ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

17 de setembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Antidumping — Regulamento (CE) n.o 661/2008 — Direito antidumping definitivo sobre as importações de nitrato de amónio originário da Rússia — Condições de isenção — Artigo 3.o, n.o 1 — Primeiro cliente independente na União — Aquisição por uma empresa intermediária do adubo à base de nitrato de amónio — Autorização de saída das mercadorias — Pedido de anulação das declarações aduaneiras — Decisão 2008/577/CE — Código aduaneiro — Artigos 66.° e 220.° — Erro — Regulamento (CEE) n.o 2454/93 — Artigo 251.o — Controlo a posteriori»

No processo C‑3/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Tartu ringkonnakohus (Estónia), por decisão de 27 de dezembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de janeiro de 2013, no processo

Baltic Agro AS

contra

Maksu‑ ja Tolliameti Ida maksu‑ ja tollikeskus,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh (relator), C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo estónio, por M. Linntam e N. Grünberg, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho da União Europeia, por S. Boelaert e M. Remmelgas, na qualidade de agentes, assistidas por B. Byrne, solicitor, e G. Berrisch, Rechtsanwalt,

em representação da Comissão Europeia, por A. Stobiecka‑Kuik, E. Randvere e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de abril de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação e a validade do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO L 363, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 312/2009 da Comissão, de 16 de abril de 2009 (JO L 98, p. 3, a seguir «Regulamento n.o 2454/93»), bem como a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 661/2008 do Conselho, de 8 de julho de 2008, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de nitrato de amónio originário da Rússia na sequência de um reexame da caducidade em conformidade com o n.o 2 do artigo 11.o e de um reexame intercalar parcial em conformidade com o n.o 3 do artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 384/96 (JO L 185, p. 1, e retificação no JO 2009, L 339, p. 59), da Decisão 2008/577/CE da Comissão, de 4 de julho de 2008, que aceita os compromissos oferecidos no âmbito do processo antidumping relativo às importações de nitrato de amónio originário da Rússia e da Ucrânia (JO L 185, p. 43, e retificação no JO 2009, L 339, p. 59), do artigo 28.o TFUE, do artigo 31.o TFUE e do artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Baltic Agro AS (a seguir «Baltic Agro») ao Maksu‑ ja Tolliameti Ida maksu‑ ja tollikeskus (Autoridade Fiscal e Aduaneira — Centro Fiscal e Aduaneiro Este, a seguir «MTA») a respeito dos direitos antidumping e do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») que incidem sobre as importações de nitrato de amónio proveniente da Rússia, que lhe foram cobrados na sequência de um controlo a posteriori.

Quadro jurídico

Código aduaneiro

3

O artigo 66.o do código aduaneiro dispõe:

«1.   A pedido do declarante, as autoridades aduaneiras anularão uma declaração já aceite quando o declarante provar que a mercadoria foi erradamente declarada para o regime aduaneiro correspondente a essa declaração ou quando, na sequência de circunstâncias especiais, já não se justifica a sujeição da mercadoria ao regime aduaneiro para o qual foi declarada.

Não obstante, quando as autoridades aduaneiras tiverem informado o declarante da intenção de procederem a uma verificação das mercadorias, o pedido de anulação de declaração só pode ser admitido após a realização dessa verificação.

2.   A declaração não pode ser anulada após a autorização de saída das mercadorias, salvo nos casos definidos em conformidade com o procedimento do comité.

3.   A anulação de declaração não produz quaisquer efeitos sobre a aplicação das disposições repressivas em vigor.»

4

O artigo 220.o, n.o 2, deste código prevê:

«Exceto nos casos referidos no segundo e terceiro parágrafos do n.o 1 do artigo 217.o, não se efetuará um registo de liquidação a posteriori quando:

[…]

b)

O registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efetuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detetado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa‑fé e observado todas as disposições previstas na regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira.

