ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

14 novembre 2013 ( *1 )

«Fundos estruturais — Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) — Participação financeira de um Fundo estrutural — Critérios de elegibilidade das despesas — Regulamento (CE) n.o 1260/1999 — Artigo 30.o, n.o 4 — Princípio da perenidade da operação — Conceito de ‘alteração importante’ de uma operação — Adjudicação de um contrato de concessão sem publicidade e sem abertura de concurso prévio»

No processo C‑388/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per le Marche (Itália), por decisão de 21 de junho de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 16 de agosto de 2012, no processo

Comune di Ancona

contra

Regione Marche,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quarta Secção, M. Safjan, J. Malenovský (relator) e A. Prechal, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de julho de 2013,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Comune di Ancona, por A. Lucchetti, avvocato,

em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, S. Rodrigues e A. Gattini, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por A. Steiblytė e D. Recchia, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de setembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais (JO L 161, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Comune di Ancona à Regione Marche a respeito da decisão desta última de revogar e de recuperar os apoios financeiros pagos à Comune di Ancona para um projeto de construção de uma doca seca.

Quadro jurídico

3

O considerando 4 do Regulamento n.o 1260/1999 tem a seguinte redação:

«[…] a fim de reforçar a concentração e a simplificação da ação dos Fundos estruturais, […] é necessário defini[r os objetivos prioritários] como visando o desenvolvimento e o ajustamento estrutural das regiões menos desenvolvidas, a reconversão económica e social das zonas com dificuldades estruturais, e a adaptação e modernização das políticas e sistemas de educação, formação e emprego».

4

O considerando 7 do referido regulamento prevê:

«[…] o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) é o contribuinte principal para a realização do objetivo do desenvolvimento e ajustamento estrutural das regiões menos desenvolvidas e para a reconversão económica e social das regiões com dificuldades estruturais».

5

O considerando 41 do mesmo regulamento enuncia:

«[…] a fim de assegurar a eficácia e um impacto duradouro da assistência dos Fundos, uma ajuda destes só deve ficar definitivamente afetada a uma operação, no todo ou em parte, desde que nem a sua natureza nem as suas condições de execução registem uma alteração significativa que desvie a operação ajudada do seu objetivo inicial».

6

O artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, intitulado «Elegibilidade», enuncia:

«Os Estados‑Membros certificar‑se‑ão de que a participação dos Fundos fica definitivamente afetada a uma operação se, no prazo de cinco anos a contar da data da decisão da autoridade nacional competente ou da autoridade de gestão sobre a participação dos Fundos, essa operação não sofrer nenhuma alteração importante que:

a)

Afete a sua natureza ou as suas condições de execução ou proporcione um benefício indevido a uma empresa ou coletividade pública; e

b)

Resulte quer de uma mudança na natureza da propriedade de uma infraestrutura, quer do termo ou da mudança de localização de uma atividade produtiva.

Os Estados‑Membros informarão a Comissão de qualquer alteração deste tipo; se esta se verificar, é aplicável o disposto no artigo 39.o»

7

O artigo 38.o, do referido regulamento, intitulado «Disposições gerais», prevê, no n.o 1:

«Sem prejuízo da responsabilidade da Comissão na execução do orçamento geral das Comunidades Europeias, os Estados‑Membros serão os primeiros responsáveis pelo controlo financeiro das intervenções. Para o efeito, tomarão nomeadamente as seguintes medidas:

[…]

e)

Prevenirão, detetarão e corrigirão as irregularidades e comunicá‑las‑ão à Comissão, segundo a regulamentação em vigor, mantendo‑a informada da evolução dos processos administrativos e judiciais;

[…]

h)

Recuperarão os fundos perdidos na sequência de uma irregularidade verificada, aplicando, se for caso disso, juros de mora.»

8

O artigo 39.o do mesmo regulamento, intitulado «Correções financeiras», dispõe no n.o 1:

«Os Estados‑Membros são os primeiros responsáveis pela investigação das irregularidades, e pela atuação em caso de uma alteração importante que afete a natureza ou as condições de execução ou de controlo de uma intervenção, bem como por efetuar as correções financeiras necessárias.

