CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 19 de junho de 2014 ( 1 )

Processo C‑447/13 P

Riccardo Nencini

contra

Parlamento Europeu

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Antigo deputado do Parlamento Europeu — Subsídios que visam cobrir as despesas efetuadas no exercício de funções parlamentares — Crédito que resulta da aplicação do processo de repetição do indevido — Regras de prescrição — Artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro — Dies a quo — Artigo 85.o‑B das normas de execução — Princípio da segurança jurídica — Princípio do prazo razoável»

I – Introdução

1.

Com o seu recurso, o recorrente, R. Nencini, antigo deputado do Parlamento Europeu, pede a anulação do acórdão Nencini/Parlamento ( 2 ) do Tribunal Geral da União Europeia, através do qual este negou provimento ao recurso de anulação da decisão do secretário‑geral do Parlamento Europeu que visa a cobrança de determinadas despesas indevidamente pagas ao recorrente durante o seu mandato parlamentar.

2.

Este recurso suscita um aspeto inédito do direito da União relativo ao prazo de prescrição dos créditos da União Europeia sobre terceiros.

3.

Os argumentos do recorrente que se baseiam no princípio da segurança jurídica resultam de uma possível lacuna legislativa referente à prescrição de determinados créditos da União. A análise das consequências desta lacuna na perspetiva do princípio da segurança jurídica suscita uma questão acerca do papel do juiz que visa assegurar o respeito do referido princípio quando a lei é omissa.

II – Quadro jurídico

4.

À época dos factos, o Regulamento Financeiro da União estava previsto no Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 ( 3 ) e as suas normas de execução no Regulamento (CE, Euratom) n.o 2342/2002 ( 4 ).

5.

O artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro dispõe:

«Sem prejuízo das disposições da regulamentação específica e da aplicação da Decisão do Conselho relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades, os créditos das Comunidades sobre terceiros, bem como os créditos de terceiros sobre as Comunidades são sujeitos a um prazo de prescrição de cinco anos.

A data a considerar para o cálculo do prazo de prescrição e as condições para a sua interrupção serão fixadas nas normas de execução.»

6.

O artigo 85.o‑B das normas de execução, sob a epígrafe «Prazos de prescrição», estabelece, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«O prazo de prescrição dos créditos das Comunidades sobre terceiros começa a correr na data em que termina o prazo comunicado ao devedor na nota de débito, conforme previsto no n.o 3, alínea b), do artigo 78.o [das normas de execução].»

III – Antecedentes do litígio

7.

O recorrente foi membro do Parlamento durante a legislatura de 1994‑1999.

8.

Conforme resulta do acórdão recorrido, na sequência de uma investigação do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), o Parlamento, em dezembro de 2006, iniciou um processo de verificação e, em seguida, um processo de cobrança de determinadas despesas de viagem e de assistência parlamentar que tinham sido pagas ao recorrente em violação da regulamentação relativa às despesas e subsídios dos deputados do Parlamento (a seguir «regulamentação DSD»).

9.

Em 16 de julho de 2010, o secretário‑geral do Parlamento adotou a decisão relativa à cobrança do montante de 455903,04 euros, redigida em inglês e comunicada ao recorrente em 28 de julho de 2010. Em 16 de agosto de 2010, o recorrente recebeu a nota de débito do diretor‑geral da Direção‑Geral das Finanças do Parlamento, de 4 de agosto de 2010, relativa ao montante em questão.

10.

Em 7 de outubro de 2010, o secretário‑geral do Parlamento adotou uma nova decisão, redigida em italiano, que substituía a de 16 de julho de 2010. Esta decisão foi comunicada ao recorrente em 13 de outubro de 2010, acompanhada de uma nova nota de débito relativa ao mesmo montante e que substituiu a de 4 de agosto de 2010.

IV – Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11.

Por petições entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de setembro e 10 de dezembro de 2010, o recorrente interpôs dois recursos distintos que visavam, respetivamente, a anulação dos atos do Parlamento que lhe foram comunicados em 28 de julho e 16 de agosto de 2010 (processo T‑431/10) e a anulação tanto desses atos como dos que foram comunicados em 13 de outubro de 2010, bem como o reenvio do processo ao secretário‑geral do Parlamento para que determine o novo montante a cobrar (processo T‑560/10).

12.

Os pedidos de medidas provisórias apresentados pelo recorrente nestes dois processos foram indeferidos pelo presidente do Tribunal Geral ( 5 ). Os processos T‑431/10 e T‑560/10 foram apensos pelo Tribunal Geral para efeitos de todo o processo escrito, do processo oral e do acórdão.

13.

Na audiência de 18 de abril de 2012, o recorrente desistiu do recurso no processo T‑431/10.

14.

Nos n.os 22 a 32 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou admissível o recurso interposto no processo T‑560/10 na parte em que tinha por objeto a anulação da decisão do secretário‑geral do Parlamento de 7 de outubro de 2010 (a seguir «decisão recorrida»).

15.

Em substância, o recorrente invocou quatro fundamentos de recurso, relativos, em primeiro lugar, à prescrição, em segundo lugar, às violações do princípio do contraditório e do princípio da proteção jurídica efetiva, em terceiro lugar, às violações da regulamentação DSD e, em quarto lugar, a uma violação do princípio da proporcionalidade.

16.

Nos n.os 34 a 54 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral apreciou e julgou improcedente o primeiro fundamento relativo à prescrição.

17.

O Tribunal Geral considerou, antes de mais, que a prescrição quinquenal prevista no artigo 73.o‑B do Regulamento Financeiro deve ser calculada, atendendo ao artigo 85.o‑B das normas de execução, a partir da data em que termina o prazo comunicado ao devedor na nota de débito. No caso em apreço, tendo em conta a data de 20 de janeiro de 2011 que foi comunicada ao recorrente na nota de débito de 13 de outubro de 2010, o prazo de prescrição não tinha expirado.

