CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 3 de setembro de 2014 ( 1 )

Processo C‑375/13

Harald Kolassa

contra

Barclays Bank plc

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Handelsgericht Wien (Áustria)]

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Competência judiciária em matéria civil e comercial — Contratos celebrados pelos consumidores — Consumidor, domiciliado num Estado‑Membro, que adquiriu no mercado secundário, através de um intermediário estabelecido noutro Estado‑Membro, títulos emitidos por um banco estabelecido num terceiro Estado‑Membro — Competência para conhecer dos recursos contra o banco emitente dos referidos títulos»

I — Introdução

1.

Pode um banco com sede no Reino Unido, que emitiu certificados no mercado primário na Alemanha, ser demandado por responsabilidade contratual e/ou extracontratual perante um tribunal austríaco do domicílio de um investidor lesado, que adquiriu esses certificados no mercado secundário? É esta a problemática subjacente ao presente reenvio prejudicial. As partes no litígio no processo principal são H. Kolassa e o Barclays Bank plc (a seguir «Barclays Bank»).

2.

O Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria) submeteu ao Tribunal de Justiça quatro questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 5.o, pontos 1, alínea a), e 3, e do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 2 ).

3.

Nas presentes conclusões, citarei por diversas vezes a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 3 ) (a seguir «Convenção de Bruxelas», porquanto, uma vez que o Regulamento n.o 44/2001 substitui a Convenção de Bruxelas, a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições dessa Convenção é válida igualmente para as do referido regulamento, quando as disposições desses instrumentos possam ser qualificadas de equivalentes ( 4 ).

II — Quadro jurídico

A — Direito da União

4.

O considerando 11 do Regulamento n.o 44/2001 enuncia que:

«As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular‑se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.»

5.

O capítulo II deste regulamento (artigos 2.° a 31.°) diz respeito às regras de competência. A secção 1 do referido capítulo II (artigos 2.° a 4.°) intitula‑se «Disposições gerais». O artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que, «[s]em prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado».

6.

A secção 2 do capítulo II (artigos 5.° a 7.°) do referido regulamento intitula‑se «Competências especiais». Nos termos do seu artigo 5.o:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada noutro Estado‑Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

[…]

3)

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso;

[...]»

7.

O artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001, que faz parte da secção 4 do capítulo II (artigos 15.° a 17.°) do mesmo, dispõe, no seu n.o 1:

«Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o e no ponto 5 do artigo 5.o:

a)

Quando se trate de venda, a prestações, de bens móveis corpóreos; ou

b)

Quando se trate de empréstimo a prestações ou de outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens; ou

c)

Em todos os outros casos, quando o contrato tenha sido concluído com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou dirige essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados incluindo esse Estado‑Membro, e o dito contrato seja abrangido por essa atividade.»

8.

O artigo 16.o, n.o 1, do mesmo regulamento estabelece que «[o] consumidor pode intentar uma ação contra a outra parte no contrato, quer perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território estiver domiciliada essa parte, quer perante o tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio.»

9.

O artigo 24.o do referido regulamento, que faz parte da secção 7 do capítulo II do mesmo, prevê:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.o»

10.

A secção 8 do capítulo II do Regulamento n.o 44/2001, intitulada «Verificação da competência e da admissibilidade», integra os artigos 25.° e 26.°, que têm a seguinte redação:

«Artigo 25.o

O juiz de um Estado‑Membro, perante o qual tiver sido proposta, a título principal, uma ação relativamente à qual tenha competência exclusiva um tribunal de outro Estado‑Membro por força do artigo 22.o, declarar‑se‑á oficiosamente incompetente.

Artigo 26.o

1.   Quando o requerido domiciliado no território de um Estado‑Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado‑Membro e não compareça, o juiz declarar‑se‑á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento.

2.   O juiz deve suspender a instância, enquanto não se verificar que a esse requerido foi dada a oportunidade de receber o ato que iniciou a instância, ou ato equivalente, em tempo útil para apresentar a sua defesa, ou enquanto não se verificar que para o efeito foram efetuadas todas as diligências.

[...]»

B — Direito austríaco

11.

O artigo 11.o da lei sobre os mercados de capitais (Kapitalmarktgesetz), na sua versão aplicável aos factos em causa no processo principal, estabelece, nomeadamente, as condições em que o emitente de um prospeto é responsável pelo prejuízo causado a um investidor que confiou nas informações contidas nesse prospeto.

12.

O artigo 26.o da lei sobre os fundos de investimento (Investmentfondsgesetz), na sua versão aplicável aos factos em causa no processo principal, estipula, nomeadamente, que, antes da celebração do contrato, devem ser entregues gratuitamente ao adquirente de uma participação num fundo de investimento estrangeiro as condições do fundo e/ou os estatutos da sociedade gestora do fundo, um prospeto da sociedade gestora de fundos de investimento estrangeira e uma cópia do pedido de celebração do contrato e que o prospeto deve conter todas as informações essenciais para a avaliação das unidades de participação num fundo de investimento estrangeiro à data da apresentação do pedido.

III — Matéria de facto do litígio no processo principal e questões prejudiciais

13.

O Barclays Bank, um banco com sede em Londres (Reino Unido) e uma sucursal em Frankfurt am Main (Alemanha), emitiu certificados e alienou‑os a investidores institucionais, entre os quais o DAB Bank AG, com sede em Munique (Alemanha). Não se realizou nenhuma venda a particulares.

