PAOLO MENGOZZI
apresentadas em 16 de outubro de 2014 ( 1 )
Processo C‑647/13
Office national de l’emploi
contra
Marie‑Rose Melchior
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour du travail de Bruxelles (Bélgica)]
«Acesso aos subsídios de desemprego num Estado‑Membro — Tomada em conta dos períodos de trabalho efetuados como agente contratual ao serviço de uma instituição da União — Equiparação do período de desemprego nas instituições europeias a um período de trabalho — Princípio da cooperação leal»
1. |
O pedido de decisão prejudicial objeto do presente processo respeita à interpretação do princípio da cooperação leal e do artigo 34.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M.‑R. Melchior ao Office national de l’emploi (Serviço nacional de emprego, a seguir «ONEM») relativamente à recusa de este último lhe conceder o subsídio de desemprego. |
I — Quadro jurídico
A — Direito da União
2. |
Nos termos do artigo 96.o, n.o 1, do Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (a seguir «ROA»), um ex‑agente contratual que esteja em situação de desemprego após a cessação das suas funções numa instituição da União, beneficia, em determinadas condições, de um subsídio de desemprego mensal. O segundo parágrafo do mesmo n.o 1 dispõe que, se tiver direito a um subsídio de desemprego por força de um regime nacional, o ex‑agente contratual será obrigado a declarar esse facto à instituição em que exercia funções. Nesse caso, o montante desse subsídio será deduzido do montante pago pela União. |
3. |
Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo, para beneficiar do referido subsídio, o ex‑agente contratual deve, designadamente, estar inscrito como pessoa à procura de emprego nos serviços de emprego do Estado‑Membro onde fixe a sua residência e preencher as obrigações previstas na legislação desse Estado‑Membro para os beneficiários de prestações de desemprego ao abrigo dessa legislação. O n.o 4 precisa que o período durante o qual o subsídio de desemprego será pago não pode exceder 36 meses a partir da data da cessação das suas funções, e não pode, em caso algum, exceder um terço da duração do serviço cumprido. O pagamento pode ser suspenso se, durante esse período, o ex‑agente contratual deixar de reunir as condições previstas nos n.os 1 e 2. O subsídio será novamente pago se, antes do termo desse período, o ex‑agente contratual voltar a reunir as referidas condições sem ter adquirido o direito a um subsídio de desemprego nacional. |
4. |
Nos termos do artigo 96.o, n.o 7, os agentes contratuais contribuirão com um terço do financiamento para o regime de seguro de desemprego. Essa contribuição será deduzida mensalmente do vencimento do agente em questão e paga, juntamente com os dois terços a cargo da instituição, a um Fundo Especial de Desemprego comum às instituições e gerido pela Comissão Europeia. |
5. |
Em conformidade com o n.o 9 do mesmo artigo, «[o]s serviços nacionais competentes em matéria de emprego e de desemprego, que atuam no âmbito da respetiva legislação nacional, e a Comissão, assegurarão uma cooperação eficaz para a correta aplicação do presente artigo». |
B — Direito nacional
6. |
O Decreto Real de 25 de novembro de 1991, que regula o desemprego (arrêté royal, du 25 novembre 1991, portant réglementation du chômage; Moniteur belge de 31 de dezembro de 1991, p. 29888, a seguir «decreto real»), na versão aplicável à data dos factos do litígio no processo principal, dispõe, no seu artigo 30.o, que, para beneficiar de subsídio de desemprego, o trabalhador a tempo inteiro com mais de 50 anos deve cumprir um período de 624 dias de trabalho durante os 36 meses anteriores ao pedido de subsídio. |
7. |
Nos termos do artigo 37.o, n.o 1, do decreto real: «[…] são tidos em consideração, como prestações de trabalho, o trabalho efetivo normal e as prestações suplementares sem repouso compensatório, efetuadas numa profissão ou numa empresa sujeitas à segurança social, setor do desemprego, para as quais simultaneamente: […]
[…]» |
8. |
O artigo 37.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do decreto real dispõe: «O trabalho efetuado no estrangeiro é tido em conta se o tiver sido num emprego que, na Bélgica, daria lugar a descontos para a segurança social, incluindo os descontos para o setor do desemprego. Contudo, o primeiro parágrafo só é aplicável se o trabalhador, após o trabalho efetuado no estrangeiro, tiver cumprido períodos de trabalho por conta de outrem nos termos da regulamentação belga.» Segundo o artigo 38.o, n.o 1, ponto 1, alínea a), do decreto real, são equiparados a dias de trabalho, para efeitos da aplicação dos artigos 30.° e seguintes do mesmo decreto, os dias que tenham dado lugar ao pagamento de um subsídio nos termos da legislação relativa ao seguro de desemprego. |
II — Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial
9. |
Decorre da decisão de reenvio que M.‑R. Melchior, de nacionalidade belga, teve vários empregos na qualidade de trabalhadora por conta de outrem na Bélgica antes de trabalhar na Comissão, em Bruxelas, entre 1 de março de 2005 e 29 de fevereiro de 2008, na qualidade de agente contratual. |
10. |
Por decisão de 5 de março de 2008, o ONEM recusou o subsídio de desemprego que M.‑R. Melchior tinha requerido em 1 de março de 2008, com o fundamento de que esta não tinha feito prova de ter cumprido 624 dias de trabalho durante os 36 meses anteriores ao seu pedido, não tendo este organismo tomado em conta o período durante o qual a interessada trabalhou na Comissão. Contudo, alargou o período de referência para abranger a duração dessa ocupação. |
11. |
Depois de ter obtido o subsídio de desemprego previsto pelo ROA durante um período de 12 meses, a partir de 1 de março de 2008, e de ter ocupado diversos empregos na Bélgica entre 20 de agosto de 2008 e 13 de julho de 2009, M.‑R. Melchior apresentou, em 14 de julho de 2009, um novo pedido de subsídio de desemprego que foi indeferido pelo ONEM em 26 de agosto de 2009 com fundamento, mais uma vez, na circunstância de não ter provado o cumprimento de 624 dias de trabalho durante os 36 meses anteriores ao referido pedido, a saber, no período compreendido entre 14 de julho de 2006 e 13 de julho de 2009. No seu cálculo, o ONEM recusou‑se, por um lado, a tomar em conta o período de atividade ao serviço da Comissão e, por outro, a equiparar, com base no artigo 38.o, n.o 1, ponto 1, alínea a), do decreto real, o período de desemprego em que foi recebido subsídio ao abrigo do RAO a um período de trabalho. |
12. |
M.‑R. Melchior impugnou a decisão do ONEM de 26 de agosto de 2009 no tribunal du travail de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de Bruxelas) que, por sentença de 14 de fevereiro de 2012, anulou a referida decisão, declarou que a interessada tinha direito ao subsídio de desemprego a partir de 14 de julho de 2009 e condenou o ONEM no pagamento dos subsídios vencidos a partir dessa data. |
13. |
O ONEM interpôs recurso desta sentença na cour du travail de Bruxelles (Tribunal Superior do Trabalho de Bruxelas), pedindo a revogação da sentença e a repristinação da decisão de 26 de agosto de 2009. Por ter dúvidas quanto à compatibilidade dos artigos 37.° e 38.°, n.o 1, ponto 1, alínea a), do decreto real com o direito da União, esse órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O princípio da cooperação leal e o artigo 4.o, n.o 3, TUE, por um lado, e o artigo 34.o, n.o 1, da [Carta], por outro, opõem‑se a que, para a admissibilidade ao subsídio de desemprego, um Estado‑Membro recuse:
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III — Análise
A — Observações preliminares
14. |
A título preliminar, importa, por um lado, apurar se a situação da recorrente se insere no âmbito de aplicação das disposições do direito primário ou derivado em matéria de livre circulação dos trabalhadores e, por outro, tomar posição quanto à argumentação apresentada pela Comissão nas suas observações, relativa à natureza regulamentar do ROA e à sua aplicação direta aos factos do processo principal. |
