CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 4 de setembro de 2014 ( 1 )

Processo C‑434/13 P

Comissão Europeia

contra

Parker Hannifin Manufacturing Srl, anteriormente Parker ITR Srl,

Parker‑Hannifin Corp.

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu das mangueiras marinhas — Sucessão de entidades jurídicas — Imputabilidade do comportamento ilícito — Redução da coima pelo Tribunal Geral»

1. 

No presente recurso, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça anule o acórdão Parker ITR e Parker Hannifin/Comissão ( 2 ), do Tribunal Geral da União Europeia que anulou parcialmente a Decisão C(2009) 428 final da Comissão ( 3 ) (relativa ao cartel das «mangueiras marinhas», um dos cartéis de maior duração alguma vez punidos ( 4 )) e reduziu consideravelmente o montante da coima aplicada à Parker ITR por aquela decisão, bem como o montante pelo qual a Parker‑Hannifin Corp. (a seguir «Parker‑Hannifin») foi considerada solidariamente responsável.

2. 

O presente processo permite ao Tribunal de Justiça precisar os princípios do direito da concorrência da União aplicáveis aos cartéis quando uma transmissão de ativos dentro do grupo que seja objeto da infração ocorre em consequência da venda posterior da entidade jurídica cessionária (uma filial) a um terceiro independente, continuando a entidade transmitida, tal como antes da transmissão, a participar no cartel (ou seja, uma situação de «continuidade ou sucessão económica» dentro do grupo).

3. 

Neste processo, estão em causa o princípio da responsabilidade pessoal, segundo o qual uma infração (no caso em apreço um cartel) é imputada à pessoa singular ou coletiva que gere a empresa que participa no cartel ( 5 ), e a exceção a este princípio, a saber, o princípio da continuidade económica (desenvolvido, nomeadamente, nos casos de restruturações ou de outras alterações no interior de um grupo de empresas), segundo o qual pode revelar‑se necessário, para a aplicação eficaz das regras da concorrência, imputar as práticas concertadas não à entidade que explorava a empresa inicialmente mas à nova entidade que explora a empresa envolvida ( 6 ).

I – Antecedentes do litígio

4.

As partes estão de acordo quanto aos factos.

5.

As atividades no setor das mangueiras marinhas ( 7 ) em causa no presente processo foram criadas em 1966 pela Pirelli Treg SpA, uma sociedade pertencente ao grupo Pirelli. Na sequência da fusão de duas filiais do grupo Pirelli, foram retomadas, em 1990, pela ITR SpA (a seguir «ITR»).

6.

Em 1993, a ITR foi adquirida pela Saiag SpA (a seguir «Saiag»).

7.

Em 2001, a Parker‑Hannifin Corp., a sociedade de topo do grupo Parker‑Hannifin, e a Saiag iniciaram negociações sobre a possível aquisição pela Parker Hannifin das atividades relativas às mangueiras marinhas da ITR. Na perspetiva da realização desta venda, a ITR criou, em junho de 2001, uma filial denominada ITR Rubber.

8.

Em 5 de dezembro de 2001, a Parker‑Hannifin Holding, uma filial da Parker Hannifin (a seguir «Parker Hannifin Holding»), detida por esta a 100%, acordou com a ITR adquirir 100% das quotas da ITR Rubber, aquisição que deveria realizar‑se a pedido da Parker Hanninfin Holding.

9.

Com efeito, o contrato previa, nomeadamente, que a transmissão do setor das mangueiras em cauchu (incluindo o setor das mangueiras marinhas) da ITR para a ITR Rubber seria efetuada a pedido da Parker‑Hannifin Holding.

10.

Em 19 de dezembro de 2001, a ITR transmitiu as suas atividades no setor das mangueiras marinhas à ITR Rubber.

11.

A transmissão produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2002.

12.

Em 31 de janeiro de 2002, a Parker Hannifin Holding adquiriu à ITR as quotas da ITR Rubber. Posteriormente, a ITR Rubber converteu‑se na Parker ITR Srl ( 8 ).

13.

Em 2007, a Comissão abriu uma investigação por infração do artigo 81.o CE e do artigo 53.o do acordo EEE no mercado das mangueiras marinhas.

14.

Na decisão controvertida, a Comissão declarou que onze sociedades, entre as quais a Parker Hannifin Manufacturing (anteriormente Parker ITR) e a Parker‑Hannifin (a seguir, conjuntamente, «recorridas»), tinham cometido, no setor das mangueiras marinhas no Espaço Económico Europeu, uma infração única e continuada durante diferentes períodos compreendidos entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007, infração essa que consistiu na adjudicação de contratos, na fixação de preços, na fixação de quotas, no estabelecimento das condições de venda, na repartição dos mercados geográficos, e na troca de informações sensíveis em matéria de preços, volumes de vendas e concursos para a adjudicação de contratos.

15.

Na referida decisão, a Comissão declarou que a Parker ITR e a Parker Hannifin tinham participado no cartel entre 1 de abril de 1986 e 2 de maio de 2007 (no que diz respeito à primeira) e entre 31 de janeiro de 2002 e 2 de maio de 2007 (no que diz respeito à segunda). Foi aplicada à Parker ITR uma coima de 25610000 euros, sendo a Parker‑Hannifin solidariamente, responsável com aquela, por uma parte desse montante, correspondente a 8 320 000 euros.

16.

A Comissão considerou que a decisão não era aplicável à Pirelli, à ITR ou à Saiag (as antigas sociedades‑mãe e/ou antecessoras da Parker ITR) e não lhes aplicou qualquer sanção, uma vez que, no que lhes dizia respeito, a infração estava prescrita.

II – O acórdão recorrido

17.

Em 9 de abril de 2009, a Parker ITR e a Parker‑Hannifin interpuseram no Tribunal Geral um recurso em que pediam, a título principal, a anulação da decisão controvertida na parte que lhes dizia respeito e, a título subsidiário, a redução da coima aplicada. Invocaram nove fundamentos de recurso.

18.

Com o seu acórdão de 17 de maio de 2013, o Tribunal Geral considerou procedente a primeira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do princípio da responsabilidade pessoal e anulou o artigo 1.o, alínea i), da decisão controvertida na medida em que esta declarou a Parker ITR responsável pelo período da infração anterior a 1 de janeiro de 2002 (n.os 83 a 130). Consequentemente, o Tribunal Geral considerou, igualmente, procedentes o quinto e o sexto fundamentos, relativos ao agravamento da coima aplicada às recorridas tendo em conta o papel de líder desempenhado pela Parker ITR durante o período compreendido entre junho de 1999 e setembro de 2001 (n.os 139 e 140, 145 e 146 e 253 e 254 do acórdão recorrido).

19.

O Tribunal julgou improcedentes os restantes fundamentos.

20.

No exercício do seu poder de plena jurisdição, o Tribunal Geral reduziu a coima aplicada à Parker ITR de 25610000 euros para 6400000 euros. Quanto ao montante pelo qual a Parker‑Hannifin foi considerada solidariamente responsável, o Tribunal reduziu‑o em 100000 euros (ou seja, para 6300000 euros) ( 9 ).

III – Quanto ao presente recurso

21.

A Comissão invoca dois fundamentos de recurso. Na contestação, as recorridas apresentaram argumentos relativos ao cálculo da coima para o caso de o Tribunal de Justiça considerar procedente o primeiro fundamento do recurso.

A – Primeiro fundamento: aplicação errada da jurisprudência relativa à continuidade económica

1. Acórdão recorrido

22.

Depois de ter recordado a jurisprudência relativa aos princípios da responsabilidade pessoal (n.os 85 a 88) e da continuidade económica (n.os 89 a 98), o Tribunal Geral declarou o seguinte nos n.os 115, 116 e 121 do acórdão recorrido:

«115

Por um lado, há que observar que, de 27 de junho de 2001 a 31 de janeiro de 2002, a ITR Rubber era uma filial detida a 100% pela ITR e, por outro, a transmissão das atividades relativas às mangueiras em cauchu à ITR Rubber só passou a ser efetiva a partir de 1 de janeiro de 2002, uma vez que nada no processo da Comissão demonstra que a ITR Rubber tivesse qualquer atividade, e, em particular, uma atividade ligada às mangueiras marinhas antes dessa data. […]

116

Nestas condições, cabia à pessoa coletiva que dirigia a empresa em causa no momento em que a infração foi cometida, isto é, a ITR e a sua sociedade‑mãe, a Saiag, responder por ela, mesmo que, no dia da adoção da decisão que declara a infração, a exploração da atividade relativa às mangueiras marinhas tivesse sido colocada sob a responsabilidade de outra empresa, no caso, a Parker‑Hannifin. Com efeito, o princípio da responsabilidade pessoal não pode ser posto em causa pelo da continuidade económica no caso de, como no presente, uma empresa envolvida no cartel, a Saiag, e a sua filial ITR, ceder uma parte das suas atividades a um terceiro independente e de não existir qualquer laço estrutural entre o cedente e o cessionário — isto é, no caso, entre a Saiag ou a ITR e a Parker‑Hannifin.

121

[…] uma vez que é de rejeitar a premissa do raciocínio da Comissão sobre a aplicação do critério da continuidade económica unicamente à cessão dos ativos da ITR à ITR Rubber (e não à cessão da filial ITR Rubber à Parker‑Hannifin), a responsabilidade da Saiag e da ITR não pode ter sido transmitida à ITR Rubber por aplicação desse [princípio]. [...]»

2. Argumentos das partes

23.

A Comissão alega que, no caso em apreço, há que distinguir duas transmissões de ativos: em primeiro lugar, uma transmissão dentro de um grupo, em concreto no grupo Saiag, dentro do qual os ativos da ITR foram transmitidos para a ITR Rubber e, em segundo lugar, uma transmissão entre grupos, concretamente entre os grupos Saiag e Parker‑Hannifin, com a venda pela Saiag à Parker‑Hannifin, da ITR Rubber, posteriormente ITR Parker.

24.

Segundo a Comissão, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral só teve em conta a segunda transmissão.

25.

A Comissão considera que a primeira transmissão se realizou nas condições exigidas pela jurisprudência para se estar perante um caso de continuidade económica. Recorda que, nos termos dessa jurisprudência, quando duas entidades (neste caso a ITR e a ITR Rubber) constituem uma mesma entidade económica, o facto de a entidade que cometeu a infração (a ITR) continuar a existir não impede, em si mesmo, que a sanção seja aplicada à entidade para a qual foram transferidas as suas atividades económicas (a ITR Rubber). Segundo a Comissão, tal aplicação da sanção é, em especial, admissível quando essas entidades tenham estado sob o controlo da mesma pessoa (neste caso a Saiag) e, tendo em conta os laços estreitos que as uniam no plano económico e organizativo, tenham aplicado, no essencial, as mesmas diretivas comerciais.

26.

