CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 16 de abril de 2015 ( 1 )

Processo C‑580/13

Coty Germany GmbH

contra

Stadtsparkasse Magdeburg

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Propriedade intelectual e propriedade industrial — Venda de mercadoria de contrafação — Diretiva 2004/48/CE — Artigo 8.o, n.os 1 e 3, alínea e) — Direito à informação no âmbito de um procedimento relativo à violação de um direito de propriedade industrial — Regulamentação de um Estado‑Membro que permite às instituições de crédito recusarem‑se a prestar informação relativa ao titular de uma conta bancária (sigilo bancário) — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigos 8.°, 17.°, n.o 2, 47.° e 52.°, n.o 1 — Proporcionalidade da restrição de um direito fundamental»

1. 

A questão prejudicial formulada pelo Bundesgerichtshof dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de aprofundar a sua jurisprudência sobre o artigo 8.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual ( 2 ), numa vertente ainda não analisada. Até ao momento, o Tribunal de Justiça tem abordado sobretudo conflitos entre titulares de direitos de propriedade intelectual, por um lado, e, por outro, utilizadores da Internet que descarregam ou partilham conteúdos protegidos por direitos de autor, cujos dados são pedidos aos fornecedores do acesso à Internet a fim os processar judicialmente uma vez identificados ( 3 ). Desta vez, no entanto, é uma instituição de crédito que, invocando o sigilo bancário, se recusa a fornecer os dados necessários para intentar uma ação cível contra quem, usufruindo das possibilidades técnicas oferecidas pela Internet, comercializa mercadorias de contrafação.

2. 

Em resumo, o que está em causa no processo sub iudice é a questão de saber se um terceiro que não tenha participado numa alegada violação do direito de propriedade industrial, mas que «[t]enha sido encontrad[o] a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em atividades litigiosas» [artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2004/48], neste caso concreto, uma instituição de crédito, pode, com base na citada diretiva e invocando o sigilo bancário, recusar‑se a prestar a informação (nomeadamente, o nome e a morada do titular de uma conta bancária) que lhe é pedida pelo titular do direito de propriedade intelectual ou por pessoa com legitimidade para a defesa desse direito ( 4 ).

I – Quadro legal

A – Direito da União

3.

A Diretiva 2004/48 tem por objetivo, nos termos do seu décimo considerando, aproximar as legislações dos Estados‑Membros em matéria de respeito dos direitos de propriedade intelectual a fim de assegurar um nível de proteção elevado, equivalente e homogéneo desses direitos no mercado interno. O seu oitavo considerando refere que «as disparidades existentes entre os regimes dos Estados‑Membros no que diz respeito aos meios para fazer respeitar os direitos de propriedade intelectual são prejudiciais ao bom funcionamento do mercado interno e não permitem assegurar que os direitos de propriedade intelectual beneficiem de um nível de proteção equivalente em todo o território da Comunidade. É uma situação que não tende a favorecer a livre circulação no mercado interno nem a criar um enquadramento favorável a uma sã concorrência», enquanto o nono considerando da referida diretiva recorda que «[o] desenvolvimento da utilização da Internet permite uma distribuição instantânea e global de produtos piratas […]».

4.

Nos termos do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2004/48, «[a] presente diretiva não prejudica: a) a […] a Diretiva 95/46/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados]», ponto que também é referido no seu décimo quinto considerando.

5.

O artigo 3.o da Diretiva 2004/48 dispõe que:

«1.   Os Estados‑Membros devem estabelecer as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos pela presente diretiva. Essas medidas, procedimentos e recursos devem ser justos e equitativos, não devendo ser desnecessariamente complexos ou onerosos, comportar prazos que não sejam razoáveis ou comportar atrasos injustificados.

2.   As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

6.

O artigo 8.o da Diretiva 2004/48, sob a epígrafe «Direito de informação», estabelece o seguinte:

«1.   Os Estados‑Membros devem assegurar que, no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual e em resposta a um pedido justificado e razoável do queixoso, as autoridades judiciais competentes possam ordenar que as informações sobre a origem e as redes de distribuição de bens ou serviços que violam um direito de propriedade intelectual sejam fornecidas pelo infrator e/ou por qualquer outra pessoa que:

[…]

c)

Tenha sido encontrada a prestar, à escala comercial, serviços utilizados em atividades litigiosas;

[…]

2.   As referidas no n.o 1 incluem, se necessário:

a)

Os nomes e endereços dos produtores, fabricantes, distribuidores, fornecedores e outros possuidores anteriores dos bens ou serviços, bem como dos grossistas e dos retalhistas destinatários;

[…]

3.   Os n.os 1 e 2 são aplicáveis, sem prejuízo de outras disposições legislativas ou regulamentares que:

[…]

e)

Regulem a proteção da confidencialidade das fontes de informação ou o tratamento dos dados pessoais.»

B – Direito nacional

7.