18.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral apreciou o primeiro fundamento do recorrente, na parte relativa à violação do princípio do prazo razoável.

19.

A este respeito, o Tribunal Geral declarou que o processo iniciado pelo Parlamento poderia ter sido diligenciado mais cedo atendendo, designadamente, ao tempo que decorreu entre o fim do mandato parlamentar do recorrente e a data de adoção da decisão recorrida, uma vez que os documentos contabilísticos relevantes já estavam na posse do Parlamento e que este já tinha sido alertado por uma carta do recorrente na qual solicitava um esclarecimento acerca das modalidades de reembolso das despesas em questão.

20.

Deste modo, o Tribunal Geral constatou que o Parlamento não tinha cumprido as obrigações resultantes do princípio do prazo razoável, referindo que uma violação deste princípio apenas pode conduzir à anulação de um ato se a referida violação tiver afetado o exercício dos direitos de defesa do seu destinatário. Ora, no caso em apreço, o recorrente não invocou nenhum argumento relativo a um prejuízo para os seus direitos de defesa devido à violação do princípio do prazo razoável. A violação, por parte do Parlamento, do princípio do prazo razoável não podia, consequentemente, conduzir à anulação da decisão recorrida.

21.

Nos números seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente o segundo fundamento por ser inoperante (n.os 55 a 63), assim como os terceiro e quarto fundamentos por falta de fundamento (respetivamente, n.os 64 a 101 e 102 a 113).

22.

Por conseguinte, o Tribunal Geral, por um lado, cancelou o processo T‑431/10 do registo e condenou cada parte a suportar as suas próprias despesas e, por outro, negou provimento ao recurso no processo T‑560/10 e condenou o recorrente nas despesas no referido processo, incluindo as despesas do processo de medidas provisórias.

V – Pedidos das partes

23.

Com o seu recurso, o recorrente pede ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão recorrido e, se o recurso for julgado procedente, a título preliminar, a anulação da decisão recorrida ou, a título subsidiário, a determinação com equidade do montante a cobrar ou o reenvio do processo ao secretário‑geral do Parlamento para tal determinação.

24.

Além disso, o recorrente pede ao Tribunal de Justiça que condene o Parlamento nas despesas nos processos T‑431/10 e T‑561/10, assim como nas despesas do recurso.

25.

O Parlamento pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e que condene o recorrente nas despesas.

VI – Análise

26.

O recorrente invoca cinco fundamentos de recurso, estando os quatro primeiros de certo modo ligados aos quatro fundamentos invocados em primeira instância.

27.

Assim, o primeiro fundamento é relativo à violação das regras de prescrição e dos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da efetividade. No âmbito deste fundamento, o recorrente invoca uma exceção de ilegalidade relativamente ao artigo 85.o‑B das normas de execução e, a título subsidiário, igualmente em relação artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro.

28.

O segundo fundamento do recurso é relativo à violação dos princípios do contraditório e da proteção jurídica efetiva, o terceiro respeita à aplicação incorreta da regulamentação DSD e o quarto refere‑se à violação do princípio da proporcionalidade na determinação do montante a cobrar. Por último, através do seu quinto fundamento, o recorrente contesta o facto de ter sido condenado em todas as despesas no processo T‑560/10 e numa parte das despesas no processo T‑431/10.

29.

O Parlamento contesta estes fundamentos, alegando que são inadmissíveis ou que não são procedentes.

30.

Concentrarei a minha análise no primeiro fundamento, devendo os outros fundamentos do recurso, pelos motivos que irei brevemente expor em seguida, ser julgados improcedentes por inadmissibilidade ou por não estarem fundados.

A – Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação das regras de prescrição e dos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da efetividade

31.

O primeiro fundamento, que diz respeito aos motivos referidos nos n.os 34 a 54 do acórdão recorrido, divide‑se, em substância, em três partes.

32.

Em primeiro lugar, o recorrente alega que o Tribunal Geral interpretou incorretamente o artigo 85.o‑B das normas de execução, ao considerar que o prazo de prescrição começa a correr a partir da data comunicada ao devedor na nota de débito. Exceto se violar os princípios da segurança jurídica e da proteção jurídica efetiva, o prazo de prescrição não pode começar a correr a partir de uma data livremente definida pelo credor, ou seja, o dia em que o credor invoca o crédito. Segundo o recorrente, o prazo fixado no artigo 85.o‑B das normas de execução, interpretado à luz do princípio da segurança jurídica, deve ser considerado «outro prazo quinquenal», que corre a partir do envio da nota de débito e que acresce ao prazo de prescrição propriamente dito, fixado no artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro. Em sua opinião, este último prazo corre a partir do momento em que o direito pode ser exercido.

33.

Em segundo lugar, caso a interpretação referida no número anterior não convença o Tribunal de Justiça, o recorrente invoca uma exceção de ilegalidade do artigo 85.o‑B das normas de execução, com o fundamento de que é contrária ao artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro. A título subsidiário, suscita a ilegalidade tanto do artigo 85.o‑B das normas de execução como do artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro, por inobservância do «fundamento jurídico essencial» da prescrição, assim como a violação dos princípios de segurança jurídica e dos direitos de defesa.

34.

Em terceiro lugar, o recorrente alega que o Tribunal Geral apreciou erradamente, enquanto fundamento autónomo, o seu argumento relativo à violação do prazo razoável. Segundo o recorrente, o Tribunal Geral, em vez de responder ao seu argumento referente à violação das regras de prescrição e à necessidade de efetuar uma interpretação conforme do artigo 85.o‑B das normas de execução, apreciou estes argumentos no sentido de que tinham por objeto a violação do prazo razoável enquanto corolário do princípio da boa administração.

35.

Apreciarei as três partes do fundamento pela mesma ordem.