Para a Comissão, a data relevante para apreciar se se está perante uma transmissão de ativos dentro de um grupo ou antes entre empresas independentes é a da própria transmissão de ativos. No caso em apreço, foi a Saiag/ITR que criou a ITR Rubber, filial para a qual os ativos foram transmitidos quando estava sob o seu controlo.

27.

Refere que é necessário que existam ligações estruturais nessa data, em contrapartida não é necessário que essas ligações se mantenham durante todo o período da infração. Na sua opinião, o facto de a ITR Rubber não ter permanecido no grupo Saiag e de ter decorrido apenas um curto período entre a sua criação e a sua venda ao grupo Parker‑Hannifin não é relevante. De igual modo, a circunstância de a ITR Rubber ter sido destinada, desde a sua criação, a ser vendida não tem relevância: com efeito, para não criar insegurança jurídica, a aplicação do princípio da continuidade económica deve reger‑se por regras objetivas e claras e não depender de intenções subjetivas ou de acontecimentos posteriores à transmissão.

28.

A Comissão acrescenta que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou, não estava obrigada a imputar a responsabilidade do comportamento ilícito às sociedades‑mãe Saiag e ITR. A circunstância de, num processo anterior, ter optado por imputar essa responsabilidade à sociedade‑mãe cedente e não à filial objeto de cessão não tem relevância uma vez que a sua prática decisória anterior não cria um quadro jurídico vinculativo para apreciar a legalidade dos atos que adote posteriormente. Ao optar por, no presente processo, imputar a responsabilidade pela infração à ITR Rubber como sucessor económico da ITR, a Comissão utilizou o poder de apreciação que lhe é reconhecido pela jurisprudência. A este respeito, observa que, se o facto de ter aplicado uma coima à Parker ITR pode, de facto, ter feito diminuir o valor do investimento realizado pela Parker‑Hannifin, esse risco não se distingue de outros riscos decorrentes da aquisição de uma sociedade (por exemplo, o risco de dever assumir uma responsabilidade ambiental) e contra o qual um adquirente se pode proteger estabelecendo no contrato de compra e venda as cláusulas de não‑responsabilidade adequadas.

29.

Por último, a Comissão indica que ainda mais se justificava imputar à Parker ITR a responsabilidade pela infração por todo o período durante o qual os ativos objeto da infração participaram na mesma uma vez que era impossível, devido à prescrição, aplicar uma sanção ao antigo detentor dos ativos, ou seja, a Saiag/ITR. Deste ponto de vista, a impossibilidade de aplicar uma coima ao antigo explorador por causa da prescrição equivaleria a uma situação em que este teria deixado de existir juridicamente ou teria cessado toda a atividade económica, caso em que, para garantir a aplicação efetiva do direito da concorrência, o Tribunal de Justiça confirmou, expressamente, que se verifica uma sucessão económica ( 10 ).

30.

Em resposta, a Parker Hannifin Manufacturing e a Parker‑Hannifin alegam que a Comissão interpreta erradamente a jurisprudência relativa à continuidade económica. Segundo as recorridas, e contrariamente ao que defende a Comissão, o Tribunal de Justiça não estabeleceu, no acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775), uma regra automática nos termos da qual a existência, no passado, de uma simples ligação estrutural entre o cedente e o cessionário da atividade envolvida numa infração torna o cessionário automaticamente responsável por tal infração. O Tribunal de Justiça declarou expressamente que tal consequência só é possível na condição de que demonstre que o cedente e o cessionário estavam sob o controlo efetivo da mesma pessoa no momento em que a ligação estrutural existia e que aplicavam, no essencial, as mesmas diretivas comerciais. A Parker Hannifin Manufacturing e a Parker‑Hannifin acrescentam que a sua interpretação é confirmada pelo acórdão posterior ThyssenKrupp. Nirosta/Comissão (C‑352/09 P, EU:C:2011:191) no qual nem a Comissão nem o Tribunal de Justiça invocaram a ligação estrutural que tinha existido inicialmente entre o cedente Thyssen Stahl e o cessionário ThyssenKrupp. Nirosta como fundamento possível, ou mesmo suficiente, para considerar a segunda entidade responsável pelo comportamento ilícito da primeira.

31.

Ora, na decisão controvertida, a Comissão absteve‑se completamente de apreciar sobre se, durante o curto período em que existiu uma ligação estrutural entre a ITR e a ITR Rubber, estas duas entidades estiveram, como exige o acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775), sob o controlo da mesma pessoa e, tendo em conta os laços estreitos que as unem no plano económico e organizativo, aplicaram, no essencial, as mesmas diretivas comerciais. Na sua opinião, a decisão controvertida faz apenas referência ao facto de que, no momento da cessão das atividades relativas às mangueiras marinhas pela ITR à ITR Rubber, a segunda era «detida a 100%» pela primeira. A referida decisão não faz qualquer menção à jurisprudência nos termos da qual se pode presumir que uma sociedade‑mãe exerce uma influência determinante sobre uma filial detida a 100%. Aliás, na hipótese de a decisão controvertida se ter implicitamente apoiado nesta presunção, verificar‑se‑ia, na opinião das recorridas, uma violação dos seus direitos de defesa, uma vez que a comunicação de acusações não se lhe tinha referido de forma clara.

32.

A Parker Hannifin Manufacturing e a Parker‑Hannifin deduzem daqui que, uma vez que, na decisão controvertida, a Comissão não apreciou se a ITR e a ITR Rubber (posteriormente Parker ITR) constituíam uma única empresa durante o curto período durante o qual tiveram uma ligação estrutural, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao concluir que a Parker ITR podia ser considerada responsável pelo comportamento da ITR apenas com base numa tal ligação estrutural passada.

33.

As recorridas realçam que as regras da prescrição são regras objetivas cuja aplicação é independente das entidades envolvidas numa infração. Embora estas possam tentar subtrair‑se à sua responsabilidade através das cessões de filiais, em contrapartida não têm qualquer controlo sobre a aplicação das regras da prescrição. A afirmação da Comissão, de que a impossibilidade de impor uma coima a uma entidade devido à prescrição equivaleria a uma situação em que o antigo explorador deixou de existir juridicamente ou cessou toda a atividade económica, revela uma confusão total.

3. Apreciação

a) Introdução

34.

O presente processo inscreve‑se, em especial, na linha do acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775), no qual o Tribunal de Justiça concluiu que existia uma continuidade económica em circunstâncias muito semelhantes às do caso em apreço. Com efeito, nesse processo, existiu uma transmissão de ativos dentro do grupo para uma filial criada de novo, constituída com o objetivo de ser privatizada e, em seguida, vendida, como no caso em apreço (e tal sem qualquer indício de intenção abusiva). Aliás, as duas partes no presente recurso baseiam‑se neste acórdão, mas para suportar teses opostas.

b) Jurisprudência

35.

Há que ter presente que o direito da concorrência da União se aplica a empresas cuja estrutura, forma de financiamento, organização jurídica e composição acionista pode variar no tempo. Considero (como a Comissão) que esta circunstância e a necessidade de adaptar a aplicação efetiva do direito da concorrência a estas alterações pode justificar que se admita derrogações ao princípio da responsabilidade pessoal, nomeadamente em situações como a do processo que deu origem ao acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775) ou a do presente processo, em que se aplicaria o princípio da continuidade económica.

36.

É evidente que, se uma empresa adquire outra através da compra das suas ações, não existirá, normalmente, qualquer problema, uma vez que a entidade jurídica permanece a mesma (transmissão de entidade jurídica). Pelo contrário, as dificuldades surgirão nas situações em que o adquirente compra o «negócio» de uma empresa envolvida numa infração e em que são os ativos que são transmitidos (transmissão de ativos) ( 11 ).

37.

No acórdão Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.o 145), o Tribunal de Justiça declarou, no que diz respeito ao princípio da continuidade económica (cuja aplicação a Anic reivindicava tendo em conta a cessão dos seus ativos abrangidos pela infração) que, «na medida em que a Anic acusa o Tribunal de Primeira Instância de lhe ter imputado a responsabilidade pela infração, quando a sua atividade relativa ao polipropileno tinha sido cedida à Monte, despreza o princípio da responsabilidade pessoal e negligencia a circunstância decisiva, resultante da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão [40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, EU:C:1975:174], n.os 80 e 84), de que o [princípio] dito da ‘continuidade económica’ só pode desempenhar o seu papel caso a pessoa coletiva responsável pela exploração da empresa tenha cessado a sua existência jurídica após o cometimento da infração. Daqui decorre, igualmente, que a aplicação desses critérios em nada contraria o princípio da segurança jurídica».

38.

Contudo, o simples facto de uma entidade jurídica envolvida numa infração continuar a existir não exclui, necessariamente, a possibilidade de atribuir a responsabilidade à entidade para a qual as atividades económicas foram transmitidas.

39.

Como o Tribunal de Justiça recordou recentemente no seu acórdão Versalis/Comissão (C‑511/11 P, EU:C:2013:386), «[s]egundo jurisprudência constante, o direito da União da concorrência visa as atividades das empresas e o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento. Quando uma tal entidade infringe as regras de concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração [ ( 12 ) ]. […] O Tribunal de Justiça já declarou que, quando duas entidades constituem uma mesma entidade económica, o facto de a entidade que cometeu a infração continuar a existir não impede, em si mesmo, que a sanção seja aplicada à entidade para a qual transferiu as suas atividades económicas. Em especial, uma tal aplicação da sanção é admissível quando estas entidades estiveram sob o controlo da mesma pessoa e, tendo em conta os laços estreitos que as unem no plano económico e organizacional, aplicaram no essencial as mesmas diretivas comerciais» ( 13 ) (itálico meu). De resto, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral refere‑se às mesmas condições de aplicação do princípio da continuidade económica (n.os 92 e 93).

40.

Posso compreender a lógica que está por trás desta jurisprudência: tendo em conta a longa duração dos cartéis e, por vezes, das investigações da Comissão, é importante — em situações de continuidade económica dentro do grupo (que, de resto, pode ser utilizada para fugir à responsabilidade) — evitar que a infração fique impune, nomeadamente por aplicação do princípio do efeito útil do direito da concorrência da União.

41.

No acórdão HFB e o./Comissão (T‑9/99, EU:T:2002:70, n.o 106), o Tribunal declarou, corretamente que «[é] verdade que, em certas circunstâncias, pode ser imputada uma infração às regras da concorrência ao sucessor económico da pessoa coletiva que é o autor dela, ainda que esta última não tenha cessado a sua existência na data de adoção da decisão que declara a referida infração, a fim de que o efeito útil dessas regras não seja comprometido devido às mudanças introduzidas, nomeadamente, na forma jurídica das empresas em causa» ( 14 ).

42.

