CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 28 de janeiro de 2015 ( 1 )

Processo C‑579/13

P

e

S

contra

Commissie Sociale Zekerheid Breda

College van Burgemeester en Wethouders van de gemeente Amstelveen

[pedido de decisão prejudicial

apresentado pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos)]

«Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de imigração — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Diretiva 2003/109/CE — Artigos 5.°, n.o 2, e 11.°, n.o 1 — Obrigação de integração prevista pelo direito nacional — Igualdade de tratamento dos residentes de longa duração — Proporcionalidade — Coima»

I — Introdução

1.

A questão jurídica que o presente pedido de decisão prejudicial suscita é a seguinte: em que medida o direito da União em matéria de política de imigração estabelece limites à aplicação de disposições nacionais que preveem uma obrigação de integração cívica dos nacionais estrangeiros?

2.

Nos Países Baixos, a obrigação de integração cívica dos nacionais estrangeiros foi instituída em 2007. Traduz‑se na necessidade de obter aprovação num exame que aprecia as competências linguísticas, assim como o conhecimento básico da sociedade neerlandesa. A inobservância desta obrigação no prazo legal é punida com uma coima.

3.

No presente processo, o Centrale Raad van Beroep (Tribunal Administrativo de Recurso neerlandês competente, designadamente, em matéria de segurança social) tem dúvidas quanto à questão de saber se, e, em caso de resposta afirmativa, em que condições, esta obrigação pode abranger nacionais estrangeiros que residam legalmente no território dos Países Baixos há muito tempo e que possuam o estatuto de residente de longa duração na aceção da Diretiva 2003/109/CE ( 2 ).

II — Quadro jurídico

A — Direito da União

4.

O artigo 4.o da Diretiva 2003/109, intitulado «Duração da residência», dispõe o seguinte, no n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem conceder o estatuto de residente de longa duração aos nacionais de países terceiros que tenham residência legal e ininterrupta no seu território durante os cinco anos que antecedem imediatamente a apresentação do respetivo pedido.»

5.

O artigo 5.o da Diretiva 2003/109, intitulado «Condições para aquisição do estatuto de residente de longa duração», prevê, no seu n.o 2:

«Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros preencham condições de integração, em conformidade com o direito nacional.»

6.

O artigo 11.o da Diretiva 2003/109, intitulado «Igualdade de tratamento», dispõe, no seu n.o 1:

«O residente de longa duração beneficia de igualdade de tratamento perante os nacionais em matéria de:

a)

Acesso a uma atividade profissional por conta própria ou por conta de outrem, desde que tal atividade não implique, nem mesmo a título ocasional, envolvimento no exercício da autoridade pública, bem como de acesso às condições de emprego e de trabalho, incluindo as condições de despedimento e de remuneração;

b)

Ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com o direito nacional;

[…]»

7.

O artigo 15.o da Diretiva 2003/109, intitulado «Condições de residência num segundo Estado‑Membro», enuncia, no seu n.o 3:

«Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração, em conformidade com o direito nacional.

Esta condição não se aplica no caso de ter sido exigido aos nacionais de países terceiros que preenchessem condições de integração para adquirir o estatuto de residente de longa duração, em conformidade com o n.o 2 do artigo 5.o

Sem prejuízo do disposto no segundo parágrafo, pode exigir‑se aos interessados que frequentem cursos de línguas.»

B — Direito neerlandês

8.

As condições de concessão do estatuto de residente de longa duração na aceção da Diretiva 2003/109 são reguladas, nos Países Baixos, pela Lei dos estrangeiros (Vreemdelingenwet).

9.

Em conformidade com o artigo 21.o, n.o 1, alínea k), da Vreemdelingenwet, o pedido de concessão de um título de residência por tempo indeterminado pode ser indeferido se o estrangeiro não tiver obtido aprovação no exame previsto no artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da Lei relativa à integração cívica (Wet inburgering, a seguir «Wi»), ou não tiver obtido um diploma, certificado ou outro título previsto no artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da referida lei.

10.

Como refere o órgão jurisdicional de reenvio, esta disposição entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, mas só foi aplicada, de facto, a partir de 1 de janeiro de 2010. Antes desta data, o cidadão estrangeiro não tinha que obter aprovação no exame de integração para adquirir o estatuto de residente de longa duração.

11.

Os artigos 3.° e 31.° da Wi, conforme redigida à data dos factos, dispunham:

«Artigo 3.o

1.   Está sujeito à obrigação de integração cívica o estrangeiro com residência legal [nos Países Baixos] nos termos do artigo 8.o, alíneas a) a e), ou l) da Vreemdelingenwet 2000 que:

a.

não resida nos Países Baixos apenas por motivos temporários,

[…]

Artigo 31.o

1.   O College aplica uma coima à pessoa sujeita à obrigação de integração cívica que não tenha obtido aprovação no exame de integração dentro do prazo previsto no artigo 7.o, n.o 1, ou dentro do prazo prorrogado nos termos do n.o 2, alínea a).

2.   Em derrogação do n.o 1:

a.

o College prorroga o prazo previsto no artigo 7.o, n.o 1, caso a pessoa sujeita à obrigação de integração cívica demonstre que a não aprovação no exame de integração não lhe pode ser imputada, ou

b.

o College confere a isenção da obrigação de integração cívica, caso chegue à conclusão, com base nos esforços feitos pela pessoa sujeita à obrigação de integração cívica, que esta não pode, razoavelmente, obter aprovação no exame de integração.

[…]»

12.

A Wi entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007.

13.

Como menciona o órgão jurisdicional de reenvio, para os nacionais estrangeiros que imigraram para os Países Baixos depois da entrada em vigor da lei, o prazo para obter aprovação no exame que aprecia o conhecimento da língua e da sociedade neerlandesas começa a contar do início da permanência nos Países Baixos. Para as pessoas que já residiam nos Países Baixos na data da entrada em vigor da lei, o prazo para obter aprovação no exame estava fixado numa decisão administrativa distinta.

III — Processo principal e questões prejudiciais

14.

P tem nacionalidade americana e reside nos Países Baixos desde 2002. Em 14 de novembro de 2008, obteve o estatuto de residente de longa duração na aceção da Diretiva 2003/109.

15.

Por decisão de 1 de agosto de 2008, substituída posteriormente pelas decisões de 4 de agosto de 2009 e de 25 de fevereiro de 2010, a Commissie Sociale Zekerheid Breda (Comissão de Segurança Social de Breda, a seguir «Commissie») notificou P de que estava sujeita a uma obrigação de integração cívica, nos termos da Wi e que devia obter aprovação no exame de integração até 30 de junho de 2013.