O artigo 19.o da lei alemã sobre as marcas, de 25 de outubro de 1994, conforme posteriormente alterada (Markengesetz; a seguir «Lei das marcas»), sob a epígrafe «Direito à informação», consagra na legislação alemã sobre marcas o direito previsto pelo artigo 8.o da Diretiva 2004/48. O n.o 2 do referido artigo 19.o tem o seguinte teor:

«Em caso de violação manifesta ou quando o titular de uma marca ou de uma designação comercial tenha interposto uma ação contra o infrator, o direito também pode ser exercido (sem prejuízo do disposto no n.o 1) contra um terceiro que, à escala comercial,

1.

tenha na sua posse mercadoria ilícita;

2.

tenha utilizado os serviços ilícitos;

3.

tenha prestado serviços utilizados em atividades delituosas, ou

4.

tenha sido indicado por qualquer das pessoas referidas nos números 1, 2 ou 3, como tendo participado na produção, fabrico ou distribuição dessas mercadorias ou na prestação desses serviços,

a não ser que o terceiro, nos termos dos artigos 383.° a 385.° do Código de Processo Civil, tenha o direito de se recusar a depor no processo contra o infrator […]».

8.

O artigo 383.o, n.o 1, alínea 6, do Código de Processo Civil alemão (Zivilprozessordnung, na versão de 5 de dezembro de 2005, conforme posteriormente alterado; a seguir «ZPO») reconhece às pessoas que no exercício do seu cargo, profissão ou ofício tenham conhecimento de factos que, pela sua natureza ou por força de uma disposição legal, devam manter‑se confidenciais, o direito de se recusar a depor relativamente aos factos abrangidos pela obrigação de sigilo.

II – Processo principal e questões prejudiciais

9.

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio entre a sociedade comercial alemã Coty Germany GmbH (a seguir «Coty Germany»), concessionária exclusiva da marca comunitária «Davidoff Hot Water», e a Stadtsparkasse Magdeburg (a seguir «Sparkasse»).

10.

Em janeiro de 2011, a Coty Germany, através de uma plataforma de Internet, comprou em leilão um frasco de perfume da marca «Davidoff Hot Water». Transferiu o preço do produto para a conta bancária da Sparkasse fornecida pelo vendedor. Assim que verificou que se tratava de um produto de contrafação, a Coty Germany solicitou à plataforma de Internet que lhe facultasse o verdadeiro nome do titular da conta de utilizador a partir da qual foi comercializado o perfume (a venda tinha sido efetuada sob pseudónimo). A pessoa indicada admitiu ser a titular da conta de utilizador na plataforma de Internet, mas negou ser a vendedora do produto e, invocando o seu direito ao silêncio, recusou fornecer mais informação. A seguir, a Coty Germany, ao abrigo do artigo 19.o, n.o 2, da Lei sobre marcas, solicitou à Sparkasse o nome e a morada do titular da conta bancária para onde transferiu o preço do produto de contrafação adquirido. A Sparkasse, invocando o sigilo bancário, recusou‑se a fornecer a referida informação. A Coty Germany recorreu então ao Landgericht Magdeburg (tribunal de primeira instância), o qual condenou a Sparkasse a fornecer os dados solicitados. A Sparkasse interpôs recurso para o Oberlandesgericht Naumburg, invocando o artigo 383.o, n.o 1, alínea 6, de la ZPO (para o qual remete o artigo 19.o, n.o 2, da Lei sobre marcas), que consagra, nomeadamente, o direito das instituições de crédito se recusarem a depor como testemunhas num processo de natureza civil invocando o sigilo bancário. O tribunal de segunda instância deu razão à Sparkasse. A Coty Germany interpôs então recurso no Bundesgerichtshof, pedindo novamente a condenação da instituição de crédito a fornecer‑lhe a informação pedida.

11.

Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48/CE ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional que permite a uma instituição de crédito, num caso como o que está em causa no processo principal, recusar‑se a prestar a informação sobre o nome e morada do titular da conta bancária, pedida nos termos do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da referida Diretiva, invocando o sigilo bancário?»

12.

Apresentaram observações escritas no presente processo a Coty Germany, a Sparkasse, a Comissão Europeia e o Governo alemão.

III – Resumo das posições das partes

13.

A Coty Germany, nas suas observações, alega que o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2004/48 se opõe a uma lei nacional que permite a uma instituição de crédito invocar o sigilo bancário para recusar dar o nome e a morada do titular da conta bancária a quem solicita esta informação ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva. Segundo a Coty Germany, quem viola um direito à marca nunca vai autorizar quem lhe presta um serviço na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2004/48 a transmitir informações relativas à sua identidade (que são dados pessoais para efeitos da Diretiva 95/46) ao titular do direito violado, situação em que vai sempre suscitar‑se um conflito. A Coty Germany alega que deve fazer‑se uma ponderação dos interesses em conflito atendendo às circunstâncias do caso concreto, considerando que quem vende mercadoria de contrafação não é digno de proteção no que à sua identidade diz respeito.

14.

A Sparkasse, cujas observações se concentram na inadmissibilidade da questão prejudicial, a qual irei referir em seguida, considera, quanto ao mérito, que a Coty Germany dispõe de outro expediente mais simples para obter a identidade do presumível infrator do direito à marca, designadamente por intermédio de um processo penal, que lhe permitirá aceder à informação recolhida pelo Ministério Público, perante o qual não é possível invocar o sigilo bancário. Por outro lado, a Sparkasse refere que não se pode fazer com que o seu direito de se recusar a depor dependa de uma ponderação dos interesses em conflito no caso concreto. E salienta, além disso, que uma instituição de crédito não consegue avaliar, para decidir se fornece ou não a informação solicitada, se a violação de uma marca é ou não manifesta na aceção do artigo 19.o, n.o 2, primeira alternativa, da Lei das marcas.