14.

Os certificados foram emitidos com base num prospeto, de 22 de setembro de 2005, e nas condições gerais, de 20 de dezembro de 2005 (incluindo os respetivos anexos). A pedido do Barclays Bank, também se procedeu a uma notificação do prospeto de base na Áustria. Os certificados foram emitidos em 2006. O reembolso é devido em 2016.

15.

A câmara de compensação responsável por esta aquisição era uma sociedade com sede em Frankfurt am Main, Alemanha, na qual também foi depositado o certificado de dívida global.

16.

O DAB Bank AG transferiu os certificados para a sua filial na Áustria, o direktanlage.at AG, que os alienou a particulares, entre os quais H. Kolassa, residente na Áustria, que investiu um determinado montante nesses certificados.

17.

Estas ordens eram sempre dadas e executadas em nome das sociedades em causa. De acordo com as suas condições gerais de contratação, o direktanlage.at AG executou a ordem de H. Kolassa em regime de «depósito», o que significa que o direktanlage.at AG mantinha, enquanto fundo de cobertura, os certificados em seu nome e por conta do seu cliente em Munique. H. Kolassa podia apenas reclamar um direito à entrega dos certificados com base na respetiva percentagem do fundo de cobertura, não podendo, no entanto, os certificados ser transferidos para o seu nome.

18.

Com efeito, o certificado representa um título de dívida de uma empresa emitido sob forma de obrigações ao portador. O montante do reembolso e, por conseguinte, o valor do certificado é determinado com base num índice, formado a partir de uma carteira de vários fundos subjacentes, pelo que o valor do certificado está diretamente indexado à referida carteira. Esta carteira devia ser criada e gerida por uma sociedade de responsabilidade limitada com sede na Alemanha.

19.

O gestor dessa sociedade usou a sua influência na referida sociedade para dotar de capital novo o seu esquema fraudulento de pirâmide de grande escala. Em 2011, foi condenado na Alemanha a uma pena de prisão de dez anos e oito meses pelos crimes de fraude, falsificação de documentos e evasão fiscal.

20.

Atualmente, o valor dos certificados é calculado em zero euros.

21.

H. Kolassa intentou uma ação no Handelsgericht Wien contra o Barclays Bank, na qual invoca direitos de natureza contratual (direitos baseados no contrato de empréstimo obrigacionista e na aquisição das obrigações, bem como na violação dos deveres pré‑contratuais de proteção e de informação) e extracontratual (direitos baseados nas irregularidades verificadas no prospeto e no controlo, em violação designadamente da lei sobre os mercados de capitais e da lei sobre os fundos de investimento). H. Kolassa sustenta que o tribunal chamado a pronunciar‑se é competente, a título preliminar, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 ou, a título subsidiário, do artigo 5.o, pontos 1, alínea a), e 3, do referido regulamento.

22.

O Barclays Bank contesta tanto as alegações de H. Kolassa como a competência do tribunal chamado a pronunciar‑se.

23.

Atendendo às linhas de argumentação das partes e aos vários processos paralelos pendentes, o Handelsgericht Wien considerou necessário e oportuno suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

A formulação «[e]m matéria de contrato celebrado por uma pessoa para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a seguir denominada ‘o consumidor’», constante do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 44/2001], deve ser interpretada no sentido de que

i)

um demandante que adquiriu, como consumidor, um título de dívida no mercado secundário e agora invoca direitos em relação ao emitente fundamentados na responsabilidade pela informação prestada num prospeto, por violação dos deveres de informação e de controlo, e nas condições de empréstimo, pode invocar a competência prevista na referida disposição quando o demandante, através da aquisição do valor mobiliário de um terceiro, passou a integrar de forma derivada a relação contratual entre o emitente e o subscritor inicial da obrigação[;]

ii)

[em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a), i)] o demandante também pode invocar a competência judiciária, prevista no artigo 15.o do [Regulamento n.o 44/2001], quando o terceiro a quem adquiriu o título de dívida o adquiriu previamente com uma finalidade abrangida pela sua atividade comercial ou profissional, assumindo o demandante, por conseguinte, a relação obrigacional de alguém que não é consumidor[, e]

iii)

[em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a), i) e ii)] o consumidor demandante também pode invocar a competência do tribunal do domicílio do consumidor, prevista no artigo 15.o do [Regulamento n.o 44/2001], quando não seja ele próprio o detentor do título de dívida, mas sim o terceiro — a quem o demandante encomendou a aquisição dos valores mobiliários e que não é um consumidor —, que, em conformidade com o convencionado, mantém os valores mobiliários em seu nome, a título fiduciário, para o demandante, e apenas lhe concede um direito obrigacional de entrega?

b)

[em caso de resposta afirmativa à primeira questão, alínea a), i)] o tribunal chamado a pronunciar‑se em matéria contratual sobre os direitos resultantes de uma aquisição de obrigações tem também uma competência acessória, em virtude do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 44/2001], para decidir, em matéria [extracontratual], sobre os direitos resultantes da referida aquisição?