1. Quanto à aplicação do direito primário ou do direito derivado em matéria de livre circulação dos trabalhadores à situação da recorrente no processo principal
15. |
Segundo jurisprudência constante, um funcionário da União Europeia — ao qual deve ser equiparado um agente contratual abrangido pelo ROA — tem a qualidade de trabalhador na aceção do artigo 45.o, n.o 1, TFUE, desde que tenha exercido o seu direito de livre circulação ( 2 ). A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que o período de atividade cumprido num serviço público internacional, como o da União Europeia, não pode ser equiparado a um período de trabalho cumprido no serviço público de outro Estado‑Membro e não é, consequentemente, suscetível de estabelecer, por si só, um vínculo com uma das situações previstas na referida disposição do Tratado ( 3 ). |
16. |
No caso em apreço, é ponto assente que M.‑R. Melchior residiu e trabalhou sempre na Bélgica, primeiro em empresas privadas, depois na Comissão e, por fim, novamente no setor privado. Como ela própria reconhece, nunca adquiriu, durante a sua vida profissional, a qualidade de trabalhadora migrante. Consequentemente, a sua situação, que é puramente interna, não entra no âmbito de aplicação do artigo 45.o, n.o 1, TFUE ( 4 ). |
17. |
Por outro lado, como o órgão jurisdicional de reenvio corretamente observou, a situação de M.‑R. Melchior durante o período em que esteve empregada na Comissão também não entra no âmbito de aplicação do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 ( 5 ), adotado com base no artigo 42.o CE (atual artigo 48.o TFUE) e que visa coordenar as legislações dos Estados‑Membros em matéria de segurança social, para dar execução à livre circulação dos trabalhadores. Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou, a este respeito, que «os funcionários [da União] não podem ser considerados trabalhadores na aceção do Regulamento n.o 1408/71, uma vez que não estão sujeitos a uma legislação nacional em matéria de segurança social, como exige o artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento, que define o âmbito de aplicação pessoal deste último» ( 6 ). |
18. |
Dito isto, há que tomar posição sobre a argumentação apresentada pela Comissão, relativa à natureza regulamentar do ROA e à sua aplicação direta aos factos do processo principal. |
2. Quanto à natureza regulamentar do ROA e à sua aplicação direta ao litígio no processo principal
19. |
Nas suas observações, a Comissão salienta que o ROA foi aprovado por um regulamento do Conselho que, por força do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, tem caráter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros. Segundo a Comissão, a situação da recorrente entra no âmbito de aplicação do artigo 96.o do ROA, que consagra o direito ao subsídio de desemprego para os ex‑agentes contratuais e qualifica este subsídio de complementar em relação ao eventualmente previsto pela legislação nacional. Esta natureza complementar, que se impõe às autoridades nacionais como o ONEM, opõe‑se a que os períodos de trabalho cumpridos numa instituição da União não sejam tomados em consideração para efeitos de determinar se um ex‑agente contratual pode beneficiar de um subsídio de desemprego nacional. |
20. |
É verdade que não se contesta que o Regulamento (CEE) n.o 259/68 ( 7 ), que estabelece o Estatuto dos funcionários da União (a seguir «Estatuto dos funcionários») e o ROA, é, como o seu artigo 11.o prevê, aliás, expressamente, «obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros». Como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado, este regulamento obriga os Estados‑Membros «na medida em que a participação destes é necessária para a sua aplicação» ( 8 ). Por outro lado, como a Comissão corretamente recorda, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Kristiansen (EU:C:2003:652), que o subsídio de desemprego previsto no artigo 28.o‑A do ROA, cujo teor é igual ao do artigo 96.o, mas aplicável aos agentes temporários, tem caráter complementar em relação ao subsídio previsto pela legislação nacional e que tal caráter, por se basear numa disposição regulamentar, se impõe aos Estados‑Membros e não pode ser desrespeitado por disposições legislativas nacionais ( 9 ). |
21. |
Todavia, a tese da Comissão, segundo a qual a obrigação de o ONEM tomar em conta os períodos em que a recorrente no processo principal esteve ao serviço da Comissão para determinar se tem direito ao subsídio nacional decorre do caráter complementar do subsídio de desemprego previsto pelo ROA e da natureza regulamentar deste, não me convence, pelas razões que passo a expor. |
22. |
Em primeiro lugar, segundo jurisprudência constante, o direito da União não prejudica a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social. Embora seja verdade que, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União ( 10 ), não é menos verdade que, na ausência de harmonização a nível da União, compete à legislação de cada Estado‑Membro determinar, por um lado, as condições do direito ou da obrigação de inscrição num regime de segurança social e, por outro, as condições que dão direito a prestações ( 11 ). |
23. |
Em segundo lugar, só no caso de ter direito a um subsídio de desemprego por força de um regime nacional é que o ex‑agente contratual é obrigado a apresentar o pedido nos termos do artigo 96.o, n.o 1, segundo parágrafo, do ROA e que o montante deste subsídio será deduzido do montante pago nos termos do n.o 3 do mesmo artigo. Por outras palavras, o subsídio de desemprego a cargo da União só adquire caráter complementar se, e na medida em que, o ex‑agente contratual tenha também direito a um subsídio de desemprego nacional. |
24. |
Em terceiro lugar, o ex‑agente contratual que preencha as condições previstas no artigo 96.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do ROA adquire, com esta disposição, o direito a receber um subsídio de desemprego cuja existência não depende da questão de saber se esse agente está igualmente abrangido por um regime nacional de seguro de desemprego e se preenche as condições para a concessão de subsídios ao abrigo desse regime. Daqui decorre que, embora possa revestir caráter complementar na medida em que acresce a eventuais prestações concedidas por um regime nacional, completando‑as, o subsídio de desemprego previsto no artigo 96.o do ROA não se baseia na concessão de tais prestações. Por conseguinte, existe uma autonomia de princípio entre o regime de seguro de desemprego previsto pelo ROA e os organizados pelos Estados‑Membros. |
25. |
Em quarto lugar, o artigo 96.o, n.o 1, segundo parágrafo, do ROA contém uma disposição especial que visa regular a relação entre as prestações de desemprego estatutárias e as previstas pelos regimes nacionais quando o ex‑agente contratual tenha direito a receber tanto umas como outras ( 12 ). Esta disposição responde a um duplo objetivo. Por um lado, funciona como regra anticúmulo que opera a favor da União, ao prever que, quando o ex‑agente contratual preencha também as condições para obter o subsídio nacional, este é deduzido do montante a cargo da União, reduzindo, assim, o encargo financeiro por esta suportado ( 13 ). Por outro lado, permite assegurar a igualdade de tratamento entre agentes contratuais que trabalhem ao serviço de instituições instaladas em diferentes Estados‑Membros, garantindo‑lhes subsídios de desemprego de um mesmo montante (mínimo), independentemente das regulamentações sobre o seguro de desemprego a que estejam eventualmente submetidos a nível nacional ( 14 ). |
26. |
Daqui resulta que, atendendo tanto à sua letra como à sua razão de ser, o artigo 96.o, n.o 1, segundo parágrafo, do ROA não se destina, em princípio, a limitar a margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem no exercício da competência que lhes é reconhecida para determinarem as condições que conferem o direito às prestações dos seus regimes de seguro de desemprego. Com efeito, exige apenas as adaptações destes regimes que se revelem necessárias para respeitar o caráter complementar da prestação estatutária quando esta concorra com as prestações concedidas pelos referidos regimes. |