No seu acórdão da Grande Secção ETI e o. (EU:C:2007:775, n.os 40, 41 e 44), o Tribunal de Justiça confirmou que a aplicação do princípio da continuidade económica se justificava pela necessidade de assegurar que as sanções aplicadas por infrações ao direito da concorrência tenham um efeito dissuasor.

43.

No n.o 41 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que «se nenhuma outra possibilidade de aplicar a sanção a uma entidade diferente da que cometeu a infração estivesse prevista, as empresas poderiam escapar a sanções pelo simples facto de a sua identidade ter sido alterada na sequência de reestruturações, cessões ou outras alterações jurídicas ou organizacionais. O objetivo de reprimir os comportamentos contrários às regras da concorrência e de prevenir a sua reiteração por meio de sanções dissuasivas [ ( 15 ) ] ficaria assim comprometido». E o Tribunal de Justiça continua, no n.o 42, que «quando uma entidade que cometeu uma infração às regras da concorrência é objeto de uma alteração jurídica ou organizacional, essa alteração não tem necessariamente por efeito criar uma nova empresa isenta da responsabilidade pelos comportamentos contrários às regras da concorrência da precedente entidade se, do ponto de vista económico, há identidade entre as duas entidades».

44.

De igual forma, o Tribunal Geral declarou, no n.o 51 do seu acórdão Hoechst/Comissão (T‑161/05, EU:T:2009:366) que «para garantir a aplicação efetiva das regras de concorrência, pode ser necessário imputar excecionalmente a existência de um cartel, não ao gestor inicial mas ao novo explorador da empresa implicada, na hipótese de este último poder efetivamente ser considerado o sucessor do explorador inicial, ou seja, caso continue a explorar a empresa implicada no cartel». E o Tribunal Geral de citar o n.o 41 do acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775).

c) O presente processo

i) Tomada de posição geral

45.

Considero que, embora seja verdade que o Tribunal Geral recordou corretamente a jurisprudência aplicável em matéria de continuidade económica dentro do grupo (sem, contudo, a analisar de forma aprofundada) não a aplicou corretamente no presente processo.

46.

Como com razão salientou a Comissão, no caso em apreço há que distinguir duas transmissões de ativos (duas operações distintas, cada uma com consequências jurídicas próprias ( 16 )): uma primeira transmissão, dentro do grupo, no caso no grupo Saiag, no seio do qual os ativos foram transmitidos para a ITR Rubber e uma segunda transmissão, desta vez entre grupos, no presente caso entre os grupos Saiag e Parker‑Hannifin, com a venda pela Saiag à Parker‑Hannifin da ITR Rubber, posteriormente ITR Parker ( 17 ).

47.

Ora, é manifesto que, o acórdão recorrido só deu relevo à segunda transmissão (v., por exemplo, n.os 116 e 121 do referido acórdão), tendo esta interpretação sido proposta pelas recorrentes em primeira instância e acolhida pelo Tribunal Geral. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito por ter qualificado erradamente os factos, o que provocou uma aplicação incorreta do princípio da continuidade económica. Com efeito, o Tribunal Geral baseia‑se erradamente na inexistência de ligações estruturais após a transmissão de ativos a favor da Parker ITR, ou seja, entre a Saiag/ITR e a Parker‑Hannifin, quando essas ligações existiam entre a ITR e a sua filial a 100% Parker ITR desde a primeira transmissão de ativos (dentro do grupo) até à data da segunda transmissão (entre grupos).

48.

Na minha opinião, a primeira transmissão realizou‑se nas condições exigidas pela jurisprudência para se estar perante um caso de continuidade económica que permite derrogar o princípio da responsabilidade pessoal.

49.

Com efeito, segundo a jurisprudência ( 18 ), quando duas entidades (aqui a ITR e a ITR Rubber) constituem uma mesma entidade económica, o facto de a entidade que cometeu a infração (ITR) ainda existir não impede, em si mesmo, que se sancione a entidade à qual transmitiu as suas atividades económicas (ITR Rubber). Além disso, tal aplicação da sanção é, em especial, admissível quando as entidades estiveram sob o controlo da mesma pessoa (neste caso, a Saiag) e, tendo em conta os laços estreitos que as uniam no plano económico e organizativo, aplicaram, no essencial, as mesmas diretivas comerciais.

50.

Importa recordar que, no caso da ITR, os ativos foram transmitidos a uma entidade (ITR Rubber) criada no seio da empresa autora da infração (ITR) no período de duração desta, de modo que as condições da continuidade económica dentro do grupo estavam reunidas. Em seguida foi transmitida a entidade jurídica (ITR Rubber), e não os ativos, do grupo Saiag/ITR para o grupo Parker‑Hannifin antes de passar a chamar‑se Parker ITR. Acrescento que a Comissão, à luz do princípio da continuidade económica, não imputou qualquer responsabilidade à Parker‑Hannifin, quanto ao período anterior à aquisição, por esta, das ações da ITR Rubber.

51.

Assim, só está em causa a responsabilidade da própria ITR Rubber (ou Parker ITR) que, antes de ser vendida à Parker‑Hannifin, recebeu os ativos objeto da infração da sua própria sociedade‑mãe, a ITR, membro do grupo Saiag/ITR. Na minha opinião, a tese da Comissão está correta, na medida em que consiste em afirmar que esta transmissão de ativos dentro do grupo anterior à venda da filial permite, em conformidade com a jurisprudência, imputar à ITR Rubber (ou Parker ITR), como sucessor económico dentro do grupo, a responsabilidade pelo comportamento ilícito da ITR. Quaisquer que tenham sido os verdadeiros objetivos da Saiag/ITR ao criar a ITR Rubber, a transmissão constituiu uma alteração organizacional interna ( 19 ) pela qual a atividade envolvida no cartel foi transmitida à ITR Rubber que, primeiro sob esta denominação e, em seguida, sob a denominação Parker ITR prosseguiu esta atividade e a sua participação no cartel durante, pelo menos, seis anos. Por outras palavras, a ITR Rubber (convertida em Parker ITR) continuava a ser responsável, ao criar uma nova responsabilidade para o seu novo proprietário por causa da participação continuada na infração. Aliás, contrariamente ao que parece considerar o Tribunal Geral, a venda da entidade jurídica não pode ser suficiente para quebrar a continuidade económica anterior ( 20 ).

ii) Análise pormenorizada do raciocínio do Tribunal Geral

52.

Voltando ao acórdão recorrido, pode‑se constatar que o Tribunal Geral consagra pelo menos 48 números ao princípio da continuidade económica (a saber, os n.os 83 a 130 do referido acórdão). Todavia, os motivos que levaram o Tribunal Geral a excluir a responsabilidade da ITR Rubber (posteriormente, após a cessão ao grupo Parker‑Hannifin, Parker ITR) como sucessor económico da ITR não parecem resultar claramente do acórdão recorrido.

53.

Se analisarmos os números do acórdão recorrido referidos no n.o 22 das presentes conclusões, o Tribunal Geral parece ter raciocinado do seguinte modo: i) a ITR Rubber só teve sete meses de existência no grupo Saiag e apenas exerceu de forma breve (um mês) atividades relacionadas com as mangueiras marinhas (n.o 115); ii) a ITR Rubber só foi constituída no grupo Saiag em vista à sua venda a uma empresa externa (a saber, o grupo Parker) (n.o 115); iii) «Nestas condições», o antigo explorador das atividades em causa (a ITR e a sua sociedade‑mãe a Saiag) é que devia responder pela infração relativa ao período anterior a 1 de janeiro 2002, data da transmissão para a ITR Rubber das atividades envolvidas no cartel (n.o 116, primeira frase, e n.os 118 ( 21 ) e 119 ( 22 )); iv) por isso, a cessão, pela Saiag, da ITR à Parker‑Hannifin não pode ser analisada como um caso de continuidade económica (n.o 116, segunda frase).

54.

Analisarei, em seguida, os elementos e as circunstâncias em que se baseou o raciocínio do Tribunal Geral para afastar a aplicação do princípio da continuidade económica.

– Quando devem as ligações estruturais entre o cedente e o cessionário ter existido? É necessário que o cedente tenha deixado de existir juridicamente?

55.

É verdade que o acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.o 50), se refere a ligações estruturais entre o cedente e o cessionário «aquando dos seus comportamentos infracionais».

56.

Mas, em acórdãos proferidos em sede de recurso de decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça já validou a existência de uma continuidade económica quando a transmissão de ativos tinha ocorrido depois da infração ter cessado (o que, na minha opinião, corrobora a ideia de que as ligações estruturais não têm que existir, obrigatoriamente, durante todo o período da infração), mas em que as ligações estruturais entre as duas entidades cedente e cessionário existiam à data da decisão da Comissão.

57.

No seu acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão ( 23 ), o Tribunal Geral confirmou o estatuto de sucessor económico da Aalborg, que recebeu os ativos objeto da infração cometida pela Aktieselskabet Aalborg Portland‑Cement Fabrik (AAPCF) quando da sua constituição em 1990 (com efeito retroativo a 1 de janeiro de 1990), ao passo que a infração durou desde janeiro de 1983 a dezembro de 1988. Embora a sociedade Aalborg tenha alegado que a sociedade que cometeu a infração «não deixou de ter existência jurídica, tornando‑se uma holding que, sob um novo nome, detinha 50% das ações da Aalborg» (n.o 1334), o Tribunal Geral rejeitou esse argumento, com o fundamento de que estas alterações ocorreram no quadro da reorganização do grupo, o que permitia considerar que a Aalborg e o autor da infração constituíam uma mesma entidade económica na aceção do artigo 81.o CE, de modo que, a Comissão podia «considerar a Aalborg responsável pelas atividades da sociedade» em causa (n.o 1335).

58.

Na fase de recurso de decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça validou o acórdão do Tribunal Geral quanto a este ponto ( 24 ).

59.

A Aalborg tinha, igualmente, alegado que «não poderia ter sido considerada responsável pelas atividades de um acordo no decurso do período histórico a que a decisão Cimento, contrariamente à [comunicação de acusações], associa esta infração. Uma vez [que ela] ainda não tinha sido constituída no momento das reuniões em causa, os seus representantes estiveram incontestavelmente ausentes das reuniões consideradas fundamentais para o acordo cuja existência foi dada como provada na decisão Cimento» (n.o 351 do referido acórdão do Tribunal de Justiça).

60.

Ora, depois de ter indicado que a questão de direito era a de saber se o facto de a sociedade que tinha cometido a infração «ainda existir exclui completa e necessariamente a possibilidade de a Comissão instaurar um processo contra a Aalborg enquanto autora da infração do ponto de vista económico e organizacional», o Tribunal de Justiça respondeu negativamente, indicando que, tendo em conta a identidade económica da empresa antes e depois das alterações ocorridas, a manutenção da existência da referida sociedade como entidade jurídica «não constitui, portanto, em si mesmo, um fundamento de anulação da decisão» (n.o 358). Reconhecendo que no acórdão Comissão/Anic Partecipazioni (EU:C:1999:356) declarou que só pode existir continuidade económica se a pessoa coletiva responsável pela exploração da empresa tiver deixado de ter existência jurídica depois de ter cometido a infração, o Tribunal de Justiça salientou que, no processo que deu origem a esse acórdão, se tratava «de duas empresas existentes e operacionais, uma das quais tinha simplesmente cedido uma parte das suas atividades à outra, mas entre as quais não existia uma ligação estrutural» (n.o 359) ( 25 ), o que não sucedia no caso em apreço.

