CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 30 de abril de 2014 ( 1 )

Processo C—113/13

Azienda Sanitaria Locale N. 5 «Spezzino»

Associazione Nazionale Pubblica Assistenza (ANPAS) — Comitato Regionale Liguria

Regione Liguria

contra

San Lorenzo Società Cooperativa Sociale

Croce Verde Cogema Cooperativa Sociale Onlus

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato (Itália)]

«Artigos 49.° e 56.° TFUE — Diretiva 2004/18/CE — Contratos públicos de serviços — Serviços de transporte sanitário — Adjudicação de contratos sem concurso — Associações de voluntariado — Reembolso de despesas»

1. 

As associações de voluntariado (ou de caridade) são universalmente reconhecidas pelos importantes serviços que prestam, nomeadamente, a nível social, sanitário e humanitário em prol da sociedade como um todo e, em especial, em favor dos seus elementos mais frágeis (por exemplo, vítimas de guerras ou catástrofes naturais, doentes, pobres e idosos).

2. 

Estas associações beneficiam, com frequência, de um estatuto jurídico especial que lhes é conferido não só pelo direito nacional, como também pelo direito internacional público ( 2 ). Como é evidente, a União Europeia também não ignora as características específicas das associações de voluntariado e atribui grande importância ao contributo que estas prestam para a construção de uma sociedade justa e equitativa ( 3 ). Foi por isso que, em algumas das suas decisões, nomeadamente nos acórdãos Stauffer ( 4 ) e Sodemare ( 5 ), o Tribunal de Justiça não hesitou em reconhecer as suas características únicas no ordenamento jurídico da União.

3. 

Não obstante, em determinadas circunstâncias, os direitos ou benefícios especiais concedidos a estas associações ao abrigo da legislação nacional podem criar algumas tensões entre esses direitos ou benefícios e a aplicação uniforme das regras da União Europeia. O presente processo constitui precisamente um desses casos. O Consiglio di Stato (Conselho de Estado) pretende saber se uma disposição nacional que obriga as autoridades públicas, sob certas condições, a adjudicar a prestação de serviços de transporte sanitário diretamente a associações de voluntariado é compatível com disposições relativas ao mercado interno da União.

I – Quadro jurídico

A – Direito da UE

4.

Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004 relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços ( 6 ).

«Contratos públicos» são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na aceção da presente diretiva.»

5.

O artigo 1.o, n.o 8, da Diretiva estabelece o seguinte:

«Os termos ‘empreiteiro’, ‘fornecedor’ e ‘prestador de serviços’ designam qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade pública ou agrupamento de tais pessoas e/ou organismos que, respetivamente, realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado.

O termo ‘operador económico’ abrange simultaneamente as noções de empreiteiro, fornecedor e prestador de serviços e é usado unicamente por motivos de simplificação do texto.

[…]»

6.

O artigo 7.o da Diretiva 2004/18 especifica, em função do valor de um contrato público, os limiares a partir dos quais a diretiva é aplicável.

7.

Os artigos 20.° e 21.° da Diretiva 2004/18 estabelecem os regimes de adjudicação, por um lado, para os contratos que tenham por objeto os serviços referidos no anexo II A (adjudicados segundo os artigos 23.° a 55.°), e, por outro lado, para os contratos que tenham por objeto os serviços referidos no anexo II B (estão sujeitos apenas ao artigo 23.o e ao artigo 35.o, n.o 4).

8.

Em especial, o anexo II A inclui na categoria 2, os «serviços de transporte terrestres», e o anexo II B inclui na categoria 25 os «serviços de saúde e caráter social».

B – Direito italiano

9.

O artigo 75.o‑B da Lei Regional n.o 41, de 7 de dezembro de 2006, da Regione Liguria, conforme alterada (a seguir «artigo 75.o‑B RL») estabelece que:

«1.   O transporte sanitário constitui uma atividade de interesse geral que se rege pelos princípios da universalidade, solidariedade, acessibilidade económica e adequação.

2.   O transporte sanitário, conforme referido no n.o 1, é assegurado por serviços de saúde individuais […], com recurso a meios pessoal próprios. Quando tal não for possível, o transporte sanitário é confiado a outras pessoas ou entidades […], com base nos seguintes princípios:

a)

os serviços de transporte sanitário a cargo do Serviço Sanitário Regional são confiados, prioritariamente, a associações de voluntariado, à Cruz Vermelha italiana e a outras instituições ou entidades públicas autorizadas, a fim de garantir que os serviços de interesse geral sejam prestados em condições de equilíbrio económico no que se refere ao orçamento. As relações com a Cruz Vermelha italiana e as associações de voluntariado são reguladas por convenções […];

b)

nos casos em que o transporte sanitário é confiado a outras pessoas ou entidades que não as referidas na alínea a), devem ser respeitadas as normas em vigor em matéria de adjudicação de contratos públicos de serviços e fornecimentos.

3.   As convenções [...] referidas no n.o 2, alínea a), devem prever, no que se refere às associações de voluntariado [e] à Cruz Vermelha italiana [...], exclusivamente o reembolso das despesas efetivamente suportadas, segundo os critérios estabelecidos pelo Conselho Regional com base nos princípios da economia e eficiência e de que não deve existir uma compensação que exceda as despesas suportadas.»

II – Matéria de facto, procedimento e questões prejudiciais

10.

Por Decisão n.o 940, de 22 de dezembro de 2010, e em conformidade com a legislação regional aplicável, a autoridade sanitária local ASL n.o 5 «Spezzino» (a seguir «ASL n.o 5») celebrou com duas associações de voluntariado: a Associazione Nazionale Pubblica Assistenza («ANPAS») e a Croce Rossa Italiana (Cruz Vermelha italiana) convenções para a prestação de serviços de transporte sanitário.