27. |
Esta conclusão não é posta em causa pela jurisprudência citada pela Comissão em apoio da sua argumentação. Com efeito, tanto no processo Comissão/Bélgica (EU:C:1987:208) como no processo Kristiansen (EU:C:2003:652), o caráter obrigatório das disposições estatutárias que estabelecem a complementaridade das prestações comunitárias em relação às prestações da mesma natureza a cargo dos regimes nacionais foi afirmado pelo Tribunal de Justiça relativamente a regulamentações nacionais que frustravam o próprio princípio desta complementaridade. No primeiro caso, tratava‑se de uma alteração legislativa adotada pelo Reino da Bélgica em 1982, que previa que o montante das prestações familiares seria reduzido no montante das prestações da mesma natureza devidas, nomeadamente, por força das regras aplicáveis ao pessoal de uma instituição de direito internacional, e isto mesmo no caso de, por força de tais regras, a concessão dessas prestações ser qualificada de complementar relativamente às prestações familiares nacionais. No segundo caso, em contrapartida, estava em causa a aplicação de uma regra anticúmulo que regia a concessão do subsídio de desemprego belga, segundo a qual este não era devido se o trabalhador recebesse uma remuneração, conceito que abrangia igualmente as indemnizações por cessação da relação de trabalho e que era suscetível de incluir também o subsídio de desemprego previsto pelo ROA. É interessante observar, aliás, que, no processo principal que deu origem ao acórdão Kristiansen (EU:C:2003:652), as autoridades belgas tinham aplicado a mesma disposição que está em causa no pedido de decisão prejudicial que deu origem ao presente processo, recusando‑se a contabilizar as prestações de trabalho cumpridas por N. Kristiansen como empregada da Comissão, para lhe conferir o direito ao subsídio de desemprego nacional ( 15 ). Embora seja verdade que a questão prejudicial só respeitava à aplicação da regra anticúmulo acima referida, não se pode deixar de constatar que nem o Tribunal de Justiça, nem o advogado‑geral S Alber ( 16 ), nem a Comissão nas suas observações questionaram, sequer a título subsidiário, a compatibilidade da referida recusa com o artigo 28.o‑A, n.o 1, segundo parágrafo, do ROA, que estabelece a natureza complementar do subsídio de desemprego comunitário pago aos ex‑agentes temporários, cuja obrigatoriedade foi, todavia, categoricamente afirmada por todos. |
28. |
No caso em apreço, diferentemente dos processos Comissão/Bélgica (EU:C:1987:208) e Kristiansen (EU:C:2003:652), a regra que exclui os períodos de emprego numa instituição da União do cálculo dos dias de trabalho exigidos para efeitos da atribuição do direito ao subsídio de desemprego nacional não põe em causa o caráter complementar do subsídio previsto pelo ROA. |
29. |
Poderia objetar‑se, é certo, que o caráter complementar do subsídio estatutário dificilmente se coaduna com uma aplicação estrita do princípio contributivo, conforme preconizado pelo Governo belga, que exclui a tomada em conta de períodos de trabalho que não tenham dado origem a contribuições para a segurança social belga. Com efeito, tal exclusão pode, em concreto, levar ao resultado de não ser pago qualquer subsídio nacional ao ex‑agente contratual, ficando este, portanto, inteiramente a cargo do regime estatutário. Todavia, quando este resultado seja apenas a consequência da aplicação das condições objetivas a que está sujeito o direito ao subsídio de desemprego nacional, não pode, na minha opinião, acusar‑se o Estado‑Membro em questão de violação das obrigações decorrentes do artigo 96.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do ROA, entre as quais não consta a de prever um regime de seguro de desemprego nem a de organizar esse regime de modo a abranger em todas as circunstâncias a situação de um ex‑agente contratual numa instituição da União. |
30. |
Em quinto lugar, observo que, mesmo abstraindo das condições de acesso ao direito ao subsídio de desemprego belga e da sua aplicação pelo ONEM, a situação da recorrente no processo principal, conforme descrita no despacho de reenvio, não dá origem a uma aplicação conjunta do regime estatutário e do regime nacional de seguro de desemprego, pelo que a regra especial anticúmulo prevista no artigo 96.o, n.o 1, segundo parágrafo, do ROA não seria, em qualquer caso, aplicável ao caso em apreço. Com efeito, resulta dos autos que, após a cessação das suas funções na Comissão, M.‑R. Melchior recebeu o subsídio de desemprego nos termos do artigo 96.o do ROA durante um período de doze meses, a partir de 1 de março de 2008. Ora, nos termos do artigo 96.o, n.o 4, do ROA, este subsídio é pago ao ex‑agente contratual durante um período máximo de trinta e seis meses a partir do dia da cessação das suas funções e não pode, em caso algum, exceder um terço da duração efetiva do serviço cumprido. Daqui decorre que, no momento em que apresentou no ONEM o pedido de subsídio nacional que está na origem do litígio no processo principal, em 14 de julho de 2009, M.‑R. Melchior, que trabalhou na Comissão durante três anos, tinha já beneficiado da totalidade da cobertura conferida pelo regime estatutário. Nestas circunstâncias, não pode, neste caso, acusar‑se o ONEM de ter violado o caráter complementar do subsídio previsto pelo ROA. |
31. |
À luz das observações anteriores, sou de opinião que uma eventual obrigação das autoridades belgas de tomarem em conta o período durante o qual a recorrente no processo principal esteve empregada ao serviço da Comissão para efeitos do cálculo dos dias de trabalho necessários para aceder ao direito ao subsídio de desemprego nacional não pode ser baseada no artigo 96.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do ROA. |
32. |
Dito isto, tal obrigação poderia decorrer de outros princípios aplicáveis nesta matéria, o que examinarei seguidamente. |
B — Quanto à questão prejudicial
1. Quanto ao princípio da cooperação leal
33. |
Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, antes de mais, se o princípio da cooperação leal ( 17 ) se opõe a que, para atribuir o benefício do subsídio de desemprego nacional, um Estado‑Membro se recuse, por um lado, a tomar em conta períodos de trabalho cumpridos como agente contratual ao serviço de uma instituição da União e, por outro, a equiparar a dias de trabalho os dias de desemprego em que foi recebido subsídio ao abrigo do ROA, à semelhança do previsto para os dias de desemprego com direito a subsídio em conformidade com a legislação nacional. |
34. |
Esse órgão jurisdicional observa que se pode deduzir uma resposta afirmativa da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a transferibilidade dos direitos a pensão de um trabalhador que tenha estado empregado ao serviço de um empregador privado e de uma instituição da União. Recorda que, em várias ocasiões, o Tribunal de Justiça considerou que a legislação belga não assegurava suficientemente tal transferibilidade, violando, nomeadamente, obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do princípio da cooperação leal. Refere‑se, nomeadamente, aos acórdãos Comissão/Bélgica ( 18 ) e My ( 19 ). |
35. |
No primeiro destes acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que o Reino da Bélgica não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do Tratado, ao não estabelecer as modalidades de transferência dos direitos adquiridos no regime de pensões belga para o regime de pensões comunitário, em conformidade com o previsto no artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários ( 20 ). Em contrapartida, no segundo acórdão, pronunciando‑se a título prejudicial a pedido do tribunal du travail de Bruxelles, declarou que o artigo 10.o CE, conjugado com o Estatuto dos funcionários, obstava a uma legislação nacional que não permitia tomar em conta os anos de trabalho prestados ao serviço de uma instituição comunitária, para efeitos de atribuição do direito a uma pensão de reforma antecipada ao abrigo do regime nacional. |
