ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

17 de setembro de 2014 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Direito das sociedades comerciais — Diretiva 2003/71/CE — Artigo 3.o, n.o 1 — Obrigação de publicação de um prospeto em caso de oferta pública de valores mobiliários — Venda judicial de valores mobiliários»

No processo C‑441/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 28 de setembro de 2012, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de outubro de 2012, no processo

Almer Beheer BV,

Daedalus Holding BV

contra

Van den Dungen Vastgoed BV,

Oosterhout II BVBA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça (relator), G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de setembro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo neerlandês, por M. de Ree e C. Wissels, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e M. Szpunar, na qualidade de agentes,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, D. Tavares e A. Cunha, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Nijenhuis e R. Vasileva, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 19 de junho de 2014,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 1.°, n.o 2, alínea h), e 3.°, n.o 1, da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO L 345, p. 64), conforme alterada pela Diretiva 2008/11/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008 (JO L 76, p. 37, a seguir «diretiva ‘prospeto’»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Almer Beheer BV e a Daedalus Holding BV (a seguir «Almer Beheer e o.») à Van den Dungen Vastgoed BV e à Oosterhout II BVBA (a seguir «Van den Dungen e o.»), a respeito do pedido da Almer Beheer e o. no sentido de que a venda judicial de valores mobiliários de que são titulares seja sujeita à obrigação de publicação de um prospeto.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os considerandos 10, 18 e 19 da diretiva «prospeto» enunciam:

«(10)

O objetivo da presente diretiva e das respetivas medidas de execução é o de assegurar a proteção dos investidores e a eficácia do mercado, em conformidade com as normas regulamentares de elevada qualidade adotadas nas instâncias internacionais relevantes.

[...]

(18)

O fornecimento de informação completa sobre os valores mobiliários e respetivos emitentes, juntamente com regras de conduta, promove a proteção dos investidores. Além disso, tal informação representa um meio eficaz para reforçar a confiança nos valores mobiliários, contribuindo assim para o bom funcionamento e desenvolvimento dos mercados de valores mobiliários. Essa informação deve ser prestada mediante a publicação de um prospeto.

(19)

O investimento em valores mobiliários, tal como qualquer outra forma de investimento, pressupõe um risco. São necessárias salvaguardas para a proteção dos interesses dos investidores efetivos e potenciais em todos os Estados‑Membros, a fim de estes estarem em condições de proceder a uma avaliação informada de tais riscos, de modo a tomarem as decisões de investimento com pleno conhecimento dos factos.»

4

O artigo 1.o, n.os 1 e 2, desta diretiva dispõe:

«1.   A presente diretiva tem por objetivo harmonizar as condições de elaboração, aprovação e difusão do prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado situado ou que funcione num Estado‑Membro.

2.   A presente diretiva não é aplicável:

[...]

h)

Aos valores mobiliários incluídos numa oferta cujo valor total seja inferior a 2 500 000 euros, limite esse que será calculado ao longo de um período de 12 meses;

[...]»

5

O artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

d)

‘Oferta de valores mobiliários ao público’: uma comunicação ao público, independentemente da forma e dos meios por ela assumidos, que apresente informações suficientes sobre as condições da oferta e os valores mobiliários em questão, a fim de permitir a um investidor decidir sobre a aquisição ou subscrição desses valores mobiliários [...];

[…]»

6

O artigo 3.o, n.o 1, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros não devem permitir que seja feita qualquer oferta de valores mobiliários ao público no respetivo território sem prévia publicação de um prospeto.»

7

O artigo 5.o, n.o 1, da diretiva «prospeto» prevê:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 8.o, o prospeto deve conter todas as informações que, em função das características específicas do emitente e dos valores mobiliários que são objeto de oferta ao público ou de admissão à negociação num mercado regulamentado, sejam necessárias para que os investidores possam efetuar uma avaliação informada do ativo e do passivo, da situação financeira e dos resultados e perspetivas do emitente e de um eventual garante e dos direitos inerentes a esses valores mobiliários. Esta informação deve ser apresentada de uma forma que facilite a sua análise e compreensão.»

8

Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, desta diretiva:

«Nenhum prospeto pode ser publicado sem prévia aprovação pela autoridade competente do Estado‑Membro de origem.»

9

A diretiva «prospeto» foi alterada pela Diretiva 2010/73/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 (JO L 327, p. 1), que entrou em vigor em 31 de dezembro de 2010. Atendendo à data dos factos do processo principal, a diretiva «prospeto» continua a aplicar‑se, ratione temporis, a esses factos.

Direito neerlandês

10

A diretiva «prospeto» foi transposta para o direito neerlandês pela Lei de 28 de setembro de 2006 sobre a supervisão financeira (Wet op het financieel toezicht, a seguir «Wft»).