16.

P iniciou um processo de integração cívica organizado pela Commissie, que interrompeu em 25 de agosto de 2008 por razões de saúde e a que não deu continuidade posteriormente.

17.

S nasceu na ex‑Jugoslávia e tem nacionalidade neozelandesa. Reside nos Países Baixos desde 2000. Em 8 de junho de 2007, obteve o estatuto de residente de longa duração.

18.

Por decisões de 24 de fevereiro de 2010 e de 6 de maio de 2010, o college van burgemeester en wethouders van de gemeente Amstelveen (Câmara Municipal do concelho de Amstelveen) notificou S de que estava sujeita a uma obrigação de integração cívica e que devia obter aprovação no exame de integração até 24 de agosto de 2013.

19.

P e S interpuseram recursos daquelas decisões respetivamente para o rechtbank Breda e para o rechtbank Amsterdam (tribunais de primeira instância de Breda e de Amesterdão). Estes recursos foram julgados improcedentes por sentença do rechtbank Breda, de 12 de julho de 2010, e por sentença do rechtbank Amsterdam, de 8 de setembro de 2011.

20.

P e S interpuseram, cada uma, recurso daquelas sentenças para o Centrale Raad van Beroep.

21.

Em apoio dos seus recursos, P e S alegaram que, enquanto beneficiárias do estatuto de residente de longa duração, deviam ser tratadas da mesma maneira que os cidadãos neerlandeses e, portanto, não deviam estar sujeitas à obrigação de integração. Afirmaram também que a imposição dessa obrigação aos residentes de longa duração é contrária à finalidade da Diretiva 2003/109, assim como aos seus artigos 5.°, n.o 2, e 11.°, n.o 1.

22.

O órgão jurisdicional de reenvio considera que não se pode excluir que a imposição de uma obrigação de integração a residentes de longa duração seja contrária à Diretiva 2003/109. Este órgão jurisdicional observa que o artigo 5.o, n.o 2, da referida diretiva autoriza o Estado‑Membro a recusar a concessão do estatuto de residente de longa duração se não estiverem preenchidas as condições de integração enunciadas no direito nacional. A concessão deste estatuto significa, em princípio, que a integração da pessoa está concluída. A questão que se coloca, portanto, é a de saber se o Estado‑Membro pode impor uma obrigação de integração a uma pessoa a quem já foi concedido o estatuto de residente de longa duração e se, em caso de inobservância dessa obrigação, pode aplicar uma sanção sob a forma de coima.

23.

Neste contexto, o Centrale Raad van Beroep decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o objetivo e o alcance da Diretiva 2003/109/CE, ou o artigo 5.o, n.o 2, e/ou o artigo 11.o, n.o 1, da mesma, ser interpretados no sentido de que a imposição pela legislação nacional de uma obrigação de integração cívica, sob pena de aplicação de uma coima, a nacionais de países terceiros com o estatuto de residente de longa duração, não é com eles compatível?

2)

Para a resposta à primeira questão, é relevante saber se a imposição da obrigação de integração cívica teve lugar antes da aquisição do estatuto de residente de longa duração?»

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

24.

O pedido de decisão prejudicial foi apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça, em 15 de novembro de 2013.

25.

Foram apresentadas observações escritas por P e por S, pelos Governos neerlandês e português e pela Comissão. P e S requereram a realização de uma audiência.

26.

P e S, o Governo neerlandês e a Comissão participaram na audiência que teve lugar em 5 de novembro de 2014.

V — Análise

A — Observações preliminares

27.

A Diretiva 2003/109 faz parte de uma série de atos de direito da União relativos ao estatuto dos nacionais de países terceiros, que foram adotados com base nas competências legislativas atribuídas pelo Tratado de Amesterdão ( 3 ).

28.

Os objetivos legislativos da União realizados pela referida diretiva foram inscritos nas conclusões do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999. Estas conclusões preveem, designadamente, que o estatuto jurídico dos estrangeiros deveria ser aproximado do dos cidadãos e, em particular, que uma pessoa que tenha residido legalmente num Estado‑Membro, durante um período a determinar, e seja titular de uma autorização de residência de longa duração deveria beneficiar de um conjunto de direitos tão próximos quanto possível dos que gozam os cidadãos da União ( 4 ).

29.

À luz das considerações precedentes, afigura‑se que a Diretiva 2003/109 criou, a favor dos nacionais de países terceiros que tenham residido legalmente na União durante um período mínimo de cinco anos, um estatuto jurídico especial que decorre exclusivamente do direito da União: o estatuto de residente de longa duração ( 5 ).

30.

A introdução deste estatuto cria para os nacionais estrangeiros, em relação à cidadania, uma forma alternativa de participação na vida económica e social da União, que na doutrina corresponde ao conceito de «denizenship», por oposição ao de «citizenship» ( 6 ).

31.

As questões do estatuto dos nacionais de países terceiros que residam na União que não sejam reguladas pelo direito da União continuam a reger‑se pelo direito nacional dos Estados‑Membros.

32.

Em especial, os Estados‑Membros continuam livres de estabelecer uma política de integração com vista a evitar a marginalização e a segregação dos nacionais estrangeiros ( 7 ). A obrigação de integração pode respeitar a diferentes fases da imigração, consoante seja definida enquanto: i) condição de emissão de uma autorização de entrada e de permanência; ii) condição de concessão de uma autorização de residência de longa duração iii) condição de obtenção do estatuto de residente de longa duração ou, iv) condição de aquisição da nacionalidade por naturalização.

33.

Esta obrigação implica geralmente a necessidade de demonstrar um determinado nível de domínio da língua oficial e, por vezes, um conhecimento da sociedade do país de acolhimento (a sua história, o seu direito interno e os seus valores). Alguns Estados‑Membros exigem que os nacionais de países terceiros obtenham aprovação num exame, que pode ser precedido de cursos obrigatórios. Outros impõem apenas a frequência de cursos de integração ( 8 ).

34.

A questão apresentada pelo órgão jurisdicional neerlandês no presente processo diz respeito à possibilidade de impor uma obrigação de integração às pessoas que possuem o estatuto de residente de longa duração na aceção do direito da União. Em direito neerlandês, a referida obrigação é definida em relação a essas pessoas não enquanto condição de aquisição de direitos, mas enquanto exigência específica que deve ser respeitada pelo simples facto da residência no território do Estado de acolhimento.

35.

