ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

1 de dezembro de 2015 ( * )

«Recurso de anulação — Regulamento (UE) n.o 1243/2012 — Escolha da base jurídica — Artigo 43.o, n.os 2 e 3, TFUE — Decisão política — Plano a longo prazo para as unidades populacionais de bacalhau»

Nos processos apensos C‑124/13 e C‑125/13,

que têm por objeto recursos de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interpostos em 14 de março de 2013,

Parlamento Europeu, representado por I. Liukkonen, L. Knudsen e R. Kaškina, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo (C‑124/13),

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet, K. Banks e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo (C‑125/13),

recorrentes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por E. Sitbon, A. de Gregorio Merino e A. Westerhof Löfflerová, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

apoiado por:

Reino de Espanha, representado por M. Sampol Pucurull e N. Díaz Abad, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por G. de Bergues, D. Colas, R. Coesme e C. Candat, na qualidade de agentes,

República da Polónia, representada por B. Majczyna, M. Nowacki e A. Miłkowska, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano (relator), vice‑presidente, R. Silva de Lapuerta, T. von Danwitz, J. L. da Cruz Vilaça, A. Arabadjiev e F. Biltgen, presidentes de secção, J. Malenovský, E. Levits, J.‑C. Bonichot, C. G. Fernlund, C. Vajda e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 24 de fevereiro de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 21 de maio de 2015,

profere o presente

Acórdão

1

Com os seus pedidos, o Parlamento Europeu e Comissão Europeia solicitam a anulação do Regulamento (UE) n.o 1243/2012 do Conselho, de 19 de dezembro de 2012, que altera o Regulamento (CE) n.o 1342/2008, que estabelece um plano a longo prazo para as unidades populacionais de bacalhau e para as pescas que exploram essas unidades populacionais (JO L 352, p. 10, a seguir «regulamento impugnado»).

Quadro jurídico

Regulamento (CE) n.o 2371/2002

2

O Regulamento (CE) n.o 2371/2002 do Conselho, de 20 de dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas (JO L 358, p. 59, a seguir «regulamento de base»), foi revogado pelo Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO L 354, p. 22).

3

Os considerandos 6 e 7 do regulamento de base tinham a seguinte redação:

«(6)

Uma abordagem plurianual da gestão haliêutica, que inclua planos de gestão plurianuais para as unidades populacionais dentro de limites biológicos seguros, permitirá atingir mais eficazmente o objetivo da exploração sustentável. Em relação às unidades populacionais abaixo dos limites biológicos seguros, a adoção de planos de recuperação plurianuais é uma prioridade absoluta. Segundo com os pareceres científicos, poderão ser necessárias reduções substanciais do esforço de pesca para estas unidades populacionais.

(7)

Os planos plurianuais deverão fixar objetivos para a exploração sustentável das unidades populacionais em causa, conter regras em matéria de exploração que estabeleçam como devem ser calculados os limites em matéria de capturas anuais e/ou do esforço de pesca e prever outras medidas de gestão específicas, atendendo igualmente aos efeitos noutras espécies.»

4

O artigo 1.o do referido regulamento definia o âmbito de aplicação da Política Comum da Pesca (PCP) da seguinte forma:

«1.   A [PCP] abrange a conservação, a gestão e a exploração dos recursos aquáticos vivos e da aquicultura, bem como a transformação e comercialização dos produtos da pesca e da aquicultura, sempre que essas atividades sejam exercidas no território dos Estados‑Membros ou nas águas comunitárias por navios de pesca comunitários ou nacionais dos Estados‑Membros, sem prejuízo da responsabilidade principal do Estado de pavilhão.

2.   A [PCP] estabelece medidas coerentes relativas:

a)

À conservação, gestão e exploração dos recursos aquáticos vivos;

[…]»

5

Os objetivos da PCP estavam definidos no artigo 2.o, n.o 1, do mesmo regulamento nos seguintes termos:

«A [PCP] deve garantir que a exploração dos recursos aquáticos vivos crie condições sustentáveis dos pontos de vista económico, ambiental e social.

Para o efeito, a Comunidade aplica a abordagem de precaução aquando da adoção de medidas destinadas a proteger e conservar os recursos aquáticos vivos, garantir a sua exploração sustentável e minimizar o impacto das atividades de pesca nos ecossistemas marinhos. […]»

6

O artigo 4.o do regulamento de base, que estabelecia os tipos de medidas a tomar para alcançar o objetivo de sustentabilidade, previa no seu n.o 2:

«[…] Podem, nomeadamente, incluir medidas para cada unidade populacional ou grupos de unidades populacionais destinadas a limitar a mortalidade da pesca e o impacto ambiental das atividades de pesca, através:

a)

Da adoção de planos de recuperação ao abrigo do artigo 5.o;

b)

Da adoção de planos de gestão ao abrigo do artigo 6.o;

[…]»

Regulamento (CE) n.o 1342/2008

7

O Regulamento (CE) n.o 1342/2008 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, que estabelece um plano a longo prazo para as unidades populacionais de bacalhau e para as pescas que exploram essas unidades populacionais e que revoga o Regulamento (CE) n.o 423/2004 (JO L 348, p. 20; retificação no JO 2010, L 231, p. 6), foi adotado pelo Conselho da União Europeia, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento, com fundamento no artigo 37.o do Tratado CE.

