ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

12 de novembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 2004/39/CE — Artigo 54.o — Obrigação de segredo profissional que incumbe às autoridades nacionais de supervisão financeira — Informações relativas a uma empresa de investimento fraudulenta e em liquidação judicial»

No processo C‑140/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Verwaltungsgericht Frankfurt am Main (Alemanha), por decisão de 19 de fevereiro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de março de 2013, no processo

Annett Altmann,

Torsten Altmann,

Hans Abel,

Waltraud Apitzsch,

Uwe Apitzsch,

Simone Arnold,

Barbara Assheuer,

Ingeborg Aubele,

Karl‑Heinz Aubele

contra

Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht,

estando presente:

Frank Schmitt,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de junho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Sr.a e do Sr. Altmann, do Sr. Abel, da Sr.a e do Sr. Apitzsch, das Sr.as Arnold e Assheuer, bem como da Sr.a e do Sr. Aubele, por M. Kilian e S. Giller, Rechtsanwälte,

em representação da Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht, por R. Wiegelmann, na qualidade de agente,

em representação do Sr. Schmitt, na qualidade de liquidatário judicial da Phoenix Kapitaldienst GmbH, por A. J. Baumert, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Möller, na qualidade de agentes,

em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

em representação do Governo helénico, por M. Germani, K. Nasopoulou e F. Dedousi, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, A. Cunha e M. Manuel Simões, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por K.‑P. Wojcik, A. Nijenhuis e J. Rius, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de setembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 54.o da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO L 145, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Sr.a e o Sr. Altmann, o Sr. Abel, a Sr.a e o Sr. Apitzsch, as Sr.as Arnold e Assheuer, bem como a Sr.a e o Sr. Aubele, por um lado, e a Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (Organismo federal de supervisão dos serviços financeiros, a seguir «BaFin»), por outro, a respeito da decisão desta última, de 9 de outubro de 2012, de recusar o acesso a determinados documentos e informações relativos à Phoenix Kapitaldienst GmbH Gesellschaft für die Durchführung und Vermittlung von Vermögensanlagen (a seguir «Phoenix»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 2 e 63 da Diretiva 2004/39 enunciam:

«(2)

[...] é indispensável prever o grau de harmonização necessário para proporcionar aos investidores um elevado nível de proteção e permitir que as empresas de investimento prestem serviços em toda a Comunidade, no quadro de um mercado único, com base na supervisão do país de origem. [...]

[...]

(63)

[...] Perante o crescimento da atividade transfronteiras, as autoridades competentes devem transmitir entre si as informações relevantes para o desempenho das respetivas funções, por forma a assegurar a aplicação efetiva da presente diretiva, nomeadamente em situações em que as infrações, ou suspeitas de infração, podem envolver as autoridades de dois ou mais Estados‑Membros. Nesta troca de informações, é imprescindível um rigoroso sigilo profissional para assegurar o processamento harmonioso da transmissão dos elementos informativos e a proteção dos direitos das pessoas em causa.»

4

O artigo 17.o da Diretiva 2004/39, com a epígrafe «Obrigações gerais respeitantes à supervisão contínua», dispõe no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades competentes controlem as atividades das empresas de investimento por forma a verificar se estas cumprem as condições de exercício de atividade previstas na presente diretiva. Os Estados‑Membros devem assegurar que sejam implementadas as medidas adequadas para permitir às autoridades competentes obter as informações necessárias para verificar o cumprimento, por parte das empresas de investimento, dessas obrigações.»

5

O artigo 50.o da referida diretiva, com a epígrafe «Poderes a conferir às autoridades competentes», prevê:

«1.   As autoridades competentes devem ser dotadas de todos os poderes de supervisão e investigação necessários para o exercício das respetivas funções. [...]

2.   Os poderes referidos no n.o 1 devem ser exercidos em conformidade com a legislação nacional e incluirão, pelo menos, os direitos a:

a)

Ter acesso a qualquer documento, independentemente da forma que assuma, e a receber uma cópia do mesmo;

b)

Pedir informações de qualquer pessoa e, se necessário, convocar e ouvir uma pessoa a fim de obter informações;

[...]»

