa a eventual extemporaneidade do envio dessa carta, há que considerar que, como também assinalou o advogado‑geral no n.° 96 das suas conclusões, a comunicação constante da mesma conciliou o princípio de uma informação rápida da pessoa em causa com a necessidade de assegurar a eficácia tanto do inquérito preliminar como do inquérito interno.

91. Daqui decorre que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 30 do acórdão recorrido, que as comunicações efetuadas através das cartas de 8 e 26 de abril de 2002 preenchiam os requisitos previstos no artigo 4.°, primeiro parágrafo, primeira frase, da Decisão 99/50.

92. Uma vez que foram feitas estas precisões, para apreciar a procedência do segundo argumento invocado em apoio da segunda parte do presente fundamento, importa ainda determinar se o inquérito preliminar está, sempre, sujeito ao cumprimento da obrigação de informação prevista no artigo 4.°, primeiro parágrafo, segunda frase, desta decisão, segundo o qual, «na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro [...] do Tribunal de Contas, sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito», e, portanto, se a recorrente devia ser ouvida antes do encerramento desse inquérito e da transmissão do dossiê instruído ao OLAF.

93. Para este efeito, dado que não decorre nenhuma indicação clara da letra deste artigo 4.°, primeiro parágrafo, segunda frase, importa examinar as características específicas do inquérito preliminar.

94. Ora, como o Tribunal de Contas explicou na audiência no Tribunal de Justiça, um inquérito dessa natureza constitui uma fase prévia de recolha e de avaliação das informações relativas às alegações de irregularidades recebidas pelo secretário‑geral, cujo objeto consiste em verificar a credibilidade dos elementos em que essas alegações se apoiam, para depois as reunir num dossiê e transmiti‑las à autoridade investida do poder de nomeação, para efeitos da abertura de um inquérito administrativo, ou ao OLAF, para efeitos da realização de um inquérito interno.

95. Daqui decorre que, como também assinalou o advogado‑geral no n.° 93 das suas conclusões, o inquérito preliminar não se destina a conduzir à adoção de conclusões a respeito da pessoa posta em causa.

96. Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, no n.° 29 do acórdão recorrido, não cometeu um erro de direito ao analisar o objeto desse inquérito e ao considerar que a obrigação decorrente do artigo 4.°, primeiro parágrafo, segunda frase, da Decisão 99/50 não diz respeito aos atos do secretário‑geral no âmbito desse inquérito.

97. Por conseguinte, há que julgar a segunda parte do quarto fundamento de recurso totalmente improcedente.

98. Atendendo às considerações precedentes, há que julgar o quarto fundamento parcialmente inoperante e parcialmente improcedente e negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

99. Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 138.°, n.° 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.°, n.° 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Tribunal de Contas pedido a condenação de K. Nikolaou e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) Kalliopi Nikolaou é condenada nas despesas.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de julho de 2014 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Responsabilidade extracontratual — Omissões do Tribunal de Contas — Pedido de reparação do prejuízo — Princípio da presunção de inocência — Princípio da cooperação leal — Competências — Desenrolar dos inquéritos preliminares»

No processo C‑220/13 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de abril de 2013,

Kalliopi Nikolaou, residente em Atenas (Grécia), representada por V. Christianos e S. Paliou, dikigoroi,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Tribunal de Contas da União Europeia, representado por T. Kennedy e I. Ní Riagáin Düro, na qualidade de agentes, assistidos por P. Tridimas, barrister,

demandado em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, M. Berger, S. Rodin e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 22 de janeiro de 2014,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de março de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

No seu recurso, K. Nikolaou pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, Nikolaou/Tribunal de Contas (T‑241/09, EU:T:2013:79, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual foi julgada improcedente a ação de indemnização da recorrente destinada a obter a reparação do prejuízo que, alegadamente, sofreu na sequência de irregularidades e de violações do direito da União que o Tribunal de Contas terá cometido no âmbito de um inquérito interno.

Antecedentes do litígio

2

K. Nikolaou foi membro do Tribunal de Contas de 1996 a 2001. Segundo uma reportagem publicada em 19 de fevereiro de 2002 pelo Europa Journal, B. Staes, deputado ao Parlamento Europeu, teve acesso a informações respeitantes a comportamentos ilegais imputáveis à recorrente durante o seu mandato como membro do Tribunal de Contas.

3

Por carta de 18 de março de 2002, o secretário‑geral do Tribunal de Contas (a seguir «secretário‑geral») transmitiu ao diretor‑geral do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) um dossiê com elementos relativos a esses comportamentos, de que ele próprio e o presidente dessa instituição tiveram conhecimento. Além disso, o secretário‑geral pediu ao OLAF que lhe indicasse se devia informar K. Nikolaou da existência de um inquérito a esta respeitante, em conformidade com o disposto no artigo 4.o da Decisão 99/50 do Tribunal de Contas relativa às condições e modalidades dos inquéritos internos no domínio da luta contra a fraude, a corrupção e qualquer outra atividade ilegal lesiva dos interesses financeiros das Comunidades.

4

Por carta de 8 de abril de 2002, o presidente do Tribunal de Contas informou K. Nikolaou da existência de um inquérito interno conduzido pelo OLAF na sequência do artigo publicado no Europa Journal. Por carta de 26 de abril de 2002, o diretor‑geral do OLAF informou K. Nikolaou de que, na sequência das informações recebidas pelo OLAF por parte de B. Staes e com base num dossiê de inquérito preliminar instruído pelo secretário‑geral, havia sido aberto um inquérito interno, no qual seria convidada a cooperar.

5

K. Nikolaou encontrou‑se com os responsáveis do OLAF em 24 de maio de 2002. Em 17 de outubro de 2002, o sítio Internet European Voice publicou uma reportagem que divulgava, nomeadamente, que o OLAF estava prestes a finalizar o inquérito conduzido contra a recorrente. A imprensa grega publicou reportagens análogas. Por carta de 28 de outubro de 2002, o OLAF informou K. Nikolaou do encerramento desse inquérito, indicando‑lhe que o relatório final, bem como as informações relevantes, haviam sido transmitidas ao secretário‑geral e às autoridades judiciais luxemburguesas. Por carta de 10 de fevereiro de 2004, o Tribunal de Contas comunicou à recorrente uma versão resumida do relatório final do OLAF.