2)

a)

A formulação «[e]m matéria contratual», constante do artigo 5.o, [ponto] 1, alínea a), do Regulamento [n.o 44/2001], deve ser entendida no sentido de que

i)

um demandante que adquiriu[, como consumidor,] um título de dívida no mercado secundário e agora invoca direitos em relação ao emitente fundamentados na responsabilidade pela informação prestada num prospeto, por violação dos deveres de informação e de controlo, e nas condições de empréstimo, pode invocar a competência prevista na referida disposição quando o demandante, através da aquisição do valor mobiliário de um terceiro, passou a integrar de forma derivada a relação contratual entre o emitente e o subscritor original da obrigação[;]

ii)

[em caso de resposta afirmativa à segunda questão, alínea a) i)] o demandante também pode invocar a competência do tribunal prevista no artigo 5.o, [ponto] 1, alínea a), do [Regulamento n.o 44/2001], quando o próprio não é detentor do título de dívida, mas sim o terceiro — a quem o demandante encomendou a aquisição dos valores mobiliários —, que os mantém em seu nome, a título fiduciário, para o demandante, em conformidade com o convencionado, e apenas lhe concede um direito obrigacional de entrega[, e]

2)

b)

[em caso de resposta afirmativa à segunda questão, alínea a), i)] o tribunal chamado a pronunciar‑se em matéria contratual sobre os direitos resultantes de uma aquisição de obrigações tem também uma competência acessória, em virtude do artigo 5.o, [ponto] 1, alínea a), do Regulamento [n.o 44/2001], para decidir, em matéria [extracontratual], sobre os direitos resultantes da referida aquisição?

3)

a)

Os direitos resultantes da legislação sobre o mercado de capitais relacionados com a responsabilidade pelo prospeto e os direitos fundamentados na violação dos deveres de proteção e de informação, em conjugação com a emissão de um título de dívida, incluem‑se no conceito de matéria extracontratual regulada no artigo 5.o, [ponto] 3, do Regulamento [n.o 44/2001]?

[em caso de resposta afirmativa à terceira questão, primeiro parágrafo] o mesmo é válido quando uma pessoa que não é detentora dos títulos de dívida, mas apenas tem um direito obrigacional à restituição em relação ao detentor, que mantém em seu nome os valores mobiliários, a título fiduciário, invoca estes direitos em relação ao emitente?

b)

A formulação «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», constante do artigo 5.o, [ponto] 3, do Regulamento [n.o 44/2001], deve ser interpretada no sentido de que, no caso de um valor mobiliário ter sido adquirido com base em informações deliberadamente erradas

i)

o local do dano é o domicílio do lesado, por ser o local onde se situa o centro do seu património?

ii)

[em caso de resposta afirmativa à terceira questão, alínea b), i)] o mesmo é válido quando a ordem de compra e a transferência do valor são revogáveis até à liquidação («settlement») do negócio e a liquidação se realizou algum tempo após a transferência do valor da conta bancária do lesado noutro Estado‑Membro?

4)

No âmbito da verificação da competência nos termos dos artigos 25.° e [26.°] do Regulamento [n.o 44/2001], o órgão jurisdicional deve, em relação a factos controvertidos que são relevantes tanto para a questão da competência como para o exame da existência do direito invocado («factos com dupla relevância»), optar por um processo de produção de prova abrangente ou deve pressupor, ao decidir sobre a competência, que as declarações da parte demandante são exatas?»

IV — Apreciação

24.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que não foi possível constatar a existência de uma relação contratual «direta» entre as partes. Precisa de conhecer a interpretação do Tribunal de Justiça para determinar em que categoria autónoma do Regulamento n.o 44/2001 (matéria contratual ou extracontratual) devem ser classificados os direitos invocados por H. Kolassa.

A — Quanto à primeira questão

25.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, ao Tribunal de Justiça se, num processo como o processo principal, estão preenchidas as condições do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, o que implicaria que H. Kolassa poderia, ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, intentar uma ação na Áustria contra o Barclays Bank.

26.

Para que a competência seja determinada com base no artigo 15.o, n.o 1, do referido regulamento, devem estar preenchidas três condições. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de um consumidor, ou seja, de uma pessoa não envolvida em atividades comerciais ou profissionais ( 5 ); em segundo lugar, o direito de ação deve estar ligado a um contrato de consumo, celebrado entre o consumidor e uma pessoa que exerce atividades comerciais ou profissionais; por último, em terceiro lugar, o contrato deve pertencer a uma das categorias previstas no referido artigo 15.o, n.o 1, alíneas a) a c).

27.

O órgão jurisdicional de reenvio não especifica qual das três opções previstas no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 poderá ser aplicável [alíneas a), b) ou c)]. A meu ver, apenas pode tratar‑se da opção prevista na alínea c), nos termos da qual a pessoa que tem uma atividade comercial ou profissional deve exercê‑la no Estado‑Membro do domicílio do consumidor ou dirigir essa atividade, por quaisquer meios, a esse Estado‑Membro ou a vários Estados, incluindo esse Estado‑Membro, e o contrato deve enquadrar‑se nessa atividade. A aplicação das regras de competência decorrentes do artigo 15.o, n.o 1, alíneas a) (venda, a prestações, de bens móveis corpóreos) e b) (empréstimo a prestações ou outra operação de crédito relacionados com o financiamento da venda de tais bens), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser excluída pelo simples facto de que os certificados não constituem bens móveis corpóreos, na aceção do referido artigo 15.o, n.o 1, alíneas a) ou b).

28.

No caso em apreço, a primeira e terceira condições parecem estar preenchidas. H. Kolassa agiu como consumidor, uma vez que a transação em causa não se enquadra na sua atividade comercial ou profissional. Além disso, o prospeto relativo ao certificado em causa foi publicado na Áustria, o que significa que o Barclays Bank dirigiu a sua atividade a esse Estado‑Membro, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001.