Para decidir esta questão, importa responder a duas questões fundamentais. Em primeiro lugar, trata‑se de saber se a imposição de uma obrigação de integração a residentes de longa duração é compatível com o estatuto de residente de longa duração na aceção da Diretiva 2003/109. Em segundo lugar, na hipótese de uma resposta afirmativa à primeira questão, é preciso determinar em que medida o direito da União limita a liberdade dos Estados‑Membros de definirem o conteúdo dessa obrigação de integração.

B — Admissibilidade da obrigação de integração imposta aos residentes de longa duração

36.

O artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2003/109 prevê expressamente a possibilidade de subordinar a concessão do estatuto de residente de longa duração a «condições de integração», em conformidade com o direito nacional.

37.

Todavia, a diretiva não esclarece se, e em que medida, a imposição de uma obrigação de integração ainda é possível depois da aquisição desse estatuto.

38.

As opiniões das partes e dos intervenientes no processo divergem quanto a este ponto. As recorrentes no processo principal e o Governo português consideram que a imposição de uma obrigação de integração aos residentes de longa duração é contrária à Diretiva 2003/109. Em contrapartida, o Governo neerlandês e a Comissão, que alegam que a referida diretiva não resolve a questão, consideram que esta obrigação pode ser imposta.

39.

Como resulta da decisão de reenvio, as duas recorrentes no processo principal residem desde há anos nos Países Baixos e pertencem ao grupo dos «antigos» residentes de longa duração, porque adquiriram esse estatuto antes de a obrigação de integração ter começado a ser aplicada na prática. Todavia, por força do direito neerlandês, têm que obter aprovação no exame de integração ( 9 ).

40.

No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional neerlandês põe em dúvida a possibilidade de impor uma obrigação de integração a pessoas que já beneficiam do estatuto de residente de longa duração. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a aquisição deste estatuto significa que o interessado satisfez a obrigação de demonstrar o seu enraizamento no país de acolhimento, como prevê o considerando 6 da Diretiva 2003/109, e que, logo, a sua integração está concluída.

41.

Há que salientar que — como o órgão jurisdicional de reenvio refere com razão — a Diretiva 2003/109 assenta na ideia de que, com o tempo, as relações da pessoa residente de maneira legal e ininterrupta no Estado‑Membro em causa adquirem um caráter duradouro e testemunham o enraizamento da pessoa na sociedade. A diretiva visa conferir um estatuto específico aos nacionais de países terceiros que estão instalados de forma duradoura nos Estados‑Membros, porque a integração desses nacionais contribui para a promoção da coesão económica e social na União ( 10 ).

42.

Todavia, do meu ponto de vista, esta ideia não exclui a possibilidade de os Estados‑Membros adotarem ações de integração em relação a residentes de longa duração.

43.

Importa destacar que a Diretiva 2003/109 utiliza dois conceitos diferentes em relação às ações de integração. O artigo 5.o, n.o 2, autoriza a aplicação de «condições de integração» ( 11 ) com vista à concessão do estatuto de residente de longa duração. O artigo 15.o, n.o 3, da diretiva, que respeita ao direito do residente de longa duração de residir noutro Estado‑Membro, autoriza o país de acolhimento a impor «medidas de integração» à pessoa que obteve o estatuto de residente de longa duração noutro Estado‑Membro ( 12 ), sob reserva de ter sido exigido a essa pessoa que preenchesse condições de integração para obter esse estatuto noutro Estado ( 13 ).

44.

Esta interpretação é confirmada pela génese da disposição referida. No decurso dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2003/109, certos Estados‑Membros propuseram, no Conselho, substituir, no artigo 15.o, o termo «medidas» por «condições», proposta que, todavia, não foi aceite no texto definitivo da diretiva ( 14 ).

45.

As disposições da Diretiva 2003/86 testemunham também a necessidade de fazer uma distinção entre medidas e condições de integração. O artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/86 permite que os Estados‑Membros exijam que os nacionais de países terceiros que apresentaram um pedido de autorização de entrada no território para efeitos de reagrupamento familiar cumpram medidas de integração. O legislador utilizou aqui a mesma formulação que no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109. Como referiu o advogado‑geral P. Mengozzi, depois de ter analisado a génese do artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109 e comparado as disposições das duas diretivas, o legislador recorreu intencionalmente a um conceito distinto do conceito de «condições de integração» relacionadas com a aquisição de determinados direitos ( 15 ).

46.

A distinção evocada supra é especialmente importante para efeitos de aplicação da Diretiva 2003/86. Considerar o exame de integração uma «condição» indispensável à obtenção de uma autorização de entrada no território de um membro da família põe em causa a própria essência do direito de reagrupamento familiar ( 16 ).

47.

A distinção em causa também desempenha um papel essencial no âmbito da Diretiva 2003/109: as medidas de integração impostas aos residentes de longa duração que beneficiam de um direito de residência noutro Estado‑Membro não podem constituir «condições», no sentido de que não podem ser, nem de jure nem de facto, um instrumento de seleção de pessoas ou de controlo da imigração. Caso contrário, essas ações de integração poriam em causa o direito de circular na União, que constitui um aspeto fundamental do estatuto jurídico decorrente da Diretiva 2003/109.

48.

Por conseguinte, os dois atos legislativos acima referidos operam uma distinção entre as ações de integração definidas como condições de aquisição ou de exercício de determinados direitos e as definidas como medidas que têm como único objetivo facilitar a integração das pessoas ( 17 ).

49.

Na minha opinião, a imposição de medidas de integração aos residentes de longa duração não contraria os objetivos da Diretiva 2003/109, uma vez que essas medidas visam exclusivamente incentivar os residentes de longa duração a participarem na vida económica e social do Estado de residência.

50.

Estas medidas também parecem admissíveis atendendo à economia da diretiva. Como já recordei, o artigo 15.o, n.o 3, da diretiva permite a um Estado‑Membro — sob reserva de determinadas condições específicas — impor medidas de integração a uma pessoa que tenha obtido o estatuto de residente de longa duração noutro Estado‑Membro. Nada indica que a imposição de medidas semelhantes aos residentes «nacionais», que não exerceram o direito de residência noutro Estado‑Membro, contrarie os objetivos da diretiva.

51.

As recorrentes no processo principal invocam o princípio da igualdade de tratamento dos residentes de longa duração ao alegarem o facto de a obrigação de integração não ter sido imposta nem aos nacionais neerlandeses nem aos outros cidadãos da União.

52.

Este argumento não me convence, porque, uma vez que se trata da obrigação de integração, os nacionais de países terceiros não se encontram numa situação comparável à dos cidadãos do Estado‑Membro em questão ou dos outros cidadãos da União.