6

Segundo esse relatório final de 28 de outubro de 2002, as informações sobre K. Nikolaou haviam sido dadas a B. Staes por dois agentes do Tribunal de Contas, tendo um dos agentes sido membro do gabinete da recorrente. As acusações examinadas diziam respeito, primeiro, a quantias em dinheiro que a recorrente recebeu do seu pessoal a título de empréstimos; segundo, a alegadas falsas declarações relativas a pedidos de adiamento de férias do seu chefe de gabinete, que deram lugar ao reembolso de cerca de 28790 euros a este último a título de férias não gozadas durante os anos de 1999, 2000 e 2001; terceiro, à utilização do veículo de serviço de K. Nikolaou para efeitos não previstos na respetiva regulamentação; quarto, a ordens de missão dadas ao motorista da recorrente para efeitos não abrangidos pela regulamentação correspondente; quinto, a uma política de absentismo no gabinete da recorrente; sexto, a atividades de ordem comercial e a intervenções junto de pessoas com elevados cargos para facilitar tais atividades exercidas por membros da família da interessada; sétimo, a uma fraude cometida no âmbito de um concurso; e, oitavo, a fraudes relativas às despesas de representação recebidas pela recorrente.

7

O OLAF concluiu pela possibilidade de terem sido cometidas infrações suscetíveis de serem qualificadas de falsificação de documentos e uso de documentos falsos e de burla, quanto aos pedidos de adiamento de férias do chefe de gabinete da recorrente. Segundo o referido relatório final, era possível que tivessem sido cometidas infrações penais pela recorrente e pelos membros do seu gabinete, relacionadas com quantias em dinheiro que a interessada recebeu, segundo as pessoas implicadas, a título de empréstimos. Nessas condições, o OLAF, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pela Organização Europeia de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 1), comunicou esses elementos às autoridades judiciais luxemburguesas, a fim de que estas últimas investigassem os factos suscetíveis de revelar que haviam sido cometidas infrações penais.

8

No que respeita às restantes acusações, com exceção da fraude cometida no âmbito de um concurso, o OLAF detetou possíveis irregularidades ou dúvidas quanto ao comportamento de K. Nikolaou e sugeriu que o Tribunal de Contas tomasse «medidas corretivas» a respeito da recorrente, bem como medidas no sentido de melhorar o sistema de controlo em vigor nessa instituição.

9

Em 26 de abril de 2004, a recorrente foi ouvida numa reunião restrita do Tribunal de Contas, tendo em vista a eventual aplicação do artigo 247.o, n.o 7, CE. Por carta de 13 de maio de 2004 (a seguir «carta de 13 de maio de 2004»), o presidente do Tribunal de Contas indicou que, quanto à remessa do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia para efeitos da aplicação do artigo 247.o, n.o 7, CE, por K. Nikolaou ter alegadamente solicitado e obtido empréstimos pessoais de membros do seu gabinete, a unanimidade exigida no artigo 6.o do Regulamento Interno do Tribunal de Contas, aprovado em 31 de janeiro de 2002, não tinha sido obtida na reunião realizada em 4 de maio de 2004. A este respeito, o presidente do Tribunal de Contas acrescentou que uma grande maioria dos membros dessa instituição havia considerado o comportamento da recorrente absolutamente desadequado. Quanto aos dias de férias do chefe de gabinete desta última, o presidente do Tribunal de Contas explanou que, uma vez que o processo estava pendente nos órgãos jurisdicionais luxemburgueses, a instituição em causa tinha diferido a sua decisão, enquanto aguardava as conclusões dos respetivos processos.

10

No acórdão Nikolaou/Comissão (T‑259/03, EU:T:2007:254), o Tribunal Geral condenou a Comissão das Comunidades Europeias a pagar à recorrente uma indemnização de 3000 euros, na sequência da publicação de informações relativas ao inquérito conduzido pelo OLAF.

11

Por sentença proferida em 2 de outubro de 2008 (a seguir «sentença de 2 de outubro de 2008»), a chambre correctionnelle do tribunal d’arrondissement de Luxembourg (Secção Correcional do Tribunal de Comarca da Cidade do Luxemburgo) absolveu a recorrente e o seu chefe de gabinete das acusações de falsificação de documentos e uso de documentos falsos, de falsas declarações, subsidiariamente, de apropriação de prestação, de subvenção ou de subsídio sem causa e, mais subsidiariamente, de burla. O referido tribunal considerou, no essencial, que certas explicações dadas pelo chefe de gabinete da recorrente e por esta última punham em dúvida o conjunto dos elementos de prova recolhidos pelo OLAF e pela polícia judiciária luxemburguesa destinado a demonstrar que o referido chefe de gabinete esteve de férias não declaradas durante vários dias durante os anos de 1999, 2000 e 2001. O mesmo tribunal concluiu que a materialidade dos factos imputados a K. Nikolaou não havia sido provada sem margem para dúvida e que, visto que a mais pequena dúvida beneficia o arguido, a interessada devia ser absolvida das acusações que lhe tinham sido imputadas. Segundo o preâmbulo da sentença de 2 de outubro de 2008, a recorrente e o seu chefe de gabinete tinham sido levados a julgamento na chambre correctionnelle du tribunal d’arrondissement de Luxembourg por despacho da chambre du conseil desse tribunal, confirmado pelo acórdão da chambre du conseil de la cour d’appel (tribunal de recurso) de 29 de janeiro de 2008. Não tendo havido recurso, a sentença de 2 de outubro de 2008 transitou em julgado.