[…]»

Regulamento n.o 2454/93

5

O artigo 251.o do Regulamento n.o 2454/93 tem a seguinte redação:

«Em derrogação do disposto no n.o 2 do artigo 66.o do [código aduaneiro], a declaração pode ser anulada, após a concessão da autorização de saída, nas seguintes condições:

1)

Quando se verificar que as mercadorias foram erradamente declaradas para um regime aduaneiro que obriga ao pagamento dos direitos de importação em vez de terem sido sujeitas a um outro regime aduaneiro, as autoridades aduaneiras anularão a declaração se o pedido for apresentado num prazo de três meses a contar da data de aceitação da declaração, desde que as mercadorias:

não tenham sido utilizadas em condições diferentes das previstas pelo regime aduaneiro ao qual elas deveriam ter sido sujeitas,

se destinassem, no momento em que foram declaradas, a ser sujeitas a um outro regime aduaneiro relativamente ao qual preenchiam todas as condições requeridas,

e

sejam imediatamente declaradas para o regime aduaneiro a que, de facto, se destinavam.

A declaração de sujeição das mercadorias a este último regime aduaneiro produz efeitos a partir da data de aceitação da declaração anulada.

Em casos excecionais, devidamente justificados, as autoridades aduaneiras podem autorizar que o referido prazo seja excedido.

[…]»

Regulamento n.o 661/2008

6

Os considerandos 159 e 161 do Regulamento n.o 661/2008 têm a seguinte redação:

«(159)

Para auxiliar a Comissão e as autoridades aduaneiras a controlarem eficazmente o cumprimento dos compromissos por parte das empresas, aquando da apresentação do pedido de introdução em livre prática à autoridade aduaneira pertinente, a isenção do direito antidumping fica subordinada: i) à apresentação de uma fatura do compromisso, ou seja, uma fatura comercial que contenha, pelo menos, os elementos enumerados e a declaração estipulada no anexo; ii) ao facto de as mercadorias importadas serem produzidas, expedidas e faturadas diretamente pelas referidas empresas ao primeiro cliente independente na Comunidade; e iii) ao facto de as mercadorias declaradas e apresentadas às autoridades aduaneiras corresponderem exatamente à descrição que figura na fatura do compromisso. Se as condições supramencionadas não forem cumpridas, o direito antidumping adequado é devido aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática.

[…]

(161)

Os importadores devem ter em conta que poderá constituir‑se uma dívida aduaneira aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática, enquanto risco comercial normal, como referido nos considerandos 159 e 160, mesmo que a Comissão tenha aceite um compromisso oferecido pelo produtor a quem fazem, direta ou indiretamente, as suas aquisições.»

7

Os artigos 1.° e 2.° do Regulamento n.o 661/2008 impõem direitos antidumping definitivos de diferentes montantes sobre a importação de nitrato de amónio e de certos adubos e de outros produtos originários da Rússia que contêm nitrato de amónio.

8

O artigo 3.o, n.os 1 e 2, deste regulamento tem a seguinte redação:

«1.   As mercadorias importadas declaradas para introdução em livre prática que tenham sido faturadas por empresas cujos compromissos tenham sido aceites pela Comissão e cujas firmas constem da Decisão 2008/577/CE, tal como posteriormente alterada, ficam isentas do direito antidumping instituído pelo artigo 2.o, se:

tiverem sido produzidas, expedidas e faturadas diretamente pelas referidas empresas ao primeiro cliente independente na Comunidade, e

essas mercadorias importadas forem acompanhadas por uma fatura do compromisso, ou seja, uma fatura comercial que contenha, pelo menos, os elementos e a declaração estipulados no anexo do presente regulamento, e

as mercadorias declaradas e apresentadas às autoridades aduaneiras corresponderem exatamente à descrição que figura na fatura do compromisso.