15.

O Governo alemão defende que o artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2004/48 seja interpretado no sentido de que a resposta a um pedido de informação apresentado nos termos que estipula deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade na ponderação dos direitos fundamentais em conflito. Segundo o Governo alemão, o direito da União em matéria de proteção de dados (designadamente, a Diretiva 95/46) não se opõe a priori a que, nas circunstâncias do presente processo, se forneçam as informações solicitadas. Por outro lado, o Governo alemão considera que não é aplicável ao processo sub iudice o que qualifica como «derrogação» do artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48. A disposição nacional que permite recusar‑se a prestar a informação solicitada invocando o sigilo bancário não regula o tratamento dos dados pessoais na aceção da referida disposição. Em seu entender, trata‑se antes de uma disposição que protege a confidencialidade das fontes de informação nos termos do referido artigo 8.o, n.o 3, alínea e), conceito que, segundo o Governo alemão, engloba também a confidencialidade da própria informação. Ora, o citado preceito da diretiva deve ser interpretado no sentido de que deve permitir sempre ao órgão jurisdicional nacional ponderar os direitos fundamentais em conflito e valorar as circunstâncias que se verificam em cada caso concreto.

16.

Por último, a Comissão refere, nas suas observações, que o artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48 não se opõe a uma disposição nacional que permita a uma instituição de crédito invocar o sigilo bancário para recusar a informação solicitada, na condição de essa disposição preencher determinados requisitos, nomeadamente, que satisfaça as exigências do princípio da segurança jurídica, que regule o tratamento dos dados pessoais e que permita ao órgão jurisdicional nacional em cada caso concreto ponderar os direitos fundamentais em conflito.

IV – Análise

A – Quanto à admissibilidade

17.

Antes de abordar a questão de mérito colocada pela pergunta do Bundesgerichtshof, convém analisar a questão da admissibilidade suscitada pela demandada no processo a quo, a Sparkasse. Alega que o litígio submetido à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio não é regulado pela Diretiva 2004/48 mas apenas pelo direito nacional, dado que o pedido de informação não surge no âmbito de um procedimento relativo à violação de um direito de propriedade intelectual (artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, segunda alternativa, da Lei sobre marcas) mas sim num caso de «violação manifesta» da marca (artigo 19.o, n.o 2, primeira alternativa, da Lei sobre marcas) que, segundo aquela, não se encontra previsto na referida diretiva, conforme se especifica em seguida.

18.

Segundo a Sparkasse, o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 não prevê um direito material autónomo a solicitar informações de um terceiro, reconhecendo apenas o referido direito no contexto de um procedimento relativo à violação de um direito de propriedade intelectual ou industrial, no caso dos autos, uma marca comunitária, e em resposta a um pedido justificado e razoável do queixoso. A Sparkasse alega que, no presente processo, não existe um procedimento relativo a uma violação intentado pelo titular da marca (ou pela concessionária, neste caso) contra quem violou o seu direito, no contexto do qual o queixoso solicite a um terceiro uma determinada informação, mas que se está a exercer um direito material autónomo, que não é regulado pela diretiva mas apenas pelo direito nacional.

19.

Na minha opinião, esta objeção deve ser rejeitada. Com efeito, não parece irrelevante o facto de a «violação manifesta» ter sido introduzida na Lei sobre marcas em 2008, precisamente pensando também naqueles casos em que o titular do direito violado necessita da informação para identificar o infrator, ou seja, nos casos em que, tendo em conta as características próprias do direito processual alemão, que não permite que se possa intentar uma ação cível contra pessoa não determinada, não pode existir um procedimento relativo à violação de um direito de propriedade intelectual porque ainda não se identificou a pessoa contra quem será intentada a ação ( 5 ).

20.

Na minha opinião, a expressão utlizada, nomeadamente, na versão espanhola do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, «en el contexto de los procedimientos relativos a una infracción de un derecho de propiedad intelectual» ( 6 ), é suficientemente ampla para abranger casos como o presente em que, existindo indícios suficientes de violação de um direito de propriedade intelectual («violação manifesta»), o pedido de informação se destina claramente a permitir instaurar o procedimento por violação de uma marca. Neste sentido pode dizer‑se que nos encontramos «no contexto» de um procedimento «relativo» a uma violação de um direito à marca ( 7 ).

21.

Por conseguinte, considero que se pode concluir que o caso dos autos também é abrangido pela referida Diretiva 2004/48 e que a questão prejudicial submetida pelo Bundesgerichtshof é admissível.

B – Quanto ao mérito

22.

Passando agora ao mérito da questão, em primeiro lugar convém precisar que o fundamento da pergunta do Bundesgerichtshof, relativamente ao qual os termos desta não são explícitos, encontra‑se no disposto no artigo 19.o, n.o 2, da Lei sobre marcas. Tal como anteriormente ficou exposto, este preceito reconhece expressamente a possibilidade de o terceiro a quem se pedem as informações se recusar a prestá‑las se, nos termos dos artigos 383.° a 385.° da ZPO, tiver direito a recusar‑se a depor num processo de natureza civil contra o infrator. No caso dos autos, a Sparkasse recorreu precisamente a essa possibilidade, invocando o sigilo bancário ( 8 ).

23.