61.

Esta abordagem foi igualmente seguida pelo Tribunal Geral no seu acórdão Jungbunzlauer/Comissão (EU:T:2006:270, n.os 131 e 132): «[n]o que respeita ao período anterior à reestruturação do grupo Jungbunzlauer em 1993, deve concluir‑se, […] que, até 1993, a Jungbunzlauer GmbH era responsável não apenas pelas atividades no mercado do ácido cítrico mas também pela direção de todas as atividades do grupo. Esta última tarefa que consistia em conduzir as atividades do grupo, incluindo as relativas ao mercado do ácido cítrico, tinha, no entanto, sido transferida em 1993 para a Jungbunzlauer, que se tornou, assim, o sucessor económico da Jungbunzlauer GmbH no que respeita à gestão das atividades do grupo» (itálico nosso), mas «o facto de uma sociedade continuar a existir como entidade jurídica não exclui que, à luz do direito [da concorrência da União], possa verificar‑se uma transmissão numa parte das atividades desta sociedade de uma outra, que se torna responsável pelos atos praticados pela primeira».

62.

De igual modo, no acórdão ArcelorMittal Luxembourg e o./Comissão ( 26 ), foi confirmada a constatação de uma continuidade económica quando a transmissão de ativos para a ProfilARBED tinha ocorrido em 1992, ou seja, após a cessação da infração em 1991.

63.

Com efeito, no referido acórdão o Tribunal Geral salientou, com razão (nos n.os 36 e 111, respetivamente) que «[n]os termos do artigo 1.o da decisão controvertida: ‘A empresa constituída pela [ARBED, a TradeARBED e a ProfilARBED] participou, em violação do artigo 65.o, n.o 1, [CA], numa série de acordos e de práticas concertadas que tiveram por objeto ou por efeito fixar os preços, atribu[ir] quotas e trocar, a grande escala, informações sobre o mercado comunitário das vigas. A participação da empresa assim constituída nestas infrações está demonstrada em relação ao período compreendido entre 1 de julho de 1988 e 16 de janeiro de 1991’» e que «[n]o caso vertente, a constituição da ProfilARBED, em 1992, enquanto filial a 100% da ARBED, para prosseguir as atividades económicas e industriais da ARBED no setor das vigas, constitui um caso análogo aos que estão na base dos acórdãos Alborg Portland e o./Comissão e Jungbunzlauer/Comissão» (itálico meu).

64.

Este acórdão do Tribunal Geral foi, depois, confirmado pelo Tribunal de Justiça que, no n.o 104 do acórdão ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o. (EU:C:2011:190) precisa que, «[q]uanto ao argumento da ARBED segundo o qual a imputação do comportamento ilícito a uma sociedade‑irmã em virtude do conceito de entidade económica seria incoerentes, pois levaria a impor a essa sociedade um regime de responsabilidade mais severo do que o aplicável à sociedade‑mãe, basta recordar que, no caso em apreço, a Comissão imputou o referido comportamento à sociedade‑irmã devido ao facto de que tinha retomado as atividades económicas da sociedade‑mãe e de que, como tal, sendo a responsabilidade da sociedade‑irmã dependente da sociedade‑mãe, o regime de responsabilidade imposto à sociedade‑irmã não é de todo mais severo que o aplicável à sociedade‑mãe» (itálico meu).

65.

Considero (como a Comissão) que outra posição conduziria a resultados arbitrários, uma vez que a possibilidade de imputar a responsabilidade do comportamento ilícito à entidade cessionária em relação ao período anterior à transmissão dependeria a manutenção das ligações estruturais com o cedente, com resultados radicalmente diferentes consoante as referidas ligações tenham terminado antes ou depois da cessação da infração.

66.

Além disso, há que recordar que o Tribunal de Justiça reconheceu que uma entidade cessionária pode ser considerada o sucessor económico da entidade cedente, ainda que as ligações estruturais que existiram entre elas durante todo o período da infração (e, por isso, à data da transmissão das atividades) tenham desaparecido à data da decisão ( 27 ).

67.

Resulta da jurisprudência acima referida que a aplicação do princípio da continuidade económica dentro do grupo não impõe que o cedente tenha deixado de existir juridicamente, nem que as ligações estruturais entre cedente e cessionário tenham perdurado durante todo o período da infração.

68.

Na minha opinião, a data relevante para apreciar se estamos em presença de uma transmissão de ativos dentro de um grupo ou entre empresas independentes deve ser a da própria transmissão de ativos ( 28 ). No caso em apreço, resulta claramente dos autos que foi o grupo Saiag/ITR que criou a ITR Rubber, filial para a qual os ativos foram transmitidos, enquanto estava ainda sob o seu controlo.

69.

Por outro lado, há que salientar aqui que, contrariamente à sua posição em primeira instância, parece que as recorridas reconhecem agora ( 29 ) que a continuidade económica pode existir mesmo que, no momento da adoção da decisão da Comissão, já não existam ligações estruturais ( 30 ).

– Duração das ligações estruturais

70.

É verdade que as ligações estruturais entre a ITR e a ITR Rubber existiram, no máximo, durante sete meses, a saber de 27 de junho de 2001 a 31 de janeiro de 2002, ao passo que o período da infração abrangido pela decisão controvertida decorreu entre 1986 e 2007 e que esta decisão foi adotada em 2009. Dito isto, não há dúvida de que as condições enunciadas na jurisprudência para imputar à ITR Rubber (posteriormente Parker ITR) a responsabilidade, como sucessor económico dentro do grupo, pelos comportamentos passados da ITR e da Pirelli Treg após 1986, se verificam no caso em apreço ( 31 ). A ITR recebeu a responsabilidade do seu antecessor jurídico e económico, a Pirelli Treg, na sequência da sua fusão com esta entidade em 1990. Em seguida, em 27 de junho de 2001, a ITR criou a ITR Rubber (posteriormente Parker ITR), filial à 100%, e, depois, em 1 de janeiro de 2002, transmitiu para esta os ativos objeto da infração. Acrescento que a entidade jurídica ITR Rubber foi criada pela Saiag/ITR e não pela adquirente Parker‑Hannifin, tendo os ativos sido transmitidos para a ITR Rubber quando esta estava ainda sob o controlo da Saiag/ITR ( 32 ). De 27 de junho de 2001 até à data da sua cessão, em 31 de janeiro de 2002, a ITR (cedente dos ativos) e a ITR Rubber (posteriormente Parker ITR) (cessionária) mantiveram entre elas ligações estruturais típicas da relação entre uma sociedade‑mãe e a sua filial a 100% e integravam a mesma empresa (Saiag). A transmissão de ativos que produziu efeitos em 1 de janeiro de 2002 ocorreu, por isso, quando aquelas ligações estruturais existiam.

71.

Embora seja necessário que existam ligações estruturais à data da transmissão, em contrapartida não deveria ser necessário que tais ligações se mantenham durante um longo período, nem durante todo o período da infração ( 33 ), para que duas entidades constituam a mesma unidade jurídica para efeitos do direito da concorrência da União ( 34 ). O facto de a ITR Rubber não ter permanecido no grupo Saiag e ter apenas decorrido um curto período entre a sua criação e a sua venda ao grupo Parker‑Hannifin, não deve, assim, ter relevância, até porque, depois da transmissão dos ativos controvertidos, a Parker ITR continuou a sua participação no cartel ( 35 ). O facto de se basear em acontecimentos posteriores à transmissão dos ativos (e de dever analisá‑los) criaria, manifestamente, uma situação de insegurança jurídica.

72.

Embora a jurisprudência não dê muitas indicações concretas sobre a duração das ligações estruturais (no caso em apreço são sete meses e não apenas um mês, como pretendido pelas recorridas), saliento, contudo, que no processo que deu origem aos acórdãos Areva e o./Comissão (T‑117/07 e T‑121/07, EU:T:2011:69) e, em sede de recurso, Areva/Comissão (C‑247/11 P e C‑253/11 P, EU:C:2014:257) ( 36 ), a sociedade‑mãe (Areva Group) tinha sido proprietária de uma filial durante um período de quatro meses considerado suficiente para lhe aplicar uma coima de montante elevado, pela qual a sociedade‑mãe foi considerada solidariamente responsável.

– Quid quanto às circunstâncias de a ITR Rubber ter sido, desde a sua criação, destinada a ser vendida e ter sido vendida pouco tempo depois?

73.

Não me parece que estas circunstâncias devam ser tomadas em consideração. Com efeito, a tomada em consideração de um fator subjetivo tal como o objetivo da criação de uma filial (n.o 115 do acórdão recorrido) traria insegurança jurídica, uma vez que a aplicação do princípio da continuidade económica se deve reger por regras objetivas e claras não podendo depender de intenções subjetivas.

74.

A tomada em consideração do objetivo económico prosseguido com a transmissão, numa data mais ou menos distante, seria igualmente contrário à abordagem acolhida no acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775), no qual a Grande Secção do Tribunal de Justiça não teve em consideração: (i) o facto de a transmissão das atividades da Amministrazione autonoma dei monopoli di Stato (AAMS) para a ETI ter sido efetuado com vista à sua posterior privatização, facto que não excluiu a continuidade económica nem (ii) a circunstância de o antecessor económico não ter desaparecido.

75.

Por isso, a circunstância de a ITR Rubber ter sido especificamente criada para receber os ativos controvertidos não se opõe à declaração de continuidade económica e não permite excluir validamente a responsabilidade da Parker ITR como sucessor económico da ITR. A situação não é diferente da ocorrida com a ETI, que tinha sido especialmente criada para prosseguir as atividades da AAMS, dado que, na legislação nacional que criou a ETI, paralelamente, a transmissão para a ETI das atividades comerciais da AAMS no setor do tabaco.

76.

O Tribunal de Justiça salientou igualmente no acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.o 44) ( 37 ) que «[t]ambém não tem pertinência a circunstância de uma transmissão de atividades ser decidida, não por particulares, mas pelo legislador, na perspetiva de uma privatização. Com efeito, as medidas de reestruturação ou de reorganização de empresas adotadas pelas autoridades de um Estado‑Membro não podem legalmente ter por consequência comprometer o efeito útil do direito comunitário da concorrência» (itálico meu).

77.