2.   É constituída uma dívida aduaneira aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática:

sempre que se determine, em relação às mercadorias descritas no n.o 1, que pelo menos uma das condições previstas nesse número não é respeitada, ou

[…]»

Decisão 2008/577

9

O considerando 21 da Decisão 2008/577 estabelece:

«Para que a Comissão possa fiscalizar eficazmente o cumprimento dos compromissos por parte das empresas, quando for apresentado à autoridade aduaneira competente o pedido de introdução em livre prática, a isenção do direito antidumping estará subordinada: i) à apresentação de uma fatura do compromisso contendo, pelo menos, as informações enumeradas no anexo do Regulamento (CE) n.o 661/2008 e no anexo do Regulamento (CE) n.o 662/2008 do Conselho […], ii) ao facto de as mercadorias importadas serem produzidas, expedidas e faturadas diretamente pelas referidas empresas ao primeiro cliente independente na Comunidade, e iii) ao facto de as mercadorias declaradas e apresentadas às autoridades aduaneiras corresponderem exatamente à descrição que figura na fatura do compromisso. Se a referida fatura não for apresentada, ou se não corresponder ao produto apresentado às autoridades aduaneiras, deverá ser paga a taxa do direito antidumping adequada.»

10

Através desta decisão, a Comissão Europeia aceitou os compromissos de preços oferecidos, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 384/96 do Conselho, de 22 de dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), pelos produtores‑exportadores de nitrato de amónio russos «JSC Acron [a seguir ‘Acron’], Veliky Novgorod, Rússia, e JSC Dorogobuzh, Dorogobuzh, Rússia, que pertencem à holding‘Acron’».

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11

Em outubro de 2009 e janeiro de 2010, a Baltic Agro, com sede na Estónia, comprou 5000 toneladas de adubos à base de nitrato de amónio, recorrendo à intermediação de uma empresa estónia, a Magnet Grupp OÜ (a seguir «Magnet Grupp»). Para o efeito, foram celebrados diversos contratos de compra entre a Acron e a Magnet Grupp, por um lado, e entre a Magnet Grupp e a Baltic Agro, por outro. Através destes contratos, a Acron vendeu à Magnet Grupp 10000 toneladas de adubos à base de nitrato de amónio e a Baltic Agrou comprou à Magnet Grupp 5000 toneladas dessa mercadoria. De acordo com os seus contratos, a Baltic Agro comprometeu‑se a cumprir as formalidades aduaneiras relacionadas com a mercadoria e a liquidar o IVA.

12

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em janeiro e fevereiro de 2010, dois despachantes apresentaram cinco declarações aduaneiras que tinham por objeto a declaração de importação de 1751,5 toneladas de adubos à base de nitrato de amónio. Estas declarações indicavam a Baltic Agro como destinatária das mercadorias importadas e a Acron como expedidora, relativamente a duas delas, e, relativamente às outras três, a Ventoil SAI, uma empresa de transporte letã.

13

Em 1 de março e 23 de abril de 2010, os referidos despachantes pediram ao MTA a anulação destas declarações, uma vez que indicavam a Baltic Agro e não a Magnet Grupp como destinatária da mercadoria.

14

Em 3 de março de 2010, o MTA efetuou um controlo a posteriori das cinco declarações aduaneiras, a fim de determinar se o valor aduaneiro das mercadorias importadas, o cálculo e o pagamento dos direitos aduaneiros à importação estavam corretos.

15

Em 31 de maio de 2010, com base no controlo a posteriori, o MTA adotou dois avisos de liquidação que impuseram à Baltic Agro o pagamento dos direitos aduaneiros e do IVA respeitantes às mercadorias importadas, com o fundamento de que não estavam preenchidas as condições de isenção dos direitos antidumping referidas no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008, ou seja, a Baltic Agro não era o primeiro cliente independente na União Europeia.

16

A Baltic Agro interpôs um recurso de anulação dos referidos avisos no Tartu halduskohus (Tribunal Administrativo de Tartu), alegando que o facto de ter recorrido à intermediação de uma empresa, neste caso, a Magnet Grupp, para as importações em causa era irrelevante do ponto de vista fiscal.

17

Em 25 de abril de 2011, o Tartu halduskohus negou provimento ao recurso, por considerar que a Baltic Agro não podia beneficiar da isenção prevista no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008, uma vez que não tinha adquirido as mercadorias importadas diretamente ao produtor.