11

O artigo 5:2 da Wft dispõe:

«Nos Países Baixos, é proibido fazer ofertas de valores mobiliários ao público ou admitir estes valores à negociação num mercado regulamentado situado ou que funcione em território neerlandês, salvo se, relativamente à oferta ou à admissão, estiver disponível ao público um prospeto autorizado pela entidade supervisora dos mercados financeiros ou por uma entidade supervisora de outro Estado‑Membro.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

A Almer Beheer e o. e a Van den Dungen e o. celebraram, em 16 de julho de 2003, um contrato nos termos do qual transfeririam — mediante o pagamento de um preço de venda — as suas participações noutras sociedades para a Global Hail Group BV (a seguir «grupo Hail»).

13

Em cumprimento desse contrato, foi constituída a sociedade Stichting Administratiekantoor Global Hail (a seguir «STAK»), para a qual foram transferidas todas as participações do grupo Hail.

14

A Almer Beheer e o. são titulares de certificados de participações do grupo Hail emitidos pela STAK.

15

Na sequência de desacordos entre as partes no âmbito da execução do referido contrato, o Gerechtshof ’s Hertogenbosch (Tribunal de Segunda Instância de ’s Hertogenbosch), por acórdão de 30 de novembro de 2010, condenou a Almer Beheer e o. no pagamento do montante de 500000 euros à Van den Dungen e o. Este pagamento constituía um adiantamento do preço das participações de quatro sociedades cedidas ao grupo Hail.

16

A fim de garantir o pagamento, a Van den Dungen e o. requereram, em 11 de dezembro de 2009, a penhora, em sede de processo executivo, dos certificados de participações sociais detidas pela Almer Beheer e o. e, subsequentemente, requereram ao Rechtbank Breda (Tribunal de Breda) que decretasse a venda e transmissão dos certificados de participações sociais penhorados e que definisse o prazo, as modalidades e as condições em que essa venda devesse ocorrer.

17

Em 27 de dezembro de 2010, esse tribunal determinou que a venda e transmissão dos certificados de participações sociais devia ser efetuada no prazo de seis meses por um fiel depositário a indicar pela Van den Dungen e o., através de uma venda em hasta pública anunciada em dois jornais nacionais. Os certificados de participações sociais deviam ser cedidos a quem apresentasse a melhor oferta e, na venda, caberia ao oficial de justiça garantir que só seria vendido o número de certificados necessário para perfazer o montante de 500000 euros, acrescido dos custos do processo, da penhora e da execução.

18

O Rechtbank Breda decidiu ainda que a obrigação de publicação de um prospeto, prevista no artigo 5:2 da Wft, não era aplicável à venda dos referidos certificados de participações sociais, uma vez que o objetivo da Wft era proteger não as pessoas que deliberadamente correm riscos numa venda judicial com a finalidade de obter um ganho, mas unicamente os investidores e os aforradores contra ofertas feitas de má‑fé, informação insuficiente e operações efetuadas por pessoas ou entidades não autorizadas.

19

Interposto o recurso desta decisão pela Almer Beheer e o. para o Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch, este confirmou‑a por acórdão de 5 de abril de 2011.

20

Esse acórdão foi objeto de um recurso de cassação interposto pela Almer Beheer e o. no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

21

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a questão central consiste em determinar se a obrigação de publicação de um prospeto também se aplica à venda judicial de certificados de participações sociais em causa no processo nele pendente.

22

A este respeito, esse órgão jurisdicional observa que, aquando da elaboração da diretiva «prospeto», não foi dada atenção visível à situação especial das vendas judiciais de valores mobiliários. Ora, tais vendas são caracterizadas pelo facto de não se tratar de uma situação normal de mercado. Os bens alienados não são vendidos pelo respetivo proprietário ou titular, mas por um credor exequente, frequentemente através de um oficial de justiça. Segundo o referido órgão jurisdicional, neste tipo de situações, o vendedor não tem, em geral, de se defrontar com riscos nem com defeitos dos bens vendidos que desconhecia, e o comprador aceita que os bens possam ter defeitos, o que normalmente implica que o produto da venda dos bens seja significativamente inferior ao de uma venda normal. Ademais, o reconhecimento da existência da obrigação de publicação de um prospeto no caso da venda judicial de valores mobiliários pode dar lugar a complicações práticas significativas no que se refere, designadamente, à elaboração e aos custos do prospeto.

23

Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva [‘prospeto’] ser interpretado no sentido de que o dever de elaboração de um prospeto nele consagrado também se aplica, em princípio ([ou seja], abstraindo das dispensas e exceções estabelecidas na diretiva para determinados casos), a uma venda judicial de valores mobiliários?