1. Relativamente à primeira parte, referente à interpretação incorreta das regras sobre a prescrição

a) Quanto ao instituto da prescrição

36.

Nos termos do artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro, os créditos de terceiros sobre a União, bem como os da União sobre terceiros, são sujeitos a um prazo de prescrição de cinco anos.

37.

Esta disposição estabelece, no direito da União, uma prescrição extintiva dos créditos aplicável de forma geral e sem prejuízo de regras especiais, que poderia, assim, ser comparada a um prazo de prescrição de direito comum nos ordenamentos jurídicos nacionais ( 6 ).

38.

A prescrição extintiva dos créditos é um instituto jurídico conhecido da maioria dos sistemas jurídicos contemporâneos. Segundo sei, está presente, sem exceção, nos ordenamentos jurídicos de todos os Estados‑Membros.

39.

A este respeito, importa recordar os fundamentos axiológicos da prescrição enquanto instituto do direito moderno ( 7 ).

40.

Em primeiro lugar, no interesse da ordem pública, o sistema jurídico deve ser construído de forma a evitar pôr em causa situações factuais de longa duração. Estas situações são, aliás, mais frequentemente legais do que o contrário. A sua contestação, tendo em conta a incerteza das provas, comporta assim o risco de conduzir a soluções injustas. Além disso, o decurso do tempo deve resultar na própria legalização das situações ilegais. Com efeito, após um longo período de inércia, a pessoa sujeita a uma obrigação pode deixar de ter o dever de contar com o facto que será obrigada a executar. A passagem do tempo implica dificuldades de prova, uma vez que as pessoas em causa não podem ser obrigadas a conservar as provas indefinidamente. Por último, a prescrição incita o credor a agir com celeridade para exercer os seus direitos.

41.

Deste modo, o objetivo da prescrição, além do seu papel de estabilizador, reside, por um lado, na estigmatização da indolência do credor que não faz prova de diligência para exercer os seus direitos. Por outro lado, a prescrição visa limitar o contencioso associado aos litígios antigos, que implicam um risco elevado de soluções arbitrárias devido às dificuldades de prova.

42.

Dito isto, este instituto é regulado de forma diferente nos diversos sistemas jurídicos e, até no mesmo sistema jurídico, para diferentes categorias de créditos ( 8 ).

43.

Importa ainda observar que o instituto da prescrição não consiste unicamente num prazo, mas inclui todas as condições em torno da sua aplicação, designadamente, o dies a quo, as modalidades de cálculo do prazo, as causas de suspensão e de interrupção, a possibilidade de alteração do prazo pelas partes, os efeitos do termo do prazo, etc.

44.

Todas estas modalidades, que podem ser previstas por diferentes disposições, formam um todo indivisível. Apenas o conjunto da regulamentação permite apreciar o alcance real da prescrição ( 9 ).

b) Quanto à interpretação do artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro e do artigo 85.o‑B das normas de execução

45.

No caso em apreço, a interpretação da prescrição quinquenal implica uma leitura conjunta das disposições do Regulamento Financeiro e das normas de execução.

46.

Esta leitura conjunta resulta do facto de o artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro definir os créditos visados pela prescrição e fixar o prazo de cinco anos, mas delegar na Comissão Europeia a tarefa de determinar as modalidades da sua aplicação, tais como a data de início do prazo e as condições da sua interrupção. Estas modalidades são reguladas pelo artigo 85.o‑B das normas de execução.

47.

Quanto ao dies a quo, nos termos do artigo 85.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, das normas de execução, o prazo de prescrição dos créditos da União sobre terceiros corre a partir da «data em que termina o prazo comunicado ao devedor na nota de débito».

48.

Observo que resulta claramente da leitura conjunta das disposições referidas que, no que respeita aos créditos da União sobre terceiros, o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro começa a correr na data em que termina o prazo indicado na nota de débito.

49.

Esta interpretação é corroborada pelo objetivo do artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro assim como pelo seu contexto normativo.

50.

Observo que o artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro foi incluído na seção intitulada «Cobrança» da primeira parte, título IV, capítulo 5, deste regulamento, que regula os poderes do contabilista da União no âmbito do processo de cobrança. Resulta dos fundamentos do ato modificativo que aditou o referido artigo 73.o‑A no Regulamento Financeiro que esta nova disposição visa, designadamente, limitar no tempo a possibilidade de cobrança dos créditos da União sobre terceiros, a fim de satisfazer o princípio da boa gestão financeira ( 10 ). Ora, a fixação de um prazo que corre a partir da data determinada no início do processo de cobrança e que delimita este processo responde ao referido objetivo, que consiste em promover o princípio da boa gestão financeira.

51.

Esta interpretação, segundo a qual o prazo em causa corre a partir da data indicada na nota de débito, foi igualmente acolhida pelo acórdão recorrido.

52.

Com efeito, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 39 e 40 do acórdão recorrido, que, por força das disposições relevantes do Regulamento Financeiro e das normas de execução, o prazo de prescrição começou a correr, no caso em apreço, em 20 de janeiro de 2011, ou seja, na data em que terminou o prazo comunicado ao recorrente na nota de débito que lhe foi enviada pelo Parlamento em 13 de outubro de 2010. À data da adoção da decisão recorrida, isto é, 7 de outubro de 2010, este prazo não tinha começado a correr e, por conseguinte, a prescrição não operou no caso em apreço.

53.

O recorrente alega que esta constatação do Tribunal Geral assenta num erro de interpretação do artigo 85.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, das normas de execução. Segundo o recorrente, deve considerar‑se que esta disposição, na parte em que se refere à data comunicada na nota de débito, visa «outro prazo quinquenal» diferente do prazo de prescrição propriamente dito, que, por seu turno, deve correr a partir do dia em que o crédito pode ser invocado.

54.