18

Em 25 de maio de 2011, a Baltic Agro interpôs recurso para a Tartu ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Tartu), pedindo a anulação dessa decisão.

19

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a Baltic Agro, não sendo o primeiro cliente independente na União, pode requerer a isenção dos direitos antidumping prevista no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008. A este respeito, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se, para beneficiar desta isenção, o primeiro cliente e o importador devem sempre ser as mesmas pessoas.

20

O referido órgão jurisdicional questiona‑se igualmente sobre as consequências de uma declaração aduaneira errada. Interroga‑se, a este respeito, sobre se o facto de a autoridade aduaneira, depois de a recorrente no processo principal ter apresentado um pedido de anulação das referidas declarações, ter aceitado as declarações ou ter efetuado um controlo a posteriori não revela a existência de um erro por parte dessa autoridade que confira à recorrente a possibilidade de beneficiar do procedimento previsto no artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro, que permite a anulação das declarações como as que estão em causa no processo principal.

21

Por último, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o recurso à intermediação de uma empresa como a Magnet Grupp para importar mercadorias na União não constitui um tratamento desigual perante a lei, uma vez que um importador que não recorre a essa intermediação beneficia da isenção dos direitos antidumping previstos no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esse tratamento não é proporcionado e cria uma desigualdade entre dois importadores que se encontram na mesma situação, o que contraria o direito da União, designadamente o artigo 20.o da Carta.

22

Nestas condições, a Tartu ringkonnakohus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 […] ser interpretado no sentido de que o importador e o primeiro cliente independente na [União] têm de ser sempre uma e a mesma pessoa?

2)

Deve o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 […], em conjugação com a Decisão n.o 2008/577 […], ser interpretado no sentido de que a isenção do direito antidumping só é concedida a esse primeiro cliente independente na [União] se o mesmo não revender a mercadoria antes de apresentar a respetiva declaração?

3)

Deve o artigo 66.o do [código aduaneiro], em conjugação com o artigo 251.o do Regulamento n.o 2454/93 […] e com as demais disposições processuais relativas a alterações a posteriori da declaração aduaneira, ser interpretado no sentido de que, se, no momento da importação de uma mercadoria, for erradamente indicado um destinatário na declaração, deve ser possível anular a declaração e corrigir a identificação do destinatário, a pedido do interessado, mesmo após a autorização de saída das mercadorias, nos casos em que com a identificação correta do destinatário a isenção prevista no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 teria de ser concedida, ou deve o artigo 220.o, n.o 2, [...] do [código aduaneiro], nestas circunstâncias, ser interpretado no sentido de que as autoridades aduaneiras não podem proceder ao registo de liquidação a posteriori?

4)

Em caso de resposta negativa a ambas as alternativas da [terceira] questão, é compatível com o artigo 20.o da Carta […], em conjugação com os artigos 28.°, n.o 1, [TFUE] e 31.° [TFUE], que o artigo 66.o do [código aduaneiro], em conjugação com o artigo 251.o do Regulamento n.o 2454/93 […] e com as demais disposições processuais relativas a alterações subsequentes da declaração aduaneira, não permita a anulação da declaração e a correção da identificação do destinatário, a pedido do interessado, após a autorização de saída das mercadorias, nos casos em que com a identificação correta do destinatário a isenção dos direitos aduaneiros prevista no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 […] teria de ser concedida?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

23

Através da primeira e segunda questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade estabelecida num Estado‑Membro, que comprou nitrato de amónio de origem russa, por intermédio de outra sociedade também estabelecida num Estado‑Membro, com vista à sua importação na União, pode ser considerada o primeiro cliente independente na União, na aceção desta disposição, e pode, deste modo, beneficiar da isenção do direito antidumping definitivo instituído por este regulamento para este nitrato de amónio.