11.

A San Lorenzo Società Cooperativa Sociale e a Croce Verde Cogema Cooperativa Sociale Onlus (a seguir «recorridas no processo principal»), duas cooperativas que prestam serviços de transporte sanitário na região Liguria, interpuseram um recurso no Tribunale Amministrativo Regionale della Liguria (Tribunal Administrativo Regional da Liguria; a seguir «TAR Liguria»), em que contestavam a adjudicação dos contratos pela ASL n.o 5.

12.

O TAR Liguria concluiu que as convenções contestadas pelas recorridas no processo principal constituíam contratos públicos adjudicados em violação dos princípios estabelecidos nos artigos 49.°, 56.° e 105.° TFUE. A ASL n.o 5, a Regione Liguria e a ANPAS interpuseram recurso da sentença do TAR Liguria para o Consiglio di Stato.

13.

O Consiglio di Stato, tendo dúvidas quanto à compatibilidade do artigo 75.o‑B RL com o direito da União, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)

Os artigos 49.°, 56.°, 105.° e 106.° do TFUE opõem‑se a uma norma interna que prevê que o transporte sanitário seja prioritariamente adjudicado às associações de voluntariado, à Cruz Vermelha italiana e a outras instituições ou entidades públicas autorizadas, mesmo que nas convenções que subscreveram só esteja previsto o reembolso das despesas efetivamente suportadas?

2)

O direito da União em matéria de contratos públicos — no caso em apreço, tratando‑se de contratos excluídos, os princípios gerais da livre concorrência, não discriminação, transparência, proporcionalidade — opõem‑se a uma legislação nacional que permite a adjudicação direta do serviço de transporte sanitário, devendo qualificar‑se de oneroso um acordo‑quadro, como o controvertido, que prevê também o reembolso das despesas fixas e duradouras?»

14.

Apresentaram observações escritas no presente processo a ANPAS, a Regione Liguria e a Comissão. A ANPAS, a San Lorenzo Società Cooperativa Sociale, o Governo italiano, e a Comissão apresentaram observações orais na audiência de 26 de fevereiro de 2014.

III – Análise

A – Introdução

15.

Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se uma norma interna relativa à adjudicação direta de serviços de transporte sanitário, como o artigo 75.o‑B RL, é compatível com o direito da União.

16.

Segundo o artigo 75.o‑B RL, os serviços de transporte sanitário devem, em princípio, ser prestados diretamente pelas autoridades sanitárias locais com recurso aos seus próprios meios. Não obstante, quando essas autoridades não tiverem capacidade para prestarem elas próprias os serviços, podem recorrer a fornecedores externos. Nesse caso, devem, em princípio, confiar esses serviços a associações de voluntariado (como a Cruz Vermelha) ou a outras entidades públicas, contra simples reembolso das despesas. Se isso não for possível, as autoridades sanitárias locais podem atribuir a prestação desses serviços a pessoas ou entidades externas, selecionadas em conformidade com as regras aplicáveis aos contratos públicos.

17.

Apesar de nas suas questões o órgão jurisdicional de reenvio fazer referência a diversas disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (como as relativas à liberdade de estabelecimento, à livre circulação de serviços e à livre concorrência), do direito derivado (como as normas relativas aos contratos públicos) e alguns princípios gerais do direito (como os princípios de não discriminação, de transparência e de proporcionalidade), parece‑me evidente que as normas do direito da União relevantes para o presente processo são, por um lado, os artigos 49.° e 56.° TFUE, e, por outro, as disposições da Diretiva 2004/18.

18.

Estas são, de facto, as únicas normas da União às quais o órgão jurisdicional de reenvio faz referência para fundamentar as suas dúvidas. Pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio não explica verdadeiramente o nexo que estabelece entre as outras disposições do direito da União ou os princípios referidos nas suas questões e o litígio no processo principal ( 7 ). Além disso, à luz da jurisprudência assente — que será descrita em detalhe mais abaixo —, os artigos 49.° e 56.° TFUE e a Diretiva 2004/18 são, em meu entender, as disposições do direito da União que podem estar em contradição com uma disposição interna como o artigo 75.o‑B RL e, por conseguinte, de se oporem à aplicação da mesma.

19.

Atendendo ao acima exposto, considero que as duas questões submetidas podem ser analisadas em conjunto, uma vez que se referem basicamente ao mesmo assunto. Nesse sentido, proponho ao Tribunal de Justiça que reformule as questões do seguinte modo: «Os artigos 49.° e 56.° TFUE e a Diretiva 2004/18 opõem‑se a uma norma interna que prevê que, no âmbito da adjudicação de contratos de prestação de serviços de transporte sanitário, seja dada prioridade a associações de voluntariado e que esses contratos lhes sejam adjudicados diretamente, sem concurso, e prevejam unicamente o reembolso das despesas efetivamente suportadas?»

B – Análise das questões prejudiciais submetidas

1. Observações preliminares

20.

Antes de mais, gostaria de abordar duas objeções preliminares suscitadas pela Regione Liguria e pela ANPAS sobre se uma disposição nacional como o artigo 75.o‑B RL se inclui no âmbito de aplicação das normas da União relativas aos contratos públicos.

21.

Em primeiro lugar, a Regione Liguria e a ANPAS sublinham que as associações de voluntariado visadas pelo artigo 75.o‑B RL são apenas as constituídas como entidades sem fins lucrativos ao abrigo da legislação italiana aplicável ( 8 ) e, como tal, não podem exercer nenhuma atividade económica. Em segundo lugar, salientam que o artigo 75.o‑B RL não prevê qualquer tipo de remuneração, mas apenas o reembolso das despesas efetivamente suportadas.

22.