Ora, observo que a interpretação avançada pelo recorrente não é de modo algum corroborada pelos termos do artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro, que se referem claramente, no que respeita aos créditos da União sobre terceiros, a um único prazo de cinco anos.

55.

Além disso, parece‑me que a abordagem proposta pelo recorrente põe em causa a legalidade do artigo 85.o‑B, n.o 1, primeiro parágrafo, das normas de execução e conduz potencialmente a uma interpretação contra legem.

56.

Com efeito, admitir que, ao adotar o artigo 85.o‑B das normas de execução, a Comissão instituiu modalidades relativas a «outro prazo quinquenal» diferente do referido no artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro, como propõe o recorrente, equivale a afirmar que as referidas modalidades são ilegais, na medida em que se afastam da delegação prevista no referido artigo 73.o‑A, segundo parágrafo.

57.

Por conseguinte, considero que as disposições em apreço não permitem a interpretação proposta pelo recorrente e que o Tribunal Geral teve razão ao decidir que o prazo em questão corre a partir da data limite indicada na nota de débito.

c) Quanto às consequências da interpretação na perspetiva do princípio da segurança jurídica

58.

Quais são as consequências da interpretação que propus à luz do princípio da segurança jurídica invocado pelo recorrente?

59.

Devo sublinhar que, em minha opinião, este princípio proíbe que a ação resultante de um crédito possa ser perpetuada no tempo sem limitação. Tal situação prejudicaria o papel de estabilizador do sistema jurídico, bem como o equilíbrio entre os respetivos interesses legítimos dos devedores e dos credores. É neste sentido que é possível afirmar que a prescrição extintiva constitui um «princípio» comum dos sistemas jurídicos modernos.

60.

A resposta à questão de saber se o prazo de prescrição resultante da interpretação dada no acórdão recorrido permite assegurar os interesses do devedor em termos de segurança jurídica depende da relação entre o momento em que o crédito da União se torna exigível e o momento em é apurado através da adoção de um ato administrativo.

61.

Importa observar que, na sistemática do artigo 60.o do Regulamento Financeiro, a execução das receitas da União inclui, designadamente, o apuramento do crédito e a sua cobrança.

62.

Nos termos do artigo 71.o, n.o 2, do referido regulamento, qualquer crédito da União identificado como certo, líquido e exigível deve ser objeto de uma ordem de cobrança, seguida de uma nota de débito enviada ao devedor.

63.

O artigo 78.o, n.o 1, das normas de execução define o apuramento de um crédito, pelo gestor orçamental da União, como o «reconhecimento de um direito [da União] relativamente a um devedor e o estabelecimento de um título que exige ao mesmo o pagamento da sua dívida». Resulta do n.o 3 do mesmo artigo que a nota de débito é um documento pelo qual se informa o devedor desse apuramento. A nota de débito indica a data limite para o pagamento, após a qual a instituição procede à cobrança do crédito e os juros de mora se tornam exigíveis.

64.

Observo, a este respeito, que não é possível excluir que determinados créditos da União apenas se tornam exigíveis na sequência do ato que apura o crédito em conformidade com o artigo 71.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro.

65.

A este título, o ato que apura o crédito e que é comunicado ao devedor através da nota de débito pode, no que se refere a determinados créditos, ser considerado um ato constitutivo que origina o direito da União de invocar o crédito contra o terceiro em causa ( 11 ).

66.

Quanto a estes créditos, o prazo de prescrição previsto no artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro e no artigo 85.o‑B das normas de execução, que começa a correr na data indicada na nota de débito, constitui um meio adequado de proteger os interesses do devedor. Com efeito, relativamente a estes créditos, a data de comunicação da nota de débito está muito próxima da data em que se tornam exigíveis.

67.

Contudo, não há dúvidas de que outros créditos da União são exigíveis logo no momento da adoção do ato de apuramento do crédito, o qual constitui, a este propósito, um ato declarativo.

68.

Relativamente a estes últimos créditos, o prazo previsto no artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro e no artigo 85.o‑B das normas de execução é insuficiente enquanto instrumento de proteção dos interesses do devedor que resultam do princípio da segurança jurídica, uma vez que começa a correr na data escolhida pelo credor, a qual não tem nenhuma ligação com o momento em que o crédito tem origem ou se torna exigível.

69.

Por conseguinte, existe uma lacuna no direito da União que pode criar o risco de determinados créditos da União se perpetuarem indefinidamente no tempo, visto que o prazo de prescrição apenas começa a correr a partir do momento em que tais créditos são apurados e objeto de cobrança em conformidade com o processo previsto pelo Regulamento Financeiro.

70.

O alcance desta lacuna afigura‑se relativamente limitado devido à especificidade das relações jurídicas da União enquanto credora.

71.

Antes de mais, conforme já referi, no que respeita aos créditos que apenas se tornam exigíveis a partir do seu apuramento pelo gestor orçamental da União, o prazo de prescrição que corre a partir da data indicada na nota de débito parece ser adequado.

72.

Por outro lado, no que se refere aos créditos que resultam de sanções e de medidas punitivas, a segurança jurídica dos particulares é assegurada pela existência de prazos especiais que balizam o exercício do poder de sanção ( 12 ).

73.

Além disso, os créditos que resultam das relações contratuais da União podem ser sujeitos às regras de prescrição contidas na lei aplicável designada pelas partes do contrato ou pelas regras de conflito. Por último, os créditos detidos pela União sobre terceiros em consequência de um delito podem igualmente ser sujeitos ao direito nacional designado pelas regras de conflito de leis ( 13 ).

74.

Porém, determinados créditos da União, como o que está em causa no processo principal, não estão abrangidos por nenhuma destas hipóteses e, por isso, há o risco de persistirem indefinidamente até que a instituição da União apure de forma declarativa a sua existência e proceda à sua cobrança.

d) Quanto à existência da lacuna legislativa

75.

