ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

3 de dezembro de 2015

Eva Cuallado Martorell

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Funcionários — Recrutamento — Concurso geral para a constituição de uma lista de reserva de juristas linguistas de língua espanhola — Decisão do júri que confirma a eliminação na última prova escrita e a não admissão à prova oral — Artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto — Admissibilidade do recurso em primeira instância — Dever de fundamentação — Recusa em enviar à recorrente as provas escritas corrigidas — Acesso aos documentos»

Objeto:

Recurso do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Segunda Secção) de 18 de setembro de 2012, Cuallado Martorell/Comissão (F‑96/09, ColetFP, EU:F:2012:129), que tem por objeto a anulação desse acórdão.

Decisão:

O acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Segunda Secção) de 18 de setembro de 2012, Cuallado Martorell/Comissão (F‑96/09, ColetFP, EU:F:2012:129), é anulado na parte em que declara o recurso inadmissível na medida em que tem por objeto a anulação da decisão de não admissão da recorrente à prova oral e, consequentemente, da lista de reserva. É negado provimento ao recurso quanto ao restante. O processo é remetido ao Tribunal da Função Pública. Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Sumário

  1. Funcionários — Concurso — Júri — Recusa em comunicar as provas escritas corrigidas — Dever de fundamentação — Alcance — Respeito do segredo dos trabalhos

    (Estatuto dos Funcionários, artigo 25.o e anexo III, artigo 6.o)

  2. Recursos de funcionários — Decisão de um júri de concurso — Reclamação administrativa prévia — Caráter facultativo — Apresentação — Consequências — Respeito pelas exigências processuais inerentes à via da reclamação prévia

    (Estatuto dos Funcionários, artigos 90.° e 91.°)

  3. Recursos de funcionários — Reclamação administrativa prévia — Conceito

    (Estatuto dos Funcionários, artigo 90.o, n.o 2)

  1.  A fundamentação de uma decisão lesiva tem por finalidade, por um lado, dar ao interessado uma indicação suficiente para poder apreciar o mérito dessa decisão e a oportunidade de interpor um recurso perante o juiz da União e, por outro, permitir a este juiz exercer a sua fiscalização da legalidade da referida decisão.

    No que se refere às decisões adotadas por um júri de concurso, o dever de fundamentação deve ser conciliado com o respeito pelo sigilo que rodeia os trabalhos do júri e, por conseguinte, a comunicação das notas obtidas nas diferentes provas constitui uma fundamentação suficiente das decisões do júri. Com efeito, uma decisão expressa que recuse a comunicação das provas escritas corrigidas está suficientemente fundamentada, na medida em que remete para o artigo 6.o do anexo III do Estatuto que prevê que os trabalhos do júri são secretos.

    (cf. n.os 37 a 39 e 67)

    Ver:

    Tribunal de Justiça: acórdão de 4 de julho de 1996, Parlamento/Innamorati, C‑254/95 P, Colet., EU:C:1996:276, n.o 31

    Tribunal Geral: acórdãos de 25 de junho de 2003, Pyres/Comissão, T‑72/01, ColetFP, EU:T:2003:176, n.o 66 e jurisprudência referida; de 5 de abril de 2005, Hendrickx/Conselho, T‑376/03, ColetFP, EU:T:2005:116, n.os 73 e 74 e jurisprudência referida; de 12 de fevereiro de 2014, De Mendoza Asensi/Comissão, F‑127/11, ColetFP, EU:F:2014:14, n.o 94; e de 11 de dezembro de 2014, van der Aat e o./Comissão, T‑304/13 P, ColetFP, EU:T:2014:1055, n.o 43 e jurisprudência referida

  2.  A via de recurso disponível contra uma decisão de um júri de concurso consiste habitualmente num recurso interposto diretamente perante o juiz da União. A possibilidade que assiste ao interessado de se prevalecer de tal via direta de recurso, sem reclamação administrativa prévia, prossegue precisamente a aplicação do direito à tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, trata‑se de uma possibilidade e não de uma obrigação.

    Todavia, quando o interessado, perante uma decisão de um júri de concurso, em vez de recorrer diretamente para o juiz da União, invocar as disposições estatutárias para se dirigir, sob a forma de reclamação administrativa, à Autoridade Investida do Poder de Nomeação, a admissibilidade do recurso interposto posteriormente dependerá do respeito, pelo interessado, de todos os requisitos processuais inerentes à via da reclamação prévia.

    (cf. n.os 54, 55 e 62)

    Ver:

    Tribunal Geral: acórdão de 23 de janeiro de 2002, Gonçalves/Parlamento, T‑386/00, ColetFP, EU:T:2002:12, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida

  3.  Constitui uma reclamação, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, a carta através da qual um funcionário, sem solicitar expressamente a revogação da decisão em causa, pretende claramente obter satisfação das suas queixas pela via consensual, ou ainda a carta que manifeste claramente a vontade do recorrente em impugnar uma decisão que o lesa.

    Assim, sendo o objetivo do processo pré‑contencioso a resolução amigável de um litígio que nasce no momento da reclamação, a Autoridade Investida do Poder de Nomeação deve poder conhecer de forma suficientemente precisa os argumentos que o funcionário formula contra uma decisão administrativa. Daqui resulta que a reclamação deve conter uma exposição dos fundamentos e dos argumentos invocados contra a decisão administrativa que visa impugnar.

    Por outro lado, uma reclamação não tem de revestir uma forma especial. É suficiente que nela esteja manifestada de forma clara e precisa a vontade do recorrente em impugnar uma decisão tomada a seu respeito.

    A Administração deve examinar as reclamações com espírito de abertura, bastando, para poder considerar que está perante uma reclamação na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, que um fundamento tenha sido previamente invocado, no âmbito do procedimento administrativo, de forma suficientemente clara para permitir à Autoridade Investida do Poder de Nomeação conhecer das críticas formuladas pelo interessado contra a decisão impugnada. Assim, embora certos fundamentos ou argumentos não tenham sido incluídos na reclamação em si mesma, desde que a referida autoridade tenha podido conhecer os mesmos de forma precisa através de um documento que lhe tenha sido transmitido separadamente, a reclamação não pode ser considerada inadmissível.

    (cf. n.os 63 a 66)

    Ver:

    Tribunal de Justiça: acórdãos de 31 de maio de 1988, Rousseau/Tribunal de Contas, 167/86, Colet., EU:C:1988:266, n.o 8, e de 14 de julho de 1988, Aldinger e Virgili/Parlamento, 23/87 e 24/87, Colet., EU:C:1988:406, n.o 13

    Tribunal Geral: acórdãos de 7 de março de 1996, Williams/Tribunal de Contas, T‑146/94, ColetFP, EU:T:1996:34, n.os 44 e 50 e jurisprudência referida; de 13 de janeiro de 1998, Volger/Parlamento, T‑176/96, ColetFP, EU:T:1998:1, n.o 65; e de 16 de fevereiro de 2005, Reggimenti/Parlamento, T‑354/03, ColetFP, EU:T:2005:54, n.os 43 e 44 e jurisprudência referida