36. |
O ONEM, no processo principal, e o Governo belga nas suas observações no Tribunal de Justiça consideram que esta jurisprudência não é transponível para o regime do seguro de desemprego. O Governo belga salienta, nomeadamente, que o recorrente no acórdão My (EU:C:2004:821) tinha adquirido direitos a pensão tanto no sistema belga como no sistema da União, ao passo que, no caso em apreço, M.‑R. Melchior nunca adquiriu o direito ao subsídio de desemprego no regime belga. Além disso, alega que, nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça baseia o seu raciocínio numa disposição específica, o artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários, que prevê expressamente a transferência de eventuais direitos adquiridos ao abrigo do regime da União para o regime nacional e que não está prevista nenhuma disposição análoga em matéria de seguro de desemprego. |
37. |
Na minha opinião, esta argumentação não é convincente. |
38. |
Por um lado, embora seja verdade que, no acórdão Comissão/Bélgica (EU:C:1981:237), o Estado‑Membro em questão era acusado de ter impossibilitado, pela sua omissão, a aplicação de uma disposição específica do Estatuto dos funcionários, a saber, o artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII deste Estatuto, o Tribunal de Justiça reconheceu, de modo mais geral, que não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do princípio da cooperação leal, então previsto no artigo 5.o do Tratado CEE, o Estado‑Membro que se abstenha de adotar todas as medidas exigidas, a nível nacional, por uma disposição do Estatuto dos funcionários ( 21 ) ou, ainda, que impeça a realização dos objetivos por ele prosseguidos ( 22 ). |
39. |
Por outro lado, o Governo belga procede, na minha opinião, a uma leitura incorreta do acórdão My (EU:C:2004:821). |
40. |
Em primeiro lugar, e ao contrário do que este Governo afirma, a questão abordada pelo Tribunal de Justiça no acórdão My (EU:C:2004:821) não se distingue substancialmente da que se coloca no caso em apreço. Com efeito, tanto M.‑R. Melchior como G. My tinham estado inscritos num regime contributivo de segurança social belga antes de serem empregados numa instituição da União. Tal como M.‑R. Melchior, G. My pretendia obter o reconhecimento dos períodos de trabalho cumpridos ao serviço da União para lhe ser reconhecido o direito a uma prestação prevista no âmbito do regime de segurança social em que tinha estado inscrito, nesse caso, a pensão de reforma antecipada. Em ambos os casos, esse direito dependia de os referidos períodos entrarem ou não em linha de conta para o cálculo dos dias ou anos de trabalho exigidos pela legislação nacional aplicável para conferir o direito à prestação em questão. A circunstância, salientada pelo Governo belga, de, ao contrário de M.‑R. Melchior, G. My ter adquirido direitos a pensão ao abrigo do regime belga não tem qualquer pertinência, na medida em que o direito à prestação requerida estava, como no caso de M.‑R. Melchior, subordinado a exigências que G. My só satisfazia se fossem tomados em conta os anos passados ao serviço do Conselho. |
41. |
Em segundo lugar, contrariamente ao que o Governo belga sustenta, o acórdão My (EU:C:2004:821) não se baseava numa disposição específica do Estatuto dos funcionários, neste caso, o artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII deste Estatuto. |
42. |
A este respeito, importa recordar que a questão prejudicial na origem do processo que resultou no acórdão My (EU:C:2004:821) comportava duas partes. Por um lado, o tribunal du travail de Bruxelles tinha dúvidas quanto à compatibilidade tanto da legislação belga como da disposição do Estatuto dos funcionários acima referida com os princípios da livre circulação dos trabalhadores e da não‑discriminação e com os direitos assegurados pelo Tratado CE aos cidadãos da União, na medida em que esta legislação e esta disposição não garantiam a transferência dos direitos a pensão do regime comunitário para o regime nacional. Por outro lado, expressava as mesmas dúvidas relativamente às disposições nacionais que não permitiam, para efeitos da atribuição de uma pensão antecipada, a tomada em conta dos períodos de atividade cumpridos numa instituição comunitária. |
43. |
Nos n.os 24 a 26 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça constatou que o recorrente no processo principal nunca tinha requerido a transferência dos direitos a pensão adquiridos ao abrigo do regime comunitário para o regime de pensão belga, mas tinha apenas requerido o benefício de uma pensão de reforma antecipada nacional e que contestava, a este respeito, a recusa do Office national des pensions (ONP) (Serviço nacional de pensões) de tomar em consideração os 27 anos de trabalho cumpridos como funcionário do Conselho para o cálculo dos 35 anos civis de carreira exigidos para a atribuição do direito à referida pensão. O Tribunal de Justiça concluiu que o litígio no processo principal respeitava apenas à questão de saber se o direito comunitário impunha às autoridades belgas a obrigação de tomar em consideração tanto os períodos de atividade do recorrente prestados ao abrigo do regime de pensão belga como os prestados ao abrigo do regime comunitário e que, consequentemente, não havia que responder à primeira parte da questão prejudicial. |
44. |
Ao separar a questão da transferência dos direitos adquiridos ao abrigo do regime comunitário para o regime nacional da questão relativa à existência de uma obrigação das autoridades belgas de tomarem em conta os períodos de emprego numa instituição, o Tribunal de Justiça afastava, de facto, a pertinência, pelo menos direta, do artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto para a resposta à questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio ( 23 ). Embora seja verdade que, nos n.os 44 e 45 da fundamentação do acórdão ( 24 ), o Tribunal de Justiça parece concentrar‑se nesta disposição, limita‑se, na realidade, a remeter para a interpretação que tinha feito desta mesma disposição no seu acórdão Comissão/Bélgica, interpretação que utiliza como ponto de partida do seu raciocínio no acórdão My. |
45. |
Consequentemente, ao contrário do que o Governo belga sustenta, não é no artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários que este raciocínio se baseia, mas antes no racional que lhe está subjacente e que o Tribunal de Justiça decidiu generalizar e elevar a critério com base no qual deve ser apreciada a situação dos trabalhadores que sejam abrangidos simultaneamente pelo regime de segurança social de um Estado‑Membro e pelo previsto no Estatuto dos funcionários. Na minha opinião, esta operação resulta claramente da articulação entre os n.os 44, 45 e 46 do acórdão My (EU:C:2004:821). Depois de ter recordado nos n.os 44 e 45 que, no seu acórdão Comissão/Bélgica (EU:C:1981:237), tinha declarado que o artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários visava facilitar a passagem dos empregos nacionais, públicos ou privados, para a administração comunitária e garantir, desse modo, as maiores possibilidades de escolha de pessoal qualificado que já tenha uma adequada experiência profissional, pelo que a violação do mesmo poderia «tornar mais difícil o recrutamento, por parte da Comunidade, de funcionários nacionais com uma certa antiguidade», o Tribunal de Justiça constata, no n.o 46, que «esse é também o caso quando um Estado‑Membro se recusa a tomar em consideração os períodos de atividade cumpridos ao abrigo do regime de pensões comunitário, para efeitos de atribuição do direito a pensão de reforma antecipada ao abrigo do seu regime». |
46. |