29.

Existirá, no entanto, um «contrato celebrado por um[…] consumidor»? É este o elemento fundamental da primeira questão.

30.

De acordo com o Governo neerlandês, pode depreender‑se dos factos descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio que H. Kolassa e o Barclays Bank assumiram efetivamente obrigações entre si. Mais concretamente, o Governo neerlandês estrutura a sua argumentação do seguinte modo: tendo em conta as modalidades de cálculo descritas no prospeto, o Barclays Bank tinha a obrigação de reembolsar o empréstimo obrigacionista a H. Kolassa. Este, por sua vez, tinha a obrigação de pagar o preço da obrigação. É certo que H. Kolassa não recebeu o certificado da parte do administrador fiduciário, tendo apenas adquirido um direito à entrega do título ao portador. Não obstante, esse certificado não deixava de representar um direito ao pagamento de um determinado montante por parte do Barclays Bank ao consumidor. O Barclays Bank tinha, pois, uma dívida para com quem adquiriu a obrigação, mesmo que o administrador fiduciário tenha mantido o certificado em depósito, de acordo com as suas condições gerais. Isso significa que H. Kolassa devia, em qualquer caso, ser considerado o titular da obrigação no sentido económico do termo.

31.

Por outro lado, H. Kolassa acrescenta que o artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 devia ser objeto de uma interpretação ampla, uma vez que se destina a proteger o consumidor.

32.

Esta linha de argumentação não me convence.

33.

Segundo jurisprudência assente, os conceitos utilizados pelo Regulamento n.o 44/2001, nomeadamente os que figuram no seu artigo 15.o, n.o 1, devem ser interpretados de maneira autónoma, reportando‑se principalmente ao sistema e aos objetivos do referido regulamento, para assegurar a sua aplicação uniforme em todos os Estados‑Membros ( 6 ). Ora, o conceito de «contrato celebrado por um[…] consumidor» é independente das qualificações do direito nacional.

34.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em virtude da própria redação tanto da parte introdutória do n.o 1 do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001 como do n.o 1, alínea c), do mesmo artigo, exige‑se que um «contrato» tenha sido «concluído» pelo consumidor com uma pessoa que tem atividade comercial ou profissional ( 7 ). Esta constatação é, além disso, corroborada pelo título da secção 4 do capítulo II deste regulamento, em que se insere este artigo 15.o, relativa à «[c]ompetência em matéria de contratos celebrados [ ( 8 )] por consumidores» ( 9 ).

35.

Em meu entender, não foi celebrado um contrato na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 e, por conseguinte, este artigo não se aplica num caso como o presente.

36.

É certo que H. Kolassa, na qualidade de consumidor austríaco, teve a intenção de participar na operação de investimento levada a cabo pelo banco emitente inglês Barclays Bank, que foi publicitada na Áustria através de um prospeto específico. H. Kolassa alega que o direktanlage.at AG, o banco com o qual celebrou o contrato, não assumiu nenhum risco económico.

37.

No entanto, tal constatação não pode justificar a conclusão de que existia um contrato entre H. Kolassa e o Barclays Bank.

38.

O único contrato celebrado por H. Kolassa foi o contrato que celebrou com o direktanlage.at AG. Não ignoro que, por força do direito nacional aplicável, o Barclays Bank tem certas obrigações para com H. Kolassa ( 10 ). Contudo, essas obrigações não resultam da celebração de um contrato entre H. Kolassa e o direktanlage.at AG.

39.

Também não vejo nenhuma razão para adotar uma interpretação mais ampla ou «económica» do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001, que vá contra a redação dessa disposição pelo facto de ser necessário proteger o consumidor enquanto interveniente mais fraco.

40.

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 constitui uma derrogação quer à regra geral de competência prevista no artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento, que atribui competência aos tribunais do Estado‑Membro do domicílio do demandado, quer à regra de competência especial em matéria de contratos, prevista no artigo 5.o, n.o 1, deste mesmo regulamento, segundo a qual o tribunal competente é o do lugar em que foi ou devia ser cumprida a obrigação que seja a causa de pedir da ação ( 11 ).

41.

A este respeito, na verdade, embora o artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 44/2001 tenha por objetivo proteger os consumidores, isso não implica que esta proteção seja absoluta ( 12 ). A redação dessa disposição é bastante clara e pondera os interesses quer do consumidor, quer da pessoa que exerce uma atividade comercial ou profissional. Uma vez que constitui uma derrogação à regra geral, essa disposição deve ser objeto de uma interpretação estrita ( 13 ).

42.

O Regulamento n.o 44/2001 tem como principal objetivo garantir a segurança jurídica em matéria de determinação da competência jurisdicional no mercado interno. O considerando 11 do referido regulamento enuncia, por isso, que as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica.

43.

Admitir a competência do foro do domicílio do consumidor numa situação como a vertente iria contra essa certeza jurídica.

44.

Proponho ao Tribunal de Justiça que não sacrifique a redação clara do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001, nem a sua razão de ser na economia do referido regulamento, para adotar uma abordagem «económica» destinada a proteger um consumidor. Cabe ao legislador da União atuar nesse sentido caso constate uma necessidade de ação ( 14 ).

45.

Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que exige a celebração de um contrato entre as partes de um litígio. Quando um consumidor adquire um certificado que representa um título de dívida de uma empresa sob a forma de obrigações ao portador, não junto do emitente desse certificado, mas sim através de um terceiro que o adquiriu, ele próprio, ao emitente, não é celebrado nenhum contrato entre o consumidor e o emitente do certificado.