O que é necessário verificar é se essa possibilidade, prevista no direito alemão, de recusar a prestação de informações, invocando, em última análise, o sigilo bancário, respeita o direito à informação reconhecido ao titular ou ao concessionário de uma marca no artigo 8.o da Diretiva 2004/48.

24.

O direito à informação do artigo 8.o da Diretiva 2004/48 é um direito instrumental destinado a assegurar a proteção efetiva da propriedade intelectual, como resulta do seu vigésimo primeiro considerando. A sua finalidade imediata é, de certa forma, nivelar os diferentes graus de informação de que dispõem, tanto aquele que presumivelmente violou um direito de propriedade intelectual, como o titular desse direito ( 9 ), com as consequentes repercussões que o facto de o titular do direito não poder dispor da informação mínima necessária para poder agir judicialmente contra o presumível infrator pode ter sobre a efetividade da proteção jurisdicional. Naturalmente, o direito à informação não é um direito absoluto e, de facto, o próprio artigo 8.o admite a possibilidade de os Estados estipularem determinadas restrições ao seu exercício. Assim, embora entre elas não figure expressamente o sigilo bancário, é estipulado nos termos do n.o 3: «[o]s n.os 1 e 2 são aplicáveis sem prejuízo de outras disposições legislativas que […] e) [r]egulem a proteção da confidencialidade das fontes de informação ou o tratamento dos dados pessoais». Por outro lado, o artigo 2.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/48 restringe o direito à informação do artigo 8.o quando estipula que a referida diretiva «não prejudica», nomeadamente, a Diretiva 95/46.

25.

Na questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio apenas refere expressamente o artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48 como a disposição que permitiria eventualmente acolher o sigilo bancário como restrição ou, inclusivamente, derrogação do direito à informação do n.o 1, alínea c) desse mesmo artigo. Trata‑se assim da questão de saber se, nas circunstâncias do presente processo, o artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da referida diretiva permite a uma instituição de crédito, com base numa disposição legal nacional que prevê o direito de se recusar a depor em determinadas circunstâncias, invocar o sigilo bancário para se recusar a prestar a informação solicitada no exercício do direito previsto no n.o 1 desse mesmo artigo 8.o

26.

Antes de mais, há que referir que, no presente processo, convém focar‑se na segunda das hipóteses previstas na referida alínea e), que faz referência ao tratamento dos dados pessoais, deixando de lado a primeira, relativa à proteção da confidencialidade das fontes de informação. Parece claro, que, no caso dos autos, não se verifica a referida hipótese, uma vez que não está em causa a proteção da identidade de uma «fonte de informação».

27.

Tendo em consideração esta segunda hipótese prevista pela disposição do artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da diretiva 2004/48, devo começar por dizer que, na minha opinião, a regulamentação nacional em causa, tal como é exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio, tem dois efeitos diferentes: em primeiro lugar, um efeito imediato, que consiste na «frustração» do direito à informação reconhecido no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48; e, em segundo lugar, um efeito mediato, que consiste na «afetação» do direito fundamental à proteção jurisdicional efetiva e eventual corolário do direito fundamental à propriedade intelectual.

28.

Deve desde logo salientar‑se que a frustração do direito à informação a que se acaba de fazer referência (e, indiretamente, a restrição dos referidos direitos fundamentais), por sua vez, decorre dos requisitos do «sigilo bancário», tal como se considera previsto no artigo 383.o, n.o 1, alínea 6, da ZPO. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o objetivo de preservar o sigilo bancário pode ser abrangido pela salvaguarda prevista pelo artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da diretiva 2004/48 no exercício do direito à informação do seu n.o 1, na medida em que o referido direito é reconhecido «sem prejuízo», nomeadamente, «de outras disposições legislativas que […] regulem […] o tratamento dos dados pessoais».

29.

Nestes termos, podia considerar‑se discutível a aplicabilidade da referida salvaguarda ao presente caso, uma vez que subsistem dúvidas quanto ao facto de o próprio «sigilo bancário», tal como é previsto no direito alemão, ser uma «disposição legislativa» para efeitos do artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48, ou de a disposição do artigo 383.o, n.o 1, alínea 6, da ZPO, para a qual remete o artigo 19.o, n.o 2, da Lei das marcas, se destinar a regular o «tratamento dos dados pessoais», como foi especialmente salientado pelo governo alemão nas suas observações ( 10 ).

30.

No entanto, há que ter em conta que em muitos casos, como acontece no presente processo, o essencial, quanto à aplicação da referida norma, é saber se devem ou não ser comunicados ao tribunal certos dados pessoais de pessoas determinadas ( 11 ). Além disso, também se deve ter em conta que, em todo o caso, a Diretiva 2004/48 contém, no seu artigo 2.o, n.o3, alínea a), uma cláusula geral de salvaguarda do disposto na Diretiva 95/46 em matéria de proteção de dados pessoais. Por conseguinte, uma interpretação do artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48 em conformidade com o direito fundamental à proteção dos dados de caráter pessoal consagrado no artigo 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») leva a considerar que a regulamentação nacional em causa se enquadra na referida alínea e) do artigo 8.o, n.o 3, da mencionada diretiva.

31.