24

Há que começar por salientar que a isenção dos direitos antidumping só pode ser concedida sob certas condições, em casos especificamente previstos, pelo que constitui uma exceção ao regime normal dos direitos antidumping. As disposições que preveem esta isenção devem, assim, ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, acórdãos Söhl & Söhlke, C‑48/98, EU:C:1999:548, n.o 52, e Isaac International, C‑371/09, EU:C:2010:458, n.o 42).

25

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008, as mercadorias importadas aceites pela Comissão podem ser isentas do direito antidumping desde que cumpram as condições cumulativas previstas no referido artigo 3.o Em primeiro lugar, as mercadorias importadas devem ter sido produzidas, expedidas e faturadas diretamente pelas sociedades exportadoras ao primeiro cliente independente na União. A este respeito, o artigo 3.o, n.o 1, primeiro travessão, deste regulamento exige expressamente, através da utilização da expressão «diretamente», uma relação estreita entre, por um lado, a sociedade responsável pela produção, pela expedição e pela faturação da mercadoria importada e, por outro, o primeiro cliente independente na União.

26

Em segundo lugar, as mercadorias importadas que podem beneficiar dessa isenção devem ser acompanhadas por uma fatura do compromisso, ou seja, uma fatura comercial que contenha, pelo menos, os elementos e a declaração estipulados no anexo do Regulamento n.o 661/2008.

27

Em terceiro lugar, as mercadorias declaradas e apresentadas às autoridades aduaneiras devem corresponder exatamente à descrição que figura na fatura do compromisso e preencher, deste modo, as exigências mencionadas no número anterior.

28

Por outro lado, o artigo 3.o, n.o 2, do referido regulamento especifica que é constituída uma dívida aduaneira aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática sempre que se determine que as mercadorias referidas no n.o 1 deste artigo não respeitam pelo menos uma das condições previstas no mesmo n.o 1.

29

O artigo 3.o do Regulamento n.o 661/2008 deve ser lido à luz do considerando 159 do mesmo regulamento, que prevê que a isenção do direito antidumping fica subordinada às condições enumeradas nesse artigo, para auxiliar a Comissão e as autoridades aduaneiras a controlarem eficazmente o cumprimento dos compromissos por parte das empresas, aquando da apresentação do pedido de introdução em livre prática à autoridade aduaneira pertinente. Deste modo, se estas condições não forem cumpridas, o direito antidumping adequado é devido aquando da aceitação da declaração de introdução em livre prática.

30

Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 33 das suas conclusões, são as considerações associadas ao controlo, tanto pela Comissão como pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, da execução dos compromissos subscritos que justificam as condições referidas no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008, lidas em conjugação com o referido considerando.

31

Ora, como resulta do pedido de decisão prejudicial, afigura‑se que as mercadorias em causa no processo principal não foram faturadas e expedidas diretamente pela Acron à Baltic Agro, uma vez que esta última, por um lado, não comprou as mercadorias diretamente à Acron, que é a empresa cujo compromisso foi aceite pela Comissão através do Regulamento n.o 661/2008, e, por outro, só comprou uma parte das mercadorias vendidas pela Acron à Magnet Grupp, apesar de figurar como destinatária de todas as mercadorias vendidas pela Acron nas declarações aduaneiras. Nestas circunstâncias, não pode considerar‑se que a primeira condição prevista no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 esteja preenchida, pelo que não é aplicável a isenção do direito antidumping instituído por este regulamento.

32

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões prejudiciais submetidas que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008 deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade estabelecida num Estado‑Membro, que comprou nitrato de amónio de origem russa por intermédio de outra sociedade também estabelecida num Estado‑Membro, com vista à sua importação na União, não pode ser considerada o primeiro cliente independente na União, na aceção desta disposição, e não pode, deste modo, beneficiar da isenção do direito antidumping definitivo instituído por este regulamento para este nitrato de amónio.

Quanto à terceira questão

33

Através da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 66.° e 220.°, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma autoridade aduaneira proceda ao registo de liquidação a posteriori de um direito antidumping quando, como nas circunstâncias do processo principal, foram apresentados pedidos de anulação das declarações aduaneiras com o fundamento de que a indicação do destinatário que nelas figurava estava errada, e esta autoridade aceitou as declarações ou efetuou um controlo depois de ter recebido os referidos pedidos.