Ao colocar‑se, assim, num plano que ultrapassa o âmbito do artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários, o Tribunal de Justiça define o conteúdo de uma obrigação dos Estados‑Membros que é autónoma relativamente às que decorrem desta disposição e da qual precisa os respetivos limites e alcance, associando‑a, mais adiante no acórdão, ao princípio da cooperação leal previsto no artigo 10.o CE. Assim, no n.o 47, depois de ter constatado «que uma legislação nacional, como a legislação em causa no processo principal, é suscetível de entravar e, portanto, de desencorajar o exercício de uma atividade profissional no seio de uma instituição da União Europeia», conclui, no n.o 48, que «[t]ais consequências não podem ser admitidas quanto ao dever de cooperação e assistência leal que incumbe aos Estados‑Membros em relação à Comunidade e que encontra a sua expressão na obrigação, prevista no artigo 10.o CE, de facilitar à mesma o cumprimento da sua missão» ( 25 ). |
47. |
De forma coerente com a linha de raciocínio seguida pelo Tribunal de Justiça, o dispositivo do acórdão não refere o artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários, mas faz decorrer do artigo 10.o CE, «em conjugação com o Estatuto dos funcionários», a obrigação de as autoridades belgas tomarem em conta os anos de trabalho cumpridos pelo recorrente ao serviço do Conselho. |
48. |
Consequentemente, para além das especificidades dos processos que deram origem aos acórdãos Comissão/Bélgica (EU:C:1981:237) e My (EU:C:2004:821), o Tribunal de Justiça decidiu concretamente afirmar, nesses acórdãos, o princípio segundo o qual um Estado‑Membro que adote uma legislação suscetível de desencorajar o exercício de uma atividade profissional no seio de uma instituição da União não cumpre a obrigação de facilitar a realização pela União da sua missão, violando o princípio da cooperação leal, conjugado com as disposições do Estatuto dos funcionários. Por outro lado, importa salientar que, no acórdão My (EU:C:2004:821), o Tribunal de Justiça reconhece implicitamente a tal obrigação a capacidade de produzir efeitos jurídicos nas relações entre os Estados‑Membros e os seus cidadãos ( 26 ). |
49. |
Embora, até à data, só tenha sido afirmado em processos relativos ao domínio das pensões ( 27 ), o referido princípio é teoricamente suscetível de se aplicar em todas as situações em que o benefício de direitos e vantagens sociais a que um trabalhador possa ter direito ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro lhe é recusado com o único fundamento de uma parte da sua carreira profissional ter sido cumprida nas instituições da União ( 28 ). Nas minhas conclusões apresentadas no processo Gysen, já tinha, de resto, considerado a possibilidade de aplicar a jurisprudência My (EU:C:2004:821) fora do domínio das pensões, nomeadamente em matéria de prestações familiares ( 29 ), como o órgão jurisdicional de reenvio corretamente recorda. |
50. |
Por conseguinte, trata‑se agora de apreciar se a legislação em questão no processo principal, conforme interpretada e aplicada pelas autoridades belgas, na medida em que exclui, numa situação como a do caso em apreço, a tomada em conta de períodos de trabalho cumpridos ao serviço das instituições da União para efeitos da atribuição do direito ao subsídio de desemprego nacional, é suscetível de desencorajar o exercício de uma atividade profissional na União, dissuadindo certas pessoas de entrarem ao serviço desta ou incitando‑as a cessar as funções que aí exerçam, e, consequentemente, de dificultar o recrutamento e/ou a manutenção ao serviço, por parte da União, do pessoal mais qualificado. Na minha opinião, é o que acontece neste caso. |
51. |
Os agentes contratuais são contratados pelas instituições, agências ou outros organismos da União para exercer funções determinadas ou substituir funcionários ou agentes temporários de uma instituição que se encontrem momentaneamente impossibilitados de exercer as suas funções (artigos 3.°‑A e 3.°‑B do ROA) ( 30 ). São recrutados com base em contratos a termo certo celebrados com uma duração mínima de três meses e máxima de cinco anos (para a categoria de agentes abrangidos pelo artigo 3.o‑A do ROA) ou de três anos (para a categoria de agentes abrangidos pelo artigo 3.o‑B do ROA), renováveis até uma duração cumulada máxima de, respetivamente, dez e seis anos. Por conseguinte, a perspetiva dos trabalhadores que ocupam estes empregos, a curto ou médio prazo, é, em princípio, a de voltarem a integrar o mercado de trabalho nacional. Ora, uma legislação como a que está em causa no processo principal, conforme interpretada e aplicada pelo ONEM, que não inclui no cálculo dos dias de trabalho que conferem o direito ao subsídio de desemprego os períodos de atividade que os ex‑agentes contratuais passaram ao serviço da União, impede‑os de adquirir os direitos, em termos de acesso ao referido subsídio, que lhes seriam reconhecidos se tivessem continuado a trabalhar no mercado de trabalho nacional. Este efeito, tendo em conta a natureza temporária das funções ocupadas por estes agentes e o facto de a sua reinserção nos mercados de trabalho nacionais após a cessação das funções constituir o resultado mais provável, bem como o facto de esses mercados se caracterizarem cada vez mais pela precariedade e descontinuidade do trabalho, o que torna realista a perspetiva de novos períodos de inatividade, não pode ser considerado demasiado indireto e marginal para poder criar o efeito dissuasivo (ou de incentivo) a que se refere a jurisprudência do Tribunal de Justiça atrás recordada ( 31 ). |
52. |
É certo que, no momento em que cessam as suas funções, os agentes contratuais têm direito, em princípio, e na falta de cobertura por um regime nacional, ao subsídio previsto pelo ROA durante um período (máximo) de três anos ( 32 ). Todavia, por um lado, esta cobertura só é prevista no caso de o ex‑agente contratual ter completado um período mínimo de serviço de seis meses [artigo 96.o, n.o 1, alínea c)] e é limitada a um período que não ultrapasse um terço da duração do serviço cumprido (artigo 96.o, n.o 4), pelo que é, em concreto, muito limitada para os agentes contratados com base em contratos de curta duração e pode até ser completamente inexistente quando essa duração não atinja os seis meses. Por outro lado, nos termos de uma legislação como a que está em causa no processo principal, conforme aplicada e interpretada pelo ONEM, o ex‑agente contratual que regresse ao mercado de trabalho nacional fica privado, uma vez terminado o período de cobertura previsto pelo ROA (a saber, um período máximo de trinta e seis meses), de qualquer seguro de desemprego até ao momento em que cumpra o número de dias de trabalho exigido para a atribuição do direito ao subsídio nacional ( 33 ). Nesta perspetiva, tal legislação é suscetível de afetar em especial os ex‑agentes contratuais que tenham prestado longos períodos de trabalho ao serviço da União. |
53. |
Atendendo ao que precede, considero que a recusa por parte das autoridades belgas, numa situação como a do caso em apreço, de contabilizar, para efeitos da atribuição do direito ao subsídio de desemprego com base no regime nacional, os períodos de trabalho cumpridos ao serviço da União é suscetível de tornar menos atrativa a perspetiva de integrar a administração da União na qualidade de agente contratual e, consequentemente, de interferir com a política de recrutamento desta no que respeita a uma categoria importante do seu pessoal. Esta recusa viola a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros, nos termos do artigo 10.o CE, conjugado com o ROA, de tomar todas as medidas necessárias ou adequadas tanto para assegurar plenamente a execução do ROA como para evitar prejudicar os interesses da União e comprometer a realização dos seus objetivos. Nem o caráter contributivo do regime nacional de seguro de desemprego, invocado pelo Governo belga, que exige que só os trabalhadores que tenham previamente contribuído para esse sistema podem invocar o direito às prestações sociais por ele concedidas, nem a competência reconhecida aos Estados‑Membros para determinar as condições de atribuição do direito às prestações previstas pelos seus regimes de segurança social, podem pôr em causa tal obrigação, que visa assegurar a continuidade dos direitos sociais dos trabalhadores que tenham exercido funções nas instituições da União. |