De igual forma, as ligações estruturais entre o cedente e o cessionário dos ativos em causa, nomeadamente no seio da empresa infratora, devem ser apreciados independentemente dos acontecimentos posteriores à transmissão, tais como a dissolução da empresa ou a venda da filial ao cessionário.

iii) Outro argumento das recorridas: que tipo de ligação estrutural?

78.

As recorridas alegam que, no acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775) o Tribunal de Justiça não institui uma regra automática segundo a qual a existência, no passado, de uma simples ligação estrutural entre o cedente e o cessionário da atividade envolvida numa infração torna o cessionário automaticamente responsável por tal infração. O Tribunal de Justiça declarou expressamente que tal consequência só seria possível se fosse demonstrado que cedente e cessionário estiveram sob o controlo efetivo da mesma pessoa no momento em que a ligação estrutural existia e que aplicaram no essencial as mesmas diretivas comerciais ( 38 ).

79.

Baseiam‑se no facto de, neste acórdão, o Tribunal de Justiça, apesar de ter aceitado a existência de uma ligação estrutural entre as duas entidades em causa (ou seja, que eram detidas pela mesma autoridade pública) deixou, todavia, ao juiz nacional a tarefa de verificar se estas entidades estiveram «sob a tutela» ( 39 ) da referida autoridade, o que, de resto, o juiz nacional tinha negado.

80.

Segundo as recorridas, na decisão controvertida, a Comissão omitiu totalmente uma apreciação sobre se, durante a curta duração da ligação estrutural que existiu entre a ITR e a ITR Rubber, estas duas entidades estiveram, como exige o acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775), sob o controlo da mesma pessoa e tinham, tendo em conta os laços estreitos que as uniam no plano económico e organizativo, aplicado, no essencial, as mesmas diretivas comerciais. Na sua opinião, a decisão controvertida só faz referência ao facto de, no momento da cessão das atividades relativas às mangueiras marinhas pela ITR à ITR Rubber, a segunda ser «detida a 100%» pela primeira. A referida decisão não faz qualquer menção à jurisprudência nos termos da qual é legítimo presumir que uma sociedade‑mãe exerce uma influência determinante sobre uma filial detida a 100%. As recorrentes deduzem daqui que, uma vez que a Comissão, na decisão controvertida, não apreciou se a ITR e a ITR Rubber (posteriormente Parker ITR) constituíam uma só empresa durante o curto período em que tiveram uma ligação estrutural, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito ao concluir que a Parker ITR não podia ser considerada responsável pelo comportamento da ITR apenas com base em tal ligação estrutural passada.

81.

Para além do facto de, no processo ETI, ser normal que o Tribunal de Justiça deixe ao juiz nacional a tarefa de verificar se a AAMS (que transmitiu as suas atividades) e a ETI (que foi a cessionária), detidas pela mesma entidade pública estiveram sob a tutela desta última (questão que não se coloca no caso em apreço em que a ligação estrutural une apenas a ITR e a ITR Rubber), o argumento das recorridas não é convincente, uma vez que o Tribunal de Justiça declarou claramente no acórdão Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.o 60) que «[no caso especial de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às normas comunitárias de concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial [ ( 40 ) ] e, por outro, existe uma presunção ilidível de que a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial [ ( 41 ) ]».

82.

E o Tribunal de Justiça acrescenta, no n.o 61 do referido acórdão que «[n]estas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela respetiva sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, consequentemente, considerar a sociedade‑mãe solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, apresente elementos de prova suficientes, suscetíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado [ ( 42 ) ]».

83.

As recorridas invocam igualmente o acórdão ThyssenKrupp. Nirosta/Comissão (EU:C:2011:191), no qual nem a Comissão nem o Tribunal de Justiça invocaram a ligação estrutural que tinha existido inicialmente entre o cedente Thyssen Stahl e o cessionário ThyssenKrupp. Nirosta como fundamento possível, ou mesmo suficiente, para considerar a segunda entidade responsável pelo comportamento ilícito da primeira ( 43 ).

84.

Na minha opinião, o referido acórdão não é pertinente no presente processo na medida em que o processo que deu origem, em sede de recurso de decisão do Tribunal Geral, ao acórdão ThyssenKrupp. Nirosta/Comissão (EU:C:2011:191), o Tribunal de Justiça não foi chamado a apreciar se a continuidade económica podia resultar de uma mera transmissão de ativos, mas de uma simples declaração do adquirente dos ativos a assumir a responsabilidade do comportamento ilícito ligado a esses ativos. Em sede de recurso, o Tribunal de Justiça não pôde pronunciar‑se sobre a questão de saber se a apreciação do Tribunal Geral (que apenas incidia na referida declaração) era, ou não, correta.

d) Conclusão quanto ao primeiro fundamento

85.

Resulta das considerações que antecedem que, num processo como o que está em apreço, pode existir continuidade económica, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre duas entidades jurídicas que tiveram ligações estruturais, ainda que apenas durante um curto período. Assim, a Comissão podia basear‑se na presunção de que a sociedade‑mãe (a ITR) que detém a 100% uma filial (a ITR Rubber) exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial para concluir que o cedente e o cessionário dos ativos estiveram «sob o controlo da mesma pessoa» e aplicaram «no essencial as mesmas diretivas comerciais» ( 44 ).

86.

Foi o que fez a Comissão no considerando 370 da decisão controvertida ao salientar que «à data da transmissão, a ITR SpA e a ITR Rubber Srl partilhavam ligações económicas de uma sociedade‑mãe e de uma filial a 100%» e que «além disso, pertenciam à mesma empresa» ( 45 ).

87.

A ITR era proprietária de 100% das ações da ITR Rubber entre 27 de junho de 2001 e 31 de janeiro de 2002, ou seja, durante sete meses. Por isso, segundo jurisprudência constante, existia uma presunção legal de que aquela exercia uma influência determinante no comportamento desta ( 46 ).

88.

Como decorre do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão (EU:C:2009:536) (v., n.os 81 e 82 das presentes conclusões), a tese da Comissão, que consiste em basear‑se na presunção de 100% no presente processo era, por isso, correta.

89.

Acrescento que as recorridas tinham o direito de ilidir a presunção da influência determinante que decorre da propriedade de 100% do capital e parece que tentaram fazê‑lo nos articulados que apresentaram no Tribunal Geral. Basearam‑se, nomeadamente, nas estipulações do contrato celebrado em dezembro de 2001 entre a Parker‑Hannifin e a ITR para a cessão da ITR Rubber.

90.

Na fase do presente recurso, sustentam também que várias dessas estipulações proíbem a ITR de exercer qualquer influência sobre a ITR Rubber, a partir da data da celebração do referido contrato.

91.

O contrato em causa (um documento de 64 páginas, que contém 12 capítulos divididos em várias secções) foi, efetivamente, apresentado no Tribunal Geral como anexo à petição inicial ( 47 ), mas como o Tribunal Geral excluiu desde logo a existência de uma continuidade económica entre a ITR e a ITR Rubber, não analisou os argumentos (contraditórios) retirados desse documento pelas recorridas e pela Comissão.

92.

Por outro lado, contrariamente ao que declarou o Tribunal Geral, sou da opinião de que a Comissão não estava obrigada a imputar a responsabilidade do comportamento ilícito às sociedades‑mãe Saiag e ITR.

93.

Por um lado, resulta da jurisprudência da União ( 48 ) que a Comissão podia escolher entre considerar responsável pelo comportamento ilícito quer o antecessor económico, quer o sucessor económico, quer ambos, solidariamente ( 49 ).

94.

Por outro lado, a circunstância de, num processo anterior, a Comissão ter optado por imputar a responsabilidade à sociedade‑mãe cedente e não à sua filial que tinha sido objeto da cessão não tem relevância na medida em que a sua prática decisória anterior não cria um quadro jurídico vinculativo para apreciar a legalidade dos atos que adote posteriormente ( 50 ).

95.

Como com razão salientou a Comissão, ao optar, no presente processo, por imputar a responsabilidade pela infração à ITR Rubber como sucessor económico da ITR, a Comissão utilizou o poder de apreciação que lhe é reconhecido pela jurisprudência ( 51 ).

96.

Daqui decorre que o acórdão recorrido deve ser anulado na medida em que declarou que a aplicação do princípio da continuidade económica estava excluída no presente processo. Em consequência, o processo deve ser remetido ao Tribunal Geral para que examine se os elementos apresentado pelas recorridas são suficientes para ilidir a presunção de que a ITR, enquanto sociedade‑mãe que detém 100% do capital da ITR Rubber e que pertence, como esta última, ao mesmo grupo, exerceu uma influência determinante no comportamento da sua filial, bem como o argumento, apresentado pelas recorridas a título subsidiário, de que, na hipótese de a decisão controvertida se ter implicitamente apoiado nesta presunção, existiria uma violação dos seus direitos de defesa, uma vez que a comunicação de acusações não se lhe tinha referido de forma clara ( 52 ).

97.

Por último, há que tomar posição sobre uma última questão no âmbito deste fundamento. As recorridas salientam que, no seu recurso, a Comissão não contestou os números do acórdão recorrido em que o Tribunal Geral julgou procedentes os quinto e sexto fundamentos do seu recurso e declarou que a coima tinha sido agravada erradamente por terem desempenhado o papel de líder (n.os 139 e 140, 145 e 146 e 253 e 254). Daqui deduzem que, quanto a esta questão, o acórdão recorrido transitou em julgado. Esta tese é manifestamente incorreta. Com efeito, nos números referidos, o Tribunal Geral não analisou, de forma nenhuma, o mérito dos argumentos invocados para contestar o papel de líder desempenhado pela Parker ITR. Limitou‑se a retirar automaticamente, as consequências das suas conclusões relativas à inexistência de continuidade económica. A anulação que proponho cobre os números em causa.

B – Segundo fundamento: violação do princípio ne ultra petita e do princípio da não‑discriminação

1. Acórdão recorrido

98.

Após ter apreciado o recurso, o Tribunal Geral, utilizando o seu poder de plena jurisdição, pronunciou‑se sobre o montante final da coima nos seguintes termos:

«250

A esse respeito, há que lembrar que, por natureza, a fixação de uma coima pelo Tribunal Geral, no âmbito do exercício do seu poder de plena jurisdição, não é um exercício aritmético preciso. Por outro lado, o Tribunal Geral não está vinculado pelos cálculos da Comissão, devendo efetuar a sua própria apreciação, tendo em conta todas as circunstâncias do caso […]

[…]

257

Em face do exposto, em primeiro lugar, há que anular o artigo 1.o, alínea i), da decisão [controvertida], na parte relativa à infração imputada à Parker ITR pelo período anterior a janeiro de 2002, segundo, fixar o montante da coima que lhe foi aplicada em 6400000 euros, montante pelo qual deve a Parker‑Hannifin ser considerada solidariamente responsável até ao valor de 6300000 euros, uma vez que a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin não pode ser declarada pelo período entre 1 e 31 de janeiro de 2002, e, por terceiro e último, negar provimento ao recurso quanto ao resto.»