34

Há que recordar, em primeiro lugar, que o artigo 66.o do código aduaneiro prevê que um pedido de anulação pode ser aceite quando o declarante provar que a mercadoria foi erradamente declarada para o regime aduaneiro correspondente a essa declaração ou que já não se justifica a sujeição da mercadoria ao regime aduaneiro para o qual foi declarada. Segundo esse mesmo artigo, a referida declaração não pode ser anulada após a autorização de saída das mercadorias, salvo nos casos expressamente previstos, designadamente, no artigo 251.o do Regulamento n.o 2454/93.

35

Em segundo lugar, o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do referido código especifica que não é efetuado um registo de liquidação a posteriori dos direitos resultantes de uma dívida aduaneira quando o registo da liquidação do montante dos direitos legalmente devidos não tiver sido efetuado em consequência de um erro das próprias autoridades aduaneiras, que não podia ser razoavelmente detetado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa‑fé.

36

Ora, no caso em apreço, não resulta de nenhum elemento dos autos que, nas circunstâncias do processo principal, os artigos 66.° e 220.°, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro sejam aplicáveis.

37

Com efeito, no que respeita ao artigo 66.o do código aduaneiro, afigura‑se que a Baltic Agro não sustentou, nem sequer alegou, que a mercadoria foi erradamente declarada para o regime aduaneiro correspondente às declarações em causa no processo principal. Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, o artigo 66.o do código aduaneiro não é aplicável em tais circunstâncias.

38

No que respeita ao artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do referido código, há que salientar que, no processo principal, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça permite concluir que o facto de o despachante ter indicado a Baltic Agro como destinatária nas suas declarações aduaneiras, ou de terem sido aceites ou de ter sido efetuado um controlo de tais declarações depois de ter sido apresentado um pedido de anulação destas últimas, constituiu um erro por parte da autoridade aduaneira.

39

Em todo o caso, mesmo no pressuposto de que estes elementos constituíram um erro que permite a anulação das declarações aduaneiras em causa no processo principal, há que salientar que tais circunstâncias não permitem à Baltic Agro beneficiar da isenção do direito antidumping instituído pelo Regulamento n.o 661/2008, uma vez que, como resulta do n.o 31 do presente acórdão, esta empresa continua a não preencher as condições previstas no artigo 3.o deste regulamento para ser considerada o primeiro cliente independente na União.

40

Nestas condições, há que responder à terceira questão que os artigos 66.° e 220.°, n.o 2, alínea b), do código aduaneiro devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma autoridade aduaneira proceda ao registo de liquidação a posteriori de um direito antidumping quando, como nas circunstâncias do processo principal, foram apresentados pedidos de anulação das declarações aduaneiras com o fundamento de que a indicação do destinatário que nelas figurava estava errada, e esta autoridade aceitou as declarações ou efetuou um controlo depois de ter recebido os referidos pedidos.

Quanto à quarta questão

41

Através da quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 66.o do código aduaneiro e o artigo 251.o do Regulamento n.o 2454/93 são compatíveis com o direito fundamental da igualdade perante a lei, consagrado no artigo 20.o da Carta, no caso de, no âmbito da pauta aduaneira comum prevista nos artigos 28.° TFUE e 31.° TFUE, as referidas disposições do código aduaneiro e do Regulamento n.o 2454/93 não permitirem anular, a pedido do interessado, uma declaração aduaneira errada, nem conceder ao destinatário, em consequência, o benefício da isenção do direito antidumping a que teria direito se este erro não tivesse sido cometido.

42

A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que, se as disposições do código aduaneiro e do Regulamento n.o 661/2008 em causa no processo principal não permitirem anular a declaração aduaneira para corrigir o destinatário das mercadorias em causa e impedirem, deste modo, a Magnet Grupp de beneficiar da isenção do direito antidumping a que poderia ter tido direito caso esse erro não existisse, se suscita a questão de uma violação do direito fundamental da igualdade perante a lei, uma vez que as duas empresas em causa no processo principal, que se encontram essencialmente na mesma situação, não são tratadas da mesma maneira.