No essencial, a Regione Liguria e a ANPAS contestam, por um lado, o argumento de que as associações de voluntariado podem ser consideradas «empresas» ao abrigo do direito da União e, em especial, «operadores económicos» na aceção do artigo 1.o, n.o 8, da Diretiva 2004/18, e, por outro, que essas associações prestam os seus serviços «a título oneroso» na aceção do artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18.

23.

Não posso subscrever tais argumentos.

24.

Quanto ao primeiro argumento, gostaria de recordar que, segundo jurisprudência assente, o facto de uma determinada entidade não prosseguir fins lucrativos ( 9 ) e de os seus serviços serem prestados por colaboradores voluntários não remunerados ( 10 ) é irrelevante nos termos das normas da União em matéria de contratos públicos. O conceito de «operador económico» é muito amplo e deve ser entendido no sentido de que abrange qualquer entidade que forneça produtos ou preste serviços no mercado ( 11 ). Assim, a qualidade de «operador económico» de uma determinada entidade não depende do que essa entidade é (por exemplo, a sua composição, estrutura ou funcionamento interno), mas do que a entidade faz (isto é, o tipo de atividade que exerce). A este respeito, o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que a prestação de serviços de transporte de urgência e de doentes constitui uma atividade económica na aceção do direito da União ( 12 ).

25.

Tal também é confirmado pela jurisprudência do Consiglio di Stato segundo a qual as associações de voluntariado constituídas em conformidade com a Lei‑quadro italiana relativa às associações de voluntariado estão autorizadas, sob determinadas condições, a oferecer serviços no mercado. Nessa base, o Consiglio di Stato entendeu que essas associações podem, em certas condições, participar em concursos públicos em concorrência com outros operadores económicos (públicos e privados) ( 13 ).

26.

Quanto ao segundo argumento relativo ao conceito de «título oneroso», basta referir que, no acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., o Tribunal de Justiça deixou claro que um contrato não pode escapar ao conceito de contrato público na aceção da Diretiva 2004/18, pelo mero facto de a sua remuneração ficar limitada ao reembolso dos custos suportados para fornecer o serviço acordado ( 14 ). Assim, uma remuneração que cobre apenas as despesas cumpre o critério de «título oneroso» para efeitos desse instrumento legal.

27.

Neste contexto, é irrelevante que as despesas a reembolsar pelas autoridades públicas cubram apenas o que as partes qualificam de «custos diretos» (e que eu interpreto como sendo custos marginais) ou abrangem também os «custos indiretos» (ou seja, uma parte dos custos fixos, calculados em função da proporção que os serviços de transporte sanitário atribuídos representam na atividade global da associação). Com efeito, mesmo que uma norma nacional previsse apenas o reembolso dos custos diretos, isso não seria suficiente para excluir os contratos celebrados ao abrigo dessa norma do âmbito de aplicação das normas da União relativas aos contratos públicos.

28.

Atendendo ao acima exposto, nem o carácter não lucrativo das associações de voluntariado referidas no artigo 75.o‑B RL, nem o facto de prestarem os seus serviços contra o reembolso das despesas, permitem excluir a aplicação das normas da União relativas aos contratos públicos.

2. Quanto à Diretiva 2004/18

29.

Nos termos do seu artigo 7.o, a Diretiva 2004/18 aplica‑se apenas aos contratos públicos cujo valor estimado seja igual ou superior aos limiares estabelecidos na diretiva. Para o tipo de contratos de prestação de serviços referidos no artigo 75.o‑B RL, o artigo 7.o, alínea b) da diretiva, na versão aplicável à data dos factos, estabelecia um limiar de 193000 euros.

30.

O Tribunal de Justiça já declarou que os serviços de transporte sanitário são serviços de natureza mista, uma vez que têm, simultaneamente, uma componente de serviço de saúde e uma componente de transporte. Assim sendo, enquadram‑se simultaneamente no anexo II A e no anexo II B da Diretiva 2004/18 ( 15 ). Isso significa que, quando o valor da componente de transporte é superior ao valor afetado aos serviços de saúde (como no caso do transporte regular de longa distância de doentes), aplicam‑se todas as disposições da diretiva. Se, pelo contrário, prevalecer a componente de saúde (como no caso dos serviços de transporte de urgência em ambulância), nos termos do artigo 21.o da diretiva só se aplicam algumas disposições da referida diretiva ( 16 ).

31.

Esta avaliação deve ser realizada caso a caso pela administração nacional que decide submeter a prestação dos serviços em questão a um concurso público, sujeito a fiscalização pelos tribunais nacionais competentes, em caso de contestação judicial.

32.

Em qualquer caso, deixando de lado a questão da aplicabilidade total ou parcial das disposições da Diretiva 2004/18 a determinadas adjudicações, o que importa realçar aqui é que o Tribunal de Justiça já declarou que os serviços de transporte sanitário não se encontram, enquanto tal, excluídos do âmbito de aplicação deste instrumento legal.

33.

É certo que, como observam pela Regione Liguria e pela ANPAS, nos termos do artigo 168.o, n.o 7, TFUE, conforme precisado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 17 ), o direito da União não afeta a competência dos Estados‑Membros para regularem os seus sistemas de segurança social e para adotarem, em particular, disposições destinadas a organizar e fornecer serviços de saúde e cuidados médicos.

34.

Com efeito, existem limites claros à ação da União neste domínio. Em primeiro lugar, os Tratados proíbem a harmonização das disposições legislativas e regulamentares neste domínio. ( 18 ) Além disso, o Tribunal de Justiça reconheceu aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação para introduzirem e manterem medidas nacionais que, não obstante poderem criar obstáculos à liberdade de circulação no mercado interno, destinam‑se a assegurar a proteção da saúde pública. ( 19 )

35.