8

Os considerandos 7 e 9 deste regulamento têm a seguinte redação:

«(7)

A fim de assegurar a consecução dos objetivos em matéria de mortalidade por pesca e contribuir para minimizar as devoluções, é igualmente necessário que as possibilidades de pesca em termos de esforço de pesca sejam fixadas em níveis coerentes com a estratégia plurianual. […]

[…]

(9)

O estabelecimento e atribuição de limites de captura, a fixação dos níveis mínimos e dos níveis de precaução e do nível das taxas de mortalidade por pesca, bem como do esforço de pesca máximo autorizado por grupo de esforço e Estado‑Membro, e a exclusão de certos grupos de navios do regime de esforço de pesca estabelecido no presente regulamento, são medidas de importância primordial na [PCP]. […]»

9

O artigo 5.o do referido regulamento descreve o objetivo do plano de reconstituição das unidades populacionais de bacalhau, que consiste em assegurar «a exploração sustentável [dessas] unidades populacionais […] com base no rendimento máximo sustentável». Em conformidade com esse artigo 5.o, n.os 2 e 3, o referido objetivo deve ser prosseguido mantendo uma certa taxa de mortalidade para o bacalhau.

10

A fim de alcançar o referido objetivo, o mesmo regulamento prevê, nos seus artigos 6.° a 10.°, regras específicas relativas à fixação anual dos totais admissíveis de capturas (TAC), e, nos seus artigos 11.° a 17.°, regras relativas à limitação do esforço de pesca.

11

Em especial, o Regulamento n.o 1342/2008, na versão em vigor antes da sua alteração pelo regulamento impugnado, previa, no seu artigo 9.o, regras detalhadas relativas aos TAC com base em dados insuficientes, quando as regras de fixação dos TAC previstas nos seus artigos 7.° e 8.° não pudessem ser aplicadas em razão de falta de informações suficientemente precisas e representativas. Definia igualmente, no seu artigo 12.o, o modo de cálculo do máximo admissível do esforço de pesca.

Regulamento impugnado

12

Os considerandos 3 a 5 do regulamento impugnado têm a seguinte redação:

«(3)

A avaliação científica dos resultados do plano relativo ao bacalhau, efetuada pelo Comité Científico, Técnico e Económico da Pesca (CCTEP) revelou um certo número de problemas relativamente à conceção e ao funcionamento do plano relativo ao bacalhau. Sem pôr em causa os objetivos do plano relativo ao bacalhau, o CCTEP concluiu que era improvável que estes objetivos pudessem ser atingidos no prazo previsto nas conclusões da Cimeira sobre o Desenvolvimento Sustentável realizada em Joanesburgo em 2002, a menos que fossem corrigidas as falhas na conceção do plano relativo ao bacalhau, nomeadamente no que se refere à aplicação dos artigos 9.° e 12.°

(4)

Embora se destinassem a serem aplicadas apenas em circunstâncias excecionais, de 2009 a 2012 as reduções anuais automáticas dos TAC de 25% passaram a ser a norma. Por conseguinte, desde a entrada em vigor do plano relativo ao bacalhau, os TAC para as zonas em causa foram significativamente reduzidos e novas reduções automáticas poderiam levar ao encerramento efetivo das pescarias de bacalhau nessas zonas. A avaliação científica efetuada pelo CCTEP sugere que, a fim de atingir os objetivos do plano relativo ao bacalhau, seria mais adequado em certos casos dispor de maior flexibilidade que permita refletir os pareceres científicos numa base casuística. No âmbito desta flexibilidade, afigura‑se assim adequado permitir a suspensão, em determinadas condições, da redução anual do TAC ou a fixação de um nível alternativo de TAC, sem comprometer a consecução dos objetivos do plano relativo ao bacalhau.

(5)

[…] o esforço de pesca admissível foi automaticamente reduzido em 25% por ano desde 2009 até 2012 nas zonas em que se aplicou o artigo 9.o e significativamente reduzido nas zonas em que se aplicou o artigo 8.o A continuação da aplicação das reduções automáticas anuais do esforço não conduzirá à consecução dos objetivos do plano relativo ao bacalhau, mas terá um impacto económico e social significativo nos segmentos da frota que utilizam as mesmas artes mas exercem uma pesca dirigida essencialmente a espécies que não o bacalhau. É portanto conveniente prever uma abordagem mais flexível que possibilite a suspensão da redução automática anual do esforço de pesca, sem pôr em causa os objetivos do plano relativo ao bacalhau.»

13

O considerando 8 do regulamento impugnado enuncia as razões pelas quais esse regulamento, que modificou os artigos 9.° e 12.° do Regulamento n.o 1342/2008, foi adotado com fundamento no artigo 43.o, n.o 3, TFUE e não no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

14

O referido considerando tem a seguinte redação:

«As alterações aos artigos 9.° e 12.° estabelecem regras específicas pormenorizadas para efeito de fixação das possibilidades de pesca, expressas através do TAC e das limitações do esforço de pesca. Estas alterações adaptam as regras atualmente aplicáveis para a fixação das possibilidades de pesca sem modificar o objetivo do plano relativo ao bacalhau. Constituem portanto medidas relativas à fixação e repartição dos TAC e às limitações do esforço de pesca, e não podem ser consideradas nem como disposições que estabelecem a organização comum dos mercados das pescas nem como outras disposições necessárias à prossecução dos objetivos da [PCP].»

15

O artigo 1.o, ponto 1, do referido regulamento, que substitui o artigo 9.o do Regulamento n.o 1342/2008, prevê um procedimento especial de fixação dos TAC, segundo o qual:

«1.   Se as informações disponíveis para fixar os TAC em conformidade com o artigo 7.o não forem suficientes, os TAC para as unidades populacionais de bacalhau no Kattegat, a oeste da Escócia e no Mar da Irlanda são fixados nos níveis indicados pelos pareceres científicos. Contudo, se os níveis indicados pelos pareceres científicos forem superiores em mais de 20% aos TAC do ano anterior, esses TAC são fixados num nível 20% superior aos do ano anterior; se tais níveis forem inferiores em mais de 20% aos TAC do ano anterior, esses TAC são fixados num nível 20% inferior aos do ano anterior.