54. |
No que respeita à não equiparação dos dias de desemprego em que foi recebido subsídio ao abrigo do ROA a dias de trabalho, para efeitos do cálculo dos dias exigidos para a atribuição do direito ao subsídio de desemprego, decorre dos autos apresentados na secretaria do Tribunal de Justiça que, se o trabalho prestado ao serviço da Comissão durante o período de referência, a saber, de 14 de julho de 2006 a 13 de julho de 2009, fosse contabilizado, a recorrente comprovaria os 624 dias de trabalho exigidos pelo artigo 30.o do decreto real, sem ser necessário tomar em conta o período em que recebeu o subsídio de desemprego previsto no artigo 96.o do ROA ( 34 ). Portanto, não é necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie a este respeito. |
55. |
Todavia, se o Tribunal de Justiça considerar oportuno fazê‑lo, sou de opinião que a conclusão contida no n.o 53 das presentes conclusões. se impõe, pelas mesmas razões atrás expostas, no que respeita à não equiparação dos dias em que foi recebido subsídio ao abrigo do ROA a dias de trabalho, numa situação como a do caso em apreço. A este respeito, não me parecem fundados os receios expressos pela Comissão nas suas observações e na resposta à questão escrita do Tribunal de Justiça, a saber, que tal equiparação poderia violar a natureza complementar do subsídio previsto no ROA ou permitir acumular o subsídio estatutário e os subsídios nacionais. Com efeito, o facto de um ex‑agente contratual, que não satisfaz as condições de atribuição do direito ao subsídio nacional no momento da cessação das suas funções, poder vir a satisfazê‑las posteriormente, durante o período em que recebe o subsídio de desemprego previsto pelo ROA (ou mesmo após o termo desse período), graças à equiparação, prevista pela legislação nacional, dos dias em que recebeu subsídio, durante este período, a dias de trabalho, não me parece pôr, por si só, em causa o caráter complementar do subsídio estatutário nem o efeito útil da regra anticúmulo prevista no artigo 96.o do ROA. Evidentemente, para respeitar o referido caráter complementar, compete ao ex‑agente contratual apresentar um novo pedido de subsídio nacional quando, tendo em conta a equiparação dos dias de desemprego em que recebeu subsídio ao abrigo do ROA a dias de trabalho, adquira o direito ao pagamento de tal subsídio. |
2. Quanto ao artigo 34.o da Carta
56. |
Atendendo à resposta que proponho para a questão prejudicial na parte em que respeita ao princípio da cooperação leal, é inútil examinar esta questão também à luz do artigo 34.o, n.o 1, da Carta. As breves considerações que se seguem são, portanto, apenas desenvolvidas a título exaustivo. Além disso, pressupõem que o Tribunal de Justiça considere a Carta retroativamente aplicável aos factos do litígio no processo principal ( 35 ). |
57. |
Resulta de jurisprudência constante que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações ( 36 ). Como o Tribunal de Justiça precisou no acórdão Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105), não podem existir situações que estejam abrangidas pelo direito da União em que os referidos direitos fundamentais não sejam aplicados. Consequentemente, a aplicabilidade do direito da União implica a aplicabilidade dos direitos fundamentais garantidos pela Carta ( 37 ). Em contrapartida, quando uma situação jurídica não está abrangida pelo direito da União, o Tribunal de Justiça não tem competência para dela conhecer e as disposições da Carta eventualmente invocadas não podem, por si próprias, servir de base a essa competência ( 38 ). |
58. |
No caso em apreço, é pacífico que a legislação nacional em causa no processo principal, ao definir as condições de atribuição do direito ao subsídio de desemprego belga, não dá execução a um ato de direito derivado da União. Além disso, resulta das considerações anteriores que a situação jurídica de M.‑R. Melchior é puramente interna ( 39 ) e não está diretamente abrangida por uma disposição do Estatuto dos funcionários ou do ROA ( 40 ). Por outro lado, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar que a situação de um funcionário não entra no âmbito de aplicação do direito da União apenas em razão da existência de um vínculo laboral com esta ( 41 ). |
59. |
Consequentemente, só no caso de o Tribunal de Justiça vier a considerar, como proponho, que o artigo 10.o CE, conjugado com as disposições do ROA, é aplicável ao litígio no processo principal é que a situação de M.‑R. Melchior seria regida pelo direito da União e que a Carta seria, portanto, aplicável ( 42 ). |
60. |
Nos termos do artigo 34.o, n.o 1, da Carta, «[a] União reconhece e respeita o direito de acesso às prestações de segurança social e aos serviços sociais que concedem proteção […] em caso de perda de emprego, de acordo com o direito da União e com as legislações e práticas nacionais». Como resulta da sua letra e das anotações relativas à Carta ( 43 ) (a seguir «anotações»), esta disposição enuncia um «princípio» ( 44 ) que se baseia nos artigos 153.° TFUE e 156.° TFUE, bem como no artigo 12.o da Carta Social Europeia e no ponto 10 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores ( 45 ). Em conformidade com os artigos 51.°, n.o 2, e 52.°, n.o 5, da Carta, as disposições desta que enunciam princípios que se destinem, antes de mais, aos poderes públicos, têm caráter meramente programático ( 46 ) (ao contrário do caráter vinculativo das que enunciam «direitos») e carecem de «atos de aplicação» ( 47 ). No plano da sua suscetibilidade de serem invocadas judicialmente, não criam, pelo menos na falta de «mediação normativa», direitos a uma ação positiva por parte das autoridades dos Estados‑Membros ( 48 ) e só podem ser invocadas em juízo como referências de interpretação ou parâmetros da fiscalização da legalidade dos atos que procedem à sua aplicação ( 49 ). |
61. |
No caso em apreço, a legislação em causa no processo principal constitui a concretização ao nível nacional dos princípios de solidariedade e de proteção expressos, ao nível da União, no artigo 34.o, n.o 1, da Carta. A aplicação de uma legislação deste tipo numa situação abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União deve ser feita no respeito desta disposição da Carta. Ora, ao excluir, para efeitos de atribuição do direito ao subsídio de desemprego nacional, a totalização dos períodos de trabalho relativamente aos quais foram pagas contribuições para o regime nacional de segurança social e dos que deram origem ao pagamento de contribuições para o regime instituído pelo ROA, a legislação em questão no processo principal, conforme interpretada e aplicada pelas autoridades belgas, conduz, numa situação como a do caso em apreço, a negar, de facto, o direito de acesso do trabalhador às prestações de segurança social em caso de perda do emprego, violando o princípio estabelecido no artigo 34.o, n.o 1, da Carta. |
62. |
Pelas razões atrás expostas, entendo que, se o Tribunal de Justiça vier a considerar a Carta aplicável ratione temporis aos factos do litígio no processo principal e concluir que a legislação em causa nesse processo, conforme interpretada e aplicada pelas autoridades belgas, viola as obrigações que decorrem para os Estados‑Membros do princípio da cooperação leal previsto no artigo 10.o CE, conjugado com o Estatuto dos funcionários, esta legislação seria igualmente contrária ao artigo 34.o, n.o 1, da Carta. |
IV — Conclusão
63. |
Com base nas considerações anteriores, sugiro que se responda à cour du travail de Bruxelles do seguinte modo: «O artigo 10.o CE, conjugado com o Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias, opõe‑se, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, à legislação de um Estado‑Membro que exclui, para efeitos do acesso de um trabalhador ao benefício das prestações de subsídio de desemprego nacionais, a tomada em conta dos períodos durante os quais esse trabalhador esteve empregado como agente contratual ao serviço de uma instituição da União Europeia.» |
( 1 ) Língua original: francês.