53.

Esta conclusão é igualmente válida para os nacionais estrangeiros que possuam o estatuto de residente de longa duração. Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da diretiva, o residente de longa duração beneficia da igualdade de tratamento perante os nacionais em numerosos domínios enumerados nesta disposição (designadamente em relação às condições de acesso a uma atividade profissional por conta própria ou por conta de outrem, ao ensino e formação profissional, à segurança social e ao acesso a bens e serviços). Por conseguinte, o direito dos residentes de longa duração à igualdade de tratamento é principalmente aplicável nos domínios concretos enumerados no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109 ( 18 ). A ratio legis desta disposição reflete‑se no considerando 2 da diretiva, que evoca a «aproximação» do estatuto dos residentes de longa duração do estatuto dos cidadãos, em vez da sua.

54.

Na minha opinião, é inquestionável que disposições nacionais que condicionassem a manutenção do estatuto de residente de longa duração ou o exercício dos correspondentes direitos a uma obrigação de integração seriam contrárias tanto ao artigo 9.o da Diretiva 2003/109, que enuncia as condições de retirada ou de perda desse estatuto, como ao artigo 5.o, n.o 2, da referida diretiva, que só permite impor «condições» de integração para efeitos da aquisição desse estatuto.

55.

Por conseguinte, a distinção entre a obrigação de integração enquanto medida ou condição de integração reveste uma importância decisiva no presente processo.

56.

Resulta da decisão de reenvio que as disposições nacionais aplicáveis neste processo não preveem explicitamente a obrigação de obter aprovação no exame de integração como «condição» de fruição do estatuto de residente de longa duração. A inobservância desta obrigação não acarreta a perda do estatuto de residente de longa duração nem a limitação dos direitos que decorrem desse estatuto. Como resulta dos autos, a única consequência negativa em direito nacional é a aplicação de uma coima.

57.

Por conseguinte, não excluo que a obrigação de integração prevista em direito neerlandês possa ser considerada uma «medida de integração» na aceção da Diretiva 2003/109.

58.

Tendo em conta as considerações precedentes, considero que a Diretiva 2003/109, e em especial os seus artigos 5.°, n.o 2, e 11.°, n.o 1, não se opõem à imposição de medidas de integração aos nacionais de países terceiros que tenham adquirido o estatuto de residente de longa duração no Estado‑Membro em questão ( 19 ), desde que essas medidas tenham unicamente por objetivo facilitar a integração do interessado e não constituam uma condição explícita ou implícita da manutenção desse estatuto ou do exercício dos direitos correspondentes.

59.

Em relação à segunda questão prejudicial, gostaria de salientar que, para efeitos de aplicação da interpretação enunciada supra, é indiferente saber se a obrigação de integração foi imposta antes ou depois de o interessado ter adquirido o estatuto de residente de longa duração. Se o Estado‑Membro não previu essa obrigação enquanto condição de aquisição do estatuto de residente de longa duração, não pode alterar essa decisão impondo, relativamente a pessoas que já beneficiam do referido estatuto, uma condição à manutenção desse estatuto ou ao exercício dos direitos correspondentes. Depois da aquisição do estatuto de residente de longa duração, as ações de integração destinadas a essas pessoas devem ser limitadas a medidas de integração ( 20 ).

60.

Deve analisar‑se agora até que ponto o direito da União pode limitar a liberdade de os Estados‑Membros definirem o conteúdo dessas medidas de integração.

C — Apreciação da conformidade com o direito da União das disposições nacionais que impõem uma obrigação de integração aos residentes de longa duração

1. Critérios de apreciação das disposições referidas no direito da União

61.

Como já referi, a Diretiva 2003/109 autoriza os Estados‑Membros a imporem uma obrigação de integração «em conformidade com o direito nacional» (artigos 5.°, n.o 2, e 15.°, n.o 3), mas não contém indicações relativas ao conteúdo das medidas em causa ou às condições da sua aplicação, e remete a este respeito para o direito nacional.

62.

Quais são os critérios de apreciação da conformidade das disposições nacionais que regulam a obrigação de integração com o direito da União?

63.

Para responder a esta questão, há que analisar se as disposições em causa se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União. Em caso de resposta afirmativa, importa analisar essas disposições tanto sob o ângulo da proibição de prejudicar o alcance e a eficácia do direito da União, como à luz da obrigação de respeitar o princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais protegidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

64.

Há que salientar que a Diretiva 2003/109 cria um novo estatuto jurídico a favor dos nacionais de países terceiros que residam no território da União, o que implica a necessidade de regulamentar esse estatuto de maneira exaustiva.

65.

Neste contexto, a afirmação de que as ações de integração entram na esfera de competência dos Estados‑Membros não permite, de modo algum, concluir por si só que estes conservam uma liberdade total na matéria. O exercício, pelos Estados‑Membros, das suas competências, na medida em que afete os direitos conferidos e protegidos pelo direito da União, é suscetível de fiscalização à luz do direito da União ( 21 ).

66.

Em relação ao pagamento de taxas para a emissão de autorizações e de títulos de residência com base na Diretiva 2003/109, o Tribunal de Justiça declarou que, embora os Estados‑Membros conservem uma margem de apreciação para fixar o valor dessas taxas, não podem aplicar legislações nacionais suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos prosseguidos por uma diretiva e, portanto, privá‑la do seu efeito útil ( 22 ).

67.

Não tenho dúvidas de que, quando um Estado‑Membro faz uso de uma faculdade expressamente prevista pela Diretiva 2003/109, as disposições nacionais em questão entram no âmbito de aplicação do direito da União.

68.

É o que acontece quando as disposições nacionais sujeitam a aquisição do estatuto de residente de longa duração a «condições de integração» ao abrigo dos poderes expressamente previstos no artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2003/109. Importa também ter aqui em conta o facto de a aquisição do estatuto de residente de longa duração estar sujeita a um procedimento específico regulado pela Diretiva 2003/109, que define de forma exaustiva os requisitos de aquisição desse estatuto ( 23 ).

69.

Também não há dúvidas de que as disposições nacionais que, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109, impõem «medidas de integração» a uma pessoa que obteve o estatuto de residente de longa duração noutro Estado‑Membro se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União.

70.

Também se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que impõe uma obrigação de integração aos residentes de longa duração «nacionais», a saber, aqueles que não exerceram o direito de residência noutro Estado‑Membro?

71.

Na minha opinião, deve ser dada uma resposta afirmativa a esta questão.