12

Por carta de 14 de abril de 2009, a recorrente pediu que o Tribunal de Contas publicasse em todos os jornais belgas, alemães, gregos, espanhóis, franceses, e luxemburgueses uma comunicação sobre a sua absolvição e que informasse as outras instituições da União Europeia desse facto. A título subsidiário, não procedendo o Tribunal de Contas às referidas publicações, a recorrente pediu uma indemnização de 100000 euros a título de reparação dos danos morais, montante que, afirmava, iria utilizar para efetuar as ditas publicações. A recorrente pediu igualmente que o Tribunal de Contas, primeiro, lhe pagasse 40000 euros a título da reparação dos danos morais causados pelo processo intentado nos órgãos jurisdicionais luxemburgueses e 57 771,40 euros a título de reparação dos danos morais causados por esse processo, segundo, lhe reembolsasse as despesas efetuadas nomeadamente no juiz de instrução e no tribunal d’arrondissement de Luxembourg e, terceiro, lhe reembolsasse as despesas efetuadas no âmbito do processo no Tribunal de Contas.

13

Por carta de 7 de julho de 2009, o presidente do Tribunal de Contas transmitiu a K. Nikolaou a decisão adotada em 2 de julho de 2009 em resposta aos referidos pedidos. Nessa decisão, por um lado, foram rejeitados os argumentos invocados na carta acima mencionada de 14 de abril de 2009 e, por outro lado, K. Nikolaou foi informada de que o Tribunal de Contas tinha «procurado determinar, com base nas informações de que dispunha, se os factos tinham um grau de gravidade suficiente para os submeter ao [Tribunal de Justiça]», para que se pronunciasse sobre o possível incumprimento de obrigações que incumbiam a esse antigo membro nos termos do Tratado CE e sobre a necessidade de aplicar eventuais sanções. A este respeito, foram também recordados na referida decisão os elementos que levaram o Tribunal de Contas a não recorrer ao Tribunal de Justiça, de entre os quais constava, nomeadamente, a absolvição de K. Nikolaou pela sentença de 2 de outubro de 2008, e a inexistência de prejuízo causado ao orçamento comunitário, tendo em conta o reembolso da quantia paga indevidamente ao chefe de gabinete da interessada.

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

14

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de junho de 2009, K. Nikolaou intentou uma ação de indemnização destinada a obter a condenação do Tribunal de Contas no pagamento de 85000 euros, acrescidos de juros a contar de 14 de abril de 2009, como reparação dos danos morais causados por «atos» e omissões imputáveis a essa instituição, montante que se comprometeu a utilizar na publicação de uma comunicação da sua absolvição.

15

Em apoio da sua ação, a recorrente invocou, em primeiro lugar, seis fundamentos, relativos à violação caracterizada pelo Tribunal de Contas das regras de direito da União que conferem direitos aos particulares. Em segundo lugar, invocou a existência de um nexo de causalidade direto entre essa violação e os danos morais e materiais causados.

16

O Tribunal Geral julgou improcedente a referida ação por considerar que o Tribunal de Contas não tinha cometido nenhuma das violações do direito da União imputadas.

17

Quanto ao que é pertinente para o presente recurso, o Tribunal Geral concluiu, em primeiro lugar, nos n.os 27 a 31 do acórdão recorrido, que os «atos» do Tribunal de Contas no inquérito preliminar não constituem nenhuma ilegalidade, na medida em que essa instituição não violou as exigências decorrentes da interpretação conjugada dos artigos 2.° e 4.° da Decisão 99/50, nem os direitos de defesa, nem sequer o princípio da imparcialidade.

18

Em especial, no n.o 29 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que o inquérito preliminar a que o artigo 2.o da Decisão 99/50 se refere tem por objeto, por um lado, permitir ao secretário‑geral apreciar se os elementos levados ao seu conhecimento deixam presumir a existência de irregularidades lesivas dos interesses financeiros da União e, por outro, transmitir ao OLAF, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1073/1999, um dossiê que permita ao OLAF apreciar se há que abrir um inquérito interno nos termos do artigo 5.o, segundo parágrafo, deste regulamento. O Tribunal Geral declarou assim que, não devendo esse inquérito preliminar levar à adoção de conclusões sobre a pessoa em causa, a obrigação decorrente do artigo 4.o, primeiro parágrafo, segunda frase, da Decisão 99/50 não diz respeito aos «atos» do secretário‑geral no quadro do artigo 2.o da Decisão 99/50.

19

De igual modo, no n.o 30 do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que, uma vez que as comunicações recebidas nas cartas de 8 e 26 de abril de 2002 preenchem os requisitos previstos no artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeira frase, da Decisão 99/50, a recorrente não podia invocar a violação desta disposição por o Tribunal de Contas não a ter ouvido antes de transmitir o dossiê ao OLAF com os elementos recolhidos pelo secretário‑geral a seu respeito.

20

Em segundo lugar, no n.o 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou improcedente a alegação da recorrente de que o Tribunal de Contas tinha usado um documento falso. A este respeito, verificou que o documento em causa, concretamente um pedido de adiamento de férias anuais do chefe de gabinete de K. Nikolaou, datado de 20 de novembro de 2001, não constava dos documentos que faziam parte do dossiê preliminar transmitido ao OLAF. Em todo o caso, assinalou que, admitindo que o Tribunal de Contas tivesse efetivamente transmitido esse documento ao OLAF ou às autoridades luxemburguesas, essa eventual transmissão não significava que o Tribunal de Contas tinha agido de má‑fé no que dizia respeito à autenticidade da assinatura da recorrente.

21

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 43 a 47 do acórdão recorrido, que a omissão do Tribunal de Contas da adoção de uma decisão formal que absolvesse a recorrente de todas as acusações imputadas na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008 não estava ferida de ilegalidade.

22

Antes de mais, no n.o 45 do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que a recorrente tinha sido absolvida com fundamento em dúvidas nascidas de determinadas explicações dadas pelo seu chefe de gabinete. Por conseguinte, segundo o Tribunal Geral, o motivo da absolvição não implicava que as acusações imputadas à recorrente eram desprovidas de fundamento, mas, como declarado pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg, o facto de essas acusações não terem sido provadas «sem margem para dúvidas».