B — Quanto à segunda questão

46.

Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio coloca, no essencial, as mesmas questões que já foram analisadas mais acima, mas, desta vez, refere‑se à regra do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001, segundo a qual, «[e]m matéria contratual», uma pessoa pode ser demandada perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação.

47.

Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio parece partir do princípio de que a pessoa lesada se sub‑rogou ao subscritor inicial da obrigação no quadro do contrato celebrado com o emitente. Se o órgão jurisdicional de reenvio concluísse que H. Kolassa se sub‑rogou a esse subscritor, na medida em que tinha adquirido todos os direitos e obrigações do direktanlage.at AG, tornando‑se, desta forma, parte contratante no contrato celebrado com o Barclays Bank, então, considero que esta seria uma«matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001. A análise que se segue pressupõe que não é esse o caso, uma vez que o próprio órgão jurisdicional de reenvio constata, nas suas considerações sobre o pedido prejudicial, que não existe nenhuma relação contratual entre H. Kolassa e o Barclays Bank, nos termos das regras gerais do direito civil austríaco.

48.

Tanto o Tribunal de Justiça como a doutrina ( 15 ) interpretam de maneira diferente os conceitos de contrato no âmbito, respetivamente, do artigo 15.o e do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001.

49.

No que se refere ao artigo 5.o, ponto 1, o Tribunal de Justiça interpreta de forma autónoma e ampla o conceito de «matéria contratual» ( 16 ). Em particular, este artigo não exige, no entender do Tribunal de Justiça, a celebração de um contrato ( 17 ). É, contudo, indispensável identificar uma obrigação contratual para aplicar esta disposição, dado que a competência jurisdicional, por força desta disposição, é fixada em função do lugar onde a obrigação contratual que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida.

50.

Com efeito, decorre de jurisprudência constante desde o acórdão Handte ( 18 ) que a expressão «matéria contratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 ( 19 ) não pode ser entendida como abrangendo uma situação em que não existe nenhum compromisso livremente assumido por uma parte relativamente a outra. Nesse processo, estava em causa uma cadeia de contratos internacionais de mercadorias em que as obrigações contratuais das partes variavam de um contrato para o outro, de forma que os direitos contratuais que o subadquirente podia invocar contra o seu vendedor imediato não eram necessariamente os mesmos que o fabricante tinha assumido nas suas relações com o primeiro comprador ( 20 ).

51.

No caso vertente, as transações entre as diferentes partes são mais difíceis de classificar. No entanto, tal como no processo que deu origem ao acórdão Handte (EU:C:1992:268), estamos perante uma cadeia de contratos e não se pode considerar que existe, entre H. Kolassa e o Barclays Bank, um «compromisso livremente assumido por uma parte relativamente a outra».

52.

Decorre da referida jurisprudência que não existe entre H. Kolassa e o Barclays Bank uma relação contratual, na aceção do artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001.

53.

Reitero que, tal como o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou, o Barclays Bank tem certas obrigações para com H. Kolassa, por força do direito nacional aplicável. Essas obrigações não são, contudo, de natureza contratual na aceção da disposição acima citada.

54.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão que o artigo 5.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que exige uma relação contratual na aceção de um compromisso livremente assumido por uma parte relativamente a outra. Essa relação não existe numa situação em que um particular adquire um certificado, que representa um título de dívida de uma empresa sob a forma de obrigações ao portador, não junto do emitente desse certificado, mas sim através de um terceiro que o adquiriu, ele próprio, ao emitente.

C — Quanto à terceira questão

55.

A terceira questão tem por objeto a regra de competência especial enunciada no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma ação baseada na natureza alegadamente incompleta ou pouco clara do prospeto de informação da operação, bem como na presumível ausência de controlo da gestão dos fundos aos quais os certificados estavam indexados, pode ser qualificada de ação em matéria extracontratual, na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento.

56.

Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a razão principal da regra de competência especial enunciada no artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 assenta na existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a esse tribunal por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo ( 21 ). Com efeito, o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente, por razões de proximidade do litígio e de facilidade na recolha das provas ( 22 ).

57.

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, no contexto da emissão de uma obrigação ao portador, os direitos fundamentados na responsabilidade do emitente pelo prospeto e na violação dos deveres de proteção e de informação podem ser considerados como «matéria extracontratual», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001.

58.

A resposta a esta subquestão é claramente afirmativa. Antes de mais, este conceito — autónomo — abrange qualquer pedido que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do demandado e que não esteja relacionado com a matéria contratual, na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 ( 23 ). Ora, o artigo 5.o, ponto 3, do referido regulamento não exclui, por si só, certas matérias. Tal é confirmado pela doutrina, segundo a qual este artigo é, em princípio, aplicável aos prejuízos sofridos pelos investidores ( 24 ) e, em particular, à responsabilidade assumida com o prospeto ( 25 ).

59.

No que se refere à determinação do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o local do facto danoso é o domicílio do lesado, por ser o local onde se situa o centro do seu património, a saber, a Áustria.

60.

Constitui jurisprudência assente que, caso o lugar onde se situa o facto suscetível de implicar uma responsabilidade extracontratual não coincida com o lugar onde esse facto provocou o dano, a expressão «lugar onde ocorreu […] o facto danoso» pode abranger dois locais distintos, nomeadamente o lugar da materialização do dano ( 26 ) e o lugar onde decorreu o evento causal ( 27 ) que está na origem desse dano ( 28 ).