2)

a) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o conceito de ‘valor total da oferta’, a que se refere o artigo 1.o, n.o 2, alínea h), da [diretiva ‘prospeto’] deve então ser interpretado no sentido de que, numa venda judicial de valores mobiliários, se deve tomar por referência o valor do produto que seja razoavelmente de esperar da venda judicial, atendendo ao seu caráter especial, mesmo no caso de o produto que é razoavelmente de esperar da venda judicial se situar significativamente abaixo do valor de mercado?

b)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, mas de resposta negativa à alínea a) da segunda questão, como se deve interpretar o conceito de ‘valor total da oferta’ a que se refere o artigo 1.o, n.o 2, alínea h), da [diretiva ‘prospeto’], em especial numa venda judicial de valores mobiliários?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

24

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva «prospeto» deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de publicação de um prospeto previamente a qualquer oferta de valores mobiliários ao público também se aplica à venda judicial de valores mobiliários.

25

Por força do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva «prospeto», os Estados‑Membros não autorizam qualquer oferta de valores mobiliários ao público no respetivo território sem prévia publicação de um prospeto.

26

No que diz respeito à oferta de valores mobiliários ao público, a mesma consiste, por força do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), dessa diretiva, numa comunicação ao público, independentemente da forma e dos meios por ela assumidos, que apresente informações suficientes sobre as condições da oferta e os valores mobiliários em questão, a fim de permitir a um investidor decidir sobre a aquisição ou subscrição desses valores mobiliários.

27

No caso vertente, resulta da decisão de reenvio que a venda judicial nas condições determinadas pelo Rechtbank Breda, em causa no processo principal, é uma venda em hasta pública, por intermédio de um oficial de justiça, após a publicação de um anúncio em dois jornais nacionais, no âmbito da qual os interessados propõem a sua oferta por escrito e os valores mobiliários são vendidos a quem apresente a melhor oferta.

28

Tendo em conta a definição ampla do conceito de «oferta de valores mobiliários ao público», que figura no artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da diretiva «prospeto», não se pode excluir à partida que uma venda judicial, como a que está em causa no processo principal, esteja abrangida por este conceito.

29

Todavia, importa salientar que não é feita nenhuma referência às vendas judiciais de valores mobiliários na diretiva «prospeto», designadamente nas disposições que preveem quer a exclusão de certas situações do seu âmbito de aplicação, como é o caso do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, quer a derrogação à obrigação de publicação de um prospeto, como é o caso dos artigos 3.°, n.o 2, e 4.°, n.os 1 e 2, da mesma diretiva.

30

Nestas circunstâncias, há que analisar se os objetivos prosseguidos pela diretiva «prospeto» exigem que as vendas judiciais de valores mobiliários sejam igualmente sujeitas às regras previstas nesta diretiva.

31

Resulta dos considerandos 10, 18 e 19 desta diretiva que a mesma tem por objetivo «assegurar a proteção dos investidores e a eficácia do mercado», que a informação completa sobre os valores mobiliários «representa um meio eficaz para reforçar a confiança [nesses valores], contribuindo assim para o bom funcionamento e desenvolvimento dos mercados», e que «são necessárias salvaguardas para a proteção dos interesses dos investidores efetivos e potenciais em todos os Estados‑Membros, a fim de estes estarem em condições de proceder a uma avaliação informada [dos] riscos [que o investimento em valores mobiliários pressupõe], de modo a tomarem as decisões de investimento com pleno conhecimento dos factos».

32

Por outro lado, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da referida diretiva, esta tem por objetivo harmonizar as condições de elaboração, aprovação e difusão do prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado situado ou que funcione num Estado‑Membro.

33

Daqui resulta que a proteção dos investidores e o bom funcionamento e desenvolvimento dos mercados constituem o núcleo essencial dos objetivos prosseguidos pela diretiva «prospeto». Com efeito, atendendo a estes objetivos, a publicação de um prospeto visa, por um lado, permitir aos investidores avaliar os riscos inerentes às operações de oferta de valores mobiliários ao público e da sua admissão à negociação, de modo a tomarem uma decisão com pleno conhecimento dos factos e, por outro, assegurar que o bom funcionamento dos mercados em causa não seja prejudicado por irregularidades.

34

Ora, a natureza das operações que justificam a decisão de proceder a uma venda de valores mobiliários em sede de processo executivo diverge claramente da natureza das que são visadas pela diretiva «prospeto».

35

Com efeito, como observou a advogada‑geral no n.o 61 das suas conclusões, as vendas judiciais de valores mobiliários estão muito longe de uma situação normal de emissão ou negociação de tais títulos, num mercado regulamentado ou noutras circunstâncias. No âmbito de uma venda judicial, estes valores mobiliários não são vendidos pelo emitente ou titular, mas, tendo sido penhorados, são‑no a pedido de um terceiro e por ordem de uma autoridade judicial do Estado, unicamente com o objetivo de satisfazer um crédito.