23

Em seguida, no n.o 46 do mesmo acórdão, o Tribunal Geral declarou que cabia exclusivamente às autoridades judiciais nacionais examinar as referidas acusações no plano penal e ao Tribunal de Justiça apreciá‑las no plano disciplinar, nos termos do artigo 247.o, n.o 7, CE. Segundo o Tribunal Geral, o Tribunal de Contas não tinha competência para se pronunciar a esse respeito.

24

Por último, no n.o 47 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que não era possível deduzir do facto de não se ter recorrido para o Tribunal de Justiça nos termos dessa disposição que o Tribunal de Contas considerava que os factos imputados à recorrente estavam desprovidos de fundamento. Com efeito, segundo o artigo 6.o do Regulamento Interno do Tribunal de Contas, o recurso ao Tribunal de Justiça deve, segundo o Tribunal Geral, ser decidido por unanimidade. Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou que, embora fosse verdade que não recorrer para o Tribunal de Justiça implicava que a unanimidade não tinha sido obtida, isto não valia como tomada de posição do Tribunal de Contas sobre a materialidade dos factos. Nesse contexto, pronunciando‑se sobre a observação constante da carta de 13 de maio de 2004, o Tribunal Geral considerou que «não era despropositado que o presidente do Tribunal de Contas comunicasse à recorrente que a grande maioria dos membros da instituição [tinha considerado] o seu comportamento inaceitável, impedindo, assim, que o facto de não submeter o assunto ao Tribunal de Justiça pudesse ser entendido como uma suposta negação da materialidade dos factos imputados, o que, aliás, não corresponderia à realidade».

25

Em quarto lugar, o Tribunal Geral declarou, no n.o 49 do acórdão recorrido, que não era possível deduzir do dever de solicitude nenhuma obrigação de o Tribunal de Contas proceder à publicação da absolvição da recorrente.

Pedidos das partes

26

No seu recurso, K. Nikolaou pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral para decisão; e

condenar o Tribunal de Contas nas despesas.

27

O Tribunal de Contas pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

julgar o recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente; e

condenar K. Nikolaou nas despesas.

Quanto ao presente recurso

28

K. Nikolaou invoca quatro fundamentos de recurso.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentos das partes

29

No seu primeiro fundamento, a recorrente sustenta que o princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.o, n.o 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, assegura uma garantia processual que não se limita apenas à fase que precede a prolação de uma sentença, mas é também aplicável posteriormente. Assim, este princípio deve ser interpretado no sentido de que se opõe à decisão de um órgão jurisdicional da União que volte a pôr em causa a inocência de uma pessoa acusada, quando essa pessoa tiver sido previamente absolvida por decisão penal irrevogável (v. TEDH, acórdão Vassilios Stavropoulos c. Grécia de 27 de setembro de 2007, Recueil des arrêts et décisions 2007‑I, § 39).

30

À luz destas considerações, a recorrente alega que, no n.o 45 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral violou o referido princípio ao declarar que o fundamento da absolvição fundado na existência de dúvidas julgado procedente pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg «não implica[va] que as acusações imputadas à recorrente [eram] desprovidas de fundamento».

31

Ora, segundo a recorrente, tal violação afeta necessariamente a validade desse acórdão, na medida em que foi determinante para declarar legais, nos n.os 44 e 49 do referido acórdão, as omissões do Tribunal de Contas ao não adotar uma decisão formal que absolvesse a recorrente de todas as acusações que lhe foram imputadas na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008, e em não proceder à publicação, na imprensa, da absolvição da recorrente.

32

O Tribunal de Contas alega que este primeiro fundamento se baseia na premissa de que essa instituição ou o Tribunal Geral procederam à reapreciação do mérito da sentença de 2 de outubro de 2008. Ora, esta premissa está errada.

33

Com efeito, segundo o Tribunal de Contas, quando da adoção da decisão de 2 de julho de 2009 a que se refere o n.o 13 do presente acórdão, o Tribunal de Contas tomou conhecimento dessa sentença e retirou as conclusões que se impõem no exercício da sua própria competência, a qual não compreendia a possibilidade de proceder à publicação da absolvição da recorrente. De igual modo, o Tribunal Geral reconheceu e respeitou o conteúdo da referida sentença no que respeita às consequências de caráter penal da mesma.

Apreciação do Tribunal de Justiça

34

No primeiro fundamento de recurso, K. Nikolaou sustenta que o Tribunal Geral violou o princípio da presunção da inocência, ao declarar, no n.o 45 do acórdão recorrido, que o fundamento da absolvição julgado procedente na sentença de 2 de outubro de 2008«não implica[va] que as acusações imputadas à recorrente [eram] desprovidas de fundamento», mas «implica[va] o facto de não terem sido demonstradas ‘sem margem para dúvidas’». Esse erro deve, segundo a recorrente, determinar a anulação do referido acórdão, na medida em que, se esse princípio não tivesse sido infringido, o Tribunal Geral teria reconhecido, nos n.os 44 e 49 do dito acórdão, a ilegalidade das omissões do Tribunal de Contas ao não adotar uma decisão formal que absolvesse a recorrente de qualquer acusação contra a mesma, na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008, e ao não proceder à publicação, na imprensa, da absolvição da recorrente.

35

A este respeito, importa recordar que o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 6.o, n.o 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, pode ser infringido nomeadamente se uma decisão judicial refletir, na sua fundamentação, a impressão de que uma pessoa é culpada de uma infração, apesar de, com a sua absolvição, ter sido encerrado o processo penal (v. TEDH, acórdãos Allenet de Ribemont e França de 10 de fevereiro de 1995, série A n.o 308, §§ 35 e 36; Daktaras c. Lituânia de 10 de outubro de 2000, Recueil des arrêts et décisions 2000‑III, §§ 41 a 44; e Teodor c. Roménia de 4 de junho de 2013, Recueil des arrêts et décisions 2013‑III, §§ 36 e 37).