61.

Além disso, no acórdão Kronhofer (EU:C:2004:364), o Tribunal de Justiça decidiu que o artigo 5.o, ponto 3, da Convenção de Bruxelas devia ser interpretado no sentido de que a expressão «lugar onde ocorreu […] o facto danoso» não se refere ao lugar do domicílio do requerente, no qual se localiza «o centro do seu património», pelo simples motivo de aí ter sofrido um prejuízo financeiro resultante da perda de elementos do seu património ocorrida e sofrida noutro Estado contratante ( 29 ). No que se refere a esta competência especial do referido artigo 5.o, ponto 3, o Tribunal de Justiça seguiu as conclusões do advogado‑geral Léger nesse processo, o qual salientou que nada justifica que se confira competência aos tribunais de um Estado contratante diferente daquele em cujo território se localizou tanto o facto gerador como a materialização do dano, ou seja, o conjunto dos elementos constitutivos da responsabilidade ( 30 ). Tal atribuição de competência não corresponderia a qualquer necessidade objetiva do ponto de vista da prova ou da organização do processo ( 31 ).

62.

Assim sendo, importa saber quais são, no caso vertente, os elementos constitutivos de uma eventual responsabilidade.

63.

Embora os factos enunciados da decisão de reenvio não forneçam informações suficientemente concretas para dissipar todas as dúvidas respeitantes à determinação do lugar onde ocorreu o dano, afigura‑se todavia evidente que a matéria de facto do presente processo não é comparável à do processo que deu origem ao acórdão Kronhofer (EU:C:2004:364). Recorde‑se que, neste último, o requerente no processo principal, R. Kronhofer, domiciliado na Áustria, tinha celebrado um contrato relativo a opções de compra de ações, por telefone, com particulares domiciliados na Alemanha e, por esse motivo, transferiu o montante devido para uma conta de investimentos na Alemanha.

64.

Pelo contrário, no caso vertente, o Barclays Bank publicou um prospeto na Áustria. Tal constitui um indicador de que existe um facto danoso suscetível de fundamentar uma competência jurisdicional ao abrigo do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001.

65.

Em meu entender, quando um prospeto é publicado num ou vários Estados‑Membros, pode tratar‑se, em qualquer dos casos, de um facto danoso suscetível de fundamentar uma competência jurisdicional ao abrigo do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001.

66.

Neste contexto, estou inclinado, como sugere a Comissão nas suas observações, a seguir a acórdão Shevill e o. ( 32 ), no qual o Tribunal de Justiça interpretou a expressão «lugar onde ocorreu […] o facto danoso» no sentido de que, em caso de difamação através de um artigo de imprensa divulgado em vários Estados contratantes, a vítima pode intentar uma ação de indemnização contra o editor nos órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante em que a publicação foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação, limitando‑se essa ação apenas dos danos sofridos no Estado do tribunal onde a ação foi proposta. Esta interpretação é confirmada pelo acórdão eDate Advertising e o. ( 33 ).

67.

Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à terceira questão que o artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que abrange qualquer pedido que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do demandado e que não esteja relacionado com a matéria contratual, na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001. Esta primeira disposição engloba a responsabilidade legal assumida com o prospeto. O «lugar onde ocorreu [...] o facto danoso», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que abrange o lugar do domicílio do titular dos certificados, se a publicação do prospeto no Estado‑Membro do domicílio do titular estiver na origem do prejuízo financeiro.

D — Quanto à quarta questão

68.

Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, no âmbito da verificação da competência, deve optar por um processo de produção de prova abrangente ou se deve pressupor que as declarações da parte demandante são exatas.

69.

A título preliminar, importa recordar que a competência jurisdicional é estabelecida com base nas regras autónomas do Regulamento n.o 44/2001, ao passo que o mérito da causa é apreciado à luz do direito nacional aplicável, determinado pelas normas de conflito de leis em matéria de obrigações contratuais ( 34 ) ou extracontratuais ( 35 ).

70.

O órgão jurisdicional de reenvio não explica por que razão faz referência aos artigos 25.° e 26.° do Regulamento n.o 44/2001. Em meu entender, estes artigos não têm qualquer ligação com a questão apresentada. De acordo com a sua redação, o referido artigo 25.o respeita apenas às competências exclusivas do artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001.

71.

A questão do alcance da verificação coloca‑se para todas as regras de competência do Regulamento n.o 44/2001.

72.

Parece‑me que a jurisprudência existente nos fornece, desde já, várias pistas para responder a esta questão, pistas essas que podemos igualmente encontrar na decisão de reenvio.

73.

O Regulamento n.o 44/2001 não especifica o alcance das obrigações de fiscalização que incumbem ao órgão jurisdicional nacional no âmbito da verificação da sua competência. Resulta de jurisprudência assente que a Convenção de Bruxelas tem por objeto não unificar as normas processuais dos Estados contratantes, mas repartir as competências judiciárias para a solução dos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre os Estados contratantes e facilitar a execução das decisões judiciais ( 36 ). Resulta também de uma jurisprudência assente que, tratando‑se das regras processuais, devem ter‑se em conta as normas nacionais aplicáveis pelo tribunal onde foi proposta a ação, na condição de a aplicação dessas regras não afetar o efeito útil da Convenção de Bruxelas ( 37 ).

74.