2.   Em derrogação do disposto no n.o 1, caso os pareceres científicos indiquem que não devem ser efetuadas pescas dirigidas e que:

a)

As capturas acessórias devem ser minimizadas ou reduzidas ao nível mais baixo possível, e/ou que

b)

As capturas de bacalhau devem ser reduzidas ao nível mais baixo possível,

o Conselho pode decidir não aplicar um ajustamento anual do TAC no ano seguinte ou nos anos seguintes, na condição de o TAC fixado dizer respeito apenas às capturas acessórias.

3.   Se as informações disponíveis para fixar os TAC em conformidade com o artigo 8.o não forem suficientes, os TAC para as unidades populacionais de bacalhau no Mar do Norte, no Skagerrak e no Canal da Mancha Oriental são fixados por aplicação, mutatis mutandis, do disposto nos n.os 1 e 2 do presente artigo, exceto se as consultas com a Noruega resultarem num nível diferente dos TAC.

4.   Quando os pareceres científicos indicarem que a aplicação das regras estabelecidas no artigo 8.o, n.os 1 a 4, não resulta adequada à realização dos objetivos do Plano, o Conselho pode, não obstante as disposições acima referidas, decidir um nível alternativo de TAC.»

16

O artigo 1.o, ponto 2, alínea a), do regulamento impugnado está redigido como segue:

«O [artigo 12.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1342/2008] é alterado do seguinte modo:

[…]

‘4.   Para os grupos de esforço agregados em que a percentagem de capturas cumuladas calculada de acordo com o n.o 3, alínea d), é igual ou superior a 20%, aplicam‑se ajustamentos anuais. O esforço de pesca máximo autorizado dos grupos em causa é calculado do seguinte modo:

a)

Para efeitos dos artigos 7.° ou 8.°, aplicando ao valor de referência o mesmo ajustamento percentual que o estabelecido nesses artigos para a mortalidade por pesca;

b)

Para efeitos do artigo 9.o, aplicando o mesmo ajustamento percentual do esforço de pesca que o ajustamento do TAC comparativamente ao ano anterior.’»

17

O artigo 1.o, ponto 2, alínea b), do regulamento impugnado, que adita ao artigo 12.o do Regulamento n.o 1342/2008 um n.o 6, dispõe o seguinte:

«É aditado o seguinte número:

‘6.   Em derrogação do n.o 4, sempre que o esforço de pesca máximo autorizado tenha sido reduzido durante quatro anos consecutivos, o Conselho pode decidir não aplicar um ajustamento anual do esforço de pesca máximo autorizado no ano seguinte ou nos anos seguintes.’»

Antecedentes do litígio

18

Em 12 de setembro de 2012, a Comissão apresentou uma Proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho que altera o Regulamento n.o 1342/2008 [COM(2012) 498 final] com a finalidade de melhorar e de esclarecer as disposições deste regulamento.

19

Essa proposta de regulamento baseava‑se no artigo 43.o, n.o 2, TFUE e destinava‑se a resolver certas dificuldades relacionadas com a execução do plano para o bacalhau previsto pelo Regulamento n.o 1342/2008. A referida proposta previa as modificações seguintes:

uma modificação do artigo 4.o do referido regulamento, que esclarecia o método a seguir pelos Estados‑Membros para calcular os limites do esforço de pesca;

uma modificação do artigo 9.o do mesmo regulamento, relativa ao método de fixação dos TAC nos casos em que as regras de cálculo por defeito mencionadas nos artigos 7.° e 8.° não podem ser aplicadas em razão da insuficiência de dados;

uma modificação do artigo 11.o do Regulamento n.o 1342/2008, relativa à simplificação do procedimento de exclusão dos navios do regime de gestão do esforço de pesca;

uma modificação do artigo 12.o desse regulamento, relativa às limitações do esforço de pesca, justificada pelo mesmo objetivo de tratamento flexível e individualizado que o prosseguido pela modificação proposta para o artigo 9.o do referido regulamento;

uma modificação do artigo 12.o do mesmo regulamento, destinada a aditar‑lhe um novo n.o 6, que autorizava o Conselho a suspender a aplicação de novas reduções do máximo autorizado do esforço de pesca, sempre que esse máximo tenha sido reduzido durante quatro anos consecutivos;

uma modificação do artigo 13.o do Regulamento n.o 1342/2008, a fim de eliminar as diferenças de interpretação entre as versões linguísticas no que respeita a uma das condições que permitem beneficiar de um esforço de pesca suplementar;

uma modificação do artigo 14.o desse regulamento, destinada a reforçar as obrigações de os Estados‑Membros resolverem o elevado nível de devoluções e assegurarem um controlo e uma vigilância eficazes das medidas de encorajamento previstas nos artigos 11.° e 13.° do referido regulamento;

uma modificação do artigo 32.o do mesmo regulamento, que aditava um artigo relativo ao procedimento de comitologia.

20

Em 19 de dezembro de 2012, sem reproduzir a totalidade das disposições da Proposta de regulamento COM(2012) 498 final e utilizando o artigo 43.o, n.o 3, TFUE como base jurídica para o regulamento impugnado, o Conselho limitou‑se a adotar as modificações relativas aos artigos 9.° e 12.° do Regulamento n.o 1342/2008.