36

No caso em apreço, como sublinhou o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, importa notar que as passagens da fundamentação do Tribunal Geral constantes do n.o 45 do acórdão recorrido deixam efetivamente subsistir a impressão da possibilidade de K. Nikolaou ser culpada de uma infração penal fundada nos mesmos factos em que a sentença de 2 de outubro de 2008 havia já fundado a sua absolvição definitiva.

37

Por conseguinte, há que declarar que essas considerações infringem de forma manifesta o princípio da presunção de inocência.

38

Contudo, importa considerar que a violação deste princípio não pode determinar a anulação do acórdão recorrido, na medida em que as apreciações constantes dos seus n.os 44 e 49 sobre a legalidade das omissões imputadas ao Tribunal de Contas se baseiam, em todo o caso, validamente num motivo diferente, autonomamente desenvolvido no n.o 46 do referido acórdão (v., neste sentido, acórdãos JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, EU:C:2006:594, n.o 186, e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 233).

39

Com efeito, por esse motivo, o Tribunal Geral considerou, com razão, que cabe, por um lado, «exclusivamente às autoridades judiciais nacionais examinar as acusações no plano penal» imputadas a um antigo membro do Tribunal de Contas e, por outro, ao Tribunal de Justiça apreciá‑las «no plano disciplinar nos termos do artigo 247.o, n.o 7, CE», não estando, assim, o próprio Tribunal de Contas habilitado, no quadro da estrutura institucional da União, a adotar decisões formais de absolvição da recorrente de quaisquer acusações imputadas, no plano disciplinar ou no plano penal, nem a proceder à publicação, na impressa, da sua absolvição.

40

Por outro lado, esta conclusão está igualmente em conformidade com os princípios decorrentes da jurisprudência constante relativa à autonomia dos processos disciplinares tramitados no Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 247.o, n.o 7, CE, relativamente aos processos nacionais de natureza penal (acórdão Comissão/Cresson, C‑432/04, EU:C:2006:455, n.os 120 e 121). Com efeito, como também salientou o advogado‑geral nos n.os 71 a 73 das suas conclusões, decorre dessa jurisprudência que o Tribunal de Contas, enquanto autoridade competente para requerer ao Tribunal de Justiça uma decisão, tal como este último, não está vinculado pela qualificação jurídica dada aos factos no decurso de um processo penal nacional. Assim, o Tribunal de Contas não era obrigado a adotar, no caso vertente, na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008, os atos ou os comportamentos invocados pela recorrente.

41

Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o primeiro fundamento de recurso inoperante.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentos das partes

42

No seu segundo fundamento, K. Nikolaou alegou que Tribunal Geral violou o princípio da cooperação leal, previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE e ao qual estava vinculado na relação com o tribunal d’arrondissement de Luxembourg.

43

A este respeito, a recorrente, fazendo referência ao despacho Zwartveld e o. (C‑2/88, EU:C:1990:315, n.o 17) e ao acórdão Irlanda/Comissão (C‑339/00, EU:C:2003:545, n.os 71 e 72), sustenta que este princípio impõe não só aos Estados‑Membros mas também às instituições da União e, por extensão, a todos os órgãos da União, incluindo os seus órgãos jurisdicionais, deveres recíprocos de cooperação leal.

44

Assim sendo, a recorrente alega que, contudo, o Tribunal Geral não respeitou a sentença de 2 de outubro de 2008, nem a teve devidamente em conta.

45

Antes de mais, nos n.os 44 e 45 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral procedeu a uma interpretação dos factos relativos ao comportamento de K. Nikolaou totalmente divergente da apreciação realizada pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg.

46

Em seguida, a apreciação constante do n.o 35 do acórdão recorrido, segundo a qual a gestão de qualquer sistema de férias se baseia na obrigação de o superior hierárquico verificar a presença do pessoal que está sob a sua autoridade, é manifestamente contrária às considerações enunciadas na sentença de 2 de outubro de 2008, segundo as quais os membros dos gabinetes não estão obrigados a registar as férias.

47

Por último, o Tribunal Geral declarou, no n.o 38 do acórdão recorrido, que «as deficiências do sistema de registo e de supervisão das férias do Tribunal de Contas aplicável à data dos factos» não podiam justificar o arquivamento de um inquérito ou de uma ação judicial contra a recorrente, quando foram precisamente as referidas deficiências do sistema de gestão de férias que determinaram a absolvição da recorrente pelo tribunal d’arrondissement de Luxembourg.

48

Em resposta a estes argumentos, o Tribunal de Contas alega que este segundo fundamento assenta no desconhecimento das missões das instituições em causa e do alcance do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

49

Com efeito, em conformidade com a jurisprudência resultante do acórdão Comissão/Cresson (EU:C:2006:455), o Tribunal Geral não pôs em causa a sentença de 2 de outubro de 2008, mas simplesmente apreciou autonomamente certos factos já analisados durante o processo penal tramitado a nível nacional, no âmbito do exame da eventual responsabilidade extracontratual do Tribunal de Contas. Assim, as diferenças na apreciação de certas circunstâncias factuais resultam da autonomia de cada um dos processos jurisdicionais instaurados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

50

No seu segundo fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral violou o princípio da cooperação leal, ao qual está vinculado em relação ao tribunal d’arrondissement de Luxembourg, uma vez que, nos n.os 44 e 45 e 35 e 38 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apreciou de forma diferente certos elementos de facto em relação às considerações enunciadas na sentença de 2 de outubro de 2008.

51

A este respeito, importa recordar que o princípio da cooperação leal, que, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, constava do artigo 10.o CE, e que, atualmente, está consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, determina a obrigação de os Estados‑Membros tomarem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União e impõe às instituições da União deveres recíprocos de respeito e de assistência em relação aos Estados‑Membros na execução das missões decorrentes dos Tratados (v., neste sentido, acórdãos First e Franex, C‑275/00, EU:C:2002:711, n.o 49, e Irlanda/Comissão, EU:C:2003:545, n.o 71).