72.

O estatuto de residente de longa duração decorre exclusivamente do direito da União. Neste contexto, a distinção entre os residentes de longa duração «migrantes» e «nacionais», isto é, entre os que fizeram uso do direito de circular na União e os que não exerceram esse direito, não é pertinente para definir o âmbito de aplicação do direito da União. Mesmo quando um residente de longa duração não exerce o seu direito de residência noutro Estado‑Membro, não se pode falar de situação puramente interna.

73.

Por conseguinte, na minha opinião, as disposições nacionais que imponham uma obrigação de integração às pessoas que possuem o estatuto de residente de longa duração enquadram‑se no âmbito de aplicação do direito da União, independentemente do facto de o interessado ter exercido ou não o seu direito de residência noutro Estado‑Membro.

74.

A solução acima encontrada também é útil para definir os limites da aplicação do direito da União na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta ( 24 ). Esta disposição da Carta baseia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os direitos fundamentais garantidos na ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União ( 25 ).

75.

Esta conclusão engloba sem dúvida nenhuma a situação em que um Estado‑Membro invoca uma opção de implementação de uma diretiva expressamente prevista pelas disposições desta ou que decorrem da própria economia da diretiva — como acontece no caso em apreço.

76.

Pouco importa que as disposições da Diretiva 2003/109 relativas às condições e medidas de integração remetam para o direito nacional. O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que, quando os Estados‑Membros determinam o alcance dos direitos de um residente de longa duração às prestações sociais na aceção do artigo 11.o, n.os 1, alínea d), e 4, da Diretiva 2003/109, bem como o alcance das prestações essenciais, devem respeitar os direitos fundamentais protegidos pela Carta, mesmo que a disposição referida da diretiva remeta para o direito nacional ( 26 ).

77.

Recordo que o Tribunal de Justiça já analisou disposições nacionais que sujeitam a entrada no território ao abrigo do direito de reagrupamento familiar a medidas de integração. Nessa ocasião, o Tribunal de Justiça verificou se as referidas medidas eram justificadas por razões imperiosas de interesse geral e se eram proporcionadas ( 27 ). É certo que esta análise se baseou na liberdade de estabelecimento concedida por força do Acordo de Associação com a Turquia. Todavia, a utilização de critérios análogos para apreciar medidas de integração não deve estar sujeita a caução, designadamente quando as referidas medidas são impostas num domínio regulado por uma diretiva da União relativa à política de imigração.

78.

Tendo em atenção todas as considerações precedentes, considero que as disposições nacionais que impõem medidas de integração aos residentes de longa duração estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, designadamente na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

2. Apreciação da proporcionalidade das medidas de integração

79.

Como já referi, uma vez que o artigo 79.o, n.o 4, TFUE exclui a competência da União para harmonizar o direito no domínio da integração, parece razoável afirmar que o direito da União confere uma margem de apreciação aos Estados‑Membros.

80.

Todavia, esta margem de apreciação não deve ser utilizada pelos Estados‑Membros de forma a prejudicar o objetivo e o efeito útil da diretiva ( 28 ). As disposições nacionais abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União também devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade: a obrigação de integração deve ser adequada para garantir a realização do objetivo em causa e não exceder o necessário para o atingir ( 29 ).

81.

Quando respeita a residentes de longa duração, a obrigação de integração não deve tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos correspondentes ao seu estatuto. Esta obrigação não deve constituir um obstáculo ao exercício do direito de trabalhar e de ter uma atividade económica, nem entravar o direito ao ensino e à formação profissional. A este propósito, o acesso a cursos noturnos reveste‑se de uma importância essencial; do mesmo modo, importa ter em conta o custo da formação e do acesso a um sistema de apoio material ( 30 ). Recordo que o Tribunal de Justiça declarou que taxas fiscais com uma incidência financeira considerável relativamente aos nacionais de países terceiros que preencham as condições previstas pela Diretiva 2003/109 para a concessão de autorização de residência podem privar esses nacionais da possibilidade de exercer os direitos conferidos por esta diretiva, o que entravaria a realização do seu objetivo ( 31 ).

82.

Depois de ter analisado se as exigências em matéria de integração impostas aos residentes de longa duração são em si mesmas desproporcionadas, há que compará‑las também com as exigências aplicáveis para efeitos de aquisição da nacionalidade por naturalização. As exigências impostas aos residentes de longa duração devem ser inferiores — e, em todo o caso, não podem ser superiores — às que se aplicam em matéria de aquisição da nacionalidade ( 32 ).

83.

As medidas aplicáveis devem ser compatíveis com os direitos fundamentais protegidos pela Carta. Há que ter em conta, em especial, o direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 7.o da Carta), pela liberdade de pensamento, de consciência e de religião (artigo 10.o da Carta), pela proibição de discriminação (artigo 21.o da Carta) ( 33 ), pelos direitos das crianças (artigo 24.o da Carta), bem como pelos direitos das pessoas idosas (artigo 25.o da Carta) e das pessoas com deficiência (artigo 26.o da Carta).

84.

Embora caiba ao órgão jurisdicional nacional apreciar as disposições internas à luz dos princípios mencionados, o Tribunal de Justiça pode fornecer os elementos de interpretação necessários a essa apreciação.

85.

Para efeitos dessa apreciação, importa, antes de mais, verificar se as disposições nacionais estabelecem condições ou medidas de integração na aceção da Diretiva 2003/109. Embora nem a Diretiva 2003/86 nem a Diretiva 2003/109 forneçam indicações explícitas a este respeito, não é menos certo que as «medidas de integração» devem ser consideradas menos restritivas que as «condições de integração» ( 34 ).

86.

As medidas de integração — por oposição às condições de integração — têm como único objetivo facilitar a participação do interessado na vida económica e social do Estado em causa e não podem em nenhum caso ser um instrumento de seleção dos imigrantes ou de controlo da imigração ( 35 ).

87.

Neste contexto, qual é a função da obrigação de ser aprovado no exame de integração?

88.

O exame é um meio para avaliar o nível de conhecimentos do interessado. Estabelece um limiar que permite qualificar as pessoas que preenchem as exigências pretendidas, pressupondo‑se que algumas pessoas não satisfazem essas exigências. Quando o exame é organizado pelo Estado, constitui indubitavelmente um instrumento de seleção baseado em critérios definidos pela administração.

89.