2. Argumentos das partes

99.

A Comissão alega que, ao reduzir em 100000 euros o agravamento aplicado em função da duração da participação na infração sobre o montante até ao qual a sociedade‑mãe Parker Hannifin deve responder solidariamente pelo pagamento da coima, o Tribunal Geral decidiu ultra petita. Com efeito, a Parker‑Hannifin não tinha contestado a duração efetiva da sua participação na infração (que, de resto, o Tribunal Geral confirmou nos n.os 129 e 256 do seu acórdão) nem o fator correspondente aplicado no cálculo do montante da coima. A este respeito, la Comissão recorda que, nos seus acórdãos KME Germany e o./Comissão e Chalkor/Comissão ( 53 ), o Tribunal de Justiça realça que «o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização a título oficioso» e que «é ao recorrente que compete suscitar fundamentos contra [a decisão controvertida] e apresentar elementos de prova que alicercem estes fundamentos».

100.

A Comissão observa que a fundamentação exposta no n.o 257 do acórdão recorrido para justificar esta redução («uma vez que a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin não pode ser declarada pelo período entre 1 e 31 de janeiro de 2002») não é pertinente, na medida em que, na decisão controvertida, a responsabilidade de Parker‑Hannifin não foi declarada em relação ao período em causa. Dado que o Tribunal Geral pretendeu referir‑se à circunstância de a participação da filial Parker ITR na infração, tal como declarada no acórdão recorrido, ter sido superior em um mês (desde 1 de janeiro de 2002) à da Parker‑Hannifin (desde 31 de janeiro de 2002), não devia ter reduzido o montante pelo qual a Parker‑Hannifin foi considerada solidariamente responsável, mas aumentar o montante da coima aplicada à Parker ITR.

101.

A Comissão salienta que, segundo as orientações que aplicou para o cálculo das coimas ( 54 ), e às quais se referiu o Tribunal Geral no acórdão recorrido, esta diferença de um mês na duração da infração não pode justificar, tendo em conta o método de arredondamento ( 55 ) aplicado a todos os destinatários da decisão controvertida, uma redução da coima apenas para um dos destinatários. Considera que o Tribunal Geral violou, assim, o princípio da não‑discriminação. No mínimo, devia ter explicado porque se afastou, no caso da Parker‑Hannifin, das orientações, o que não fez.

102.

A título preliminar, as recorridas recordam que, tendo o acórdão recorrido sido proferido no âmbito de um processo que apenas dizia respeito às recorridas, o Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, não estava, em princípio, vinculado ao método de cálculo da coima seguido pela Comissão ( 56 ). Quanto ao resto, o Tribunal seguiu as orientações para recalcular o montante da coima aplicada à Parker ITR.

103.

No que diz respeito à parte da coima da Parker ITR pela qual a Parker‑Hannifin poderia ser considerada solidariamente responsável, o Tribunal Geral decidiu conceder‑lhe uma redução de modo a ter em consideração o facto de a sua participação (como sociedade‑mãe da Parker ITR) na infração ter sido mais curta do que a participação direta da Parker ITR. Segundo as recorridas, esta abordagem é a única que respeita o princípio da não‑discriminação. Na sua opinião, aumentar o montante da coima aplicada à Parker ITR, como propôs a Comissão, teria constituído uma discriminação da Parker ITR em relação aos outros destinatários da decisão controvertida. Declarar a responsabilidade da Parker‑Hannifin até ao mesmo montante da coima aplicada à Parker ITR teria constituído uma discriminação em relação à Parker‑Hannifin na medida em que a sua participação na infração foi mais curta que a da Parker ITR.

3. Apreciação

104.

Na minha opinião, ao reduzir em 100000 euros o agravamento aplicado por causa da duração da participação na infração ao montante até ao qual a sociedade‑mãe Parker Hannifin é solidariamente responsável pelo pagamento da coima, o Tribunal Geral decidiu ultra petita.

105.

Por um lado, abordei em pormenor a importância e o alcance do poder de plena jurisdição do Tribunal Geral nas conclusões que apresentei no processo Telefónica e Telefónica de España/Comissão (C‑295/12 P, EU:C:2013:619), devendo este efetuar uma análise aprofundada do cálculo da coima. Com efeito, o Tribunal Geral, aquando da sua fiscalização, não se limita a apoiar‑se na margem de apreciação de que a Comissão dispõe para renunciar ao exercício de tal fiscalização aprofundada, tanto de facto como de direito, sobre a coima aplicada ou não exigir que a Comissão explique a alteração da sua política da coima num caso específico.

106.

Por outro lado, não é menos verdade que, segundo a jurisprudência, «não podendo o juiz [da União] do abuso de poder decidir ultra petita […], a decisão de anulação proferida não pode exceder a requerida pelo recorrente» ( 57 ).

107.

Ora, é claro que, no caso em apreço, a Parker‑Hannifin não tinha contestado nem a duração efetiva da sua participação na infração (que. com efeito, como diz a Comissão, o Tribunal Geral confirmou nos n.os 129 e 256 do seu acórdão, ou seja de 31 de janeiro de 2002 a 2 de maio de 2007) nem o fator correspondente aplicado no cálculo do montante da coima (a saber, o fator ligado à duração).

108.

Além disso, nos seus acórdãos KME Germany e o./Comissão e Chalkor/Comissão ( 58 ), o Tribunal de Justiça realça que «o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização a título oficioso e [recorda] que a tramitação processual nos órgãos jurisdicionais da União é contraditória. Com exceção dos fundamentos de ordem pública que o juiz tem o dever de suscitar oficiosamente, como a inexistência de fundamentação da decisão controvertida, é ao recorrente que compete suscitar fundamentos contra essa decisão e apresentar elementos de prova que alicercem estes fundamentos».

109.

É certo que as recorridas contestaram, com sucesso, o papel de líder como circunstância agravante que lhes fora imputada, na sequência do que o Tribunal Geral ajustou a coima (v., n.os 145, 146 e 254 do acórdão recorrido). Contudo, considero que o Tribunal Geral não pode, mesmo no âmbito do exercício do seu poder de plena jurisdição, daí retirar a possibilidade de alterar outros aspetos da coima (no caso em apreço, o fator relativo à duração) contra os quais a recorrente em primeira instância não invocou qualquer fundamento.

110.

Além disso, a fundamentação exposta no n.o 257 do acórdão recorrido ( 59 ) para justificar essa redução («uma vez que a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin não pode ser declarada pelo período entre 1 e 31 de janeiro de 2002») não é relevante uma vez que, na decisão controvertida, não foi declarada a responsabilidade da Parker‑Hannifin para o período em causa.

111.

Como a Comissão, e na medida em que o Tribunal Geral pretendeu fazer referência à circunstância de a participação da filial Parker ITR na infração, tal como declarada no acórdão recorrido, ter sido superior em um mês (a partir de 1 de janeiro de 2002) que a da Parker‑Hannifin (a partir de 31 de janeiro de 2002), considero, por isso, que o Tribunal Geral não devia ter reduzido o montante pelo qual a Parker‑Hannifin foi considerada solidariamente responsável, mas devia ter aumentado o montante da coima aplicada à Parker ITR. Com efeito, é incorreto reduzir a parte não contestada da coima aplicada à sociedade‑mãe — em vez de aumentar o montante da parte contestada da coima aplicada à Parker ITR.

112.

Quanto ao argumento da Comissão, de que o Tribunal Geral devia ter exposto as razões por que se afastou das orientações em relação a apenas um dos destinatários da decisão controvertida, ou seja, a Parker‑Hannifin, parece‑me que se infere claramente, da leitura do n.o 250 do acórdão recorrido, que o Tribunal Geral pretendeu «efetuar a sua própria apreciação» e, com efeito, não se sentiu vinculado pelas orientações.

113.

Ora, como recordou o advogado‑geral Poiares Maduro, «no exercício da sua competência de plena jurisdição, o juiz [da União] está sujeito aos mesmos requisitos legais que a Comissão quando aplica uma sanção». Estes requisitos incluem, nomeadamente, o dever de fundamentação ( 60 ).

114.

Neste contexto, considero que a redução da coima aplicada à Parker‑Hannifin apenas porque «a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin não pode ser declarada pelo período compreendido entre 1 e 31 de janeiro de 2002» (n.o 257 do acórdão recorrido) não está suficientemente fundamentada.

115.

Daqui decorre que, por estes motivos, o segundo fundamento deve ser julgado procedente.

C – Quanto ao cálculo da coima na hipótese de o primeiro fundamento ser julgado procedente

116.

Na hipótese de o Tribunal de Justiça decidir recalcular o montante da coima, as recorridas alegam, em primeiro lugar, que não pode ser aplicado nenhum aumento com base em circunstâncias agravantes.

117.

Em segundo lugar, as recorridas sustentam que a coima pela qual a Parker ITR poderia, em caso de novo cálculo, ser considerada única responsável, não pode, em conformidade com o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 ( 61 ), exceder 10% do seu volume de negócios. Recordam que, até 31 de janeiro de 2002, a Parker ITR (então ITR Rubber) e a Parker‑Hannifin eram duas empresas distintas. Foi por essa razão que a decisão controvertida declarou a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin apenas em relação a uma parte (a saber, 8320000 euros) da totalidade da coima aplicada à Parker ITR (a saber, 17290000 euros). Pelo mesmo motivo, para determinar o limite de 10% aplicável ao montante da coima pelo qual a Parker ITR é considerada a única responsável, a decisão controvertida devia ter tomado em consideração o volume de negócios da Parker ITR em 2008 (a saber 9304570 euros) e não o volume de negócios consolidado do grupo Parker.

118.

A argumentação das recorridas corresponde à do seu oitavo fundamento em primeira instância, o qual foi analisado e declarado improcedente pelo Tribunal Geral (v., n.os 227 e 228 do acórdão recorrido). Segundo o n.o 228, «[v]ista a procedência do primeiro fundamento, é irrelevante o oitavo fundamento, na parte relativa ao período de infração anterior a 1 de janeiro de 2002 em que a infração foi cometida pela ITR. Por outro lado, é improcedente, na parte relativa ao período de infração posterior a 1 de janeiro de 2002, uma vez que, ao longo de todo esse período, com exceção de um mês, a Parker ITR e a Parker‑Hannifin constituíam uma unidade económica responsável pela infração. O limite da coima podia portanto ser calculado com base no volume de negócios global dessa empresa, isto é, em todos os seus componentes acumulados».

119.