Encontrando‑se assim descrito o sentido da regulamentação nacional, entendo que, para apreciar a respetiva compatibilidade com a Diretiva 2004/48, em primeiro lugar é necessário qualificá‑la do ponto de vista da garantia dos direitos fundamentais envolvidos. A este respeito deve dizer‑se desde logo que a referida regulamentação nacional tem por finalidade uma «restrição do exercício» dos direitos fundamentais à proteção jurisdicional efetiva e à propriedade industrial na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Com efeito, o interesse legítimo da instituição de crédito em preservar o sigilo bancário, expressão do dever de confidencialidade inerente à relação com o seu cliente, implica uma restrição dos direitos fundamentais do titular ou concessionário da marca (este último enquanto titular de determinados direitos patrimoniais dela decorrentes) na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, concretamente, do seu direito de propriedade intelectual (artigo 17.o, n.o 2, da Carta), e do seu direito à ação do artigo 47.o da Carta ( 12 ), instrumento necessário à proteção do primeiro.

32.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta permite a restrição ao exercício dos direitos fundamentais tendo em conta duas finalidades alternativas: a restrição deve corresponder a um objetivo de interesse geral reconhecido pela União (primeira alternativa) ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (segunda alternativa). Sabendo que é o tribunal nacional que tem competência para identificar definitivamente o fim legítimo visado pela regulamentação em causa, parece ser óbvio, na minha opinião, que a situação em análise se enquadra na segunda alternativa (embora não se exclua que se possam verificar também «objetivos de interesse geral» na aceção da primeira, relacionados com o desenvolvimento, por parte das instituições de crédito, de uma atividade fulcral para o funcionamento de todo o sistema económico). Neste sentido, considero que a restrição do direito à ação e do direito de propriedade intelectual do concessionário da marca por força do sigilo bancário, mediante o qual a instituição de crédito é obrigada a não revelar dados relativos à identidade do seu cliente e respetiva atividade bancária sem o consentimento deste, corresponde fundamentalmente à necessidade de salvaguardar o direito (também reconhecido como fundamental no artigo 8.o da Carta) à proteção dos dados de caráter pessoal dos clientes em poder da instituição de crédito.

33.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta contém uma regulamentação detalhada das condições em que é legítima a «restrição» de um direito fundamental. A este respeito, a restrição de direitos fundamentais em causa neste processo, para ser legítima, deve preencher todos os requisitos previstos na referida disposição, ou seja, deve ser prevista por lei, respeitar o conteúdo essencial dos direitos e liberdades em causa, e, finalmente, ser adequada e necessária para alcançar a finalidade visada, bem como respeitar o princípio da proporcionalidade.

34.

A tarefa de verificar se a regulamentação alemã em causa preenche as condições do artigo 52.o, n.o 1, da Carta compete ao tribunal nacional. É a este que incumbe, por conhecer melhor as especificidades de «um caso como o do processo principal», às quais se refere o órgão jurisdicional de reenvio, avaliar se, efetivamente, se verificam ou não as circunstâncias que legitimam a restrição de direitos fundamentais por força do sigilo bancário.

35.

Em seguida passo a expor sucintamente, recordando a jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito, as referências necessárias para que o tribunal nacional, aplicando o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, possa avaliar em que medida é que o interesse legítimo da instituição de crédito em preservar o sigilo bancário pode restringir validamente o direito à proteção jurisdicional efetiva de quem, para poder invocar em tribunal os direitos decorrentes de uma marca comunitária, pretenda exercer o direito à informação que lhe é reconhecido pelo artigo 8, n.o 1, da Diretiva 2004/48, e restringir também, como eventual corolário, o seu direito fundamental de propriedade intelectual.

1. Legalidade e conteúdo essencial

36.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta dispõe que a restrição «deve ser prevista por lei», ou seja, que deve respeitar o princípio da legalidade, de tal modo que só será admissível uma restrição que assente numa base legal de direito interno acessível, clara e previsível ( 13 ). Ora, no presente processo, deparamo‑nos com o facto de, como refere o órgão jurisdicional de reenvio no n.o 22 da sua decisão de reenvio, «o sigilo bancário não se encontrar consagrado expressamente em qualquer disposição legal alemã, decorrendo, no direito alemão, da obrigação geral de o banco proteger e não prejudicar os interesses patrimoniais dos seus clientes». Na Alemanha, continua o Bundesgerichtshof, «a proteção do sigilo bancário deduz‑se indiretamente do artigo 383.o, n.o 1, alínea 6, da ZPO, que fundamenta o direito a não prestar declarações sobre dados sujeitos a sigilo bancário […] [que] abrangem normalmente o nome e a morada do titular da conta».

37.

Como já recordei nas minhas conclusões apresentadas no processo Scarlet Extended ( 14 ), o termo «lei» para efeitos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta deve entender‑se na sua aceção «material», e não apenas na sua aceção formal, no sentido de que ela pode incluir tanto o «direito escrito» como o «direito não escrito» ou ainda o «direito de criação judicial», de forma que, em determinadas circunstâncias, «uma jurisprudência constante» publicada, portanto acessível e seguida pelos tribunais inferiores, pode completar uma disposição legislativa e clarificá‑la até ao ponto de a tornar previsível.

38.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio confirmar até que ponto a jurisprudência relativa ao artigo 383.o, n.o 1, alínea 6, da ZPO permite estipular que o sigilo bancário, embora não esteja expressamente consagrado em nenhuma disposição legislativa alemã, preenche as condições do princípio da legalidade nos termos expostos nos pontos anteriores (designadamente, as exigências de acessibilidade, clareza e previsibilidade) e pode, em princípio, legitimar, caso se satisfaçam os restantes requisitos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a restrição dos direitos fundamentais anteriormente referidos.