Em contrapartida, não vejo de que forma a introdução de um exame obrigatório que aprecia o conhecimento da língua ou da sociedade pode contribuir para o objetivo prosseguido pelas medidas de integração, a saber, facilitar a participação do interessado na sociedade. Isto aplica‑se muito especialmente a uma pessoa que reside legalmente desde há muito tempo no Estado‑Membro em questão, que beneficia por isso do estatuto de residente de longa duração e que, independentemente das suas competências linguísticas ou do seu conhecimento da sociedade em causa, já possui uma sólida rede de relações sociais.

90.

Impor a essa pessoa a obrigação de obter aprovação num exame de integração num prazo determinado prejudica a própria essência das medidas de integração, que devem ser ações destinadas a favorecer a adaptação à sociedade em questão e não a estabelecer exigências de qualificação relacionadas com a permanência no Estado‑Membro.

91.

A obrigação de obter aprovação no exame é uma medida tanto menos apropriada no caso das pessoas que possuem o estatuto de residente de longa duração quanto — conforme parece resultar do sistema neerlandês descrito na decisão de reenvio ( 36 ) — o referido exame é o único critério que permite determinar o nível de integração da pessoa em causa.

92.

Uma pessoa que viva durante um longo período num determinado ambiente estabelece aí necessariamente um conjunto de relações que lhe permitem integrar‑se (pelo casamento ou pela família, pela vida de bairro, pelo trabalho, pela prática de uma atividade de laser ou pelo exercício de uma atividade junto de organismos não governamentais). Uma medida de integração, que não permite uma apreciação casuística destas circunstâncias factuais e que apenas tem em conta o resultado de um exame de integração, é desproporcionada em relação ao objetivo de facilitar a participação do interessado na vida da sociedade.

93.

A possibilidade de impor um exame de integração enquanto medida destinada a facilitar a integração dos imigrantes não parece ser conforme com as premissas em que assentam os princípios básicos comuns da política de integração dos imigrantes, enunciados pelo Conselho, em 2004 e confirmados pelo Programa dito de Estocolmo ( 37 ).

94.

Os princípios básicos definem a integração como um processo dinâmico com duplo sentido, cujos elementos chave são a interação, a intensificação do intercâmbio entre os imigrantes e os cidadãos do Estado‑Membro em questão e a promoção de um diálogo intercultural. Este documento enuncia que um conhecimento básico da língua, da história e das instituições da sociedade de acolhimento é um elemento indispensável da integração e que é essencial dar aos imigrantes a possibilidade de adquirirem esse conhecimento para lograrem uma integração bem sucedida. Todavia, as diversas medidas preconizadas para esse efeito aos níveis nacional e da União não compreendem exames ou testes de integração ( 38 ).

95.

Na minha opinião, isto não significa que as medidas de integração não possam impor obrigações aos residentes de longa duração. Todavia, essas obrigações não devem implicar a necessidade de demonstrar um nível pré‑determinado de competências linguísticas ou de conhecimento da sociedade através de um exame ou de um teste de aptidão ( 39 ).

96.

Importa salientar que uma opinião semelhante — segundo a qual as medidas de integração não podem incluir obrigações de resultado tais como a obrigação de obter aprovação num exame — foi expressa na doutrina ( 40 ).

97.

Tendo em atenção o que antecede, considero que as «medidas de integração» na aceção da Diretiva 2003/109, contrariamente às «condições de integração», não podem comportar a obrigação de obter aprovação num exame de integração.

3. Proporcionalidade da sanção

98.

Importa analisar separadamente a questão do órgão jurisdicional de reenvio na parte em que respeita à possibilidade de aplicar uma sanção em caso de inobservância da obrigação de integração.

99.

Do meu ponto de vista, esta questão deve ser considerada hipotética, uma vez que resulta da decisão de reenvio e das observações das partes e dos intervenientes no processo que não foi aplicada nenhuma coima às recorrentes.

100.

No entanto, uma vez que esta questão foi debatida no decurso do processo e que, de resto, as posições expressas a este respeito são claramente divergentes ( 41 ), gostaria de apresentar algumas observações sobre este aspeto.

101.

A sanção acentua a natureza coerciva das ações de integração e o seu papel enquanto instrumento de fiscalização nas mãos da administração, o que apaga a fronteira entre condição e medida de integração. A possibilidade de aplicar uma sanção implica um grau elevado de ingerência do Estado na situação das pessoas que possuem o estatuto de residente de longa duração, que está protegido pelo direito da União.

102.

A imposição de sanções aos residentes de longa duração para os obrigar a participar em ações de integração parece difícil de justificar à luz da Diretiva 2003/109.

103.

A única forma de pressão financeira que se pode admitir sem reserva em semelhante situação é o reembolso dos custos suportados com a organização das ações de integração, quando o interessado deixou sem motivo de participar nas referidas ações.

104.

Todavia, contrariamente à posição defendida pela Comissão no presente processo, não excluo a possibilidade de que seja também aplicada uma sanção sob a forma de coima à pessoa que persista em subtrair‑se à obrigação que lhe cabe no âmbito das medidas de integração. Contudo, a penalidade deve ser proporcionada à infração e ter em atenção as razões pelas quais esse ato é considerado censurável ( 42 ). Para estabelecer o montante da coima, importa também ter em conta o facto de os recursos financeiros dos imigrantes serem em geral inferiores à média nacional. A aplicação da sanção devia ser limitada no tempo e em caso de situações reincidentes. Além disso, haveria que determinar se a sanção financeira em causa reveste um caráter repressivo, o que levaria à necessidade de ter em conta o artigo 49.o, n.o 3, da Carta, nos termos do qual as penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração ( 43 ).

105.

Estas indicações parecem pertinentes no presente processo, uma vez que, como resulta das observações apresentadas pelo Governo neerlandês na audiência, o montante máximo da coima por incumprimento da obrigação de integração atinge, nos Países Baixos, um valor considerável, a saber, 1000 euros, e a sanção pode ser novamente aplicada em caso de insucesso no exame num novo prazo, e isto sem nenhum limite quanto ao cúmulo das sanções em caso de «reincidência». Com uma coima fixada num nível tão elevado e cuja aplicação não está limitada em caso de incumprimentos ulteriores à obrigação de integração, importaria analisar também se, para determinadas pessoas, a ameaça de sanções não constitui um motivo para deixar o território do Estado‑Membro em causa, o que violaria manifestamente o estatuto de residente de longa duração que decorre da Diretiva 2003/109.

106.

As razões que acabam de ser expostas levam a considerar que a sanção, sob a forma de coima, prevista pelo direito neerlandês em caso de incumprimento da obrigação de integração é desproporcionada, tanto em relação ao seu montante como às condições da sua aplicação.