É verdade que, nas minhas conclusões apresentadas no processo YKK e o./Comissão (C‑408/12 P, EU:C:2014:66, n.os 96 a 145), depois de uma análise pormenorizada, conclui «que o Tribunal Geral [tinha] violado o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 porque apenas a filial (YKK Stocko) deveria ter sido considerada como empresa participante na infração em relação ao primeiro período e que, por isso, devia ter sido tomado em conta para calcular o limite de 10% do seu volume de negócios e não o do grupo». Nas conclusões que apresentou no processo que deu origem ao acórdão Gascogne Sack Deutschland/Comissão (C‑40/12 P, EU:C:2013:361, n.os 71 a 90), a advogada‑geral E. Sharpston concluiu no mesmo sentido.

120.

Não é menos verdade que, no caso em apreço, as recorridas não podem invocar esta argumentação, uma vez que não apresentaram um recurso de decisão do Tribunal Geral, nem sequer um recurso subordinado, contra os n.os 227 e 228 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral tratou esta questão.

121.

A este respeito, deve‑se recordar que, segundo o artigo 172.o do Regulamento de Processo, na versão em vigor desde 1 de novembro de 2012, qualquer parte no processo em causa no Tribunal Geral que tenha interesse em que seja dado ou negado provimento ao recurso pode apresentar resposta no prazo de dois meses a contar da notificação do recurso. Além disso, o artigo 176.o, n.o 1, desse Regulamento prevê que as partes a que se refere o artigo 172.o podem apresentar um recurso subordinado no prazo previsto para a apresentação da resposta. Por último, o artigo 176.o, n.o 2, do referido Regulamento prevê que o recurso subordinado deve ser apresentado em requerimento separado, distinto da resposta.

122.

Na audiência, o Tribunal de Justiça interrogou as recorridas sobre as razões pelas quais não tinham apresentado recurso subordinado. Responderam que não o tinham feito porque não existia no acórdão do Tribunal Geral nenhuma conclusão suscetível de ser impugnada, na medida em que o Tribunal Geral não tinha adotado qualquer decisão sobre o volume de negócios a ter em consideração no cálculo da coima, uma vez que, no n.o 229 do acórdão recorrido, o Tribunal declarou que «[v]ista a procedência do primeiro fundamento, também não é necessário analisar as outras alegações de violação dos princípios da responsabilidade pessoal e da proporcionalidade e de falta de fundamentação, na parte relativa aos efeitos tomados em consideração, na decisão recorrida, do período anterior a 1 de janeiro de 2002».

123.

Ora, é evidente que esta tese não é incorreta. Do n.o 120 das presentes conclusões resulta, manifestamente, que o Tribunal Geral se pronunciou sobre a questão em causa o que se reflete, de resto, no dispositivo do acórdão recorrido.

124.

Em todo o caso, as recorridas, na sua contestação, dedicaram quinze números (83 a 97) à tese segundo a qual «[s]e, apesar dos argumentos apresentados supra no título II, o primeiro fundamento for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir recalcular o montante da coima, as recorridas alegam: (i) que não pode ser aplicado nenhum aumento com base em circunstâncias agravantes pelas razões expostas supra e (ii) que a coima pela qual a Parker ITR é declarada única responsável não pode exceder 10% do seu volume de negócios». Tal indica, claramente, que no momento da leitura do recurso da Comissão no presente processo, aperceberam‑se de que existia uma possibilidade de o Tribunal de Justiça dar provimento a este recurso e, por isso, ser anulada a apreciação do Tribunal Geral sobre o primeiro fundamento invocado. Foi por isso que apresentaram toda esta argumentação nos n.os 83 a 97 da sua contestação. Ora, como já expliquei supra, se as recorridas pretendiam ressuscitar o seu fundamento, só poderiam fazê‑lo, nos termos do Regulamento de Processo, através de um recurso subordinado e não limitar‑se a expor os seus argumentos na contestação.

125.

Uma vez que as recorridas não apresentaram um recurso subordinado em requerimento separado, distinto da sua resposta, a sua argumentação exposta supra deve ser julgada inadmissível ( 62 ).

IV – Conclusão

126.

Assim, proponho que o Tribunal de Justiça:

anule o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia Parker ITR e Parker‑Hannifin/Comissão (T‑146/09, EU:T:2013:258), na medida em que declarou que a aplicação do princípio da continuidade económica estava excluída no presente processo e na medida em que rejeitou o agravamento da coima decidido pela Comissão no cálculo da coima aplicada à Parker ITR tendo em conta o papel de líder que teve no cartel;

remeta o processo ao Tribunal Geral para que este examine se os elementos apresentados pela Parker Hannifin Manufacturing e pela Parker‑Hannifin são suficientes para ilidir a presunção de que a ITR, como sociedade‑mãe que detém 100% do capital da ITR Rubber e que pertence como esta ao mesmo grupo, exerceu uma influência determinante no comportamento da sua filial;

declare que, ao reduzir em 100000 euros o agravamento aplicado por causa da duração da participação na infração ao montante até ao qual a sociedade‑mãe Parker Hannifin é solidariamente responsável pelo pagamento da coima, o Tribunal Geral decidiu ultra petita;

declare que a redução da coima aplicada à Parker‑Hannifin apenas porque «a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin não pode ser declarada pelo período entre 1 [de janeiro] e 31 de janeiro de 2002» não está suficientemente fundamentada pelo Tribunal Geral; e

reserve para final a decisão quanto às despesas.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) T‑146/09, EU:T:2013:258, a seguir «acórdão recorrido».

( 3 ) Decisão de 28 de janeiro de 2009, relativa a um processo nos termos do artigo [100.° TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo COMP/39.406 — Mangueiras marinhas, a seguir «decisão recorrida»). Nas presentes conclusões utilizarei a antiga numeração do Tratado na medida em que a decisão recorrida foi adotada durante a vigência do Tratado CE. É interessante constatar que este é o primeiro cartel em que um homem de negócios de um Estado‑Membro (Itália) é extraditado para os Estados‑Unidos por outro Estado‑Membro (Alemanha) com base numa violação do direito da concorrência. Este homem de negócios admitiu a sua culpa, «walked into court wearing glasses and dressed in a khaki jump suit, leg irons and handcuffs and accompanied by two US Marshals» e foi condenado pelo U. S. District Court in the Southern District of Florida, a dois anos de prisão e a uma multa de 50000 dólares dos Estados Unidos (USD). Recentemente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem negou provimento ao seu recurso contra a decisão das autoridades alemãs (v., entre outros, mLex, «Extradited marine hose executive pleads guilty, sentenced to 24 months», de 24 de abril de 2014, e «Human‑rights court rejects case of extradited Italian cartel executive», de 29 de maio 2014).

( 4 ) É, igualmente, interessante notar que este cartel cobria todo o mundo e que as empresas participantes representavam uma parte muito importante do setor mundial das mangueiras marinhas. Tratava‑se de um cartel complexo, institucionalizado a ponto de ter adotado «estatutos» sob a forma de um protocolo de acordo, uma estrutura formal de «Clube», nomes de código e de ter recorrido aos serviços de «consultores» externos que coordenavam e supervisionavam o cartel. Era, igualmente, um cartel resistente. Assim, após ter conhecido uma crise entre maio de 1997 e junho de 1999, recuperou o seu vigor anterior e continuou as suas atividades durante mais oito anos. O cartel só foi desmantelado após inspeções coordenadas levadas a cabo por várias autoridades responsáveis pela concorrência em todo o mundo. Em consequência, vários dirigentes envolvidos no cartel foram condenados a penas de prisão em vários países.

( 5 ) V., acórdãos KNP BT/Comissão (C‑248/98 P, EU:C:2000:625, n.o 71), Cascades/Comissão (C‑279/98 P, EU:C:2000:626, n.o 78), Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, EU:C:2000:630, n.o 37) e SCA Holding/Comissão (C‑297/98 P, EU:C:2000:633, n.o 27), e as conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo que deu origem ao acórdão ETI e o. (C‑280/06, EU:C:2007:404, n.o 71).

( 6 ) V., acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.os 356 a 359), ETI e o. (C‑280/06, EU:C:2007:775), Jungbunzlauer/Comissão (T‑43/02, EU:T:2006:270), ArcelorMittal Luxembourg e o./Comissão (T‑405/06, EU:T:2009:90) e, em sede de recurso, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o. (C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190).

( 7 ) As mangueiras marinhas são utilizadas para carregar gás ou produtos petrolíferos a partir de instalações offshore (por exemplo, boias ancoradas ao largo ou plataformas flutuantes de extração de gás ou de petróleo) para barcos cisterna e, em seguida, para descarregar esses produtos noutras instalações offshore ou em terra.

( 8 ) Para efeitos das presentes conclusões, utilizarei a denominação Parker ITR mesmo relativamente aos períodos em que, integrada no grupo Saiag e na sociedade intermediária ITR, a empresa se chamava ITR Rubber.

( 9 ) O n.o 257 do acórdão recorrido tem a seguinte redação: «[e]m face do exposto, em primeiro lugar, há que anular o artigo 1.o, alínea i), da decisão [controvertida], na parte relativa à infração imputada à Parker ITR pelo período anterior a janeiro de 2002, segundo, fixar o montante da coima que lhe foi aplicada em 6400000 euros, montante pelo qual deve a Parker‑Hannifin ser considerada solidariamente responsável até ao valor de 6300000 euros, uma vez que a responsabilidade solidária da Parker‑Hannifin não pode ser declarada pelo período entre 1 e 31 de janeiro de 2002, e, por terceiro e último, negar provimento ao recurso quanto ao resto».

( 10 ) A Comissão remete para o acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.o 41).

( 11 ) V., por exemplo, Jones, A., e Sufrin, B., EC Competition Law, Oxford, 2004, p. 121.

( 12 ) O Tribunal de Justiça refere‑se, nesse sentido, ao acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.o 38 e 39 e jurisprudência referida).

( 13 ) O Tribunal de Justiça refere‑se ao acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.os 48 e 49 e à jurisprudência referida, designadamente, ao acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, EU:C:2004:6, n.os 355 a 358).

( 14 ) O Tribunal refere‑se ao acórdão NMH Stahlwerke/Comissão (T‑134/94, EU:T:1999:44, n.o 127).

( 15 ) O Tribunal de Justiça refere‑se, aqui, neste sentido, à jurisprudência seguinte: acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão (41/69, EU:C:1970:71, n.o 173); Showa Denko/Comissão (C‑289/04 P, EU:C:2006:431, n.o 61), e Britannia Alloys & Chemicals/Comissão (C‑76/06 P, EU:C:2007:326, n.o 22).

( 16 ) Com efeito, se duas operações podem ser interdependentes no plano económico, não se pode, contudo, negligenciar a primeira ou considerar que as responsabilidades jurídicas que daí resultam desaparecem sendo, ipso facto, absorvidas na segunda.

( 17 ) Considero (como a Comissão) que o objeto do presente processo não é, manifestamente, a simples venda de uma entidade jurídica que participou na infração; se a ITR tivesse sido vendida enquanto entidade jurídica, a responsabilidade que continuaria ligada a esta entidade dentro do novo grupo por factos passados resultaria do acórdão Cascades/Comissão (EU:C:2000:626). Também não se pode apresentar o presente processo como tratando‑se da venda de ativos a um grupo independente.