Posto isto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça também esclarece que, no exercício das suas competências no domínio da saúde e dos cuidados médicos, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União e em especial as disposições relativas ao mercado interno. As referidas disposições, entre outras coisas, proíbem os Estados‑Membros de introduzirem ou de manterem restrições injustificadas ao exercício dessas liberdades no domínio da saúde e dos cuidados médicos ( 20 ).

36.

Por conseguinte, o domínio da saúde e dos cuidados médicos não pode ser considerado um refúgio contra a aplicação das normas da União. A fortiori, isso é verdade para um conjunto de disposições que, à semelhança da Diretiva 2004/18, por opção clara do legislador da União se destinam a ser aplicadas a esses setores. Com efeito, o anexo II B da Diretiva inclui expressamente (na categoria 25) os «serviços de saúde e de caráter social» entre os abrangidos pelo seu âmbito de aplicação.

37.

Por outro lado, os setores económicos ou os tipos de contratos excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18 ( 21 ) e os tipos específicos de entidades sujeitas a regimes especiais ( 22 ) são expressamente referidos nas disposições derrogatórias da própria diretiva.

38.

Com base nos documentos submetidos ao Tribunal de Justiça, também não se pode concluir que, no caso vertente, sejam aplicáveis as exceções dos «procedimentos internos» ou das «parcerias público‑privadas»: ( 23 ) as autoridades locais em causa não exercem necessariamente um controlo sobre as associações de voluntariado referidas no artigo 75.o‑B RL que, em princípio, continuam a ser entidades privadas.

39.

Isso não significa, porém, que o legislador da União não tenha tido em consideração as características específicas do setor da saúde e dos cuidados médicos. Aliás, como já foi referido, a inclusão desse setor no anexo II B da Diretiva 2004/18 significa que só um número limitado de disposições da diretiva é aplicável ( 24 ), conferindo aos Estados‑Membros uma maior margem de apreciação, nomeadamente, no processo de seleção de entidades terceiras para a prestação de serviços.

40.

Observo, no entanto, que a nova Diretiva 201/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho recentemente adotada ( 25 ), não só confere aos Estados‑Membros um poder de apreciação ainda mais amplo nesse domínio (aumentando, por exemplo, para 750000 euros o limiar para os serviços de saúde) ( 26 ), como também inclui algumas regras específicas para os serviços prestados por organizações ou associações sem fins lucrativos ( 27 ). Isso confirma ainda que, no atual estado do direito, os contratos de serviços previstos no artigo 75.o‑B RL se inserem no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18.

41.

Por último, escusado será dizer que, tendo em conta o valor dos serviços adjudicados com base no artigo 75.o‑B RL, o alcance e a duração dos contratos celebrados com a administração pública neste contexto ( 28 ), podemos facilmente presumir que o limiar atual pode ser atingido em muitos casos.

42.

Assim, considero que a Diretiva 2004/18 se opõe a uma norma nacional como o artigo 75.o‑B RL que, em determinadas circunstâncias, exclui de qualquer concurso público ou convite à apresentação de propostas a adjudicação dos serviços de transporte sanitário, independentemente do valor desses serviços.

3. Quanto aos artigos 49.° e 56.° TFUE

43.

A adjudicação de um contrato público para a prestação de serviços de transporte sanitário cujo valor seja inferior ao limiar indicado no artigo 7.o, alínea b), da Diretiva 2004/18, não fica sujeita às disposições dessa diretiva ( 29 ).

44.

Isso não significa, porém, que qualquer contrato desse tipo esteja necessariamente excluído do âmbito de aplicação do direito da União. Com efeito, quando o contrato em questão tiver algum interesse transfronteiriço, continua aplicar‑se o direito primário da União. Em especial, as entidades adjudicantes estão obrigadas a respeitar as liberdades fundamentais previstas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (designadamente, os artigos 49.° e 56.° TFUE) ( 30 ), e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade ( 31 ).

45.

Compete, em princípio, à entidade adjudicante em causa ( 32 ) a apreciação do eventual interesse transfronteiriço de um contrato cujo valor estimado seja inferior ao limiar aplicável, tendo em conta, nomeadamente, o valor do contrato e o local de prestação dos serviços ( 33 ), desde que essa apreciação possa ser sujeita a fiscalização judicial ( 34 ).

46.

No caso em apreço, parece‑me evidente que, pelo menos num certo número de casos não negligenciável, alguns contratos adjudicados com base no artigo 75.o‑B RL podem, de facto, apresentar um interesse transfronteiriço, devido, nomeadamente, ao valor objetivo dos serviços a prestar ( 35 ) e porque a Regione Liguria faz fronteira com a França ( 36 ).

47.

O Tribunal de Justiça já considerou que, na medida em que um contrato público apresente um interesse transfronteiriço, a sua adjudicação, sem transparência alguma, a uma empresa estabelecida no Estado‑Membro da entidade adjudicante constitui uma diferença de tratamento em detrimento das empresas que possam ter interesse nesse contrato, estabelecidas noutro Estado‑Membro. Ora, a menos que se justifique por circunstâncias objetivas, essa diferença de tratamento, ao excluir todas as empresas estabelecidas noutro Estado‑Membro, constitui uma discriminação indireta em função da nacionalidade, proibida nos termos dos artigos 49.° e 56.° TFUE ( 37 ).

48.

Na audiência, a ANPAS e o Governo italiano salientaram que, na medida em que os contratos de prestação dos serviços em causa são adjudicados com base em decisões das autoridades públicas (por exemplo, do Governo Regional), existe uma certa publicidade, uma vez que essas decisões costumam ser publicadas pelas vias oficiais (incluindo sítios Internet).

49.