Em minha opinião, trata‑se de uma lacuna que não pode ser sanada através da interpretação do Regulamento Financeiro e das normas de execução.

76.

A este respeito, o recorrente propõe interpretar as disposições em causa no sentido de que estabelecem uma «dupla» prescrição, composta por dois prazos com diferentes pontos de partida: para um, a data em que o crédito pode ser invocado e, para outro, a data indicada na nota de débito.

77.

Considero que esta abordagem significa, efetivamente, que o juiz se deve afastar do texto normativo e fixar um novo prazo de prescrição, em vez do previsto pelo Regulamento Financeiro e pelas normas de execução.

78.

Estou convencido de que o juiz da União deve assumir plenamente o seu papel a fim de condenar as violações do princípio da segurança jurídica nos casos concretos em que é chamado a pronunciar‑se.

79.

No entanto, não creio que este papel possa legitimamente ir ao ponto de fixar um novo prazo de prescrição.

80.

Em minha opinião, a fixação do prazo de prescrição está abrangida pela competência própria do legislador.

81.

Esta consideração tem por base várias razões. Para determinar o prazo de prescrição, o legislador deve efetuar uma ponderação entre a segurança jurídica do devedor e o interesse legítimo do credor no restabelecimento da legalidade. Para determinar um prazo específico, esta ponderação deve ser efetuada in abstracto, e não em relação a um litígio concreto. Exceto se comprometer as expectativas legítimas do credor, o prazo de prescrição, bem como todas as suas modalidades de aplicação, devem ser fixados e conhecidos previamente. Além disso, a fixação de um prazo de prescrição exige a determinação de todas as condições que envolvem a sua aplicação.

82.

Estas considerações são aplicadas de igual modo à competência relativa à determinação do ponto de partida do prazo de prescrição.

83.

Com efeito, a identificação do ponto de partida constitui um instrumento de calibragem, tão importante como o próprio prazo de prescrição, que permite assegurar um equilíbrio entre os interesses do credor e os do devedor.

84.

Este equilíbrio pode ser definido de forma diferente no âmbito da responsabilidade contratual e extracontratual.

85.

Por um lado, relativamente aos créditos que resultam da violação de uma cláusula contratual, o prazo de prescrição começa a correr, em regra, no momento em que o crédito se torna exigível, o que habitualmente coincide com a data em que a violação ocorre.

86.

Por outro lado, no que respeita aos créditos que resultam de um delito, importa ter em conta o facto de que o credor pode não ter consciência imediata do facto cometido ou até mesmo de que sofreu um dano. Além disso, pode não estar na posse de todas as informações necessárias para intentar uma ação.

87.

Quanto a estes últimos créditos, a determinação do ponto de partida do prazo de prescrição é uma questão mais delicada, que é resolvida de maneira distinta pelos legisladores dos diversos Estados‑Membros.

88.

Nos diferentes sistemas jurídicos, este ponto de partida pode ser fixado a tempore facti, ou seja, à data em que o facto foi cometido ou em que o dano surgiu, ou pode ainda ser estabelecido a tempore scientiae. Este último momento, por seu turno, pode ser identificado de formas distintas: pode ser o dia em que o facto ou o dano foi descoberto pelo credor, o dia em que o facto ou o dano deveria razoavelmente ter sido descoberto, o dia em que o credor teve certeza do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou até mesmo o dia em que conheceu ou devia conhecer a identidade da pessoa responsável ( 14 ). O critério da tomada de conhecimento implica, além disso, a determinação do nível de informação suficiente para desencadear o início da contagem do prazo ( 15 ). Por outro lado, alguns sistemas jurídicos estabelecem um ponto de partida diferente para os créditos que resultam de um ato ilícito intencional ou de atos passíveis de ação penal ( 16 ).

89.

A escolha entre estas diversas possibilidades é um exercício de ponderação de interesses que, em minha opinião, está claramente abrangido pela função do legislador.

90.

Por todos estes motivos, considero que não é possível fixar um prazo de prescrição, nem o seu ponto de partida, por via jurisdicional. Independentemente do número de soluções possíveis, o prazo de prescrição e o seu ponto de partida devem ser previamente conhecidos do credor.

91.

Em determinados casos excecionais, o juiz pode adaptar o prazo de prescrição ou as modalidades da sua aplicação ( 17 ), mas, como já sublinhei, não entendo que a possibilidade de fixar esse prazo ou essas modalidades seja abrangida pelas competências de um órgão jurisdicional.

92.

Considero que a inexistência de prazo suscetível de extinguir determinados créditos da União antes de serem apurados pelo credor é lamentável da perspetiva do princípio da segurança jurídica.

93.

Não obstante, cabe ao legislador resolvê‑la mediante a alteração das regras de aplicação do Regulamento Financeiro.

e) Quanto ao princípio do prazo razoável

94.

Nesta situação, que provoca insegurança jurídica, o juiz da União deve, em minha opinião, recorrer a todos os instrumentos abrangidos pelas suas competências a fim de assegurar o pleno respeito do princípio da segurança jurídica no litígio em que é chamado a pronunciar‑se.

95.

Para o efeito, ocorrem‑me os diversos conceitos jurídicos associados ao decurso do tempo, que podem variar segundo a ordem jurídica, mas que são, tal como o instituto da prescrição, corolários do princípio da segurança jurídica.

96.

No direito da União, quando estão em causa relações jurídicas entre as instituições da União e devedores particulares, este papel de «solução de segurança» é, em minha opinião, cumprido de forma mais adequada pelo princípio do prazo razoável.

97.

Segundo este princípio, cujo papel transversal foi confirmado várias vezes ( 18 ), quando não estiver previsto um prazo legal, as instituições da União têm o dever de respeitar um prazo razoável em todas as suas ações.

98.