VI — Conclusão

107.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos às questões prejudiciais submetidas pelo Centrale Raad van Beroep (Países Baixos):

1)

A Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, não se opõe a que um Estado‑Membro imponha obrigações, que consistam em medidas de integração, aos nacionais de países terceiros que possuam o estatuto de residente de longa duração adquirido no Estado‑Membro em questão. Essas medidas não podem ter outro objetivo que não seja o de facilitar a integração do interessado e não podem condicionar a manutenção do referido estatuto ou o exercício dos direitos correspondentes.

Por força do princípio da proporcionalidade, as medidas de integração não devem tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos correspondentes ao estatuto de residente de longa duração; devem ser adequadas para garantir a realização do objetivo que consiste em facilitar a integração e não exceder o necessário para alcançar esse objetivo. Em especial, as medidas de integração impostas aos residentes de longa duração não podem incluir a obrigação de obter aprovação num exame de integração.

2)

Para efeitos de aplicação da interpretação enunciada supra, é indiferente saber se esta obrigação foi imposta antes de o interessado ter adquirido o estatuto de residente de longa duração.


( 1 ) Língua original: polaco.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), conforme alterada pela Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011 (JO L 132, p. 1).

( 3 ) V., também, Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12); Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado (JO L 375, p. 12); Diretiva 2005/71/CE do Conselho, de 12 de outubro de 2005, relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica (JO L 289, p. 15); e Diretiva 2009/50/CE do Conselho, de 25 de maio de 2009, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado (JO L 155, p. 17).

( 4 ) V. considerando 2 da Diretiva 2003/109 e a comunicação da Comissão relativa à imigração, à integração e ao emprego [COM (2003) 336 final, de 3 de junho de 2003].

( 5 ) O estatuto jurídico dos nacionais de países terceiros que trabalham legalmente num Estado‑Membro, mas que ainda não têm o estatuto de residente de longa duração é regulado pela Diretiva 2011/98/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011 (JO L 343, p. 1), mais restritiva.

( 6 ) O termo inglês «denizen» (que, numa das suas aceções, significa «estrangeiro naturalizado») foi introduzido na doutrina relativa à problemática da migração para definir o estatuto intermédio entre o estatuto dos cidadãos e o dos estrangeiros. V. Hammar, T., Democracy and the Nation State: Aliens, Denizens, and Citizens in a World of International Migration, Aldershot, Avebury, 1990.

( 7 ) O artigo 79.o, n.o 4, TFUE exclui da competência da União a matéria da harmonização das disposições nacionais destinadas a fomentar a integração dos nacionais estrangeiros.

( 8 ) V. Relatório da Comissão, de 28 de setembro de 2011, sobre a aplicação da Diretiva 2003/109/CE, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração [COM(2011) 585 final, p. 3].

( 9 ) O órgão jurisdicional de reenvio refere que a recorrente S nasceu em território da ex‑Jugoslávia e que não exclui que ela tenha nacionalidade croata, informação que o representante da recorrente confirmou na audiência, no Tribunal de Justiça. Se era esse o caso, S deixa de estar sujeita a uma obrigação de integração, uma vez que adquiriu o estatuto de cidadã da União na data da adesão da Croácia à União. Por outro lado, importa observar que o facto de esta recorrente ser cidadã da União também exclui a aplicação de uma sanção por inobservância da obrigação de integração, incluindo na parte que respeita ao período anterior à adesão.

( 10 ) V. acórdão Tahir (C‑469/13, EU:C:2014:2094, n.o 32).

( 11 ) A versão polaca da diretiva diverge das outras versões linguísticas, uma vez que, no artigo 15.o, n.o 3, utiliza, tanto no primeiro como no segundo parágrafo, o conceito de «ações de integração» («działania integracyjne»). Relativamente a esta disposição, utilizarei nestas conclusões os conceitos de «medidas de integração» («środki integracji») ou de «condições de integração» («warunki integracji»). A versão polaca da Diretiva 2009/50, posterior, utiliza, referindo‑se à Diretiva 2003/86, os conceitos de «condições e medidas de integração» («warunki i środki dotyczące integracji»).

( 12 ) V., nas versões linguísticas alemã, inglesa e francesa, respetivamente: «Integrationsanforderungen» e «Integrationsmaßnahmen», «integration conditions» e «integration measures» ou ainda «conditions d’intégration» e «mesures d’intégration». Em contrapartida, o texto da Diretiva 2003/109 em língua neerlandesa utiliza um conceito único («integratievoorwaarden») e não faz aquela distinção. Todavia, esta aparece no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2009/50 («integratievoorwaarden en ‑maatregelen»).

( 13 ) Em conformidade com o artigo 15.o, n.o 3, terceiro parágrafo, da Diretiva 2003/109, a obrigação de frequentar cursos de línguas pode ser admitida a título excecional.

( 14 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Dogan (C‑138/13, EU:C:2014:287, n.o 51), que remetem para uma nota da Presidência do Conselho, de 14 de março de 2003 (documento do Conselho n.o 7393/1/03 REV 1, p. 5).

( 15 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Dogan (EU:C:2014:287, n.os 51 a 56). O artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2009/50 também faz referência às «condições e medidas de integração». V. também artigos 7.°, 10.° e 11.° da Diretiva 2004/114, que enuncia as «condições» facultativas de concessão da autorização de entrada e de residência dos estudantes (obrigação de apresentar provas de conhecimentos suficientes da língua) e determinadas exigências aplicáveis aos estagiários não remunerados e aos voluntários (frequentar um curso de línguas).

( 16 ) O Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão de saber se a Diretiva 2003/86 se opõe a que a entrada no território nacional esteja subordinada à obrigação de obter aprovação nesse exame (v. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Dogan, EU:C:2014:287, n.o 59, bem como os documentos da Comissão mencionados na nota 52 das referidas conclusões). O Comité Europeu dos Direitos Sociais considerou que seria contrário ao artigo 19.o, n.o 6, da Carta Social Europeia condicionar a entrada em território nacional ou a prossecução da residência para reagrupamento familiar a uma tal obrigação (v. documento de trabalho de 15 de julho de 2014, intitulado «A relação entre o direito da União Europeia e a Carta Social Europeia», n.o 76).

( 17 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Dogan (EU:C:2014:287, n.o 53).

( 18 ) Em conformidade com o artigo 11.o, n.o 5, os Estados‑Membros podem decidir alargar o princípio da igualdade de tratamento a domínios não abrangidos pelo n.o 1.