6

O artigo 54.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Segredo profissional», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades competentes e todas as pessoas que trabalhem ou tenham trabalhado para as autoridades competentes [...] estejam obrigad[a]s ao segredo profissional. As informações confidenciais que recebam no exercício das suas funções não podem ser divulgadas a nenhuma pessoa ou autoridade, exceto sob forma resumida ou agregada, que impeça a identificação individual das empresas de investimento, operadores de mercado, mercados regulamentados ou qualquer outra pessoa, ressalvados os casos abrangidos pelo direito penal ou pelas restantes disposições da presente diretiva.

2.   Quando uma empresa de investimento [tiver sido declarada falida ou esteja a ser objeto de liquidação compulsiva], as informações confidenciais que não se refiram a terceiros podem ser divulgadas em processos de direito civil ou comercial, caso seja necessário para a instrução dos referidos processos.

3.   Sem prejuízo dos casos abrangidos pelo direito penal, as autoridades competentes [...] que recebam informações confidenciais ao abrigo da presente diretiva apenas as podem utilizar no cumprimento das suas obrigações e para o desempenho das suas funções [...]. No entanto, sempre que a autoridade competente ou outra autoridade, organismo ou pessoa que comunica as informações dê o seu consentimento, a autoridade que recebe as informações poderá utilizá‑las para outros fins.

4.   As informações confidenciais recebidas, trocadas e transmitidas ao abrigo da presente diretiva ficam sujeitas às condições de segredo profissional estabelecidas no presente artigo. No entanto, o presente artigo não obsta a que as autoridades competentes troquem ou transmitam informações confidenciais [...], se para tanto tiverem o consentimento da autoridade competente, ou de outra autoridade, organismo ou pessoa singular ou coletiva que tenha comunicado as informações.

5.   O disposto no presente artigo não obsta a que as autoridades competentes troquem ou transmitam, nos termos da lei nacional, informações confidenciais que não tenham sido recebidas da autoridade competente de outro Estado‑Membro.»

7

O artigo 56.o da Diretiva 2004/39, com a epígrafe «Obrigação de cooperação», enuncia no seu n.o 1:

«As autoridades competentes de diferentes Estados‑Membros devem cooperar entre si sempre que necessário para os efeitos do exercício das funções que lhes são atribuídas pela presente diretiva, utilizando os seus poderes tal como estabelecidos na presente diretiva ou na legislação nacional.

As autoridades competentes devem prestar assistência às autoridades competentes dos outros Estados‑Membros. Em particular, devem proceder à troca de informações e cooperar em atividades de investigação ou de supervisão.

[...]»

Direito alemão

8

O § 1, n.o 1, da Lei sobre a liberdade da informação (Informationsfreiheitsgesetz), de 5 de setembro de 2005 (BGBl. 2005 I, p. 2722, a seguir «IFG»), é do seguinte teor:

«Todos têm, perante as autoridades federais, direito a aceder às informações oficiais, nos termos da presente lei.»

9

O § 3 da IFG, com a epígrafe «Proteção de interesses públicos especiais», dispõe no seu n.o 4:

«Não existe direito ao acesso à informação

[...]

4.

Se a informação estiver sujeita a segredo profissional, de serviço ou a uma obrigação de confidencialidade ou de sigilo, prevista por uma disposição legal ou por disposições administrativas gerais relativas à proteção material e organizativa de informações classificadas.»

10

O § 9 da Lei relativa ao crédito (Kreditwesengesetz), de 9 de setembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 2776), conforme alterada pela Lei de 4 de julho de 2013 (BGBl. 2013 I, p. 1981, a seguir «KWG»), com a epígrafe «Obrigação de confidencialidade», prevê no seu n.o 1:

«Ao aplicarem a presente lei no exercício das suas funções, as pessoas empregadas pela [BaFin] não têm o direito de divulgar nem utilizar sem autorização factos de que tenham tido conhecimento no exercício das suas funções e em relação aos quais [as pessoas sujeitas à presente lei] ou um terceiro tenham interesse em preservar a confidencialidade (como, em particular, os segredos comerciais e empresariais), mesmo quando já não estejam ao serviço ou tenham cessado a sua atividade. [...]»