Os Estados‑Membros efetuarão as correções financeiras necessárias em relação à irregularidade individual ou sistémica em questão. Estas consistirão numa supressão total ou parcial da participação comunitária. Os fundos comunitários assim libertados podem ser reafectados pelo Estado‑Membro à intervenção em causa, na observância das regras a definir nos termos do n.o 2 do artigo 53.o»

Factos do processo principal e questões prejudiciais

9

A Regione Marche, autoridade de gestão de um programa operacional para as intervenções estruturais da União na região de Marche, publicou, no âmbito do FEDER, um anúncio relativo a diferentes projetos de infraestruturas nas zonas portuárias locais para o período de programação de 2002 a 2006.

10

Em resposta a este anúncio, a Comune di Ancona apresentou um pedido de financiamento para três projetos relativos, respetivamente, a trabalhos de construção de uma doca seca, à compra de uma grua móvel e a trabalhos de adaptação do passeio marítimo à frente da referida doca. Esses três pedidos foram aceites.

11

Na sequência dos trabalhos de construção da doca seca e após a instalação da grua móvel, a Comune di Ancona, enquanto autoridade beneficiária do financiamento em causa, interpelou a Regione Marche, no mês de janeiro de 2005, sobre a possibilidade de conceder a um terceiro a gestão da referida doca. A Regione considerou que nada se opunha a isso, mas recordou a necessidade de respeitar a legislação em vigor em matéria de adjudicação de concessões de serviços públicos.

12

Por decisão do seu conselho municipal de 19 de abril de 2005, a Comune di Ancona confiou a gestão da doca seca à Cooperativa arl Pescatori e Motopescherecci di Ancona (a seguir, «cooperativa Pescatori»), prevendo, no entanto, uma série de obrigações para esta última, entre as quais constava o pagamento à Comune di Ancona de uma renda anual calculada de forma a não gerar receitas líquidas substanciais nem para o concedente nem para o concessionário, a proibição de alterar as condições de execução da operação elegível para financiamento, a proibição de exercer uma atividade lucrativa, o respeito de todas as diretivas e normas da União aplicáveis bem como a manutenção do carácter público e da finalidade de uso da obra em causa. Além disso, foi especificado que essa obra continuaria, em qualquer caso, propriedade da Comuna di Ancona.

13

No mês de junho de 2010, a Regione Marche considerou que a gestão pela Comune di Ancona da doca seca apresentava um determinado número de irregularidades, a saber:

a utilização da doca seca também por embarcações de recreio numa proporção estimada de 18%;

a não utilização de uma parte da obra em causa, e

a título principal, no que diz respeito às duas outras acusações, a adjudicação direta, isto é, sem recorrer a um concurso público, da gestão dessa obra.

14

Com base nessas constatações, a Regione Marche adotou uma decisão que ordenava a revogação e a recuperação do financiamento concedido à Comune di Ancona.

15

A Comune di Ancona interpôs, então, um recurso de anulação da referida decisão, no órgão jurisdicional de reenvio.

16

Em apoio do seu recurso, alegou, nomeadamente, os seguintes fundamentos:

o eventual desrespeito dos procedimentos de concurso público, no que diz respeito à gestão da concessão da doca seca, não é uma causa de anulação do apoio financeiro;

não era necessário, lançar um concurso público para adjudicação da gestão da referida doca, na medida em que não existiam outros operadores, para além da cooperativa Pescatori, interessados nessa adjudicação; e

a utilização da doca seca por embarcações de recreio não é contrária aos objetivos prosseguidos pelo FEDER.

17

Foi nestas circunstâncias que o Tribunale amministrativo regionale per le Marche decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

[Deve o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999] ser interpretad[o] no sentido de que só depois de se ter verificado se a obra sofreu alguma alteração relevante se pode proceder à avaliação quanto ao facto de da adjudicação não resultarem entradas relevantes para o concedente e benefícios indevidos para o concessionário?

2)

No caso d[e resposta afirmativa a esta primeira questão, o que se deve entender] por ‘alterações substanciais’, isto é, se [o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999] se refere apenas a alterações físicas — no sentido de a obra realizada não estar em conformidade com a que foi indicada no projeto elegível para financiamento — ou, igualmente, a alterações funcionais e, neste segundo caso, se existe uma alteração substancial no caso de a obra ser utilizada ‘também’ — mas não principalmente — para atividades diferentes das previstas no anúncio e/ou no pedido de participação no anúncio [?]

3)

[Inversamente, no caso de resposta negativa à primeira questão, o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999] aplica‑se apenas à fase de realização das obras ou a obrigação [de] observância das regras do concurso público mantém‑se relativamente à adjudicação da gestão, nos casos em que o financiamento público é utilizado para a execução de obras suscetíveis de uma gestão economicamente relevante?