( 18 ) V., acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão (EU:C:2004:6, n.os 356 a 359) e ETI e o. (EU:C:2007:775, n.os 48 e 49). O n.o 359 do acórdão Aalborg Portland e o./Comissão (EU:C:2004:6) é especialmente pertinente para o caso em apreço: «[a] este respeito, é certo que, no acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido (n.o 145), o Tribunal de Justiça entendeu que só pode haver continuidade económica no caso de a pessoa coletiva responsável pela exploração da empresa ter deixado de existir juridicamente depois da prática da infração. No entanto, aquele processo tinha por objeto a situação de duas empresas existentes e operacionais, uma das quais tinha simplesmente cedido uma parte das suas atividades à outra, mas entre as quais não existia uma ligação estrutural. Ora, como resulta do n.o 344 do presente acórdão, não é o que acontece no caso vertente» (itálico meu).

( 19 ) V., acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.os 41, 42 e 44).

( 20 ) Com efeito, a venda dos ativos controvertidos dentro do grupo Saiag e a venda posterior da entidade jurídica Parker ITR a um novo grupo devem ser tratadas, no plano conceptual, como dois acontecimentos distintos.

( 21 ) «Consequentemente cabe à Comissão declarar que a Saiag e a ITR eram responsáveis pela infração até 1 de janeiro de 2002, depois, se for caso disso, declarar prescrita a infração, como lhe permite a jurisprudência constante […]».

( 22 ) «Em contrapartida, a Comissão não podia, nessas condições, declarar a responsabilidade da ITR Rubber pelo período anterior a 1 de janeiro de 2002, data em que os ativos envolvidos no cartel lhe foram transmitidos».

( 23 ) T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.os 1334 e 1335 da fundamentação e n.o 15 do dispositivo.

( 24 ) Acórdão Aalborg Portland e o./Comissão (EU:C:2004:6, n.os 344 a 359).

( 25 ) V., n.o 39 das presentes conclusões.

( 26 ) EU:T:2009:90.

( 27 ) V., neste sentido, acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.o 50), no qual o Tribunal de Justiça não acolheu o entendimento contrário proposto pela advogada‑geral J. Kokott no n.o 96 das suas conclusões (EU:C:2007:404, de acordo com o qual as ligações estruturais devem ainda existir à data da decisão).

( 28 ) V., acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão (EU:C:2004:6, n.os 356 e 357) e ETI e o. (EU:C:2007:775, n.os 48 a 52).

( 29 ) V., n.o 35 da resposta que apresentaram no Tribunal de Justiça.

( 30 ) V., n.os 28, 29, 35 e 41 da contestação no Tribunal de Justiça e n.o 59 do acórdão recorrido, segundo o qual «[a]s recorrentes precisam que a jurisprudência recente confirma que, no caso de transmissão de ativos no interior de um grupo, a teoria da sucessão económica só pode ser aplicada se os laços estruturais entre a entidade cessionária e a entidade cedente ainda existirem no momento em que a Comissão adota a decisão que declara a infração».

( 31 ) V., considerandos 370 a 373 da decisão recorrida.

( 32 ) É, por isso, este controlo exercido pelo grupo Saiag/ITR sobre a atividade em causa no seio deste grupo que justifica imputar à ITR Rubber (posteriormente Parker ITR) uma responsabilidade a título da continuidade económica, em derrogação do princípio da responsabilidade pessoal.

( 33 ) A este respeito, a Comissão apoia‑se nos acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão (EU:C:2004:6) e ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o. (EU:C:2011:190, n.o 104), nos quais o Tribunal de Justiça confirmou o acórdão do Tribunal Geral que admitira a existência de continuidade económica ainda que a transmissão de ativos tenha ocorrido após a cessação da infração.

( 34 ) V., por exemplo, acórdão ETI e o. (EU:C:2007:775, n.o 48 e segs.).

( 35 ) Com efeito, segundo a Comissão, quando a nova sociedade‑mãe Parker‑Hannifin tomou conhecimento da infração, decidiu, todavia, ocultar o cartel esperando que não fosse descoberto.

( 36 ) O acórdão do Tribunal Geral foi anulado parcialmente pelo Tribunal de Justiça mas não neste número.

( 37 ) V., igualmente, n.o 95 das conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no mesmo processo (EU:C:2007:404).

( 38 ) N.o 49 do referido acórdão.

( 39 ) Há que salientar que, na resposta que apresentaram no Tribunal de Justiça, as recorridas dizem que «o Tribunal de Justiça deixou ao Consiglio di Stato italiano a tarefa de apreciar, com base no critério do ‘controlo efetivo’ estabelecido no seu acórdão, se a ETI podia ser considerada responsável pelo comportamento da AAMS» (itálico meu). O termo utilizado em inglês no original do seu articulado é «actual control». Ora, esta expressão não figura, como tal, na versão inglesa do acórdão ETI. O n.o 51 desse acórdão, aborda o facto de a AAMS e a ETI terem estado «sob a tutela» da entidade pública competente, o que foi traduzido para inglês por «AAMS and ETI were subject to the control of that public entity».

( 40 ) O Tribunal de Justiça refere‑se, nesse sentido, ao acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão (48/69, EU:C:1972:70, n.os 136 e 137).

( 41 ) O Tribunal de Justiça refere‑se, nesse sentido, aos acórdãos AEG‑Telefunken/Comissão (107/82, EU:C:1983:293, n.o 50) e Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (EU:C:2000:630, n.o 29).

( 42 ) O Tribunal de Justiça refere‑se, neste sentido, ao acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (EU:C:2000:630, n.o 29).

( 43 ) N.o 153 do referido acórdão.

( 44 ) É interessante salientar que, na investigação sobre o cartel das mangueiras marinhas nos Estados‑Unidos, a Parker ITR foi acusada, e admitiu a sua culpa, de um comportamento ilícito que remontava a 1999, ou seja, três anos antes da aquisição dos ativos pela Parker. V., DOJ Press Release, Italian Subsidiary of U. S.‑Based Company Agrees to Plead Guilty for Participating in International Price‑Fixing Conspiracy (16 de fevereiro de 2010), http:// www.justice.gov/atr/public/press_ releases/2010/255258.htm. Nos Estados‑Unidos, a noção de sucessão da responsabilidade nem sequer inclui a condição da continuidade económica. Em princípio, a responsabilidade (penal, de resto) não diminui no momento da fusão da entidade precedente com a entidade seguinte. V., a este respeito, «EU Court Decision Significantly Reduces Cartel Fines in Marine Hose Investigation», King & Spalding, 22 de maio de 2013, que refere a jurisprudência americana em causa.

( 45 ) V., igualmente, sobre as ligações estruturais, considerando 373 da decisão controvertida.

( 46 ) De facto, tal foi reconhecido pela própria ITR no «Act of transfer of marine hose assets by ITR to ITR Rubber» (anexo 2 da resposta da Parker à comunicação de acusações), p. 420 da petição inicial apresentada em primeira instância, a qual se refere à ITR como o «attuale unico socio controllante».

( 47 ) Este contrato tinha sido, igualmente, apresentado no procedimento administrativo em anexo à resposta à comunicação de acusações.

( 48 ) V., acórdão ArcelorMittal Luxembourg e o./Comissão (EU:T:2009:90, n.os 112‑117 e jurisprudência referida, que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça em sede de recurso, no acórdão ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o.) e Hoechst/Comissão (EU:T:2009:366, n.o 64, «a imputação, ao novo explorador, de uma infração cometida pelo antigo explorador constitui uma possibilidade que, em determinadas circunstâncias, a jurisprudência reconhece à Comissão, e não uma obrigação»).

( 49 ) O Tribunal de Justiça salientou, no seu recente acórdão Dow Chemical e o./Comissão (C‑499/11 P, EU:C:2013:482, n.o 49 e jurisprudência referida) que «não há ‘prioridade’ no que respeita à aplicação de uma coima, pela Comissão, a uma ou a outra dessas sociedades», a saber, à sociedade sociedade‑mãe ou à sua filial.

( 50 ) V., igualmente, n.o 95 das conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas no processo que deu origem ao acórdão ETI e o. (EU:C:2007:404).

( 51 ) V. acórdãos Erste Group Bank e o./Comissão (C‑125/07 P, C‑133/07 P e C‑137/07 P, EU:C:2009:576, n.o 82) e Team Relocations e o./Comissão (C‑444/11 P, EU:C:2013:464, n.os 159 e 160).

( 52 ) V., neste contexto, por exemplo, acórdão Ballast Nedam/Comissão (C‑612/12 P, EU:C:2014:193).

( 53 ) C‑389/10 P, EU:C:2011:816, n.o 131 e C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.o 64.

( 54 ) Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003, JO 2006 C 210, p. 2.

( 55 ) Em conformidade com o n.o 24 das Orientações, «[...] Os períodos inferiores a um semestre serão contados como meio ano e os períodos superiores a seis meses, mas inferiores a um ano, serão contados como um ano completo».

( 56 ) Acórdão Volkswagen/Comissão (C‑338/00 P, EU:C:2003:473, n.o 147).

( 57 ) Acórdão Comissão/AssiDomän Kraft Products e o. (C‑310/97 P, EU:C:1999:407, n.o 52 e jurisprudência referida). V., igualmente, por exemplo, acórdãos Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum (C‑78/03 P, EU:C:2005:761, n.os 44 a 50), ENI/Comissão (C‑508/11 P, EU:C:2013:289, n.o 103) e Arkema/Comissão (C‑520/09 P, EU:C:2011:619, n.o 61 e jurisprudência referida).

( 58 ) EU:C:2011:816, n.o 131 e EU:C:2011:815, n.o 64.

( 59 ) V. nota 9 das presentes conclusões.

( 60 ) Acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão (C‑397/03 P, EU:C:2006:328, n.o 60). O Tribunal de Justiça refere‑se, neste sentido, ao acórdão Aalborg Portland e o./Comissão (EU:C:2004:6, n.o 372). V., igualmente, por exemplo, acórdão Acerinox/Comissão (C‑57/02 P, EU:C:2005:453), segundo o qual o Tribunal de Justiça anulou parcialmente o acórdão do Tribunal Geral por falta de fundamentação. V., igualmente, artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, que dispõe que «[o]s acórdãos são fundamentados». V., nomeadamente, acórdão Conselho/de Nil e Impens (C‑259/96 P, EU:C:1998:224, n.o 32) e despachos Meyer/Comissão (C‑151/03 P, EU:C:2004:381, n.o 72), e L/Comissão (C‑230/05 P, EU:C:2006:270, n.o 83).

( 61 ) Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1).

( 62 ) Em todo o caso, as recorridas nem sequer atacaram os n.os 227 e 228 do acórdão recorrido.