Este prazo razoável depende das circunstâncias do caso em apreço e não pode ser fixado com base num limite máximo preciso, determinado de forma abstrata. A sua aplicação deve ter por objetivo proteger, caso a caso, a segurança jurídica dos particulares nas suas relações com a União, quando não existe um prazo legal ( 19 ).

99.

Devo sublinhar que a aplicação do princípio do prazo razoável não é suscetível de garantir o mesmo grau de segurança jurídica e de previsibilidade das situações jurídicas que o prazo de prescrição legal, cuja duração e consequências do decurso do tempo são determinadas previamente.

100.

Não obstante, na falta de prazo legal adequado, considero que o recurso ao princípio do prazo razoável é o instrumento apropriado para evitar, no âmbito de um determinado litígio, que uma lacuna legislativa em matéria de prescrição prejudique os interesses legítimos do devedor da União.

101.

Assim, no caso em apreço, ao efetuar a sua fiscalização a partir do referido princípio, o Tribunal Geral respondeu às alegações do recorrente num domínio que, simultaneamente, era adequado ao papel do juiz e permitia assegurar a proteção dos interesses legítimos subjacentes ao argumento do recorrente.

102.

Além disso, no seu recurso, o recorrente não critica as considerações do Tribunal Geral no âmbito desta apreciação.

103.

Em particular, o recorrente não contesta o fundamento do n.o 51 do acórdão recorrido, que recorda uma consideração constante na jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a constatação de uma violação do princípio do prazo razoável apenas pode provocar a anulação de um ato se a duração das atuações da instituição tiver tido uma incidência possível no desfecho do processo que conduziu à adoção desse ato. É o que sucede, designadamente, quando os direitos de defesa do destinatário são potencialmente comprometidos ( 20 ). Ora, o recorrente não contesta a constatação do Tribunal Geral segundo a qual, no caso em apreço, não ficou demonstrada a existência de uma violação dos seus direitos de defesa.

104.

À luz destas observações, considero que a primeira parte do primeiro fundamento do recorrente, relativa a um erro interpretação, deve ser julgada improcedente.

2. Quanto à segunda parte, que assenta numa exceção de ilegalidade

105.

O recorrente alega que o artigo 85.o‑B das normas de execução e, a título subsidiário, também o artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro, são ilegais.

106.

Recordo que um fundamento apresentado pela primeira vez no âmbito do recurso interposto no Tribunal de Justiça deve ser julgado inadmissível, exceto quando se trate de um fundamento que o Tribunal Geral deveria ter conhecido oficiosamente.

107.

Com efeito, de acordo com a nossa jurisprudência constante, permitir a uma parte invocar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento e argumentos que não invocou no Tribunal Geral equivaleria a permitir‑lhe apresentar ao Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, um litígio com um objeto mais lato do que o submetido ao Tribunal Geral ( 21 ).

108.

Ora, conforme resulta do processo, o recorrente não invocou, no Tribunal Geral, a ilegalidade do artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro nem do artigo 85.o‑B das normas de execução.

109.

Além disso, no seu recurso, o recorrente não invoca nenhum argumento relativo à violação, por parte do Tribunal Geral, da obrigação de suscitar um fundamento de ordem pública.

110.

Deste modo, considero que a exceção de ilegalidade invocada pelo recorrente no caso em apreço colide com a proibição de apresentação de novos fundamentos em sede de recurso e, por conseguinte, deve ser julgada inadmissível.

3. Quanto à terceira parte, relativa ao alcance da apreciação efetuada pelo Tribunal Geral

111.

O recorrente alega, em substância, que o Tribunal Geral apreciou, incorretamente, a violação do princípio do prazo razoável em vez de responder ao seu argumento principal relativo à violação das regras de prescrição.

112.

Este argumento suscita, efetivamente, duas problemáticas distintas. Em primeiro lugar, tem por objeto a questão de saber se o Tribunal Geral respondeu ao argumento invocado pelo recorrente em primeira instância. Em segundo lugar, coloca a questão de saber se o Tribunal Geral teve razão ao apreciar este argumento da perspetiva do respeito do princípio do prazo razoável.

113.

Antes de mais, relativamente à alegada falta de resposta, recordo que o Tribunal Geral não tem o dever de responder de forma explícita a todos os argumentos apresentados pelas partes no litígio. Com efeito, a fundamentação do acórdão do Tribunal Geral pode ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que o Tribunal não acolheu os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização ( 22 ).

114.

No caso em apreço, conforme resulta do processo, o recorrente afirmou no Tribunal Geral que existe um princípio geral de direito segundo o qual a prescrição começa a correr a partir do momento em que o credor pode reivindicar o seu crédito. De acordo com o recorrente, este princípio, comum aos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, devia conduzir o Tribunal Geral a afastar qualquer outra interpretação das regras de prescrição em causa.

115.

Ora, o Tribunal Geral, implícita mas necessariamente, rejeitou esta argumentação nos n.os 38 a 42 do acórdão recorrido.

116.

Com efeito, quanto ao fundamento relativo à violação das regras de prescrição quinquenal, o Tribunal Geral declarou que o artigo 73.o‑A do Regulamento Financeiro, invocado pelo recorrente, remete para a data fixada nas normas de execução e, por isso, deve ser conjugado com estas. Em seguida, o Tribunal Geral interpretou a prescrição quinquenal à luz do artigo 85.o‑B das normas de execução, constatando que o prazo de prescrição corre, tal como resulta expressamente do referido artigo, a partir da data em que termina o prazo comunicado na nota de débito.

117.

Por conseguinte, considero que a presente parte do primeiro fundamento do recurso deve ser julgada improcedente, no que respeita à alegada falta de resposta a um argumento apresentado em primeira instância.

118.

Em segundo lugar, a crítica formulada pelo recorrente é relativa à relevância da análise baseada no princípio do prazo razoável.

119.