52

Ora, no âmbito dessas missões, o artigo 235.o CE, lido em conjugação com o artigo 225.o, n.o 1, CE, confere expressamente ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Geral a competência para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do artigo 288.o CE, o qual tem por objeto a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Segundo jurisprudência constante, esta competência é exclusiva, devendo os órgãos jurisdicionais comunitários verificar o preenchimento de uma série de requisitos cumulativos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado, de cuja verificação depende o envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade (v. acórdão Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.o 60 e jurisprudência referida).

53

Além disso, no que se refere nomeadamente ao preenchimento do primeiro desses requisitos, o Tribunal de Justiça já declarou por várias vezes que deve ser demonstrada a violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares (v. acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 42), concretamente, uma violação manifesta e grave, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação (v., neste sentido, acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 55, e Comissão/CEVA e Pfizer, C‑198/03 P, EU:C:2005:445, n.o 64).

54

Assim, decorre destes princípios que a ação de indemnização por responsabilidade extracontratual da Comunidade pelos atos ou omissões das suas instituições foi instituída como um meio processual autónomo em relação a outras ações judiciais, com a sua função particular no âmbito do sistema dos meios processuais e sujeita a condições de exercício concebidas com vista ao seu objeto específico (v., designadamente, acórdão Lütticke/Comissão, 4/69, EU:C:1971:40, n.o 6, e Unifrex/Comissão e Conselho, 281/82, EU:C:1984:165, n.o 11).

55

Por conseguinte, como também assinalou o Tribunal de Contas nas suas observações escritas, embora as constatações feitas ao longo de um processo penal baseado em factos idênticos aos examinados no âmbito de um processo fundado no artigo 235.o CE possam ser tidas em conta pelo órgão jurisdicional comunitário ao qual foi submetido o processo, este último não está porém vinculado pela qualificação jurídica dos referidos factos realizada pelo juiz penal, cabendo‑lhe antes, no pleno uso do seu poder de apreciação, analisá‑los autonomamente para verificar se estão preenchidos os requisitos de cuja verificação depende o envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade (v., por analogia, acórdão Comissão/Cresson, EU:C:2006:455, n.os 120 e 121).

56

À luz destas considerações, importa desde já declarar que estão desprovidas de fundamento as alegações pelas quais a recorrente alega que o Tribunal Geral, nos n.os 44 e 45 e 35 e 38 do acórdão recorrido, violou o princípio da cooperação leal.

57

Com efeito, nos referidos números desse acórdão, o Tribunal Geral não violou o dever de respeito institucional que lhe incumbia em relação ao tribunal d’arrondissement de Luxembourg, na medida em que se pronunciou sobre certos factos já analisados na sentença de 2 de outubro de 2008 unicamente para verificar a legalidade das omissões imputadas ao Tribunal de Contas no âmbito do litígio sobre a responsabilidade extracontratual da Comunidade e não com a finalidade de apreciar a procedência das acusações penais deduzidas contra K. Nikolaou.

58

Daqui se conclui que o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentos das partes

59

No seu terceiro fundamento, K. Nikolaou alega que o acórdão recorrido está ferido de um vício de incompetência do Tribunal Geral, visto que esse Tribunal decidiu questões que excedem os limites das competências que os Tratados lhe atribuem.

60

Em primeiro lugar, a recorrente considera que, no n.o 45 desse acórdão, o Tribunal Geral pronunciou‑se como um «tribunal de recurso em matéria penal», quando apreciou o mérito, no plano penal, o «que implica» ou o «que não implica» o motivo da absolvição «fundado na dúvida», acolhido na sentença de 2 de outubro de 2008.

61

Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o Tribunal Geral agiu como um «órgão jurisdicional disciplinar» e, além disso, validou uma interpretação incorreta das atribuições do Tribunal de Contas, considerando no n.o 47 do acórdão recorrido, a propósito da observação constante da carta de 13 de maio de 2004, que «não era despropositado que o presidente do Tribunal de Contas comunicasse à recorrente que a grande maioria dos membros da instituição [tinha considerado] o seu comportamento inaceitável».

62

A este respeito, K. Nikolaou precisa que, sendo o Tribunal de Justiça, por força do artigo 247.o, n.o 7, CE, a única instituição competente para se pronunciar sobre os incumprimentos de natureza disciplinar imputados a um membro do Tribunal de Contas, o Tribunal Geral não tinha o direito de se pronunciar para esse efeito sobre o comportamento imputado à recorrente na referida carta, nem reconhecer a legalidade do conteúdo da mesma.

63

O Tribunal de Contas alega que este fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível, na medida em que constitui a mera reiteração dos argumentos invocados em primeira instância a propósito da carta de 13 de maio de 2004, e parcialmente improcedente, na medida em que o Tribunal Geral não pôs em causa a sentença de 2 de outubro de 2008, podendo, com efeito, a avaliação do mesmo comportamento levar a conclusões diferentes, consoante a natureza da instância jurisdicional chamada a decidir e da ação judicial intentada.

Apreciação do Tribunal de Justiça

64

No seu terceiro fundamento, K. Nikolaou sustenta que o Tribunal Geral violou as regras de competência decorrentes dos Tratados. Em primeiro lugar, no n.o 45 do acórdão recorrido, apreciou, quanto ao mérito, as acusações penais imputadas à recorrente e o motivo de absolvição acolhido na sentença de 2 de outubro de 2008. Em segundo lugar, no n.o 47 desse acórdão, o Tribunal Geral analisou, sem razão, a observação de natureza disciplinar constante da carta de 13 de maio de 2004 e confirmou a legalidade do conteúdo da mesma, desrespeitando os limites das suas atribuições e das do Tribunal de Contas.

65

Ora, importa verificar que estas alegações procedem de uma leitura errada do acórdão recorrido.