4)

[Por fim,] deve o artigo 30.o, [n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999] ser interpretado no sentido de que o facto de se concluir que da adjudicação da gestão a terceiros não resultam entradas líquidas significativas ou posições de benefício indevido a favor de uma empresa ou de uma coletividade pública constitui uma fase lógica e juridicamente subsequente à questão prejudicial (isto é, a obrigação de cumprimento dos procedimentos nos concursos públicos) ou a existência da obrigação de lançar um concurso deve ser verificada tendo igualmente em conta as condições concretas do vínculo de concessão?»

Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

18

O artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 enuncia um princípio segundo o qual a participação dos Fundos estruturais só fica definitivamente afetada a uma operação se esta não sofrer nenhuma «alteração importante» no prazo de cinco anos a contar da data da decisão da autoridade nacional competente ou da autoridade de gestão sobre a participação dos referidos Fundos. No processo principal, as partes discordam, nomeadamente, quanto à questão de saber se as alterações verificadas pela Regione Marche estão abrangidas por essa disposição.

19

Desde já, importa recordar que não compete ao Tribunal de Justiça qualificar concretamente as alterações em causa no processo principal. Com efeito, tal apreciação cabe unicamente ao órgão jurisdicional nacional. O papel do Tribunal de Justiça limita‑se a fornecer àquele uma interpretação do direito da União útil para a decisão que lhe caberá adotar no processo que lhe foi submetido. Assim sendo, o Tribunal de Justiça pode determinar os elementos pertinentes, suscetíveis de orientar o órgão jurisdicional de reenvio na sua apreciação (v. acórdão de 10 de novembro de 2011, Norma‑A e Dekom, C-348/10, Colet., p. I-10983, n.os 57 e 58).

20

Neste contexto, há que salientar que, para considerar que uma alteração está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, importa ter a certeza, antes de mais, que a operação que sofre essa alteração está abrangida pelo referido artigo e, no caso de resposta afirmativa, examinar, em seguida, se essa alteração satisfaz as condições mencionadas na referida disposição, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), tendo em conta que resulta do uso da conjunção coordenativa «e» entre as duas condições mencionadas, no referido artigo 30.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), que uma alteração deve preencher cumulativamente essas duas condições.

21

No exame das referidas condições, há que verificar, em primeiro lugar, se a alteração controvertida satisfaz a condição mencionada no artigo 30.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 1260/1999, que exige que esta resulte quer de uma mudança na natureza da propriedade de uma infraestrutura, quer do termo ou da mudança de localização de uma atividade produtiva. Com efeito, aquando da verificação dessa condição, há que apreciar os elementos que estão na origem da alteração controvertida e constituem assim as causas dessa alteração.

22

Em segundo lugar, há que examinar se a alteração considerada é abrangida por uma das hipóteses mencionadas no artigo 30.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea a), do referido regulamento, a saber, afetar a natureza ou as condições de execução da operação em causa ou proporcionar um benefício indevido a uma empresa ou coletividade pública, dizendo estas hipóteses respeito aos efeitos da alteração em questão.

23

Em terceiro lugar, uma vez examinadas as condições mencionadas no artigo 30.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 1260/1999, há que verificar se as alterações controvertidas são importantes.

24

É por esta ordem que o Tribunal de Justiça responderá às diferentes questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto à terceira questão

25

Com a terceira questão, à qual importa responder em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 deve ser interpretado no sentido de que as alterações referidas nessa disposição são apenas as que surgem durante a realização da obra ou se incluem igualmente as alterações que surgem posteriormente, nomeadamente durante a gestão desta.

26

A este respeito, por um lado, resulta da redação do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 que as alterações visadas são as efetuadas a uma operação num prazo de cinco anos a contar da decisão da autoridade nacional competente ou da autoridade de gestão sobre a participação dos Fundos estruturais. Tendo em conta, por exemplo, que no caso da realização de uma obra, não se pode excluir que o tempo de construção da obra em causa possa ser inferior a esse prazo de cinco anos, há que concluir que as alterações visadas não se devem limitar às que surgem apenas durante a realização de uma obra, mas devem incluir, caso necessário e sem prejuízo do referido prazo, as que surgem após a sua realização, nomeadamente, aquando da gestão.