Foi assim que o Tribunal de Justiça decidiu que um requerente beneficiava do foro do local de execução do contrato previsto no artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, ainda que a celebração do contrato que estava na origem do recurso fosse discutida entre as partes ( 38 ). Especificou igualmente que o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar‑se sobre a sua própria competência com base nas regras da referida Convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito, também obedecia ao espírito de segurança jurídica ( 39 ).

75.

Mais recentemente, o Tribunal de Justiça considerou que, na fase da verificação da competência internacional, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação não aprecia a admissibilidade nem a procedência da ação de declaração negativa segundo as regras do direito nacional, mas identifica unicamente os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência por força do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 ( 40 ). Considerou igualmente que, para efeitos da aplicação do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a decidir pode considerar assentes, meramente para efeitos de verificação da sua competência nos termos desta disposição, as alegações do requerente quanto às condições da responsabilidade extracontratual ( 41 ).

76.

Assim sendo, para fundamentar a sua competência, o tribunal chamado a resolver um litígio não pode, como parece propor o órgão jurisdicional de reenvio, basear‑se exclusivamente nos elementos apresentados pela parte demandante. A fim de garantir o efeito útil do Regulamento n.o 44/2001, deve basear‑se em todos os elementos de que dispõe.

77.

Neste contexto, considero que o artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 ficaria desprovido de valor normativo se a parte demandada não tivesse a possibilidade de apresentar os seus argumentos relativamente à competência do tribunal onde foi intentada a ação. Com efeito, esta disposição prevê expressamente a possibilidade de a parte demandada apresentar a sua argumentação quanto à competência.

78.

Dito isto, o tribunal onde foi intentada a ação não deve atrasar o exame da competência com a produção da prova. Deve antes proceder a uma avaliação prima facie da sua competência.

79.

Parece‑me, portanto, que regras processuais nacionais como as referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que preveem que o tribunal onde foi intentada a ação deve apenas assegurar o mérito aparente das alegações da parte demandante, sem ter em consideração os elementos eventualmente apresentados pela parte demandada, são contrárias ao efeito útil do Regulamento n.o 44/2001.

80.

Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à quarta questão que, a fim de determinar a sua competência ao abrigo das disposições do Regulamento n.o 44/2001, o tribunal chamado a conhecer de um litígio deve, no âmbito de uma fiscalização prima facie, apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, os elementos apresentados pela parte demandada.

V — Conclusão

81.

Face a todas as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais apresentadas pelo Handelsgericht Wien:

1)

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que exige a celebração de um contrato entre as partes de um litígio. Quando um consumidor adquiriu um certificado que representa um título de dívida de uma empresa sob a forma de obrigações ao portador, não junto do emitente desse certificado, mas sim através de um terceiro que o adquiriu, ele próprio, ao emitente, não é celebrado nenhum contrato entre o consumidor e o emitente do certificado.

2)

O artigo 15.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que exige uma relação contratual na aceção de um compromisso livremente assumido por uma parte relativamente a outra. Essa relação não existe numa situação em que um particular adquire um certificado, que representa um título de dívida de uma empresa sob a forma de obrigações ao portador, não junto do emitente desse certificado, mas sim através de um terceiro que o adquiriu, ele próprio, ao emitente.

3)

O artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que abrange qualquer pedido que tenha em vista pôr em causa a responsabilidade do demandado e que não esteja relacionado com a matéria contratual, na aceção do artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001. Esta disposição engloba a responsabilidade legal assumida com o prospeto. O «lugar onde ocorreu […] o facto danoso», na aceção do artigo 5.o, ponto 3, do Regulamento n.o 44/2001, deve ser interpretado no sentido de que abrange o lugar do domicílio do titular dos certificados, se a publicação do prospeto no Estado‑Membro do domicílio do titular estiver na origem do prejuízo financeiro.

4)

A fim de determinar a sua competência ao abrigo das disposições do Regulamento n.o 44/2001, o tribunal chamado a conhecer de um litígio deve, no âmbito de uma fiscalização prima facie, apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, os elementos apresentados pela parte demandada.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2001, L 12, p. 1.

( 3 ) JO 1972, L 299, p. 32; edição em língua portuguesa: JO 1989, L 285, p. 24. Convenção conforme alterada pela Convenção de 9 de outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e — texto alterado — p. 77; edição em língua portuguesa: JO 1989, L 285, p. 41), pela Convenção de 25 de outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; edição em língua portuguesa: JO 1989, L 285, p. 54), pela Convenção de 26 de maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) e pela Convenção de 29 de novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO 1997, C 15, p. 1).

( 4 ) Acórdão TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:243, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

( 5 ) V., designadamente, acórdão Česká spořitelna (C‑419/11, EU:C:2013:165, n.o 32 e jurisprudência aí referida).

( 6 ) V., neste sentido, acórdãos Engler (C 27/02, EU:C:2005:33, n.o 33); Pammer e Hotel Alpenhof (C 585/08 e C 144/09, EU:C:2010:740, n.o 55); Mühlleitner (C 190/11, EU:C:2012:542, n.o 28); e Česká spořitelna (EU:C:2013:165, n.o 25).

( 7 ) Acórdão Ilsinger (C‑180/06, EU:C:2009:303, n.o 53).

( 8 ) O sublinhado é meu.

( 9 ) Acórdão Ilsinger (EU:C:2009:303, n.o 53).