11

O § 8 da Lei relativa ao mercado de valores mobiliários (Wertpapierhandelsgesetz), de 9 de setembro de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 2708), conforme alterada pela Lei de 15 de julho de 2013 (BGBl. 2013 I, p. 2390, a seguir «WpHG»), com a epígrafe «Obrigação de confidencialidade», está redigido, no seu n.o 1, de maneira idêntica à do § 9, n.o 1, da KWG.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

Resulta da decisão de reenvio que, por decisão do Amtsgericht Frankfurt am Main (Tribunal de Comarca de Frankfurt am Main) de 1 de julho de 2005, foi iniciado um processo coletivo de liquidação de passivo contra a sociedade Phoenix. Nesse contexto, a referida sociedade foi dissolvida e encontra‑se atualmente em liquidação. O modelo de negócio da Phoenix consistia principalmente em prejudicar os investidores. Foram lesados cerca de 30000 investidores, verificando‑se um prejuízo de 600 milhões de euros.

13

Por sentença do Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main) de 11 de julho de 2006 no quadro de um processo penal, dois antigos diretores da Phoenix foram declarados culpados de abuso de confiança e de fraude em investimentos, e foram condenados numa pena privativa de liberdade de, respetivamente, sete anos e quatro meses e dois anos e três meses.

14

Em 21 de maio de 2012, os recorrentes no processo principal invocaram perante a BaFin o § 1, n.o 1, da IFG, para poderem consultar os documentos relativos à Phoenix, designadamente relatórios de auditores financeiros, contratos, notas dos processos, pareceres internos, correspondência pertinente, bem como os relatórios de atividade e de gestão do fundo de indemnização das sociedades de investimento.

15

Por decisão de 31 de julho de 2012, a BaFin deferiu em larga medida o pedido de informação. Contudo, recusou aos recorrentes no processo principal o acesso ao relatório da auditoria especial da Ernst & Young, de 31 de março de 2002, bem como aos relatórios dos auditores financeiros da Phoenix, aos pareceres internos, aos relatórios, à correspondência, aos documentos, aos acordos, aos contratos, às notas de processos e às cartas respeitantes à Phoenix, bem como a todos os pareceres internos e à correspondência posteriores à comunicação do referido relatório.

16

A BaFin indeferiu esses pedidos alegando, designadamente, que as obrigações de confidencialidade previstas no § 9 da KWG e no § 8 da WpHG, lidos em conjugação com o § 3, n.o 4, da IFG, proibiam o acesso às informações em causa. Em 21 de agosto de 2012, os recorrentes no processo principal interpuseram recurso gracioso contra a referida recusa. Por decisão de 9 de outubro de 2012, a BaFin negou provimento a esse recurso.

17

Em 12 de novembro de 2012, os recorrentes no processo principal interpuseram recurso contencioso no órgão jurisdicional de reenvio contra a referida decisão. Por sentença de 11 de dezembro de 2012, o órgão jurisdicional de reenvio ordenou à BaFin, com base na jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), que desse acesso a uma parte das informações solicitadas.

18

Contudo, resulta do pedido de decisão prejudicial que, noutro processo que também se referia ao acesso às informações detidas pela BaFin acerca da Phoenix, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu, por sentença de 12 de março de 2008, que o direito à informação podia ser invocado, com base no § 1, n.o 1, da IFG, quando o objetivo de proteção, visado no § 9 da KWG e no § 8 da WpHG, já não imponha a confidencialidade. Nessa sentença, declarou que não havia nenhum interesse legítimo em manter confidenciais os segredos comerciais e empresariais da Phoenix, dado que as informações solicitadas se referiam a crimes ou a outros comportamentos ilegais graves.

19

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que continua a considerar que, num caso como o presente, não é necessário proteger os interesses da Phoenix e que, por conseguinte, é possível, a título excecional, derrogar as obrigações de confidencialidade previstas no § 9 da KWG e no § 8 da WpHG.

20

Nestas condições, o Verwaltungsgericht Frankfurt am Main decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)

É compatível com o direito da União Europeia que os deveres imperativos de sigilo a que as autoridades nacionais responsáveis pela supervisão das empresas de serviços financeiros estão sujeitas e que se baseiam em atos jurídicos de direito da União (neste caso: as Diretivas 2004/109/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO L 390, p. 38)], 2006/48/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (reformulação) (JO L 177, p. 1)] e 2009/65/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO L 302, p. 32)], que foram transpostas para o direito interno […] pelo § 9 [da KWG] e pelo § 8 [da WpHG], possam não ser tidos em conta através da aplicação e interpretação de uma disposição de direito processual interno como a do § 99 do [C]ódigo de [P]rocesso nos tribunais administrativos (Verwaltungsgerichtsordnung)?