Ora, por um lado, mesmo admitindo que o Tribunal Geral tenha tido a possibilidade de evitar apreciar o respeito do princípio do prazo razoável enquanto fundamento distinto de anulação, isto apenas significa que o acórdão recorrido inclui fundamentos supérfluos, o que não é suscetível de conduzir à sua anulação. Por outro lado, conforme já observei no âmbito da análise à primeira parte do presente fundamento ( 23 ), o Tribunal Geral apreciou corretamente o argumento do recorrente relativo ao domínio do princípio do prazo razoável.

120.

Em minha opinião, o argumento do recorrente relativo ao caráter inadequado da apreciação do prazo razoável, tal como a totalidade da terceira parte do primeiro fundamento do recurso, devem ser julgados improcedentes.

121.

Na sequência desta análise, considero que o primeiro fundamento do recurso não pode ser acolhido.

B – Quanto aos fundamentos segundo a quinto

122.

Através do seu segundo fundamento de recurso, o recorrente alega que o Tribunal Geral desvirtuou o segundo fundamento do recurso, segundo o qual o recorrente não tinha podido apresentar as suas observações sobre todos os pontos que serviram de base à decisão recorrida.

123.

Observo que o recorrente não precisa claramente em que consiste a alegada desvirtuação, mas remete de forma global para a exposição dos factos do litígio. Assim, as alegações que apresentou no âmbito do segundo fundamento do recurso estão, desde logo, insuficientemente fundadas.

124.

Com o seu terceiro fundamento de recurso, o recorrente afirma que, no âmbito da rejeição da argumentação relativa à determinação do domicílio para efeito do reembolso das despesas de viagem, o Tribunal Geral tinha o dever de precisar o conteúdo do conceito de domicílio na aceção do direito da União. Por outro lado, segundo o recorrente, o Tribunal Geral não podia excluir a possibilidade de regularização da irregularidade cometida na designação dos beneficiários dos subsídios, ainda que os factos alegados demonstrassem o caráter puramente formal desta irregularidade.

125.

Em minha opinião, com estas alegações, apesar de formuladas na perspetiva de um erro de interpretação da regulamentação DSD, o recorrente pretende, efetivamente, obter uma nova apreciação dos factos, o que excede a competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso ( 24 ). Por conseguinte, o terceiro fundamento do recurso é inadmissível.

126.

O quarto fundamento do recurso, invocado a título subsidiário, é relativo à violação do princípio da proporcionalidade. O recorrente alega que, apesar de os créditos do Parlamento deverem ser justificados no seu princípio, o seu montante deveria ser adaptado de modo a ter em conta a boa‑fé do recorrente e as circunstâncias concretas do caso em apreço.

127.

Deste modo, o recorrente reitera, em substância, os argumentos que foram apreciados e julgados improcedentes pelo Tribunal Geral nos n.os 102 a 113 do acórdão recorrido e não invoca nenhum erro de direito que afete a fundamentação do acórdão recorrido. Em minha opinião, o quarto fundamento é, como tal, inadmissível ( 25 ).

128.

Por último, o quinto fundamento do recurso diz unicamente respeito ao encargo das despesas nos dois processos apensos no Tribunal Geral.

129.

Recordo que, nos termos do artigo 58.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, não pode ser interposto um recurso que tenha por único fundamento o montante das despesas ou a determinação da parte que as deve suportar. Segundo jurisprudência assente, esta regra é aplicável aos pedidos relativos à alegada irregularidade da decisão do Tribunal Geral sobre as despesas, no caso de improcederem todos os outros fundamentos de um recurso ( 26 ).

130.

Assim, se o Tribunal de Justiça seguir a minha proposta de julgar improcedentes os quatro primeiros fundamentos do recurso, não há que apreciar o quinto fundamento do recurso, relativo à alegada irregularidade cometida pelo Tribunal Geral na repartição das despesas da instância.

131.

Por conseguinte, proponho que os fundamentos segundo a quinto sejam julgados improcedentes e que seja negado provimento ao recurso na íntegra.

132.

Tendo o recorrente sido vencido, proponho, nos termos dos artigos 184.°, n.o 1, e 138.°, n.o 1, do Regulamento do Processo, que seja condenado nas despesas, em conformidade com o pedido do Parlamento.

VII – Conclusão

133.

Tendo em consideração o exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene Riccardo Nencini nas despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) T‑431/10 e T‑560/10, EU:T:2013:290 (a seguir «acórdão recorrido»).

( 3 ) Regulamento do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 1995/2006 do Conselho, de 13 de dezembro de 2006 (JO L 390, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»).

( 4 ) Regulamento da Comissão, de 23 de dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento n.o 1605/2002 (JO L 357, p. 1), na sua versão alterada pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 478/2007 da Comissão, de 23 de abril de 2007 (JO L 111, p. 13, a seguir «normas de execução»).

( 5 ) Respetivamente, despachos Nencini/Parlamento de 19 de outubro de 2010 (T‑431/10 R, EU:T:2010:441) e de 16 de fevereiro de 2011 (T‑560/10 R, EU:T:2011:40).

( 6 ) Importa ainda distinguir o referido artigo 73.o‑A de outras disposições de atos da União que estabelecem prescrições relativas ao poder de impor sanções ou outras medidas punitivas. V., em matéria de sanções impostas ao abrigo de violações dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE, artigo 25.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), e, em matéria de fraude que causa prejuízo aos interesses financeiros da União, artigo 3.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1).

( 7 ) Estes fundamentos foram estabelecidos por Friedrich Carl von Savigny no seu System des heutigen römischen Rechts (Band 5., Berlin 1841, p. 267). Citação a partir de Kordasiewicz, B., Problematyka dawności, in: System prawa prywatnego, Tom 2, Prawo cywilne — Część ogólna, Varsóvia, CH Beck, Instytut Nauk Prawnych PAN 2012, p. 576.