27

Por outro lado, decorre do considerando 4 do Regulamento n.o 1260/1999 que a intervenção dos Fundos estruturais responde a objetivos prioritários, a saber, o «desenvolvimento e o ajustamento estrutural das regiões menos desenvolvidas, a reconversão económica e social das zonas com dificuldades estruturais, e a adaptação e modernização das políticas e sistemas de educação, formação e emprego». No caso do FEDER, esses objetivos são mais especificamente, segundo o considerando 7 do Regulamento n.o 1260/1999, o desenvolvimento e o ajustamento estrutural das regiões menos desenvolvidas e a reconversão económica e social das regiões com dificuldades estruturais.

28

De onde resulta que os Fundos estruturais prosseguem objetivos que só podem ser alcançados se as subvenções concedidas por esses Fundos e o respetivo controlo incidirem sobre os atos e as despesas ligadas não só à realização da operação, mas também às modalidades de execução e de gestão desta, no limite do prazo de cinco anos previsto no artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999. Com efeito, só nesta condição pode ser garantida a eficácia da ação dos referidos Fundos, impedindo que estes financiem obras que, uma vez realizadas, após uma alteração na sua gestão, já não se integrem nos objetivos em virtude dos quais tal financiamento foi concedido.

29

Face ao exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 deve ser interpretado no sentido de que as alterações referidas nessa disposição incluem tanto as que surgem durante a realização da obra como as que surgem mais tarde, nomeadamente durante a gestão desta, desde que essas alterações ocorram durante o prazo de cinco anos previsto na referida disposição.

Quanto à primeira questão

30

Com a primeira questão, à qual importa responder em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 deve ser interpretado no sentido de que, para se poder apreciar se a adjudicação de uma concessão gera receitas substanciais para o concedente ou benefícios indevidos para o concessionário, há que verificar previamente se a obra adjudicada sofreu uma alteração importante.

31

A este respeito, decorre da redação do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 que a existência de um benefício indevido é um dos elementos potencialmente constitutivos de uma alteração importante na aceção dessa disposição.

32

Daqui resulta que, antes de concluir, no caso em apreço, pela existência ou inexistência de uma alteração importante nos termos do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, o órgão jurisdicional de reenvio deve nomeadamente verificar se a alteração controvertida proporcionou um benefício indevido e/ou se a natureza ou as condições de execução são afetadas por essa alteração.

33

Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder, por conseguinte, à primeira questão que o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, deve ser interpretado no sentido de que, para se poder apreciar se a adjudicação de uma concessão gera receitas substanciais para o concedente ou benefícios indevidos para o concessionário, não há que verificar previamente se a obra adjudicada sofreu uma alteração importante.

Quanto à segunda questão

34

Com a segunda questão, à qual importa responder em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, deve ser interpretado no sentido de que essa disposição só abrange a hipótese de uma alteração física, quando a obra realizada não está em conformidade com o que foi previsto no projeto elegível para financiamento, ou se abrange também a hipótese de uma alteração funcional. Nesta última hipótese, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se existe uma «alteração importante» quando a obra em causa é utilizada, em parte, mas não principalmente, para atividades diferentes das previstas no anúncio ou no pedido de financiamento apresentado em resposta a este.

35

A título preliminar, tendo em conta que o legislador da União teve o cuidado de acrescentar o qualitativo «importante» para designar a alteração em causa, deve ser exigido que, para se incluir no âmbito de aplicação do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, a referida alteração não se pode limitar simplesmente a preencher as duas condições que constam dessa disposição, mas deve também, além disso, revestir uma determinada dimensão.

36

A este respeito, resulta do considerando 41 do Regulamento n.o 1260/1999 que a ajuda proporcionada por um dos Fundos estruturais só deve ficar definitivamente afetada a uma operação, no todo ou em parte, desde que nem a sua natureza nem as suas condições de execução registem uma alteração importante que desvie a operação ajudada do seu objetivo inicial.

37

Por conseguinte, quando uma alteração preenche a condição que consta do artigo 30.o, n.o 4, primeiro parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 1260/1999, na medida em que afeta a natureza ou as condições de execução de uma operação, essa alteração só pode ser qualificada de «alteração importante» na aceção do artigo 30.o, n.o 4, do referido regulamento se reduzir de forma significativa a capacidade da operação em causa para alcançar o objetivo que lhe foi atribuído.

38

Tendo em conta que uma alteração tanto material como funcional pode reduzir de forma significativa a capacidade de uma operação para alcançar o objetivo que lhe foi atribuído, deve‑se concluir que o controlo das alterações efetuadas a uma obra reconduzível ao artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, não se refere apenas às disparidades entre um projeto de obra e a obra realizada, mas também às alterações efetuadas ao funcionamento da obra em causa.