2)

Uma entidade reguladora como [a BaFin] pode invocar, perante uma pessoa que requereu o acesso a informações sobre um determinado prestador de serviços financeiros nos termos da [IFG], os deveres de sigilo a que está sujeita, designadamente nos termos do direito da União, regulados no § 9 da [KWG] e no § 8 da [WpHG], mesmo nos casos em que o modelo de negócio essencial da empresa que ofereceu os serviços financeiros, mas que entretanto foi dissolvida por insolvência e se encontra em liquidação, consistia numa fraude […] em larga escala com a intenção de prejudicar os investidores, e os responsáveis desta empresa tenham sido condenados a vários anos de prisão por sentença transitada em julgado?»

Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

21

Por decisão de 19 de maio de 2014, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no mesmo dia, o órgão jurisdicional de reenvio informou que não pretendia manter a sua primeira questão. Nestas condições, em conformidade com o artigo 100.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, não há que responder à referida questão.

Quanto à segunda questão prejudicial

22

Antes de mais, importa precisar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha feito referência às Diretivas 2004/109, 2006/48 e 2009/65, tendo em conta os elementos complementares fornecidos pelo mesmo órgão jurisdicional, em resposta a um pedido de esclarecimentos que lhe foi dirigido nos termos do artigo 101.o do Regulamento de Processo, e tendo em conta o alcance da autorização de que a Phoenix dispunha, o artigo 54.o da Diretiva 2004/39 é o único pertinente no processo principal.

23

Deste modo, importa examinar a questão submetida unicamente à luz deste artigo.

24

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 54.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/39 deve ser interpretado no sentido de que uma autoridade nacional de supervisão pode invocar, no quadro de um procedimento administrativo, a obrigação de guardar o segredo profissional perante uma pessoa que requereu o acesso a informações sobre uma empresa de investimento que se encontra em liquidação judicial, nos casos em que o modelo de negócio essencial desta empresa consistia numa fraude em larga escala, com a intenção de prejudicar os investidores, e os responsáveis desta empresa foram condenados a penas privativas de liberdade.

25

Para responder à questão submetida, importa ter em conta os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2004/39 e o contexto no qual o artigo 54.o desta se insere.

26

Resulta do considerando 2 da Diretiva 2004/39 que esta visa atingir o grau de harmonização necessário para proporcionar aos investidores um elevado nível de proteção e permitir que as empresas de investimento prestem serviços em toda a União com base na supervisão do Estado‑Membro de origem.

27

Além disso, resulta do considerando 63 da referida diretiva que, perante o crescimento da atividade transfronteiras, as autoridades competentes dos diferentes Estados‑Membros devem transmitir entre si as informações necessárias para o desempenho das respetivas funções, por forma a assegurar a aplicação efetiva da mesma diretiva.

28

Assim, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39, os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades competentes controlem de maneira permanente as atividades das empresas de investimento, por forma a verificar se estas cumprem as suas obrigações.

29

O artigo 50.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva prevê que as autoridades competentes devem ser dotadas de todos os poderes de supervisão e investigação necessários para o exercício das respetivas funções, incluindo os direitos a ter acesso a qualquer documento e a pedir informações a qualquer pessoa.

30

O artigo 56.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39 estabelece que todas as autoridades competentes devem prestar assistência às autoridades competentes dos outros Estados‑Membros e que, em particular, as autoridades competentes devem proceder à troca de informações e cooperar em atividades de investigação ou de supervisão.

31

O funcionamento eficaz do sistema de controlo da atividade das empresas de investimento, baseado numa supervisão exercida no interior de um Estado‑Membro e na troca de informações entre as autoridades competentes de vários Estados‑Membros, tal como foi sucintamente descrito nos números anteriores, requer que tanto as empresas controladas como as autoridades competentes possam estar seguras de que as informações confidenciais fornecidas conservarão, em princípio, o seu caráter confidencial (v., por analogia, acórdão Hillenius, 110/84, EU:C:1985:495, n.o 27).