39.

O artigo 52.o, n.o 1, da Carta estipula, além disso, que a restrição deve sempre respeitar o «conteúdo essencial» do direito ou dos direitos fundamentais em causa. Neste ponto, as dúvidas mais sérias suscitam‑se no que respeita, especialmente, ao direito da Coty Germany à ação. Na Alemanha, em circunstâncias como as do presente processo, a efetividade da tutela jurisdicional reclamada pela concessionária da marca violada parece depender única e exclusivamente do facto de a instituição de crédito à qual se solicitou a informação, que tem uma obrigação contratual de confidencialidade para com o seu cliente, renunciar, seja qual for o motivo, a exercer o direito de se recusar a depor que lhe atribui o artigo 383.o, n.o 1, alínea 6 da ZPO ( 15 ). É certo que é o direito nacional dos diferentes Estados‑Membros que deve regular o processo de aplicação do direito da União por força do princípio de autonomia processual (pelo que, em princípio, cada Estado‑Membro pode decidir em que termos regula o direito de determinadas pessoas se recusarem a depor sobre factos que são do seu conhecimento). Ora, a margem de discricionariedade dos Estados‑Membros no exercício dessa competência é limitada pela condição de se assegurar sempre a efetividade da tutela, de modo a não impossibilitar ou dificultar excessivamente, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União ( 16 ). De qualquer forma, é óbvio que não se respeitaria o conteúdo essencial se a regulamentação nacional em causa implicasse a frustração do direito à tutela jurisdicional dos eventuais titulares dos direitos de propriedade intelectual.

2. Proporcionalidade em sentido amplo

40.

Nos termos do artigo 52.o, n.o 1, segundo período, da Carta, «[n]a observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente […] à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros». Para este efeito, há que avaliar se, nas circunstâncias do presente processo, invocar o sigilo bancário para impedir a Coty Germany de exercer o direito à ação, deixando assim também desprotegido o seu direito à propriedade intelectual, é adequado, necessário e proporcionado à consecução do objetivo legítimo prosseguido, que é, na minha opinião, como já referi anteriormente, salvaguardar o direito à proteção dos dados do presumível infrator na posse da instituição de crédito em que tem conta aberta.

a) Adequação

41.

Desde logo, no que respeita ao primeiro dos requisitos, a adequação exige que se verifique se a restrição dos direitos fundamentais à ação e à propriedade intelectual do concessionário da marca é adequada à consecução do objetivo prosseguido, ou seja, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, se «[corresponde] efetivamente» à necessidade, neste caso, de salvaguardar o direito à proteção dos dados do titular da conta bancária.

b) Necessidade

42.

Em segundo lugar, e isto parece ser especialmente importante nas circunstâncias do presente processo, deve determinar‑se se a restrição é realmente necessária para a consecução desse objetivo. A restrição dos direitos fundamentais da Coty Germany só será necessária se a finalidade visada (proteção dos dados do cliente por parte da instituição de crédito) não for suscetível de se alcançar com uma medida que limite em menor grau esses direitos. Considero que neste ponto deve verificar‑se, especialmente, se as informações pedidas pela Coty Germany à Sparkasse podem ser eventualmente obtidas por outro meio ou de uma outra fonte que não a instituição de crédito ( 17 ). Além disso, deve analisar‑se aqui a real viabilidade da hipótese, apresentada pela Sparkasse nas suas observações, de a Coty Germany instaurar um processo penal contra pessoa não determinada para assim obter o nome do presumível infrator. Para esse efeito, o tribunal nacional deve verificar em que medida esse recurso ao processo penal é exigível ao titular ou concessionário da marca e, até previamente, se tal é possível, na prática, no respetivo direito nacional (e, assim sendo, se a utilização do processo penal para fins alheios ao mesmo não configuraria eventualmente um abuso inaceitável).

c) Proporcionalidade em sentido estrito

43.

Por último, a análise da proporcionalidade exigirá que se verifique até que ponto os objetivos de proteção de determinados direitos justificam de forma suficiente os sacrifícios daí decorrentes para outros direitos fundamentais. O tribunal nacional deve ter em conta, entre outros elementos, a natureza e o alcance das informações solicitadas pela Coty Germany que, conforme resulta dos autos, parecem limitar‑se ao estritamente necessário para intentar um processo judicial contra o presumível infrator; qual o grau de probabilidade da existência de uma violação do direito de propriedade intelectual ( 18 ) bem como relativamente ao facto de o titular da conta que se pretende identificar ter eventualmente agido de forma ilícita ( 19 ), devendo também avaliar até que ponto a identidade de alguém que presumivelmente comercialize produtos de contrafação é digna de proteção, designadamente porque, como alega a Coty Germany nas suas observações, a indicação correta do nome e da direção faz parte das obrigações de qualquer comerciante de boa fé ( 20 ), a existência de um prejuízo substancial provocado ao titular da marca protegida; e as garantias relativas à utilização a dar pela Coty Germany aos dados que obtenha, para que a informação fornecida só possa ser usada para instaurar um processo contra o presumível responsável pela infração e não para quaisquer outros fins alheios a esse objetivo. De qualquer forma, no âmbito desta análise de proporcionalidade, o tribunal nacional deve ter em conta todos os direitos fundamentais em causa e, consequentemente, efetuar uma ponderação entre os direitos fundamentais em conflito ( 21 ).