( 8 ) Para uma análise de direito comparado, v. Hondius, E. W. (ed.), Extinctive prescription: on the limitation of actions: reports to the XIVth Congress, International Academy of Comparative Law, Atenas 1994, e Zrałek, J., Przedawnienie w międzynarodowym obrocie handlowym, Zakamycze — Cracóvia, 2005.

( 9 ) Assim, Hondius (op. cit., p. 8) refere vários fatores diferentes que têm influência no alcance da prescrição, concluindo que uma discussão limitada a um único aspeto da prescrição, como o prazo, não tem sentido. No direito internacional privado, o recurso à exceção de ordem pública, devido ao caráter inadequado do prazo de prescrição resultante da lex causae, está limitado a hipóteses excecionais e requer que sejam tidas em consideração todas as disposições que têm influência na duração do prazo (v. Zrałek, op. cit., p. 150).

( 10 ) V. considerando 26 do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1995/2006 do Conselho, de 13 de dezembro de 2006, que altera o Regulamento n.o 1605/2002 (JO L 390, p. 1).

( 11 ) V., por exemplo, acórdão Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão (T‑552/11, EU:T:2013:349, n.os 46 e 72). O Tribunal declarou que, para que o contrato em causa, celebrado entre a Comissão e um terceiro, possa dar origem a um crédito exigível, a Comissão devia, designadamente, ter especificado as condições de reembolso da quantia indevidamente paga, o que fez numa nota de débito. Tal significa que, no caso vertente, o crédito só se tornou exigível a partir do envio da nota de débito.

( 12 ) V. nota n.o 6, supra.

( 13 ) Na falta de harmonização do direito da responsabilidade extracontratual, o direito nacional pode ser aplicável aos créditos resultantes de um delito que causa um dano à União. V., igualmente, a ação de indemnização intentada pela Comissão num órgão jurisdicional belga, relativa ao dano sofrido devido a um cartel entre vários fabricantes de elevadores. Esta ação implicou um pedido de decisão prejudicial que deu origem ao acórdão Otis e o. (C‑199/11, EU:C:2012:684).

( 14 ) V. Hondius em: Hondius (ed.), op. cit., p. 21, que faz referência aos relatórios nacionais contidos na obra, e Zrałek, op. cit., p. 59.

( 15 ) Por exemplo, a doutrina polaca considera que uma informação qualquer sobre a pessoa responsável não basta, e que o credor deve dispor de uma informação proveniente de um fonte competente e cujo alcance permita atribuir, com um grau de probabilidade suficiente, a prática dos factos a uma pessoa conhecida. V. Kordasiewicz, op. cit., p. 612.

( 16 ) A título de exemplo, o artigo 442.o, n.o 2, do Código Civil polaco prevê um prazo de prescrição excecionalmente longo, de vinte anos a partir do dia em que o facto foi cometido, para os créditos relativos ao dano sofrido devido a uma infração penal.

( 17 ) No direito polaco, o juiz pode pronunciar‑se sobre as consequências da prescrição no caso de um abuso de direito, o que constitui uma espécie de «válvula de segurança» (v. Kordasiewicz, op. cit., p. 606). No direito alemão, o Bundesfinanzhof declarou que dispõe de uma competência «de segurança» («Notkompetenz») que lhe permite encurtar o prazo de prescrição previsto no antigo § 195 do BGB (Código Civil Federal) (BFH, 7. Juli 2009, Az. VII R 24/06). Por força do direito da União, o órgão jurisdicional nacional pode ter o dever de adaptar o prazo de prescrição que resulta do direito nacional nos casos em que a sua aplicação não respeita os princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, acórdão Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.os 77 a 82).

( 18 ) Limitar‑me‑ei a referir alguns exemplos da sua aplicação nos diversos domínios, designadamente, a recuperação dos auxílios pagos ilegalmente (acórdão Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524), o apuramento das contas do FEOGA (acórdão Grécia/Comissão, C‑321/09 P, EU:C:2011:218), a recuperação das despesas efetuadas no órgão jurisdicional da União (despacho Dietz/Comissão, 126/76 DEP, EU:C:1979:158), a apresentação de um pedido de indemnização por um funcionário (despacho Marcuccio/Comissão, T‑157/09 P, EU:T:2010:403), e as ações em matéria de repetição do indevido no âmbito da função pública (acórdão Ronsse/Comissão, T‑205/01, EU:T:2002:269).

( 19 ) V., para uma síntese da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «prazo razoável», acórdão Arango Jaramillo e o./BEI (C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.os 27 a 34).

( 20 ) V. acórdão Technische Unie/Comissão (C‑113/04 P, EU:C:2006:593, n.o 48) e, por analogia, acórdão Groupe Gascogne/Comissão (C‑58/12 P, EU:C:2013:770, n.os 73 e 74).

( 21 ) Acórdãos Sison/Conselho (C‑266/05 P, EU:C:2007:75, n.o 95) e Suécia e o./API e Comissão (C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 126); despacho EMC Development/Comissão (C‑367/10 P, EU:C:2011:203, n.o 93).

( 22 ) V. acórdão FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 96 e jurisprudência referida).

( 23 ) V. n.os 94 a 104, supra.

( 24 ) V. acórdão E.ON Energie/Comissão (C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 64 e jurisprudência referida).

( 25 ) V., designadamente, acórdão Eurocoton e o./Conselho (C‑76/01 P, EU:C:2003:511, n.o 47).

( 26 ) Acórdãos Henrichs/Comissão (C‑396/93 P, EU:C:1995:280, n.os 65 e 66) e Edwin/IHMI (C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.o 78). Apesar de a jurisprudência referida declarar que tal fundamento relativo às despesas é inadmissível, considero que seria mais adequado considerar que, em caso de improcederem todos os outros fundamentos de recurso, não há que apreciá‑lo.