39

Resulta do que precede que a circunstância de os diferentes elementos participantes numa operação terem sido alterados numa certa proporção quantitativa não pode, por si própria, ser considerada determinante.

40

Nas circunstâncias do processo principal, cabe então ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as alterações que surgiram, nomeadamente a circunstância de a doca seca construída pela Comune di Ancona ser utilizada por embarcações de recreio numa proporção estimada de 18%, quando essa utilização não foi prevista no projeto elegível para financiamento, eram suscetíveis de transformar significativamente a utilização da obra em causa através do recurso a atividades diferentes das que estavam previstas e, seguidamente, de reduzir de forma significativa a capacidade da operação em causa para alcançar o objetivo que lhe foi atribuído.

41

Considerando a segunda condição enunciada no artigo 30.o, n.o 4, alínea b), do Regulamento n.o 1260/1999, para que uma alteração, que consiste na utilização de uma obra para atividades diferentes das previstas no projeto elegível para financiamento, possa ser qualificada de «alteração importante» na aceção do referido artigo 30.o, n.o 4, há ainda que especificar que esta deve ter como causa o termo, pelo menos, parcial, de determinadas atividades previstas no projeto elegível para financiamento.

42

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, deve ser interpretado no sentido de que esta disposição abrange tanto a hipótese de uma alteração física, quando a obra realizada não está em conformidade com o que foi previsto no projeto elegível para financiamento, como a hipótese de uma alteração funcional, tendo em conta que, em caso de alteração que consiste na utilização de uma obra para atividades diferentes das inicialmente previstas no projeto elegível para financiamento, essa alteração deve ser suscetível de reduzir de forma significativa a capacidade da operação em causa para alcançar o objetivo que lhe foi atribuído.

Quanto à quarta questão

43

Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União se opõe à adjudicação direta, isto é, sem concurso, por um município a um terceiro, de uma concessão de serviço público relativa a uma obra, quando a referida concessão não é suscetível de gerar entradas líquidas significativas nem de proporcionar um benefício indevido a esse terceiro ou à autoridade pública adjudicante.

44

A este respeito, há que salientar, antes de mais, que, caso se conclua que as alterações em causa não podem ser qualificadas de «alterações» na aceção do artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, não deixa de ser verdade que, em conformidade com as obrigações previstas no artigo 38.o, n.o 1, alíneas e) e h), desse regulamento, o Estado‑Membro em causa deve examinar se essa alteração não constitui uma irregularidade na aceção dos artigos 38.° e 39.° desse regulamento, relativamente à qual convirá, seguidamente, efetuar as correções financeiras necessárias e recuperar os fundos correspondentes perdidos, aplicando, se for caso disso, juros de mora.

45

Em seguida, há que recordar que as concessões de serviços públicos não são regidas, ao nível da União, por qualquer regulamentação. Na falta de regulamentação, é à luz do direito primário e, mais particularmente, das liberdades fundamentais previstas no Tratado FUE, que deve ser examinado o direito aplicável às concessões de serviços (v. acórdão de 7 de dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C-324/98, Colet., p. I-10745, n.o 60).

46

Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade impõem, nomeadamente, à autoridade adjudicante uma obrigação de transparência, que consiste em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado que permite que os procedimentos de adjudicação sejam abertos à concorrência, e sujeitos ao controlo da imparcialidade desse procedimento, sem comportar necessariamente uma obrigação de abrir um concurso público (acórdãos de 13 de setembro de 2007, Comissão/Itália, C-260/04, Colet., p. I-7083, n.o 24, e de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant, C-324/07, Colet., p. I-8457, n.o 25).

47

Em especial, foi declarado que, na medida em que uma concessão pode igualmente interessar a uma empresa situada noutro Estado‑Membro diferente do da autoridade adjudicante, a adjudicação, sem qualquer transparência, dessa concessão a uma empresa situada nesse último Estado‑Membro constitui uma diferença de tratamento em detrimento das empresas situadas noutros Estados‑Membros. Com efeito, na falta de toda e qualquer transparência, as empresas situadas nesses outros Estados‑Membros não têm nenhuma possibilidade real de manifestar o seu interesse na obtenção da concessão em causa (v., neste sentido, acórdãos de 21 de julho de 2005, Coname, C-231/03, Colet., p. I-7287, n.os 17 e 18).