36

Por conseguinte, as vendas judiciais não visam fazer parte de uma atividade económica no mercado de valores mobiliários, mas destinam‑se a satisfazer os direitos de um credor exequente.

37

Por outro lado, as características específicas de uma venda judicial em relação às de uma venda clássica de valores mobiliários, cuja finalidade é a de reunir capitais de modo a possibilitar investimentos futuros da empresa que emite tais valores, também se refletem a nível da proteção dos investidores.

38

Com efeito, a publicação de um prospeto previamente à oferta de valores mobiliários ao público desempenha um papel decisivo na proteção dos investidores, na medida em que este documento fornece aos investidores informações completas e precisas sobre o emitente, o que lhes permite, em princípio, avaliar os riscos da operação.

39

Em contrapartida, no caso de uma venda judicial, os potenciais compradores são informados de que se trata de uma venda cujo único objetivo é o de pagar uma dívida do titular dos valores mobiliários em causa e que a mesma decorre no âmbito de um processo judicial. Isto implica que a pessoa que procede às operações relacionadas com a venda destes valores mobiliários não é o titular dos mesmos.

40

Além disso, a obrigação de publicação de um prospeto previamente a uma venda judicial de valores mobiliários pode pôr em causa o objetivo do processo executivo, que é satisfazer rápida e eficazmente o credor.

41

Com efeito, o cumprimento dessa obrigação não só atrasa a venda judicial e, por conseguinte, o pagamento do credor mas também gera custos relacionados com a elaboração do prospeto que devem ser deduzidos do produto dessa venda, o que poderá reduzir as possibilidades de o credor obter o seu pagamento integral.

42

Por último, a obrigação de publicação de um prospeto poderá implicar importantes dificuldades práticas.

43

Com efeito, uma vez que aquele que procede à venda dos valores mobiliários no âmbito de uma venda judicial não é o titular dos mesmos, no caso da aplicação da obrigação de publicação de um prospeto, colocar‑se‑iam as questões de saber, por um lado, a quem incumbe a tarefa de elaborar o prospeto e, por outro, quem é responsável, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da diretiva «prospeto», pelas informações fornecidas nesse documento.

44

Em todo o caso, tendo em conta a natureza das informações que devem constar de um prospeto e que devem permitir aos investidores, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, desta diretiva, avaliar com pleno conhecimento dos factos, designadamente, o património, a situação financeira e os resultados da sociedade emitente, a elaboração desse documento obriga à colaboração dos órgãos de gestão dessa sociedade. Ora, não se pode excluir que, no contexto de uma venda judicial dos valores mobiliários que ela emitiu, uma eventual falta de colaboração construtiva por parte dessa sociedade não possa causar dificuldades no âmbito da realização da referida venda.

45

Daqui decorre que uma venda de valores mobiliários em sede de processo executivo não faz parte dos objetivos prosseguidos pela diretiva «prospeto» e, por conseguinte, não é abrangida pelo seu âmbito de aplicação.

46

Esta conclusão não é posta em causa pela afirmação da Comissão Europeia segundo a qual a exclusão sistemática das vendas judiciais de valores mobiliários do âmbito de aplicação da diretiva «prospeto» acarretaria uma discriminação em relação às vendas voluntárias destes valores, na medida em que os respetivos investidores não beneficiam da mesma proteção.

47

Importa, com efeito, recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado (v., neste sentido, acórdão Glatzel, C‑356/12, EU:C:2014:350, n.o 43).

48

Ora, como resulta dos n.os 33 a 36 do presente acórdão, o objetivo prosseguido pelas vendas de valores mobiliários em sede de processo executivo é totalmente alheio aos objetivos prosseguidos pela diretiva «prospeto».

49

Por conseguinte, na medida em que a situação dos investidores que comprem valores mobiliários no contexto de uma venda judicial não é comparável à dos investidores que adquirem tais valores no contexto normal de uma oferta ao público, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea d), da diretiva «prospeto», não pode haver tratamento discriminatório de uns em relação aos outros.

50

Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 3.o, n.o 1, da diretiva «prospeto» deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de publicação de um prospeto previamente a qualquer oferta de valores mobiliários ao público não se aplica à venda judicial de valores mobiliários, como a que está em causa no processo principal.

Quanto à segunda questão

51

A segunda questão prejudicial foi colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio unicamente na hipótese de uma resposta afirmativa à primeira questão.

52

Tendo em conta a resposta à primeira questão prejudicial, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE, conforme alterada pela Diretiva 2008/11/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008, deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de publicação de um prospeto previamente a qualquer oferta de valores mobiliários ao público não se aplica à venda judicial de valores mobiliários, como a que está em causa no processo principal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.