No entanto, considero que esse tipo de publicidade não é suficiente para cumprir os requisitos do direito da União. Neste contexto, a transparência não constitui um fim em si ( 38 ), mas como Tribunal de Justiça precisou, visa antes assegurar, que os operadores económicos estabelecidos no território de um Estado‑Membro diferente do da entidade adjudicante tenham acesso às informações adequadas relativas ao referido contrato antes de este ser adjudicado de forma a que, se algum operador o desejar, possa manifestar o seu interesse na obtenção desse contrato ( 39 ). Por outras palavras, o grau de publicidade tem de ser adequado para garantir a abertura à concorrência do contrato público, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação ( 40 ). mesmo não sendo eventualmente necessário lançar um concurso, a entidade adjudicante deve, ainda assim, assegurar algum tipo de concorrência adequado às circunstâncias ( 41 ).

50.

Todavia, o artigo 75.o‑B RL não deixa às entidades adjudicantes qualquer margem de manobra para determinar se, à luz das circunstâncias específicas de cada caso, o contrato a adjudicar se insere no âmbito de aplicação do direito da União e, se assim for, para proceder à respetiva adjudicação em conformidade com os princípios aplicáveis do direito da União. Com efeito, o artigo 75.o‑B RL estabelece que as entidades adjudicantes devem dar sempre prioridade às associações de voluntariado, desde que existam, independentemente de o contrato poder apresentar algum interesse transfronteiriço. Assim sendo, não haverá, inevitavelmente, qualquer abertura à concorrência, em detrimento das entidades estabelecidas fora de Itália que possam estar interessadas nesses contratos. Isso implica uma eventual discriminação proibida pelos artigos 49.° e 56.° TFUE.

51.

A redação do artigo 75.o‑B RL não limita expressamente essa regra de prioridade às associações de voluntariado constituídas ao abrigo do direito italiano. No entanto, essa disposição pode, no mínimo, excluir do processo de concurso entidades com sede noutros Estados‑Membros que não tenham sido constituídas como entidades sem fins lucrativos.

52.

Assim, uma norma como o artigo 75.o‑B RL é suscetível de criar em muitos casos um obstáculo à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços, nos termos dos artigos 49.° e 56.° TFUE.

53.

No entanto, é jurisprudência assente que a legislação nacional que limita as liberdades fundamentais consagradas no Tratado pode eventualmente justificar‑se desde que seja adequada para garantir a realização de um objetivo legítimo e não exceda o necessário para atingir esse objetivo ( 42 ).

54.

Na minha opinião, é óbvio que as medidas efetivamente concebidas para garantir a fiabilidade e boa qualidade dos serviços médicos (como, por exemplo, serviços de transporte sanitário) prestados a todos os cidadãos por conta das autoridades públicas, reduzindo simultaneamente os custos para o erário público, são, em princípio, suscetíveis de justificar uma restrição às referidas liberdades fundamentais ( 43 ).

55.

No caso em apreço, porém, não vejo de que forma uma disposição nacional como o artigo 75.o‑B RL pode contribuir significativamente para a realização desses objetivos.

56.

Em primeiro lugar, não se discute que empresas estabelecidas noutros Estados‑Membros não tenham capacidade para assegurar de forma adequada os serviços de transporte sanitário. Em segundo lugar, contrariamente ao que afirmam a Regione Liguria e a ANPAS, a ausência de qualquer forma de concurso público ou de publicidade prévia costuma revelar‑se prejudicial às finanças públicas.

57.

A abertura dos processos de adjudicação a outros potenciais proponentes pode proporcionar às entidades adjudicantes um maior número de propostas (e, por conseguinte, uma maior escolha tanto em termos de qualidade como de preço) e deve incentivar os operadores interessados na adjudicação a apresentar propostas mais económicas e eficientes.

58.

Na eventualidade de ter de concorrer com outras entidades para obter a adjudicação de um contrato, uma entidade sem fins lucrativos não apresentaria, presumivelmente, uma proposta superior àquela que submeteria caso a adjudicação lhe fosse reservada por lei. Quando muito, a existência de concorrentes normalmente incentivaria essa entidade a estar ainda mais atenta aos custos, utilizando os seus recursos de forma mais eficaz.

59.

O facto de as recorridas no processo principal serem associações sem fins lucrativos que teriam interesse em prestar os serviços em causa demonstra claramente que existe margem para abrir a adjudicação desses serviços a um maior grau de concorrência, até mesmo entre entidades sem fins lucrativos ( 44 ).

60.

De qualquer forma, a questão de saber se, num caso específico, uma restrição ao abrigo dos artigos 49.° e 56.° TFUE pode ser justificada e, além disso, proporcionada, deve, em princípio, ser respondida pelos tribunais nacionais competentes. Em caso de dúvida, esses tribunais podem submeter questões a título prejudicial ao Tribunal de Justiça.

61.

Todavia, pelas razões expostas nos números anteriores, considero inconcebível que uma tal restrição possa ser considerada justificada e proporcionada quando se baseia numa derrogação prévia e geral aos artigos 49.° e 56.° TFUE, como é o caso do procedimento introduzido pelo artigo 75.o‑B RL.

C – Observações finais

62.

Para concluir, merece ainda uma breve análise um último ponto suscitado pela Regione Liguria e pela ANPAS. Segundo as referidas partes, o artigo 75.o‑B RL é uma expressão do princípio da solidariedade, valor fundamental consagrado nos artigos 2.° e 18.° da Constituição italiana. Consideram que uma disposição como o artigo 75.o‑B RL visa não só limitar a despesa pública com os serviços sanitários em causa, como também encorajar os cidadãos a participarem em atividades caritativas e a prestarem trabalho voluntário em benefício de toda a sociedade. Argumentam que foi, de facto, em aplicação do princípio da solidariedade que o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Sodemare, que o direito da União não se opõe a que um Estado‑Membro permita apenas aos operadores privados sem fins lucrativos participarem na realização do seu sistema de assistência social, através da celebração de convenções que conferem direito ao reembolso pelas autoridades públicas dos custos de serviços de assistência social de carácter sanitário.