( 2 ) V., nomeadamente, acórdãos Echternach e Moritz (389/87 e 390/87, EU:C:1989:130, n.o 11); Schmid (C‑310/91, EU:C:1993:221, n.o 20); e Ferlini (C‑411/98, EU:C:2000:530, n.o 42).
( 3 ) V. acórdão My (C‑293/03, EU:C:2004:821, n.o 42).
( 4 ) Acórdão Uecker e Jacquet (C‑64/96 e C‑65/96, EU:C:1997:285, n.o 16 e jurisprudência referida).
( 5 ) Regulamento do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98). Este regulamento foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 166, p. 1).
( 6 ) V. acórdãos Ferlini (EU:C:2000:530, n.o 41), e My (EU:C:2004:821, n.o 35); despacho Ricci e Pisaneschi (C‑286/09 e C‑287/09, EU:C:2010:420, n.o 26).
( 7 ) Regulamento de 29 de fevereiro de 1968, que fixa o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias assim como o Regime aplicável aos outros agentes destas Comunidades, e institui medidas especiais temporariamente aplicáveis aos funcionários da Comissão (JO L 56, p. 1; EE 01 F1 p. 129).
( 8 ) V., nomeadamente, acórdãos Comissão/Bélgica (186/85, EU:C:1987:208, n.o 21), e Kristiansen (C‑92/02, EU:C:2003:652, n.o 32).
( 9 ) N.o 34. O Tribunal de Justiça tinha‑se pronunciado neste mesmo sentido, no que respeita às prestações familiares previstas no artigo 67.o, n.o 2, do Estatuto dos funcionários, no acórdão Comissão/Bélgica (EU:C:1987:208).
( 10 ) V., nomeadamente, acórdão Comissão/Portugal (C‑255/09, EU:C:2011:695, n.os 47 a 49 e jurisprudência referida).
( 11 ) V., nomeadamente, acórdão Kristiansen (EU:C:2003:652, n.o 31 e jurisprudência referida).
( 12 ) V., por analogia, em matéria de prestações familiares, o acórdão Comissão/Bélgica (EU:C:1987:208, n.o 22).
( 13 ) Ibidem (n.o 23).
( 14 ) Ibidem.
( 15 ) Todavia, estas autoridades tinham considerado que o período cumprido por N. Kristiansen ao serviço da Comissão devia ser neutralizado para determinar o período de referência.
( 16 ) Conclusões do advogado‑geral S. Alber apresentadas no processo Kristiansen (EU:C:2002:141).
( 17 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente o artigo 4.o, n.o 3, TUE. Porém, o Tratado de Lisboa não tinha ainda entrado em vigor à data da decisão em litígio no processo principal, 26 de agosto de 2009. Por esta razão, não me referirei nas presentes conclusões a esta disposição mas ao artigo 10.o CE.
( 18 ) 137/80, EU:C:1981:237.
( 19 ) EU:C:2004:821.
( 20 ) O mesmo incumprimento foi declarado relativamente ao Reino de Espanha no acórdão Comissão/Espanha (C‑52/96, EU:C:1997:382).
( 21 ) V. n.o 9 e, no mesmo sentido, acórdão Comissão/Espanha (EU:C:1997:382, n.o 9).
( 22 ) Nesse caso, a igualdade entre os funcionários da União independentemente do seu Estado de origem e o recrutamento do pessoal mais qualificado, v. n.o 19 do acórdão.
( 23 ) Esta abordagem era, de resto, a que se impunha, dado que a eventual obrigação dos Estados‑Membros de alterarem as regras aplicáveis à concessão das prestações pelos seus regimes de segurança social para permitirem a tomada em conta dos períodos de trabalho cumpridos ao serviços das instituições da União não podia ser deduzida do artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto dos funcionários, como também não o pode ser, como se demonstrou atrás, do artigo 96.o do RAO (v. n.os 22 a 29 das presentes conclusões).
( 24 ) Estes números são precedidos do título «Quanto ao artigo 11.o, n.o 2, do anexo VIII do Estatuto e ao artigo 10.o CE».
( 25 ) O Tribunal de Justiça seguiu um raciocínio análogo nos acórdãos Bruce of Donington (208/80, EU:C:1981:194) e Hurd (44/84, EU:C:1986:2, n.os 38 a 45), em que deduziu do princípio da cooperação leal, então previsto no artigo 5.o do Tratado CEE, respetivamente, a proibição de tributar os subsídios de viagem e de alojamento recebidos pelos membros do Parlamento Europeu (cujo regime pecuniário era, à data dos factos do litígio no processo principal, regido apenas pelas legislações nacionais), criando, assim, obstáculos financeiros às suas deslocações, e a proibição de cobrar impostos nacionais sobre o suplemento europeu dos professores de uma escola europeia, por tal tributação ser suscetível de prejudicar o sistema de financiamento da Comunidade e de repartição dos encargos financeiros entre os Estados‑Membros.
( 26 ) Considerado isoladamente, o artigo 4.o, n.o 3, TUE (bem como, anteriormente, o artigo 5.o do Tratado CEE, o artigo 5.o do Tratado CE e o artigo 10.o CE) apresenta uma formulação demasiado genérica para poder ser invocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais (neste sentido, v., por exemplo, acórdão Hurd, EU:C:1986:2, em que estava em causa a obrigação, decorrente do artigo 5.o do Tratado CE, de não prejudicar, através de medidas unilaterais, o sistema de financiamento da Comunidade e de repartição dos encargos financeiros entre os Estados‑Membros, obrigação essa que o Reino Unido tinha violado ao cobrar impostos nacionais sobre o suplemento europeu dos professores de uma escola europeia; v., igualmente, conclusões do advogado‑geral G. Slynn apresentadas no processo Hurd, EU:C:1985:222, n.o 30). Todavia, parece que não será assim quando esta disposição seja aplicada conjuntamente com outras disposições do direito da União que sejam, elas próprias, diretamente aplicáveis (v., por exemplo, acórdão Acereda Herrera, C‑466/04, EU:C:2006:405, n.os 41 a 45) ou quando seja lida no contexto de regras retiradas do sistema geral do Tratado ou de um ato da União, como é o caso do acórdão My (EU:C:2004:821), e que permitam definir, de modo suficientemente preciso, o conteúdo da obrigação que tal disposição prevê e determinar o seu caráter incondicional (v. também acórdão Bruce of Donington, EU:C:1981:194, n.os 14 à 20, em que o facto de tributar os subsídios de viagem e de alojamento recebidos pelos membros do Parlamento Europeu, cujo regime pecuniário era, à data dos factos do litígio no processo principal, regido apenas pelas legislações nacionais, foi considerado pelo Tribunal de Justiça como um entrave ao funcionamento interno do Parlamento pela criação de obstáculos financeiros às deslocações dos seus membros e uma violação do artigo 5.o do Tratado CEE, conjugado, nomeadamente, com o artigo 8.o do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades).