21

Na ata da reunião do Conselho «Agricultura e Pesca» durante a qual o regulamento impugnado foi adotado, ficou inscrita uma declaração da Comissão com o seguinte teor:

22

O regulamento impugnado foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 21 de dezembro de 2012 e entrou em vigor em 22 de dezembro de 2012.

23

Por entender que o referido regulamento tinha sido adotado numa base jurídica errada e que se deveria ter baseado no artigo 43.o, n.o 2, TFUE, o Parlamento, no processo C‑124/13, e a Comissão, no processo C‑125/13, interpuseram os presentes recursos.

Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

24

O Parlamento e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal de Justiça anule o regulamento impugnado e condene o Conselho nas despesas. A Comissão pede igualmente que o Tribunal de Justiça mantenha os efeitos deste regulamento durante um prazo razoável após prolação do presente acórdão, ou seja, no máximo, um ano completo a contar de 1 de janeiro do ano seguinte à prolação.

25

O Conselho conclui pedindo que o Tribunal de Justiça negue provimento aos recursos e condene o Parlamento e a Comissão nas despesas. A título subsidiário, se o Tribunal de Justiça entender anular o referido regulamento, o Conselho pede que o Tribunal de Justiça mantenha os respetivos efeitos, em aplicação do artigo 264.o TFUE.

26

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2013, os processos C‑124/13 e C‑125/13 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

27

Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de setembro de 2013, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Conselho.

Quanto aos recursos

28

No processo C‑124/13, o Parlamento invoca um fundamento único, relativo a um erro de direito quanto à escolha do artigo 43.o, n.o 3, TFUE como base jurídica do regulamento impugnado.

29

Este fundamento articula‑se em duas partes. Na primeira parte, o Parlamento afirma que, enquanto instrumento de conservação e de gestão das unidades populacionais haliêuticas, cada plano plurianual, como o que está em causa no caso vertente, forma um todo que contém unicamente disposições destinadas à realização dos objetivos de durabilidade e de conservação da PCP e deve, portanto, ser adotado na íntegra com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE. Na segunda parte, o Parlamento sustenta que a Proposta de regulamento COM(2012) 498 final deveria ter sido adotada na íntegra com fundamento no artigo 43.o, n.o 2, TFUE. Ao cindir essa proposta e ao adotar, através do referido regulamento, apenas certas modificações propostas pela Comissão, o Conselho escolheu uma via processual ao arrepio da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à escolha da base jurídica de um ato da União.

30

No processo C‑125/13, a Comissão invoca três fundamentos. O primeiro fundamento diz respeito a um erro de direito quanto à escolha do artigo 43.o, n.o 3, TFUE como base jurídica do regulamento impugnado. O segundo fundamento diz respeito a um erro de direito relativo ao procedimento escolhido pelo Conselho, que excluiu, erradamente, da adoção desse regulamento tanto o Parlamento como o Comité Económico e Social Europeu. O terceiro fundamento diz respeito a uma desvirtuação da proposta de regulamento da Comissão, em violação do direito de iniciativa exclusivo desta última.

Argumentos das partes

31

Com a primeira parte do fundamento único do Parlamento e o primeiro fundamento da Comissão, estas instituições sustentam que o Conselho cometeu um erro de direito ao adotar o regulamento impugnado com base no n.o 3 do artigo 43.o TFUE, e não no n.o 2 deste.

32

Consideram que, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o n.o 3 do artigo 43.o TFUE constitui uma derrogação à aplicação do processo legislativo ordinário previsto no n.o 2 do mesmo artigo, pelo que deve ser interpretado de forma estrita quanto ao seu âmbito de aplicação. Assim, apenas as medidas destinadas explicitamente «à fixação e à repartição das possibilidades de pesca» podem ser adotadas com base no referido n.o 3. Ao invés, se um ato prosseguir um objetivo abrangido pela PCP diferente da simples atribuição de quotas de pesca, deve ser adotado com fundamento no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

33

A este respeito, os recorrentes alegam que esta última disposição designa o processo legislativo ordinário como o processo decisório habitual para adoção das disposições necessárias à prossecução dos objetivos da PCP, ao passo que o artigo 43.o, n.o 3, TFUE se limita a conferir ao Conselho um poder específico limitado para a adoção dos atos de execução sui generis não legislativos, relativos à fixação dos TAC.

34

Por este motivo, os recorrentes consideram que a expressão «medidas relativas à […] fixação e à repartição das possibilidades de pesca», que figura no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, deve ser interpretada no sentido de que o Conselho não pode adotar medidas destinadas a contribuir para a realização dos objetivos da PCP com fundamento nesta disposição, mas apenas regulamentos não legislativos ou atos de execução relativos à fixação e à repartição das possibilidades de pesca. Com efeito, como decorre do artigo 3.o, alínea q), do regulamento de base, deve entender‑se por «‘[p]ossibilidade de pesca’, um direito de pesca quantificado, expresso em termos de capturas e/ou de esforço de pesca».

35

Ora, não é esse o caso do regulamento impugnado. Com efeito, decorre, nomeadamente, do considerando 7, bem como dos artigos 5.° e 6.° do regulamento de base, e do artigo 5.o do Regulamento n.o 1342/2008, que os planos plurianuais, a saber, os planos de reconstituição e de gestão, prosseguem o objetivo de conservar as unidades populacionais de peixes e contribuem assim, de maneira decisiva, para a realização do objetivo principal da PCP, a saber, a exploração sustentável dessas unidades.

36

Consequentemente, uma vez que os planos plurianuais constituem instrumentos que permitem a realização dos objetivos da PCP, os atos jurídicos que estabelecem ou modificam esses planos, como o regulamento impugnado, devem ser considerados «necessários» à prossecução dos objetivos da PCP, na aceção do artigo 43.o, n.o 2, TFUE, e, por esse motivo, devem ser adotados segundo o processo legislativo ordinário previsto por esta disposição.