43

Ora, como se declarou no n.o 38 do presente acórdão, não está em causa no processo principal nenhum erro que permita a anulação das declarações aduaneiras. Assim, importa recordar, a este respeito, que o declarante tem o dever de fornecer informações exatas numa declaração aduaneira. Esse dever mais não é do que o corolário do princípio da irrevogabilidade da declaração aduaneira uma vez aceite, princípio cujas exceções são estritamente enquadradas pela regulamentação da União na matéria (acórdão DP grup, C‑138/10, EU:C:2011:587, n.os 39 a 41).

44

Impõe‑se igualmente assinalar que uma empresa que respeitou as exigências do artigo 3.o do Regulamento n.o 661/2008 e que preencheu corretamente uma declaração aduaneira para poder beneficiar de uma isenção do direito antidumping não está numa situação comparável à de uma empresa que não preencheu estas exigências.

45

Além disso, como se constatou nos n.os 31 e 39 do presente acórdão, mesmo que as declarações aduaneiras em causa no processo principal tivessem sido preenchidas corretamente, a Baltic Agro não teria tido direito à isenção do direito antidumping, uma vez que, em todo o caso, não preencheria as exigências do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 661/2008.

46

Por conseguinte, há que responder à quarta questão que o artigo 66.o do código aduaneiro e o artigo 251.o do Regulamento n.o 2454/93 são compatíveis com o direito fundamental da igualdade perante a lei, consagrado no artigo 20.o da Carta, no caso de, no âmbito da pauta aduaneira comum prevista nos artigos 28.° TFUE e 31.° TFUE, as referidas disposições do código aduaneiro e do Regulamento n.o 2454/93 não permitirem anular, a pedido do interessado, uma declaração aduaneira errada, nem conceder ao destinatário, em consequência, o benefício da isenção do direito antidumping a que teria direito se este erro não tivesse sido cometido.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 661/2008 do Conselho, de 8 de julho de 2008, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de nitrato de amónio originário da Rússia na sequência de um reexame da caducidade em conformidade com o n.o 2 do artigo 11.o e de um reexame intercalar parcial em conformidade com o n.o 3 do artigo 11.o do Regulamento (CE) n.o 384/96, deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade estabelecida num Estado‑Membro, que comprou nitrato de amónio de origem russa por intermédio de outra sociedade também estabelecida num Estado‑Membro, com vista à sua importação na União Europeia, não pode ser considerada o primeiro cliente independente na União Europeia, na aceção desta disposição, e não pode, deste modo, beneficiar da isenção do direito antidumping definitivo instituído pelo Regulamento n.o 661/2008 para este nitrato de amónio.

 

2)

Os artigos 66.° e 220.°, n.o 2, alínea b), do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que uma autoridade aduaneira proceda ao registo de liquidação a posteriori de um direito antidumping quando, como nas circunstâncias do processo principal, foram apresentados pedidos de anulação das declarações aduaneiras com o fundamento de que a indicação do destinatário que nelas figurava estava errada, e esta autoridade aceitou as declarações ou efetuou um controlo depois de ter recebido os referidos pedidos.

 

3)

O artigo 66.o do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1791/2006, e o artigo 251.o do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 312/2009 da Comissão, de 16 de abril de 2009, são compatíveis com o direito fundamental da igualdade perante a lei, consagrado no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no caso de, no âmbito da pauta aduaneira comum prevista nos artigos 28.° TFUE e 31.° TFUE, as referidas disposições do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1791/2006, e do Regulamento n.o 2454/93, conforme alterado pelo Regulamento n.o 312/2009, não permitirem anular, a pedido do interessado, uma declaração aduaneira errada, nem conceder ao destinatário, em consequência, o benefício da isenção do direito antidumping a que teria direito se este erro não tivesse sido cometido.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: estónio.