66

Com efeito, quanto à primeira parte deste fundamento, basta salientar que, no n.o 45 desse acórdão, o Tribunal Geral não analisou os factos na origem das acusações penais imputadas à recorrente nem o motivo de absolvição acolhido na sentença de 2 de outubro de 2008, com o fim de pôr em causa o resultado final da sentença ou de reabrir o processo penal tramitado a nível nacional.

67

Em contrapartida, como foi salientado nos n.os 56 e 57 do presente acórdão, dentro dos limites da sua competência exclusiva em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade, o Tribunal Geral limitou‑se a fazer referência aos mesmos elementos de facto que os tidos em conta no decorrer do referido processo penal, com o fim exclusivo de responder aos argumentos da recorrente sobre a alegada ilegalidade da omissão, pelo Tribunal de Contas, ao não adotar uma decisão formal que a absolvesse de qualquer acusação dirigida contra a mesma, na sequência da sentença de 2 de outubro de 2008.

68

Assim, no n.o 45 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, contrariamente ao que sustenta a recorrente, não agiu como um «tribunal de recurso em matéria penal», mas manteve‑se no quadro das suas competências.

69

Quanto à segunda parte do terceiro fundamento de recurso, importa realçar, por um lado, que o raciocínio seguido no n.o 47 do acórdão recorrido constitui também uma resposta a um argumento da recorrente, relativo à violação, pelo Tribunal de Contas, do princípio da imparcialidade e do dever de solicitude, decorrente de uma observação indelicada e supérflua constante da carta de 13 de maio de 2004.

70

Assim, ao proceder à análise dessa observação no âmbito da ação de indemnização que foi intentada, o Tribunal Geral não se pronunciou, do ponto de vista disciplinar, sobre o comportamento imputado à recorrente e não foi além dos limites da sua competência em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade.

71

Por outro lado, quanto ao conteúdo da carta de 13 de maio de 2004, importa salientar que, como foi também sublinhado pelo advogado‑geral no n.o 84 das suas conclusões, o referido conteúdo limitou‑se, acertadamente, à mera indicação do resultado dos votos dos membros do Tribunal de Contas, reunidos para decidir do recurso para o Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 247.o, n.o 7, CE, e, assim, não procedeu à apreciação, no plano disciplinar, do comportamento imputado a K. Nikolaou.

72

Com efeito, visto que o recurso para o Tribunal de Justiça podia ser legitimamente decidido, em conformidade com os princípios decorrentes da jurisprudência nesta matéria, com base na existência pressuposta de um «incumprimento com um certo grau de gravidade» (v., neste sentido, acórdão Comissão/Cresson, EU:C:2006:455, n.o 72), o Tribunal de Contas podia indicar que a unanimidade necessária para o efeito, na aceção do artigo 6.o do seu Regulamento Interno, não tinha sido obtida, apesar de a larga maioria dos seus membros ter criticado o comportamento imputado no ponto (i) da referida carta.

73

De resto, como foi confirmado por todas as partes na audiência no Tribunal de Justiça, a observação constante dessa mesma carta foi estritamente pessoal e não foi divulgada na imprensa.

74

Decorre destas circunstâncias que, ao declarar que o conteúdo da carta de 13 de maio de 2004 era legal, o Tribunal Geral de forma alguma reconheceu ao Tribunal de Contas competências em matéria disciplinar, de que não dispunha, nem sequer violou o âmbito das suas competências, visto que não agiu como «órgão jurisdicional disciplinar».

75

Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar o terceiro fundamento totalmente improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentos das partes

76

Na primeira parte do seu quarto fundamento, K. Nikolaou alega que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente as regras que regem a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Com efeito, no n.o 32 do acórdão recorrido, acrescentou um requisito adicional, não exigido pela jurisprudência, concretamente, o requisito segundo o qual a instituição em causa deve ter agido «de má‑fé».

77

Na segunda parte do referido fundamento, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 2.o, segundo parágrafo, da Decisão 99/50, lido em conjugação com o seu artigo 4.o, primeiro parágrafo.

78

Segundo a recorrente, por um lado, no n.o 30 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral decidiu erradamente que não era necessário informá‑la da abertura de um inquérito preliminar contra a mesma e que as cartas de 8 e 26 de abril de 2002, que apenas informaram a recorrente da abertura do inquérito interno do OLAF, respondiam às exigências previstas no artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeira frase, dessa decisão. Por outro lado, no n.o 29 desse acórdão, o Tribunal Geral admitiu erradamente que a omissão, pelo Tribunal de Contas, da divulgação à recorrente do conteúdo do dossiê instruído no inquérito preliminar ou de a ouvir antes de transmitir o dossiê ao OLAF não era constitutiva de nenhuma ilegalidade, na aceção do artigo 4.o, primeiro parágrafo, segunda frase, da referida decisão.

79

Segundo o Tribunal de Contas, este fundamento deve ser declarado inadmissível, uma vez que consiste numa mera reiteração dos argumentos apresentados em primeira instância e constitui, assim, um pedido de reapreciação dos factos do caso vertente.

80

Em todo o caso, no n.o 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não acrescentou nenhum requisito adicional para o envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade. De igual modo, não cometeu nenhum erro na sua interpretação do artigo 2.o, segundo parágrafo, da Decisão 99/50, dado que esta disposição não impõe que se informe a pessoa suspeita de irregularidades da abertura de um inquérito preliminar, antes exige simplesmente que o secretário‑geral do Tribunal de Contas, logo que possível, transmita ao OLAF as informações recolhidas no âmbito de um tal inquérito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

81

Na primeira parte do quarto fundamento do recurso, a recorrente alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação dos requisitos do envolvimento da responsabilidade extracontratual da Comunidade, considerando, no n.o 32 do acórdão recorrido, que a eventual transmissão ao OLAF ou às autoridades luxemburguesas de um documento datado de 20 de novembro de 2001, do chefe de gabinete de K. Nikolaou e cuja assinatura era provavelmente falsa, não significava que o Tribunal de Contas tivesse agido de má‑fé quanto à questão da autenticidade da assinatura da recorrente.