37

Os recorrentes acrescentam que o referido regulamento modifica as disposições legislativas adotadas com fundamento no artigo 37.o CE, o qual, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, constituía a base jurídica geral para a adoção dos atos legislativos em matéria de pesca. Ora, na medida em que esta disposições foi substituída pelo artigo 43.o, n.o 2, TFUE, por paralelismo de processos, deve recorrer‑se ao processo legislativo ordinário previsto por esta última disposição para a adoção de todos os atos legislativos nesta matéria. De igual modo, na medida em que o artigo 20.o do regulamento de base foi reproduzido no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, deve recorrer‑se a esta última disposição para a adoção de atos não legislativos.

38

O Conselho, apoiado pelo Reino de Espanha, pela República Francesa e pela República da Polónia, rejeita os argumentos dos recorrentes, afirmando que o regulamento impugnado constitui efetivamente uma medida relativa à fixação e à repartição das possibilidades de pesca, e que, portanto, está corretamente baseado no artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

39

A este respeito, o Conselho sublinha, desde logo, que a interpretação dos recorrentes quanto à aplicação do artigo 43.o, n.o 3, TFUE não tem justificação no Tratado FUE. Com efeito, os n.os 2 e 3 do artigo 43.o TFUE, que foram introduzidos pelo Tratado de Lisboa, substituíram uma disposição única, a saber, o artigo 37.o CE, que servia de base jurídica para a adoção de toda uma série de atos jurídicos nos domínios da agricultura e da pesca. Por esta simples razão, os recorrentes não podem sustentar que nos casos em que o artigo 37.o CE era utilizado antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, passou a recorrer‑se, de forma automática, ao artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

40

Além disso, o Conselho sustenta que, ao utilizar deliberadamente, no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, a expressão «medidas relativas à» fixação e à repartição das possibilidades de pesca, os autores do Tratado FUE desejaram integrar no âmbito de aplicação desta disposição as medidas que vão além da fixação e da repartição das possibilidades de pesca em sentido estrito. Ora, uma interpretação excessivamente restritiva, que consiste em excluir certas medidas claramente identificadas no artigo 43.o, n.o 3, TFUE do âmbito de aplicação desta disposição, viola as prerrogativas que esta última confere ao Conselho e não respeita as regras fundamentais do equilíbrio institucional consagradas no artigo 13.o, n.o 2, TUE, nos termos do qual «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem […]».

41

O Conselho rejeita assim os argumentos dos recorrentes segundo os quais, quando uma medida possa ser considerada necessária à prossecução dos objetivos da PCP, essa medida deve ser necessariamente adotada nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE. Com efeito, os n.os 2 e 3 do artigo 43.o TFUE constituem bases jurídicas autónomas estabelecidas pelo direito primário, pelo que o recurso a este n.o 3 não pode estar subordinado a uma condição como a adoção prévia de um ato a título do n.o 2.

42

Assim sendo, o Conselho alega que a aplicação das modificações dos artigos 9.° e 12.°, n.os 4 e 6, do Regulamento n.o 1342/2008, introduzidas pelo artigo 1.o do regulamento impugnado, afeta de maneira direta, vinculativa e automática a operação de fixação e de repartição das possibilidades de pesca. Por conseguinte, os recorrentes não podem validamente afirmar que estas modificações afetaram o objetivo do plano plurianual para o bacalhau, que continua a estar definido no artigo 5.o do Regulamento n.o 1342/2008, o qual não foi alterado. Pelo contrário, como resulta claramente de uma análise das finalidades e do conteúdo do regulamento impugnado, essas modificações destinam‑se a adaptar os meios que permitem realizar esse objetivo, a saber, as regras de fixação dos TAC e das limitações do esforço de pesca.

Apreciação do Tribunal de Justiça

43

Na primeira parte do fundamento único do Parlamento e no primeiro fundamento da Comissão, estas instituições alegam que o Conselho escolheu uma base jurídica errada, ao fundar o regulamento impugnado no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, e não no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

44

A este respeito, importa começar por recordar que, como decorre da letra do artigo 43.o, n.o 2, TFUE, o Parlamento e o Conselho são obrigados a adotar, em conformidade com o processo legislativo ordinário, as «disposições necessárias à prossecução dos objetivos da política comum da agricultura e pescas».

45

Além disso, nos termos do artigo 43.o, n.o 3. TFUE, o Conselho, sob proposta da Comissão, adota as medidas relativas à fixação dos preços, dos direitos niveladores, dos auxílios e das limitações quantitativas, bem como à fixação e à repartição das possibilidades de pesca.

46

Importa igualmente recordar que o Tribunal de Justiça já se pronunciou acerca dos âmbitos de aplicação respetivos dos n.os 2 e 3 do artigo 43.o TFUE no acórdão Parlamento e Comissão/Conselho (C‑103/12 e C‑165/12, EU:C:2014:2400).

47

Nos processos que deram lugar a esse acórdão, o Tribunal de Justiça foi chamado a verificar se o Conselho podia validamente adotar, com fundamento no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, a Decisão 2012/19/UE, de 16 de dezembro de 2011, respeitante à aprovação, em nome da União Europeia, da declaração relativa à concessão de possibilidades de pesca em águas da União Europeia aos navios de pesca que arvoram pavilhão da República Bolivariana da Venezuela na zona económica exclusiva ao largo da costa do departamento francês da Guiana (JO 2012, L 6, p. 8).