63.

Estou consciente de que a busca da eficiência económica num mercado à escala europeia baseado na livre concorrência não constitui um fim em si, mas antes um instrumento para alcançar os objetivos que estiveram na origem da criação da União Europeia ( 45 ). Consequentemente, estou disposto a aceitar que a necessidade de promover e proteger um dos valores fundamentais em que se baseia a União Europeia possa, por vezes, prevalecer sobre os imperativos do mercado interno.

64.

Como salientou o advogado‑geral Paolo Mengozzi nas suas recentes conclusões ( 46 ), a solidariedade é expressamente reconhecida no artigo 2.o TUE como um dos valores que caracterizam o modelo de sociedade europeu conforme com o espírito dos Tratados da UE. Por conseguinte, o facto de o legislador nacional ter confiado a entidades como as associações de voluntariado visadas pelo artigo 75.o‑B RL a função importante de promover, na sua esfera de atividade, o valor da solidariedade na sociedade italiana, não é — nem pode deixar de ser — um elemento irrelevante à luz do direito da União.

65.

Contudo, eu diria que a função importante atribuída a essas associações não pode ser levada a cabo agindo fora do âmbito de aplicação das regras comuns, mas operando dentro dos limites dessas regras, aproveitando as regras específicas adotadas pelo legislador com o intuito de apoiar as suas atividades.

66.

O artigo 26.o da Diretiva 2004/18, prevê, por exemplo, que as entidades adjudicantes «podem fixar condições especiais de execução do contrato desde que as mesmas sejam compatíveis com o direito [da União] e sejam indicadas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos. As condições de execução de um contrato podem, designadamente, visar considerações de índole social e ambiental» ( 47 ).

67.

Com efeito, o Tribunal de Justiça aceitou que considerações de índole social podem ser tidas em conta pelas entidades adjudicantes quando não implicarem uma discriminação direta ou indireta dos proponentes de outros Estados‑Membros e desde que sejam expressamente mencionadas no anúncio de concurso, por forma a que os operadores estejam em condições de ter conhecimento da existência de tais condições ( 48 ).

68.

Geralmente, também a doutrina considera que as entidades adjudicantes não podem ser impedidas de recorrer aos instrumentos de contratação pública para alcançar objetivos públicos (por exemplo, no domínio social), desde que tais objetivos acresçam aos objetivos económicos (tradicionais), que sejam cumpridos os requisitos processuais previstos nas diretivas da União e que o resultado seja compatível com os objetivos dessas diretivas ( 49 ).

69.

Em meu entender, as disposições da Diretiva 2004/18 respeitantes, nomeadamente, às especificações técnicas (artigo 23.o), às condições de execução do contrato (artigo 26.o), aos critérios de seleção qualitativa (artigos 45.° a 52.°) e aos critérios de adjudicação do contrato (artigos 53.° a 55.°) oferecem às entidades adjudicantes uma margem suficiente para prosseguirem objetivos sociais em paralelo com objetivos económicos, respeitando ao mesmo tempo a letra e o espírito da Diretiva 2004/18. Neste contexto, desde que tais normas não sejam desprovidas de eficácia, o legislador nacional pode ter alguma margem para ter em consideração e, se for caso disso, dar preferência a prestadores de serviços constituídos como associações de voluntariado ou, de um modo geral, como entidades sem fins lucrativos. A fortiori, será esse o caso quando as entidades adjudicantes estão unicamente vinculadas pelas disposições da Diretiva 2004/18 aplicáveis aos contratos públicos que têm por objeto os serviços enumerados no anexo II B, ou pelos princípios gerais derivados do direito primário da União e, em particular, dos artigos 49.° e 56.° TFUE.

70.

O mesmo vale não obstante o facto de que, muito provavelmente, as associações de voluntariado que apenas solicitam o reembolso das despesas suportadas e que são geridas de uma forma razoavelmente eficaz devem, em princípio, conseguir prevalecer nos processos de adjudicação de contratos públicos simplesmente devido ao seu rácio custo‑eficácia.

71.

Por último, no que se refere ao acórdão Sodemare, invocado pela Regione Liguria e pela ANPAS, gostaria de salientar que esse acórdão não tinha por objeto a aplicação de regras em matéria de contratos públicos. O processo dizia respeito ao sistema de assistência social instituído pela Regione Lombardia, que apenas autorizava as entidades sem fins lucrativos a prestar determinados serviços ao público quando o custo de tais serviços era total ou parcialmente suportado pelos doentes ou pela região.

72.

Pelo que me foi dado perceber, não se tratou de nenhuma adjudicação de um contrato de prestação de serviços por parte da Regione Lombardia a uma ou várias entidades específicas de entre as potencialmente interessadas. Pelo contrário, o sistema era aberto e não discriminatório na medida em que todas as entidades que cumpriam determinados requisitos objetivos estabelecidos na legislação aplicável podiam ser admitidas no sistema de assistência social como prestadores de serviços de assistência social. Foi neste contexto que o Tribunal de Justiça, tendo também em conta os princípios sociais e de solidariedade em que o sistema legal de assistência se baseava, declarou que esse sistema não distorcia a concorrência entre empresas estabelecidas em diferentes Estados‑Membros e não criava nenhum obstáculo à liberdade de estabelecimento proibido nos termos do atual artigo 49.o TFUE.

73.

Concluindo, considero que um Estado‑Membro só pode adjudicar serviços de transporte sanitário prioritariamente a associações de voluntariado, sem respeitar as normas da União em matéria de contratos públicos, se o valor desses serviços for inferior ao limiar estabelecido na Diretiva 2004/18 e se a adjudicação não apresentar nenhum interesse transfronteiriço.