( 10 ) O representante do Barclays Bank afirmou na audiência que o certificado em questão estava abrangido pelo direito civil alemão. Tratava‑se de um título ao portador, sujeito às regras dos artigos 793.° e seguintes do Código Civil alemão. Esse título conferia a H. Kolassa certos direitos, como o direito ao reembolso após o vencimento. Esses direitos eram determinados por lei e não resultavam de uma relação contratual.

( 11 ) Acórdãos Pammer e Hotel Alpenhof (EU:C:2010:740, n.o 53) e Mühlleitner (EU:C:2012:542, n.o 26).

( 12 ) Acórdãos Pammer e Hotel Alpenhof (EU:C:2010:740, n.o 70) e Mühlleitner (EU:C:2012:542, n.o 33).

( 13 ) V. acórdão Mühlleitner (EU:C:2012:542, n.o 27).

( 14 ) Relativamente às tentativas de reforço da proteção do investidor (consumidor), v. von Hein, J., «Verstärkung des Kapitalanlegerschutzes: Das Europäische Zivilprozessrecht auf dem Prüfstand», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht (2011), pp. 369 a 373, e, em especial, p. 372.

( 15 ) V., por exemplo, Kropholler, e J., von Hein, J., Europäisches Zivilprozessrecht, 9.a ed., Verlag Recht und Wirtschaft, Frankfurt am Main 2011, artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001, ponto 6; Geimer, R., Europäisches Zivilverfahrensrecht, 3.a ed., Verlag C. H. Beck, Munique 2010, artigo 5.o EuGVVO, ponto 24, e Bach, I., «Was ist wo Vertrag und was wo nicht?», Internationales Handelsrecht (2010), pp. 17 a 25, e, em especial, p. 23.

( 16 ) Acórdão Engler (EU:C:2005:33, n.os 33 e 48). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça faz referência às conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs, segundo as quais esta abordagem parece refletir a intenção implícita que decorre da redação utilizada nas diversas versões linguísticas da disposição, que é consideravelmente mais ampla do que a do artigo 15.o do Regulamento n.o 44/2001. V. conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão Engler (C‑27/02, EU:C:2004:414, n.o 38).

( 17 ) Acórdãos Tacconi (C‑334/00, EU:C:2002:499, n.o 22) e Česká spořitelna (EU:C:2013:165, n.o 46).

( 18 ) C‑26/91, EU:C:1992:268, n.o 15. V., também, acórdão OTP Bank (C‑519/12, EU:C.2013:674), n.o 23 e jurisprudência aí referida.

( 19 ) Importa esclarecer que, no acórdão Handte (EU:C:1992:268), o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 5.o, ponto 1, da Convenção de Bruxelas.

( 20 ) Acórdão Handte (EU:C:1992:268, n.o 17).

( 21 ) V. acórdão Zuid‑Chemie (C‑189/08, EU:C:2009:475, n.o 24 e jurisprudência aí referida).

( 22 ) Ibidem (n.o 24 e jurisprudência aí referida).

( 23 ) V. acórdãos Kalfelis (189/87, EU:C:1988:459, n.os 17 e 18) e Engler (EU:C:2005:33, n.o 29).

( 24 ) Acórdão Kronhofer (C‑168/02, EU:C:2004:364).

( 25 ) V., designadamente, Bachmann, G., «Die internationale Zuständigkeit für Klagen wegen fehlerhafter Kapitalmarktinformation», Praxis des Internationalen Privat‑ und Verfahrensrechts, vol. 27, 2007, pp. 77 a 86, e, em especial, p. 81; Kropholler, J., e von Hein, J., op. cit., ponto 74.

( 26 ) Denominado «Erfolgsort», segundo a doutrina alemã, e «miejsce wystąpienia szkody», segundo a doutrina polaca.

( 27 ) Denominado «Handlungsort», segundo a doutrina alemã, e «miejsce powstania zdarzenia powodującego szkodę», segundo a doutrina polaca.

( 28 ) V. acórdãos Bier (21/76, EU:C:1976:166, n.o 24); Zuid‑Chemie (EU:C:2009:475, n.o 23); e Kainz (C‑45/13, EU:C:2014:7, n.o 23).

( 29 ) Acórdão Kronhofer (EU:C:2004:364, n.o 21).

( 30 ) V. conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo que deu origem ao acórdão Kronhofer (C‑168/02, EU:C:2004:24, n.o 46).

( 31 ) Acórdão Kronhofer (EU:C:2004:364, n.o 18).

( 32 ) C‑68/93, EU:C:1995:61, n.o 33.

( 33 ) C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.o 52.

( 34 ) Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO L 177, p. 6).

( 35 ) Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO L 199, p. 40).

( 36 ) V., a este respeito, acórdãos Shevill e o. (EU:C:1995:61, n.o 35); Italian Leather (C‑80/00, EU:C:2002:342, n.o 43); e DFDS Torline (C‑18/02, EU:C:2004:74, n.o 23).

( 37 ) Acórdãos Hagen (C‑365/88, EU:C:1990:203, n.os 19 e 20) e Shevill e o. (EU:C:1995:61, n.o 36).

( 38 ) Acórdão Effer (38/81, EU:C:1982:79, n.o 8).

( 39 ) Acórdão Benincasa (C‑269/95, EU:C:1997:337, n.o 27).

( 40 ) Acórdão Folien Fischer e Fofitec (C‑133/11, EU:C:2012:664, n.o 50).

( 41 ) Acórdão Hi Hotel HCF (C‑387/12, EU:C:2014:215, n.o 20).