( 19 ) Recordo que a situação dos nacionais de países terceiros que tenham adquirido o estatuto de residente de longa duração noutro Estado‑Membro é regulada pelo artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109.

( 20 ) Como resulta dos autos, esta é a situação da recorrente P, que adquiriu o estatuto de residente de longa duração em14 de novembro de 2008, isto é, depois da entrada em vigor da Wi, em 1 de janeiro de 2007, e depois da adoção da decisão administrativa de 1 de agosto de 2008, que fixa um prazo individual para a obtenção da aprovação no exame. Recordo que, antes de 1 de janeiro de 2010, a aquisição do estatuto de residente de longa duração nos Países Baixos não estava sujeita à obtenção da aprovação no exame de integração.

( 21 ) No que respeita ao exercício, pelos Estados‑Membros, da sua competência para definir as condições de perda da nacionalidade de um Estado‑Membro, v. acórdão Rottmann (C‑135/08, EU:C:2010:104, n.o 48).

( 22 ) Acórdão Comissão/Países Baixos (C‑508/10, EU:C:2012:243, n.os 64 e 65).

( 23 ) V. acórdãos Kamberaj (C‑571/10, EU:C:2012:233, n.o 66) e Tahir (EU:C:2014:2094, n.o 27).

( 24 ) Resulta do considerando 3 da Diretiva 2003/109 que esta respeita os direitos fundamentais reconhecidos, designadamente, na Carta. Atualmente, esta disposição está esvaziada de qualquer alcance autónomo, uma vez que, segundo o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, a Carta tem o mesmo valor jurídico que os tratados.

( 25 ) V. acórdão Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 19).

( 26 ) V. acórdão Kamberaj (EU:C:2012:233, n.o 81).

( 27 ) V. acórdão Dogan (C‑138/13, EU:C:2014:2066, n.os 37 e 38), relativo ao artigo 41.o, n.o 1, do Protocolo Adicional anexo ao Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia (JO 1972, L 293, p. 3; EE 11 F1 p. 215).

( 28 ) V., neste sentido, acerca da Diretiva 2003/86, acórdão Chakroun (C‑578/08, EU:C:2010:117, n.o 43) e conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi apresentadas no processo Noorzia (C‑338/13, EU:C:2014:288, n.o 61).

( 29 ) V. acórdão Siragusa (C‑206/13, EU:C:2014:126, n.o 34 e jurisprudência referida).

( 30 ) Esta condição também é essencial para efeitos de aquisição do estatuto de residente de longa duração, uma vez que, nos termos do considerando 9 da Diretiva 2003/109, razões económicas não deverão constituir fundamento para indeferir a concessão do referido estatuto, nem devem ser encaradas como um obstáculo às condições relevantes.

( 31 ) Acórdão Comissão/Países Baixos (EU:C:2012:243, n.o 70).

( 32 ) V. relatório da Comissão de 28 de setembro de 2011 [COM(2011) 585 final, p. 4] e acórdão Comissão/Países Baixos (EU:C:2012:243, n.o 78).

( 33 ) O considerando 5 da diretiva recorda a necessidade de respeitar a proibição de qualquer discriminação com base no sexo, raça, cor, origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou crença, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.

( 34 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi apresentadas no processo Dogan (EU:C:2014:287, n.o 52).

( 35 ) V. n.o 48 das presentes conclusões.

( 36 ) Decorre das disposições neerlandesas citadas na decisão de reenvio que, a título de derrogação, não está sujeito à obrigação de integração aquele que, designadamente, tenha uma idade inferior a 16 ou superior a 65, tenha residido nos Países Baixos durante pelo menos oito anos na idade de escolaridade obrigatória, disponha de um diploma, certificado ou outro título apropriado e tenha demonstrado dispor de suficientes competências orais e escritas na língua neerlandesa (artigo 5.o, n.o 1, da Wi).

( 37 ) V. conclusões do Conselho, de 19 de novembro de 2004 (documento n.o 14615/04 do Conselho) e de 11 de dezembro de 2009 (documento n.o 17024/09 do Conselho), bem como Comunicação da Comissão intitulada «Agenda Comum para a Integração. Enquadramento para a integração de nacionais de países terceiros na União Europeia» [COM(2005) 389 final, de 1 de setembro de 2005].

( 38 ) As medidas propostas a nível nacional consistem, designadamente, na oferta de diferentes tipos de cursos de línguas e de educação cívica, de formação e de programas com tutoria, que atendam à diversidade das situações, ao nível de ensino e dos conhecimentos prévios do país, em que os imigrantes se encontram.

( 39 ) A título de exemplo de medidas desse tipo que não assentem num exame de aptidão, pode citar‑se a obrigação de participar em cursos de línguas, as ações de formação destinadas à aquisição de conhecimentos sobre a sociedade e o direito, ateliers culturais ou os encontros com personalidades que se distinguiram nessa sociedade.

( 40 ) V. Bribosia, E., e Ganty, S., «Arrêt ‘Dogan’: quelle légalité pour les tests d’intégration civique?», Journal de droit européen, 2014, n.o 213, p. 378, bem como a abundante doutrina citada na nota de pé de página n.o 19, p. 379. Alguns autores consideram que o conceito de medidas de integração — ao contrário das «condições de integração», que pressupõem uma disciplina e sanções — também pode significar que as referidas medidas não podem comportar nenhuma exigência imperativa nem nenhuma sanção; v. Carrera, S., «Integration of Immigrants in EU Law and Policy», sob a direção de Azoulai, L., e de Vries, K., EU Migration Law: Legal Complexities and Political Rationales, Oxford University Press, 2014, p. 159.

( 41 ) A Comissão sustenta que a única sanção admissível à luz do princípio da proporcionalidade é o reembolso dos custos das ações de integração, ao passo que o Governo neerlandês entende que uma coima de um montante máximo de 1000 euros é proporcionada.

( 42 ) A penalidade máxima em caso de inobservância da obrigação de participar em ações de integração não deve ser mais pesada do que as penalidades aplicadas por infrações semelhantes em matéria de obrigações cívicas, por exemplo, em caso de inobservância da obrigação de votar ou de incumprimento da obrigação de hastear a bandeira nacional.

( 43 ) V. jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao âmbito de aplicação dos artigos 6.° e 7.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, em relação às sanções que não integram o «núcleo duro» do direito penal, e, em especial, o acórdão Jussila, de 23 de novembro de 2006 (petição n.o 73053/01, § 43), bem como, quanto à proporcionalidade da sanção, acórdão Segame SA, de 7 de junho de 2012 (petição n.o 4837/06, § 59).