48

Embora num contexto factual e jurídico diferente do contexto do presente processo, o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 50 do referido acórdão, nomeadamente, que a adoção de disposições nos termos do artigo 43.o, n.o 2, TFUE pressupõe obrigatoriamente que se aprecie se essas disposições são «necessárias» para prosseguir os objetivos das políticas comuns reguladas pelo Tratado FUE, pelo que essa adoção implica uma decisão política que deve ser reservada ao legislador da União. Em contrapartida, a adoção das medidas relativas à fixação e à repartição das possibilidades de pesca, em conformidade com o artigo 43.o, n.o 3, TFUE, não necessita dessa apreciação, uma vez que se trata de medidas que têm caráter principalmente técnico e que devem ser aplicadas para a execução das disposições adotadas com base no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

49

Daí o Tribunal de Justiça deduziu, nos n.os 78 a 81 do mesmo acórdão, que o Conselho tinha cometido um erro ao adotar a Decisão 2012/19 com base no artigo 43.o, n.o 3, TFUE. Com efeito, na medida em que essa decisão concedia aos navios com pavilhão venezuelano acesso às águas da União, e não simples possibilidades de pesca, a sua adoção implicava uma decisão política que exigia o recurso ao processo legislativo ordinário previsto no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

50

Resulta do acórdão Parlamento e Comissão/Conselho (C‑103/12 e C‑165/12, EU:C:2014:2400) que as medidas que implicam uma escolha política reservada ao legislador da União em razão do seu caráter necessário à prossecução dos objetivos das políticas comuns da agricultura e da pesca devem ser fundadas no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

51

Nesta medida, e para efeito dos presentes processos, há que verificar se o âmbito de aplicação do n.o 3 do artigo 43.o TFUE deve ser limitado apenas às medidas que têm por objeto a fixação e a repartição das possibilidades de pesca.

52

Como sustenta o Conselho a este respeito, o teor das prerrogativas conferidas a esta instituição pelo referido n.o 3 não deve ser apreciado por paralelismo com as competências que são lhe atribuídas, em matéria de medidas de execução, a título do artigo 291.o TFUE.

53

Com efeito, como, de resto, o Tribunal de Justiça sublinhou diversas vezes, o poder de adotar esses atos de execução é geralmente atribuído à Comissão, e, nos termos do artigo 291.o, n.o 2, TFUE, apenas pode ser reservado ao Conselho a título excecional, em «casos específicos devidamente justificados» bem como em hipóteses precisas expressamente previstas por esta disposição, que dizem unicamente respeito à política externa e de segurança comum (v., neste sentido, acórdãos Parlamento/Conselho, C‑133/06, EU:C:2008:257, n.o 47 e jurisprudência aí referida, e Comissão/Parlamento e Conselho, C‑88/14, EU:C:2015:499, n.o 30).

54

Portanto, embora o artigo 43.o, n.o 3, TFUE conceda ao Conselho o poder de adotar, nomeadamente, atos de execução no domínio em causa, não é menos verdade que esses atos não se confundem, pura e simplesmente, com os previstos no artigo 291.o, n.o 2, TFUE.

55

Do mesmo modo, não pode ser acolhido o argumento dos recorrentes quanto à utilização, por paralelismo entre o artigo 37.o CE e o artigo 43.o, n.o 2, TFUE, do processo legislativo ordinário previsto por esta última disposição para a totalidade do domínio abrangido, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, por esse artigo 37.o

56

Este último artigo, que servia, antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, de base jurídica para a adoção de toda uma série de atos nos domínios da agricultura e da pesca, autorizava o Conselho, decidindo por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após simples consulta do Parlamento, a adotar os atos destinados a assegurar a execução da PCP.

57

Todavia, a partir daí, esse mesmo artigo foi substituído pelo artigo 43.o, n.os 2 e 3, TFUE. Consequentemente, o paralelo feito pela Comissão entre o artigo 37.o CE e o artigo 43.o, n.o 2, TFUE deve ser apreciado tendo em consideração a articulação entre esta última disposição e o artigo 43.o, n.o 3, TFUE.

58

A este respeito, cabe salientar que os n.os 2 e 3 do artigo 43.o TFUE prosseguem finalidades diferentes e têm um âmbito de aplicação específico, pelo que podem ser utilizados separadamente para servir de fundamento à adoção de determinadas medidas no quadro da PCP, sendo certo que, quando adota atos com fundamento no artigo 43.o, n.o 3, TFUE, o Conselho deve agir no respeito dos limites das suas competências bem como, sendo esse o caso, do quadro jurídico já estabelecido em aplicação do artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

59

Decorre das considerações precedentes que o âmbito de aplicação do n.o 3 do artigo 43.o TFUE é suscetível de cobrir medidas que não se limitem à fixação e à repartição das possibilidades de pesca, desde que essas medidas não impliquem uma escolha política reservada ao legislador da União, em razão do seu caráter necessário para prosseguir objetivos respeitantes às políticas comuns da agricultura e da pesca.

60

Por conseguinte, é à luz destas considerações que se deve verificar se o Conselho podia escolher o artigo 43.o, n.o 3, TFUE como base jurídica para a adoção do regulamento impugnado.

61

No caso vertente, como decorre da Proposta de regulamento COM(2012) 498 final, o regulamento impugnado tem por objetivo alterar o Regulamento n.o 1342/2008 com a finalidade de melhorar e de esclarecer as disposições deste último.

62

Nestas condições, antes de examinar o conteúdo das modificações introduzidas pelo regulamento impugnado, importa recordar o contexto jurídico em que se insere o Regulamento n.o 1342/2008.

63

Como sublinhou o advogado‑geral no n.o 70 das suas conclusões, o objetivo global da PCP é a exploração sustentável dos recursos aquáticos vivos, tendo em conta, de forma equilibrada, aspetos ambientais, económicos e sociais.