44.

Tendo em conta as considerações anteriormente expostas, entendo que o artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permita indiscriminadamente que uma instituição de crédito, invocando o sigilo bancário, recuse prestar uma informação relativa ao nome e morada do titular de uma conta bancária que lhe foi solicitada ao abrigo do disposto no artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva. Esse efeito só será compatível com o referido preceito da diretiva citada na medida em que resulte de uma valoração prévia, para a qual tem competência o tribunal nacional, que assegure a legitimidade da restrição dos direitos fundamentais que sejam objeto da regulamentação nacional em causa, nos termos previstos no artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

V – Conclusão

45.

À luz destas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao Bundesgerichtshof que:

«O artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permita indiscriminadamente que uma instituição de crédito, invocando o sigilo bancário, recuse prestar uma informação relativa ao nome e morada do titular de uma conta bancária que lhe foi solicitada ao abrigo do disposto no artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da referida diretiva. Esse efeito só será compatível com o referido preceito da diretiva citada na medida em que resulte de uma valoração prévia, para a qual tem competência o tribunal nacional, que assegure a legitimidade da restrição dos direitos fundamentais que sejam objeto da regulamentação nacional em causa, nos termos previstos no artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»


( 1 ) Língua original: espanhol.

( 2 ) JO L 157, p. 45. Nos termos do artigo 1.o, segundo período, da Diretiva 2004/48, «[p]ara efeitos da presente diretiva, a expressão ‘direitos de propriedade intelectual’ engloba os direitos de propriedade industrial», pelo que a seguir a expressão «propriedade intelectual» será usada neste sentido mais amplo.

( 3 ) V. acórdãos Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54; Scarlet Extended, C‑70/10, EU:C:2011:771; Bonnier Audio e o., C‑461/10, EU:C:2012:219; UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, e despacho LSG‑Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten, C‑557/07, EU:C:2009:107.

( 4 ) Nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2004/48, os Estados‑Membros reconhecem legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos referidos no Capítulo II dessa Diretiva, designadamente, a «todas as outras pessoas autorizadas a utilizar esses direitos [de propriedade intelectual], em particular os titulares de licenças, na medida do permitido pela legislação aplicável e nos termos da mesma».

( 5 ) BT‑Drs. 16/5048, pp. 38 e 39, respeitante ao projeto da lei alemã de transposição da Diretiva 2004/48.

( 6 ) O sublinhado é meu. A versão espanhola, tal como a italiana («nel contesto dei procedimenti riguardanti la violazione di un diritto di proprietà inelletuale») e a portuguesa («no contexto dos procedimentos relativos à violação de um direito de propriedade intelectual»), são traduções literais da versão em língua inglesa, «in the context of proceedings concerning an infringement of an intellectual property right». A versão em língua alemã refere literalmente «im Zusammenhang mit einem Verfahren wegen Verletzung eines Rechts des geistigen Eigentums» (o sublinhado é meu), enquanto a versão em língua francesa utiliza a expressão «dans le cadre».

( 7 ) Neste sentido se pronunciam também Walter e Goebel quando analisam o artigo 8.o da Diretiva 2004/48 em Walter, M.M. e von Lewinski, S. (eds.): European Copyright Law: a commentary. Oxford, Oxford University Press, 2010, pp. 1263 e 1264: «Paragraph 1 does not read ‘in the course of proceedings concerning an infringement of intellectual property rights’, but refers to such proceedings in using the formula ‘in the context of’ such proceedings, thus emphasizing that the information must be provided with respect to infringement proceedings but not necessarily in the course of an infringement proceeding» (o sublinhado é meu).

( 8 ) O sigilo bancário é geralmente aceite na Alemanha como una obrigação específica de confidencialidade decorrente da obrigação geral das instituições de crédito de proteger e não prejudicar os interesses patrimoniais dos seus clientes, que normalmente faz parte das condições contratuais gerais dos contratos celebrados entre estes e as instituições de crédito e que as obriga a recusar pedidos de informações sobre os seus clientes caso não haja consentimento do titular da conta. As condições contratuais gerais da Stadtsparkasse Magdeburg podem ser consultadas na Internet, https://www.sparkasse‑magdeburg.de/pdf/vertragsbedingungen/AGB.pdf. Entre elas inclui‑se uma referência expressa ao sigilo bancário (n.o 1, alínea 1) e às circunstâncias em que a instituição pode facilitar informação relativa ao cliente (n.o 3, alínea 2). Relativamente ao sigilo bancário, designadamente na sua relação com a proteção de dados, v. especificamente Kahler, T., «Datenschutz und Bankgeheimnis», en Kahler, T. e Werner, S.: Electronic Banking und Datenschutz — Rechtsfragen und Praxis. Berlín/Heidelberg: Springer, 2008, pp. 143 e segs. e a bibliografia ali referida.