48

A menos que se justifique por circunstâncias objetivas, essa diferença de tratamento, que opera principalmente em detrimento das empresas situadas noutro Estado‑Membro, constitui uma discriminação indireta em função da nacionalidade, proibida nos termos dos artigos 49.° TFUE e 56.° TFUE (acórdão de 17 de julho de 2008, ASM Brescia, C-347/06, Colet., p. I-5641, n.o 60).

49

Nestas condições, para apreciar se a adjudicação de uma concessão relativa à doca seca respeita o direito da União, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a adjudicação da concessão de serviço público pela Comune di Ancona cumpre as exigências de transparência que possam, designadamente, permitir que uma empresa situada no território de um Estado‑Membro diferente do da República Italiana tenha acesso às informações adequadas relativas a essa concessão antes de esta ser adjudicada de forma a que, se essa empresa o desejar, possa manifestar o seu interesse na obtenção a referida concessão (v. acórdão Coname, já referido, n.o 21).

50

No processo principal, a Comune di Ancona não invocou nenhuma circunstância objetiva suscetível de justificar a falta de toda e qualquer transparência na adjudicação da concessão. Em contrapartida, alegou que a concessão não era suscetível de interessar empresas situadas noutros Estados‑Membros, na medida em que a concessão adjudicada à cooperativa Pescatori fora concebida de modo a não ser suscetível de gerar entradas líquidas significativas para o seu beneficiário, nem de proporcionar um benefício indevido para este ou para o município.

51

No entanto, a circunstância de uma concessão não ser suscetível de gerar entradas líquidas significativas nem de proporcionar um benefício indevido a uma empresa ou a uma coletividade pública não permite, por si só, concluir que essa concessão não reveste um interesse económico para empresas situadas em Estados‑Membros diferente do da autoridade adjudicante. Com efeito, no âmbito de uma estratégia económica que se destina a estender uma parte das suas atividades a outro Estado‑Membro, uma empresa pode tomar a decisão tática de solicitar a adjudicação neste Estado de uma concessão apesar do facto de esta não poder, enquanto tal, gerar lucros adequados, porque não deixa de ser verdade que essa oportunidade lhe permite instalar‑se no mercado do referido Estado e dar‑se a conhecer com o objetivo de preparar a sua futura expansão.

52

Face ao exposto, há que responder à quarta questão que, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, o direito da União não se opõe à adjudicação sem concurso de uma concessão de serviço público relativa a uma obra, desde que essa adjudicação responda ao princípio da transparência cujo respeito, sem necessariamente implicar uma obrigação de abrir um concurso, deve permitir a uma empresa situada no território de um Estado‑Membro diferente do da autoridade adjudicante aceder às informações adequadas relativas a essa concessão antes que esta seja adjudicada de forma a que, se essa empresa o tivesse pretendido, poderia ter manifestado o seu interesse na obtenção da referida concessão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

53

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1260/1999 do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais, deve ser interpretado no sentido de que as alterações referidas nessa disposição incluem tanto as que surgem durante a realização da obra como as que surgem mais tarde, nomeadamente durante a gestão desta, desde que essas alterações ocorram durante o prazo de cinco anos previsto na referida disposição.

 

2)

O artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999, deve ser interpretado no sentido de que, para se poder apreciar se a adjudicação de uma concessão gera receitas substanciais para o concedente ou benefícios indevidos para o concessionário, não há que verificar previamente se a obra adjudicada sofreu uma alteração importante.

 

3)

O artigo 30.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1260/1999 deve ser interpretado no sentido de que esta disposição abrange tanto a hipótese de uma alteração física, quando a obra realizada não está em conformidade com o que foi previsto no projeto elegível para financiamento, como a hipótese de uma alteração funcional, tendo em conta que, em caso de alteração que consiste na utilização de uma obra para atividades diferentes das inicialmente previstas no projeto elegível para financiamento, essa alteração deve ser suscetível de reduzir de forma significativa a capacidade da operação em causa para alcançar o objetivo que lhe foi atribuído.

 

4)

Em circunstâncias como as do litígio no processo principal, o direito da União não se opõe à adjudicação sem concurso de uma concessão de serviço público relativa a uma obra, desde que essa adjudicação responda ao princípio da transparência cujo respeito, sem necessariamente implicar uma obrigação de abrir um concurso, deve permitir a uma empresa situada no território de um Estado‑Membro diferente do da autoridade adjudicante aceder às informações adequadas relativas a essa concessão antes que esta seja adjudicada de forma a que, se essa empresa o tivesse pretendido, poderia ter manifestado o seu interesse na obtenção da referida concessão, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.