64

Para este efeito, de acordo com o artigo 2.o, n.o 1, segundo parágrafo, do regulamento de base, a União aplica a abordagem de precaução aquando da adoção, no âmbito de planos plurianuais, de medidas específicas destinadas a proteger e a conservar os recursos aquáticos vivos, a garantir a sua exploração sustentável e a minimizar o impacto das atividades de pesca nos ecossistemas marinhos.

65

Em particular, por um lado, o artigo 5.o do referido regulamento prevê que o Conselho deve adotar prioritariamente planos plurianuais de recuperação para as pescas que exploram unidades populacionais fora dos limites biológicos seguros, a fim de assegurar a recuperação das unidades populacionais dentro desses limites.

66

Por outro lado, o artigo 6.o do mesmo regulamento autoriza o Conselho a adotar planos plurianuais de gestão para a manutenção dos volumes das unidades populacionais dentro de limites biológicos seguros, quando esses limites tiverem sido atingidos.

67

O Regulamento n.o 1342/2008 inscreve‑se nesse quadro jurídico. Adotado com base no artigo 37.o CE, prevê um amplo leque de medidas de conservação específicas para assegurar a gestão sustentável de certas unidades populacionais de bacalhau.

68

De acordo com o artigo 5.o do referido regulamento, o objetivo do plano de reconstituição que o regulamento prevê é assegurar a exploração sustentável das unidades populacionais de bacalhau com base no rendimento máximo sustentável, mantendo uma certa taxa de mortalidade para os peixes em causa.

69

A fim de alcançar este objetivo, os artigos 6.° a 10.° do Regulamento n.o 1342/2008 preveem regras relativas ao método de fixação anual dos TAC, e os artigos 11.° a 17.° preveem regras relativas às limitações do esforço de pesca anual.

70

Em particular, e para efeitos dos presentes processos, por um lado, o artigo 9.o do referido regulamento estabelece o procedimento especial de fixação dos TAC, quando as regras gerais de fixação dos TAC, previstas nos artigos 7.° e 8.°, não possam ser aplicadas em razão de falta de informações suficientemente precisas e representativas. Por outro lado, o artigo 12.o do mesmo regulamento prevê regras detalhadas para a repartição do esforço de pesca por Estado‑Membro.

71

Ora, como decorre do considerando 3 do regulamento impugnado, a avaliação científica da eficácia do plano relativo ao bacalhau, efetuada pelo Comité Científico, Técnico e Económico da Pesca revelou um certo número de problemas relativamente à conceção e ao funcionamento desse plano. O comité concluiu que era improvável que estes objetivos pudessem ser atingidos no prazo previsto nas conclusões da Cimeira sobre o Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo, 2002), a menos que fossem corrigidas as falhas na conceção do mesmo plano relativo ao bacalhau, nomeadamente no que se refere à aplicação dos artigos 9.° e 12.° do Regulamento n.o 1342/2008.

72

Mais particularmente, no que diz respeito ao referido artigo 9.o, decorre do considerando 4 do regulamento impugnado que a aplicação, entre 2009 e 2012, das reduções anuais automáticas dos TAC de 25% previstas nesse mesmo artigo teve por consequência que, desde a entrada em vigor do plano relativo ao bacalhau, os TAC para as zonas em causa foram significativamente reduzidos, e que novas reduções automáticas poderiam levar ao encerramento efetivo das pescarias de bacalhau nessas zonas.

73

Por conseguinte, o regulamento impugnado reformou significativamente o procedimento especial de fixação anual dos TAC para as unidades populacionais de bacalhau previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 1342/2008, permitindo, em certos casos, como enuncia o considerando 4 do regulamento impugnado, uma maior flexibilidade na determinação e na atribuição das possibilidades de pesca, de forma a ter em conta os pareceres científicos caso a caso. Este mecanismo substitui as reduções automáticas dos TAC, inicialmente previstas pelo Regulamento n.o 1342/2008 na hipótese de uma falta de informações suficientemente precisas e representativas, quando as regras gerais de fixação dos TAC não possam ser aplicadas.

74

No que diz respeito ao artigo 12.o do Regulamento n.o 1342/2008, o considerando 5 do regulamento impugnado menciona uma forte redução do esforço de pesca admissível entre os anos de 2009 e 2012 nas zonas em causa. Segundo este considerando, a continuação da aplicação das reduções automáticas anuais do esforço de pesca não conduziria à consecução dos objetivos do plano relativo ao bacalhau, mas teria um impacto económico e social significativo nos segmentos da frota que utilizam as principais artes que capturam bacalhau mas exercem uma pesca dirigida essencialmente a espécies que não o bacalhau.

75

Por consequência, as regras relativas às limitações do esforço de pesca foram objeto de uma revisão substancial através, nomeadamente, da introdução de um procedimento derrogatório daquele que estava previsto no artigo 12.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1342/2008 para o estabelecimento do esforço de pesca no caso de informações insuficientes.

76

Importa, além disso, sublinhar que tanto o artigo 9.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1342/2008, tal como substituído pelo artigo 1.o, ponto 1), do regulamento impugnado, como o artigo 12.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1342/2008, tal como introduzido pelo artigo 1.o, ponto 2), alínea b), do regulamento impugnado, conferem ao Conselho poder decisório para suspender o ajustamento anual dos TAC ou das limitações do esforço de pesca nas hipóteses mencionadas por essas disposições.