( 9 ) McGuire, M.R., «Beweismittelvorlage und Auskunftsanspruch nach der Richtlinie 2004/48/EG zur Durchsetzung der Rechte des Geistigen Eigentums», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht — Internationaler Teil, 2005, p. 15, e Haedicke, M., «Informationsbefugnisse des Schutzrechtsinhabers im Spiegel der EG‑Richtlinie zur Durchsetzung der Rechte des geistigen Eigentums», em A. Ohly e o. (eds.): Perspektiven des Geistigen Eigentums und Wettbewerbsrechts — Festschrift für Gerhard Schricker zum 70. Geburtstag. Múnich, C.H. Beck, 2005, pp. 19 e 20.

( 10 ) V. n.os 59 e segs. das referidas observações.

( 11 ) A comunicação do nome e morada do titular da conta (presumível infrator) na Sparkasse, solicitada pela Coty Germany, caso se verificasse, configuraria uma comunicação de dados pessoais, isto é, de informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável [de acordo com a definição do artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 95/46] e também um «tratamento de dados pessoais» [nos termos da definição do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 95/46].

( 12 ) O direito à ação do artigo 47.o da Carta é a reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio geral do direito da União que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros (v. acórdãos Unibet, C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o 37; Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 335, e AJD Tuna, C‑221/09, EU:C:2011:153, n.o 54).

( 13 ) V., sobre esta questão, ponto 53 das conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas no processo Promusicae, C‑275/06, EU:C:2007:454, onde se refere o acórdão Österreichischer Rundfunk, C‑465/00, C‑138/01 e C‑139/01, EU:C:2003:294, n.os 76 e 77.

( 14 ) C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 99.

( 15 ) A este respeito recorde‑se o referido no ponto 19 das presentes conclusões acerca da impossibilidade de intentar, na Alemanha, uma ação civil contra pessoa indeterminada. Como já foi referido pela advogada‑geral V. Trstenjak nas suas conclusões apresentadas no processo Hypoteční banka, C‑327/10, EU:C:2011:561, «[s]i um autor não pudesse intentar uma ação contra um demandado que também não conseguiu localizar, após empreender todas as averiguações exigidas pela diligência e pela boa‑fé, então existiria o risco de o direito do demandante à proteção jurídica efetiva ficar completamente esvaziado de todo o conteúdo» (ponto 131).

( 16 ) V., designadamente, acórdãos Safalero, C‑13/01, EU:C:2003:447, n.o 49; Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.o 103; Wells, C‑201/02, EU:C:2004:12, n.o 67, e Unibet, C‑432/05, EU:C:2007:163, n.o43, e as conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak apresentadas no processo N.S. e o., C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:610, n.os 160 e 161. O princípio da efetividade figura agora, não só no direito à tutela jurisdicional efetiva tal como se consagra no artigo 47.o da Carta, mas também, no contexto específico aqui causa, no artigo 3.o da Diretiva 2004/48.

( 17 ) A este respeito há que ter em conta no presente processo que a Coty Germany já tinha tentado, em vão, obter a referida informação junto da plataforma de Internet através da qual adquiriu o produto de contrafação e da pessoa que essa plataforma identificou como titular da conta de utilizador a partir da qual foi efetuada a venda.

( 18 ) V., neste sentido, acórdão Bonnier Audio e o., C‑461/10, EU:C:2012:219, n.o 58, que considerou aceitável do ponto de vista do direito da União uma legislação nacional que exigia, nomeadamente, para que se pudesse ordenar uma intimação para comunicar os dados em causa, que existissem indícios reais de violação de um direito de propriedade intelectual, e conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak apresentadas no processo N.S. e o., C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:611, n.o 159. Recorde‑se que, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio afirma, no n.o 2 da decisão de reenvio, que, «[q]uanto ao perfume, tratava‑se de uma contrafação identificável até por um leigo».

( 19 ) Contrariamente ao que acontecia no processo Promusicae, C‑275/06, onde, como expôs a advogada‑geral J. Kokott no ponto 115 das suas conclusões, EU:C:2007:454, «a circunstância de terem sido cometidas infrações aos direitos de autor numa determinada data e com recurso a um endereço IP não demonstra cabalmente que as mesmas foram cometidas pelo titular da ligação à Internet, a quem o endereço IP foi atribuído nessa data», no presente processo, parte‑se do princípio, e, na minha opinião, corretamente, de que o titular da conta para a qual se transfere a quantia correspondente ao preço da mercadoria de contrafação é a pessoa (ou uma das pessoas) que beneficia economicamente da violação do direito à marca.

( 20 ) Recorde‑se neste sentido que, no acórdão L’Oréal e o., C‑324/09, EU:C:2011:474, n.o 142, o Tribunal de Justiça já declarou que «embora seja verdade que é necessário respeitar a proteção dos dados de caráter pessoal, não é menos certo que, quando o autor da violação opera ao nível da vida comercial e não no domínio da vida privada, aquele deve poder ser claramente identificado» (o sublinhado é meu). No presente processo parece claro que quem vendeu o perfume de contrafação atuava «à escala comercial» para efeitos da Diretiva 2004/48 uma vez que, como consta dos autos, o volume de negócios da conta de utilizador da plataforma de Internet a partir da qual foi efetuada a venda ascendeu, entre meados de dezembro de 2010 e meados de janeiro de 2011, a mais de 10000 euros.

( 21 ) Recordem‑se, neste sentido, acórdãos Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, e Bonnier Audio e o., C‑461/10, EU:C:2012:219, bem como despacho LSG‑Gesellschaft zur Wahrnehmung von Leistungsschutzrechten, C‑557/07, EU:C:2009:107.