74.

Em determinadas circunstâncias, é possível que um Estado‑Membro também possa demonstrar que, não obstante o eventual interesse transfronteiriço de um contrato (de valor inferior ao limiar), existem razões de interesse geral que possam justificar uma derrogação aos requisitos de transparência impostos pelos artigos 49.° e 56.° TFUE.

75.

Contudo, os artigos 49.° e 56.° TFUE e a Diretiva 2004/18 opõem‑se a uma disposição nacional como o artigo 75.o‑B RL, cujo efeito é que a prestação de serviços de transporte sanitário seja confiada a essas associações de voluntariado, sem qualquer tipo de concurso, independentemente do valor dos contratos adjudicados e do seu eventual impacto transfronteiriço.

IV – Conclusão

76.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Consiglio di Stato (Itália):

«Os artigos 49.° e 56.° TFUE e a Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços opõem‑se a uma norma interna que prevê que, no âmbito da adjudicação de contratos de prestação de serviços de transporte sanitário, seja dada prioridade a associações de voluntariado e que esses contratos lhes sejam adjudicados diretamente, sem concurso, e prevejam unicamente o reembolso das despesas efetivamente suportadas.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) As associações de caridade, por exemplo, beneficiaram de um estatuto jurídico específico em tempos de guerra, desde que a Primeira Convenção de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos e Doentes das Forças Armadas em Campanha assinada em Genebra, em 22 de agosto de 1864. Além disso, a Resolução 45/6, de 16 de outubro de 1990, da Assembleia Geral das Nações, conferiu ao Comité Internacional da Cruz Vermelha o estatuto de observador, em reconhecimento do papel e mandatos especiais que as Convenções de Genebra lhe atribuem.

( 3 ) V., por exemplo, o diálogo entre as instituições da União e a sociedade civil previsto no artigo 11.o do TUE e no artigo 15.o do TFUE. Além disso, nos termos do artigo 300.o, n.o 2, TFUE, o Comité Económico e Social é composto, entre outros, por representantes da sociedade civil. O contributo importante que as associações de voluntariado prestam para o desenvolvimento da solidariedade social na União Europeia é ainda reconhecido numa série de declarações anexas aos Tratados, nomeadamente na Declaração n.o 23 anexo ao Tratado sobre a União Europeia, de 1992, e na Declaração n.o 38 anexa ao Tratado de Amesterdão.

( 4 ) Acórdão de 14 de setembro de 2006, Centro di Musicologia Walter Stauffer (C-386/04, Colet., p. I-8203). Relativamente às implicações deste acórdão para as associações de voluntariado no contexto do ordenamento jurídico da UE, v. a análise mais aprofundada em Breen, O. B., «EU Regulation of Charitable Organisations: The Politics of Legally Enabling Civil Society», The International Journal of Not‑for‑Profit Law, 3, 2008, pp. 50 a 78.

( 5 ) Acórdão de 17 de junho de 1997, Sodemare e o. (C-70/95, Colet., p. I-3395). Este acórdão será examinado em pormenor nos n.os 62, 71 e 72, infra.

( 6 ) JO L 134, p. 114.

( 7 ) Assim, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio não fornece ao Tribunal de Justiça os elementos de facto e de direito que lhe permitam determinar as condições em que a norma interna em causa no processo principal pode violar as outras normas da União citadas no n.o 17, as questões submetidas podem ser consideradas parcialmente inadmissíveis. V. neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Crono Service e o. (C‑419/12 e C‑420/12, n.os 31 a 33).

( 8 ) Referem‑se, em especial, à Lei n.o 266, Lei‑quadro relativa às associações de voluntariado (Legge quadro sul volontariato), de 11 de agosto de 1991 (GURI n.o 196, de 22 de agosto de 1991).

( 9 ) V. acórdãos de 29 de novembro de 2007, Comissão/Itália (C-119/06, Colet., I-00168, n.os 37 a 41), de 23 de dezembro de 2009, CoNISMa (C-305/08, Colet., p. I-12129, n.os 30 e 45), e de 19 de dezembro de 2012, Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o. (C‑159/11, n.o 26).

( 10 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/Itália, já referido (n.o 40 e jurisprudência aí referida).

( 11 ) V., entre outros, acórdão de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser (C-41/90, Colet., p. I-1979, n.os 21 a 23), e conclusões do advogado‑geral J. Mazák apresentadas no processo que deu origem ao acórdão CoNISMa, já referido (n.os 22 e 23).

( 12 ) V. acórdãos de 25 de outubro de 2001, Ambulanz Glöckner (C-475/99, Colet., p. I-8089, n.os 21 e 22), e Comissão/Itália, já referido (n.o 38).

( 13 ) V., nomeadamente, sentenças do Consiglio di Stato de 23 de janeiro de 2013, n.o 387, e de 15 de abril de 2013, n.o 2056.

( 14 ) Acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido (n.o 29). V. também conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak apresentadas no mesmo processo (n.os 31 a 34).

( 15 ) V. artigo 22.o da Diretiva 2004/18. V. também acórdãos de 24 de setembro de 1998, Tögel (C-76/97, Colet., p. I-5357, n.o 40), e de 29 de abril de 2010, Comissão/Alemanha (C-160/08, Colet., p. I-3713, n.o 92).

( 16 ) Nomeadamente, artigos 23.° e 35.°, n.o 4, da Diretiva 2004/18.

( 17 ) V., entre outros, acórdão de 21 de junho de 2012, Susisalo e o. (C‑84/11, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

( 18 ) V., em especial, artigo 2.o, n.o 5, TFUE.

( 19 ) V., entre outros, acórdãos de 11 de setembro de 2008, Comissão/Alemanha (C-141/07, Colet., p. I-6935, n.o 51), de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C-171/07 e C-172/07, Colet., p. I-4171, n.o 19), e de 5 de dezembro de 2013, Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, n.o 41).