82

A este respeito, basta salientar que o Tribunal Geral retirou esta conclusão apenas a título subsidiário, após ter verificado, a título principal, que o referido documento não constava do dossiê preliminar transmitido pelo Tribunal de Contas ao OLAF e também não tinha sido comunicado às autoridades luxemburguesas.

83

Assim, não tendo essa apreciação de natureza factual sido contestada no presente recurso, a primeira parte do quarto fundamento de recurso deve ser julgada inoperante.

84

Na segunda parte do quarto fundamento de recurso, K. Nikolaou alega que o Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 2.o, segundo parágrafo, da Decisão 99/50, lido em conjugação o seu artigo 4.o, primeiro parágrafo, na medida em que considerou, por um lado, no n.o 30 do acórdão recorrido, que as cartas de 8 e 26 de abril de 2002, que informaram a recorrente da abertura do inquérito interno do OLAF e não do inquérito preliminar, preenchiam os requisitos previstos no artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeira frase, da mesma decisão e, por outro, no n.o 29 desse acórdão, que o artigo 4.o, primeiro parágrafo, segunda frase, da referida decisão não impunha ao Tribunal de Contas a divulgação do conteúdo do dossiê instruído no inquérito preliminar à recorrente nem a sua audição antes de transmitir o dossiê ao OLAF.

85

A este respeito, importa recordar que o artigo 2.o, segundo parágrafo, da Decisão 99/50 dispõe que o secretário‑geral, por um lado, «transmitirá, imediatamente, ao [OLAF] todos os elementos de facto que deixem presumir a existência de irregularidades», como a fraude, a corrupção e qualquer atividade ilegal lesiva dos interesses financeiros das Comunidades, e, por outro, «procederá a um inquérito preliminar, sem prejuízo dos inquéritos internos efetuados pelo [OLAF]».

86

Ora, não havendo indicações explícitas decorrentes deste artigo, para responder ao primeiro argumento invocado em apoio da segunda parte do quarto fundamento, importa determinar, antes de mais, se a obrigação de informação a que o artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeira frase, da Decisão 99/50 se refere abrange também o inquérito preliminar, em seguida, em caso afirmativo, qual a natureza dessa obrigação e, por último, se a recorrente efetivamente recebeu, no caso vertente, a informação em causa.

87

Quanto ao exame desses aspetos, há que observar que, sem de todo especificar o tipo de inquérito visado, o referido artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeira frase, prevê simplesmente que, no caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente do Tribunal de Contas, o interessado deve «rapidamente» ser informado, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito.

88

Daqui decorre que, mesmo admitindo que esta disposição também diz respeito ao inquérito preliminar, importa assinalar que, por um lado, não prevê uma obrigação de informação imediata, desde o início do inquérito, e que, por outro, mitiga esta obrigação ao exigir a proteção da eficácia do inquérito.

89

Assim sendo, importa referir que, neste caso, contrariamente ao que sustenta, a recorrente foi efetivamente informada, por carta de 26 de abril de 2002, que havia sido aberto um inquérito interno, que tinha sido efetuado um inquérito preliminar pelo Tribunal de Contas e que o secretário‑geral dessa instituição tinha transmitido um dossiê relativo ao inquérito preliminar ao OLAF.

90

Assim, não havendo alegações da recorrente que ponham em causa a eventual extemporaneidade do envio dessa carta, há que considerar que, como também assinalou o advogado‑geral no n.o 96 das suas conclusões, a comunicação constante da mesma conciliou o princípio de uma informação rápida da pessoa em causa com a necessidade de assegurar a eficácia tanto do inquérito preliminar como do inquérito interno.

91

Daqui decorre que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 30 do acórdão recorrido, que as comunicações efetuadas através das cartas de 8 e 26 de abril de 2002 preenchiam os requisitos previstos no artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeira frase, da Decisão 99/50.

92

Uma vez que foram feitas estas precisões, para apreciar a procedência do segundo argumento invocado em apoio da segunda parte do presente fundamento, importa ainda determinar se o inquérito preliminar está, sempre, sujeito ao cumprimento da obrigação de informação prevista no artigo 4.o, primeiro parágrafo, segunda frase, desta decisão, segundo o qual, «na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro [...] do Tribunal de Contas, sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito», e, portanto, se a recorrente devia ser ouvida antes do encerramento desse inquérito e da transmissão do dossiê instruído ao OLAF.

93

Para este efeito, dado que não decorre nenhuma indicação clara da letra deste artigo 4.o, primeiro parágrafo, segunda frase, importa examinar as características específicas do inquérito preliminar.

94

Ora, como o Tribunal de Contas explicou na audiência no Tribunal de Justiça, um inquérito dessa natureza constitui uma fase prévia de recolha e de avaliação das informações relativas às alegações de irregularidades recebidas pelo secretário‑geral, cujo objeto consiste em verificar a credibilidade dos elementos em que essas alegações se apoiam, para depois as reunir num dossiê e transmiti‑las à autoridade investida do poder de nomeação, para efeitos da abertura de um inquérito administrativo, ou ao OLAF, para efeitos da realização de um inquérito interno.

95

Daqui decorre que, como também assinalou o advogado‑geral no n.o 93 das suas conclusões, o inquérito preliminar não se destina a conduzir à adoção de conclusões a respeito da pessoa posta em causa.

96

Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, no n.o 29 do acórdão recorrido, não cometeu um erro de direito ao analisar o objeto desse inquérito e ao considerar que a obrigação decorrente do artigo 4.o, primeiro parágrafo, segunda frase, da Decisão 99/50 não diz respeito aos atos do secretário‑geral no âmbito desse inquérito.

97

Por conseguinte, há que julgar a segunda parte do quarto fundamento de recurso totalmente improcedente.

98

Atendendo às considerações precedentes, há que julgar o quarto fundamento parcialmente inoperante e parcialmente improcedente e negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

99

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Tribunal de Contas pedido a condenação de K. Nikolaou e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Kalliopi Nikolaou é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: grego.