32

Como assinalou o advogado‑geral no n.o 37 das suas conclusões e como resulta igualmente do último período do considerando 63 da Diretiva 2004/39, a falta dessa confiança poderia comprometer o processamento harmonioso da transmissão das informações confidenciais necessárias para o exercício da atividade de supervisão.

33

Por conseguinte, para proteger não apenas as empresas diretamente afetadas mas também o funcionamento normal dos mercados de instrumentos financeiros da União, o artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39 impõe, como regra geral, a obrigação de guardar o segredo profissional.

34

Os casos específicos nos quais a proibição geral de divulgar as informações confidenciais cobertas pelo segredo profissional não impede a sua transmissão ou utilização são enunciados de maneira detalhada no artigo 54.o da Diretiva 2004/39.

35

Daqui resulta que a proibição geral de divulgar informações confidenciais não pode ter exceções além das situações especificamente previstas no referido artigo.

36

No caso vertente, e tendo em conta a natureza fraudulenta da atividade que a Phoenix exercia, as condenações penais dos seus responsáveis assim como a sua liquidação judicial, importa salientar, por um lado, que o artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39 dispõe que a obrigação de guardar o segredo profissional se aplica «ressalvados os casos abrangidos pelo direito penal».

37

Importa recordar, por outro lado, que o artigo 54.o, n.o 2, da referida diretiva prevê que, quando uma empresa de investimento tiver sido declarada falida ou esteja a ser objeto de liquidação compulsiva, «as informações confidenciais que não se refiram a terceiros podem ser divulgadas em processos de direito civil ou comercial, caso seja necessário para a instrução dos referidos processos».

38

Logo, tratando‑se de informações relativas a empresas de investimento declaradas falidas ou que sejam objeto de liquidação compulsiva, como a que está em causa no processo principal, a obrigação de guardar segredo profissional só pode ser afastada, ressalvados os casos abrangidos pelo direito penal, quando estiverem preenchidas as três condições visadas no número anterior, a saber, que as informações confidenciais não se refiram a terceiros, que a divulgação das mesmas informações ocorra no contexto de processos de direito civil ou comercial e que as ditas informações sejam necessárias para a instrução dos referidos processos.

39

Ora, não resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal, que se refere a um procedimento administrativo relativo a um pedido de acesso às informações e aos documentos detidos por uma autoridade nacional de supervisão em virtude da IFG, esteja abrangido pelo direito penal, dado que este pedido foi apresentado posteriormente às condenações penais proferidas contra os responsáveis da Phoenix, nem que esteja inserido no quadro de processos de direito civil ou comercial intentados pelos recorrentes no processo principal.

40

Sendo esse o caso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, nenhuma das disposições do artigo 54.o da Diretiva 2004/39 permitiria afastar a obrigação de guardar o segredo profissional.

41

As circunstâncias realçadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, de que, por um lado, o modelo de negócio essencial da empresa em causa consistia numa fraude em larga escala com a intenção de prejudicar os investidores e, por outro, vários responsáveis desta empresa foram condenados a penas privativas de liberdade, em nada modificam a resposta a dar à questão submetida.

42

Assim, importa responder à segunda questão que o artigo 54.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/39 deve ser interpretado no sentido de que uma autoridade nacional de supervisão pode invocar, no quadro de um procedimento administrativo, a obrigação de guardar o segredo profissional perante uma pessoa que, fora do âmbito de um caso abrangido pelo direito penal ou de um processo de direito civil ou comercial, lhe solicitou o acesso a informações relativas a uma empresa de investimento que se encontra em liquidação judicial, mesmo quando o modelo de negócio essencial desta empresa consistia numa fraude em larga escala com a intenção de prejudicar os investidores, e os responsáveis desta empresa foram condenados a penas privativas de liberdade.

Quanto às despesas

43

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 54.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que uma autoridade nacional de supervisão pode invocar, no quadro de um procedimento administrativo, a obrigação de guardar o segredo profissional perante uma pessoa que, fora do âmbito de um caso abrangido pelo direito penal ou de um processo de direito civil ou comercial, lhe solicitou o acesso a informações relativas a uma empresa de investimento que se encontra em liquidação judicial, mesmo quando o modelo de negócio essencial desta empresa consistia numa fraude em larga escala com a intenção de prejudicar os investidores, e os responsáveis desta empresa foram condenados a penas privativas de liberdade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.