( 20 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/Alemanha já referido (n.os 22 e 23), e acórdão de 10 de março de 2009, Hartlauer (C-169/07, Colet., p. I-1721, n.o 29).

( 21 ) V., em particular, artigos 12.° a 18.° da Diretiva 2004/18.

( 22 ) V. artigo 19.o da Diretiva 2004/18.

( 23 ) V. acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido (n.os 31 a 35).

( 24 ) Para além das normas e dos princípios do direito primário da União que serão analisados na próxima parte das presentes conclusões. V., neste sentido, acórdão de 13 de novembro de 2007, Comissão/Irlanda (C-507/03, Colet., p. I-9777, n.os 26 a 29).

( 25 ) Diretiva de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO L 94, p. 65).

( 26 ) Artigos 4.°, alínea d), e 74.° a 77.° da Diretiva 2014/24, bem como os considerandos 114, 118, do seu preâmbulo, e o seu anexo XIV.

( 27 ) V. artigo 10.o, alínea h), da Diretiva 2014/24 e considerando 28 do seu preâmbulo.

( 28 ) Como decorre dos documentos dos autos. V., em particular, os montantes das despesas (previstas e efetivamente suportadas) dos serviços de transporte sanitário adjudicados, conforme discriminados na Decisão n.o 441 do Governo da Regione Liguria (Deliberazione della Giunta Regionale), de 26 de abril de 2007, bem como na Decisão n.o 94 da ASL n.o 5 (Deliberazione del Direttore Generale), de 22 de dezembro de 2010.

( 29 ) V. neste sentido, acórdão Comissão/Itália, já referido (n.os 59 e 60).

( 30 ) Acórdão de 21 de julho de 2005, Coname (C-231/03, Colet., p. I-7287, n.o 16).

( 31 ) Acórdão de 26 de setembro de 2000, Comissão/França (C-225/98, Colet., p. I-7445, n.o 50).

( 32 ) Como, por exemplo, as autoridades sanitárias locais que decidem subcontratar a prestação de serviços de transporte sanitário ao abrigo do artigo 75.ob LR.

( 33 ) Acórdãos de 15 de maio de 2008, SECAP e Santorso (C-147/06 e C-148/06, Colet., p. I-3565, n.o 31), e Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido (n.o 23).

( 34 ) Acórdão SECAP e Santorso, já referido (n.o 30).

( 35 ) V. n.o 41, supra.

( 36 ) Como a ANPAS referiu durante a audiência, por exemplo, algumas entidades que prestam serviços de transporte sanitário na Liguria celebraram convenções com outras entidades que prestam o mesmo tipo de serviços nas regiões vizinhas de França a fim de regular as relações entre as mesmas.

( 37 ) V., neste sentido, acórdão Comissão/Irlanda, já referido (n.os 30 e 31), e acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia (C-347/06, Colet., p. I-5641, n.os 59 e 60).

( 38 ) V., mutatis mutandis, acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova (C‑336/12, n.os 28 e 29).

( 39 ) V., neste sentido, acórdão Coname, já referido (n.o 21).

( 40 ) Acórdão de 13 de outubro de 2005, Parking Brixen (C-458/03, Colet., p. I-8585, n.o 49). V. também acórdão de 20 de maio de 2010, Alemanha/Comissão (T-258/06, Colet., p. II-2027, n.os 76 a 80).

( 41 ) Acórdão Parking Brixen, já referido (n.o 50).

( 42 ) V., entre outros, acórdão de 23 de dezembro de 2009, Serrantoni e Consorzio stabile edili (C-376/08, Colet., p. I-12169, n.o 44).

( 43 ) V., por analogia, acórdãos de 28 de abril de 1998, Kohll (C-158/96, Colet., p. I-1931, n.o 41), e Venturini e o., já referido, n.os 41 a 42.

( 44 ) Como o Tribunal de Justiça já referiu, a circunstância de a adjudicação de um contrato não ser suscetível de gerar entradas líquidas significativas não significa que esse contrato não reveste um interesse económico para empresas estabelecidas em Estados‑Membros diferentes do da entidade adjudicante. Com efeito, no âmbito de uma estratégia económica que se destina a estender uma parte das suas atividades a outro Estado‑Membro, uma empresa pode decidir obter a adjudicação de um contrato nesse Estado apesar do facto de este não poder, enquanto tal, gerar lucros adequados. V. acórdão de 14 de novembro de 2013, Comune di Ancona (C‑388/12, n.o 51).

( 45 ) V., em particular, artigo 3.o, n.os 1 a 3, TUE.

( 46 ) Conclusões apresentadas no processo pendente Centro Hospitalar de Setúbal e SUCH (C‑574/12, n.o 40).

( 47 ) Sublinhado nosso. V. também considerando 46 no preâmbulo da Diretiva 2004/18.

( 48 ) V. acórdãos de 20 de setembro de 1988, Beentjes (31/87, Colet., p. 4635, n.os 14 a 37), e de 26 de setembro de 2000, Comissão/França (C-225/98, Colet., p. I-07445, n.os 46 a 54). V., também, acórdão de 15 de julho de 2010, Comissão/Alemanha (C-271/08, Colet., p. I-7091, n.o 58).

( 49 ) V., entre outros, Trepte, P., Public procurement in the EU. A Practitioner’s Guide, Oxford: 2007 (2.a ed.), pp. 63 e seg., e Arrowsmith, S., «Application of the EC Treaty and directives to horizontal policies: a critical review», in Arrowsmith, S., e Kunzlik, P. (eds.), Social and Environmental Policies in EC Public Procurement Law, Cambridge: 2009, pp. 162 e seg.