( 27 ) Foi confirmado, nomeadamente, no despacho Ricci e Pisaneschi (C‑286/09 e C‑287/09, EU:C:2010:420), em que estava em causa um direito à pensão de reforma comum. V. também a referência feita ao artigo 4.o, n.o 3, TUE no acórdão Časta (C‑166/12, EU:C:2013:792, n.os 36 e 37). Em contrapartida, ao contrário do que parece afirmar o órgão jurisdicional de reenvio e como o Governo belga corretamente salienta, nos acórdãos Öberg (C‑185/04, EU:C:2006:107) e Rockler (C‑137/04, EU:C:2006:106), a situação dos recorrentes no processo principal, a quem as autoridades suecas tinham recusado, para efeitos do cálculo das prestações parentais, a totalização dos períodos durante os quais tinham sido abrangidos pelo regime comum de seguro de doença, em conformidade com as regras do Estatuto dos funcionários, só foi analisada pelo Tribunal de Justiça na perspetiva da livre circulação dos trabalhadores, sendo que o n.o 47 do acórdão My (EU:C:2004:821) só foi citado para constatar o efeito dissuasivo do exercício de tal liberdade gerado pela legislação em questão.
( 28 ) Fora do contexto da política social, o Tribunal de Justiça já tinha seguido um raciocínio análogo num acórdão anterior ao acórdão My (EU:C:2004:821), onde estava em causa um benefício fiscal de que os agentes e funcionários comunitários não podiam beneficiar. Nesse caso, o Tribunal de Justiça tinha excluído que a perda de tal benefício pudesse dissuadir a entrada ao serviço das instituições comunitárias ou a continuação de tal serviço e entravar, portanto, o funcionamento de tais instituições, v. acórdão Tither (C‑333/88, EU:C:1990:131, n.o 16).
( 29 ) V. as minhas conclusões apresentadas no processo Gysen (C‑449/06, EU:C:2007:663, n.os 54 a 61). No processo principal que deu origem a esse acórdão, estava em causa uma legislação nacional segundo a qual, no âmbito da liquidação pelo organismo nacional competente das prestações familiares por filhos a cargo de um trabalhador independente, o filho desse trabalhador que era beneficiário de prestações familiares pagas por força do Estatuto dos funcionários não era tomado em consideração para efeitos da determinação da posição dos outros filhos do mesmo trabalhador, posição essa que, em aplicação de tal legislação, influía sobre o montante das prestações familiares a pagar relativamente a estes últimos.
( 30 ) A categoria dos agentes contratuais foi inserida no ROA pelo Regulamento (CE) n.o 723/2004 do Conselho, de 22 de março de 2004, que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades Europeias (JO L 124, p. 1).
( 31 ) Pronunciei‑me em sentido contrário nas minhas conclusões no processo Gysen (EU:C:2007:663), em matéria de prestações familiares.
( 32 ) Recordo que, nos termos do artigo 96.o, n.o 4, do ROA, o pagamento deste subsídio é interrompido no caso de o ex‑agente contratual voltar a integrar o mercado de trabalho, sendo novamente pago se, antes de decorrido o prazo de três anos, ficar novamente desempregado.
( 33 ) Por outro lado, não parece que o decreto real, ou uma prática constante do ONEM, permita neutralizar os períodos de trabalho prestado ao serviço da União para determinar o período de referência de três anos para efeitos do cálculo dos dias de trabalho exigidos para a atribuição do direito ao subsídio de desemprego. Com efeito, resulta dos autos que o ONEM procedeu a esta neutralização quando do primeiro pedido de subsídio de M.‑R. Melchior, mas não do segundo.
( 34 ) V. cálculo efetuado pelo tribunal du travail de Bruxelles no n.o 4.1.4 da fundamentação da sentença de 14 de fevereiro de 2012 de que o ONEM interpôs recurso, do qual resulta que a recorrente comprovou, durante o período de referência, 507 dias de trabalho ao serviço da Comissão e 150 dias de trabalho como trabalhadora temporária ao serviço de sociedades privadas, num total de 657 dias de trabalho, ultrapassando os 624 dias de trabalho exigidos pelo artigo 30.o do decreto real. V., igualmente, parecer emitido pelo Ministério Público em 13 de janeiro de 2012.
( 35 ) A este respeito, limito‑me a salientar que o presente processo se distingue do que deu origem aos acórdãos DEB (C‑279/09, EU:C:2010:811) e Banif Plus Bank (C‑472/11, EU:C:2013:88), em que era invocado um princípio geral do direito da União, a saber, o princípio da proteção jurisdicional efetiva, existente antes da sua consagração no artigo 47.o da Carta.
( 36 ) V. acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 19). V., também, acórdão Pfleger e o. (C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 33).
( 37 ) V. acórdãos Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105, n.o 21) e Pfleger e o. (EU:C:2014:281, n.o 34).
( 38 ) V. acórdão Åkerberg Fransson (EU:C:2013:105, n.o 22).
( 39 ) V. n.os 15 e 16 das presentes conclusões.
( 40 ) V. n.os 19 a 31 das presentes conclusões.
( 41 ) V. acórdão Johannes (C‑430/97, EU:C:1999:293, n.os 26 a 29).
( 42 ) Saliento, a título subsidiário, que a Carta se aplicaria mesmo no caso de se concluir que o artigo 10.o CE, embora aplicável ao caso em apreço, não é invocável em juízo por M.‑R. Melchior. Esta conclusão deduz‑se do acórdão Association de médiation sociale (C‑176/12, EU:C:2014:2, n.os 30 a 41).
( 43 ) JO 2007, C 303, p. 17.
( 44 ) A distinção entre «princípios» e «direitos» reconhecidos pela Carta é enunciada no seu preâmbulo e explicada, nomeadamente, no seu artigo 51.o, n.o 1.
( 45 ) V. anotações ao artigo 34.o da Carta.
( 46 ) Nos termos do artigo 51.o, n.o 1, os direitos devem ser respeitados, ao passo que os princípios devem apenas ser «observados» ou «promovidos».
( 47 ) V. artigo 52.o, n.o 5, primeira frase, da Carta.
( 48 ) Quanto à impossibilidade de os princípios sociais estabelecidos pela Carta serem diretamente invocados em juízo, v., no que respeita ao seu artigo 27.o, acórdão Association de médiation sociale (EU:C:2014:2, n.os 42 a 49). Este acórdão também limitou a possibilidade de invocar judicialmente estes princípios em situações horizontais exclusivamente à invocabilidade para efeitos de interpretação.
( 49 ) V. artigo 52.o, n.o 5, segunda frase, da Carta.