77

Ora, embora seja verdade, como o Conselho sublinhou no considerando 8 do regulamento impugnado a fim de justificar o recurso ao artigo 43.o, n.o 3, TFUE como base jurídica desse regulamento, que as modificações dos artigos 9.° e 12.° do Regulamento n.o 1342/2008 resultantes do artigo 1.o do regulamento impugnado não afetam o objetivo do plano plurianual de reconstituição das unidades populacionais de bacalhau previsto no artigo 5.o do Regulamento n.o 1342/2008, essa circunstância não é, por si só, suficiente para se considerar que essas modificações podiam ser validamente adotadas com fundamento naquela disposição do Tratado FUE.

78

Com efeito, para esse fim, como foi referido no n.o 59 do presente acórdão, cabe verificar se a adoção do regulamento impugnado não implicou uma escolha política reservada ao legislador da União em razão do caráter necessário das modificações em causa para prosseguir os objetivos da PCP, o que teria exigido que essa adoção se tivesse baseado no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

79

No caso vertente, as modificações dos artigos 9.° e 12.° do Regulamento n.o 1342/2008, introduzidas pelo regulamento impugnado e descritas nos n.os 70 a 76 do presente acórdão, não se limitam, contrariamente ao que afirma o Conselho, à fixação e à atribuição efetiva das possibilidades de pesca em circunstâncias específicas e numa base anual, mas destinam‑se a adaptar o mecanismo geral de fixação dos TAC e das limitações do esforço de pesca a fim de eliminar as falhas decorrentes da aplicação das regras anteriores de redução automática, que comprometiam a realização dos objetivos do plano plurianual de reconstituição das unidades populacionais de bacalhau.

80

Por conseguinte, as referidas modificações definem o quadro jurídico em que as possibilidades de pesca são estabelecidas e atribuídas. Assim, decorrem de uma escolha política com impacto a longo prazo no plano plurianual de reconstituição das unidades populacionais de bacalhau.

81

Daqui decorre que as modificações em causa constituem disposições necessárias à prossecução dos objetivos da PCP. Consequentemente, a adoção dessas modificações deveria ter sido regulada pelo processo legislativo previsto no artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

82

Em face de todas as considerações precedentes, deve julgar‑se procedente a primeira parte do fundamento único do Parlamento e o primeiro fundamento da Comissão.

83

Por conseguinte, o regulamento impugnado deve ser anulado, sem que seja necessário examinar a restante fundamentação invocada pelo Parlamento e pela Comissão nos seus recursos.

Quanto ao pedido de manutenção no tempo dos efeitos do regulamento impugnado

84

O Conselho e a Comissão, apoiados pelo Reino de Espanha e a República Francesa, pedem que o Tribunal de Justiça mantenha os efeitos do regulamento impugnado, no caso de o anular. A este respeito, a Comissão precisa que estes efeitos deveriam ser mantidos durante um prazo razoável, que não pode exceder doze meses a contar de 1 de janeiro do ano seguinte à prolação do presente acórdão.

85

Nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos de um regulamento anulado que devem ser considerados subsistentes.

86

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, atendendo a motivos relacionados com a segurança jurídica, os efeitos desse ato podem ser mantidos, nomeadamente, quando os efeitos imediatos da sua anulação originarem consequências negativas graves para as pessoas em causa, e a legalidade do ato impugnado não for contestada devido à sua finalidade ou ao seu conteúdo, mas devido a motivos de incompetência do seu autor ou de violação das formalidades essenciais. Esses motivos incluem, em particular, o erro cometido quanto à base jurídica do ato impugnado (v. acórdão Parlamento e Comissão/Conselho, C‑103/12 e C‑165/12, EU:C:2014:2400, n.o 90 e jurisprudência aí referida).

87

No caso em apreço, há que observar que, nos termos do seu artigo 2.o do regulamento impugnado, este último entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em 21 de dezembro de 2012.

88

Ora, na medida em que o referido regulamento prossegue o objetivo de assegurar a conservação e a exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da PCP, a sua anulação com efeito imediato seria suscetível de originar consequências graves para a realização dessa política e para os operadores económicos.

89

Nestas condições, existem importantes motivos de segurança jurídica que justificam que o Tribunal dê provimento ao pedido de manutenção dos efeitos jurídicos do regulamento impugnado. Por outro lado, há que salientar que nem o Parlamento nem a Comissão contestaram a legalidade deste regulamento em razão da sua finalidade ou do seu conteúdo, pelo que não existem objeções que possam impedir o Tribunal de decretar essa manutenção.

90

Por conseguinte, há que manter os efeitos do mesmo regulamento até à entrada em vigor, num prazo razoável, que não pode exceder doze meses a contar de 1 de janeiro do ano seguinte à prolação do presente acórdão, de um novo regulamento cuja base jurídica seja a adequada, a saber, o artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

Quanto às despesas

91

Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e a Comissão pedido a condenação do Conselho e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia, que intervieram nos presentes litígios, suportarão as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

O Regulamento (UE) n.o 1243/2012 do Conselho, de 19 de dezembro de 2012, que altera o Regulamento (CE) n.o 1342/2008, que estabelece um plano a longo prazo para as unidades populacionais de bacalhau e para as pescas que exploram essas unidades populacionais, é anulado.

 

2)

Os efeitos do Regulamento n.o 1243/2012 são mantidos até à entrada em vigor, num prazo razoável, que não pode exceder doze meses a contar de 1 de janeiro do ano seguinte à prolação do presente acórdão, de um novo regulamento cuja base jurídica seja a adequada, a saber, o artigo 43.o, n.o 2, TFUE.

 

3)

O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.

 

4)

O Reino de Espanha, a República Francesa e a República da Polónia suportarão as suas próprias despesas

 

Assinaturas


( * )   Língua do processo: inglês.