ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
12 de dezembro de 2013 ( *1 )
«Diretiva 2000/78/CE — Igualdade de tratamento — Convenção coletiva que reserva um benefício em matéria de remuneração e de condições de trabalho aos trabalhadores que contraem casamento — Exclusão dos parceiros que celebram um pacto civil de solidariedade — Discriminações baseadas na orientação sexual»
No processo C‑267/12,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pela Cour de cassation (França), por decisão de 23 de maio de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de maio de 2012, no processo
Frédéric Hay
contra
Crédit agricole mutuel de Charente‑Maritime et des Deux‑Sèvres,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, A. Rosas, D. Šváby (relator) e C. Vajda, juízes,
advogado‑geral: N. Jääskinen,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de F. Hay, por A. Lamamra, avocat, |
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em representação do Crédit agricole mutuel de Charente‑Maritime et des Deux‑Sèvres, por J.‑J. Gatineau, avocat, |
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em representação do Governo francês, por G. de Bergues, D. Colas e J. Rossi, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo belga, por M. Jacobs, na qualidade de agente, |
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em representação da Comissão Europeia, por J. Enegren e D. Martin, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO L 303, p. 16). |
2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe F. Hay ao Crédit agricole mutuel de Charente‑Maritime et des Deux‑Sèvres (a seguir «Crédit agricole»), seu empregador, relativo à recusa deste último, no seguimento da celebração de um pacto civil de solidariedade (a seguir «PACS»), de lhe conceder os dias de licença especial e o prémio salarial previstos para os trabalhadores que contraem casamento. |
Quadro jurídico
Direito da União
3 |
O considerando 22 da Diretiva 2000/78 prevê: «A presente diretiva não prejudica as legislações nacionais em matéria de estado civil nem as prestações delas decorrentes.» |
4 |
O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 dispõe: «A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.» |
5 |
Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva: «1. Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o 2. Para efeitos do n.o 1:
[...] 5. A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.» |
6 |
O n.o 1 do artigo 3.o da mesma diretiva tem a seguinte redação: «Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito: [...]
[...]» |
Direito francês
Código Civil
7 |
O artigo 144.o do Código Civil, conforme alterado pela Lei n.o 99‑944, de 15 de novembro de 1999 (a seguir «Código Civil»), dispõe: «O homem e a mulher não podem contrair casamento antes de cumprir dezoito anos.» |
8 |
O artigo 515.o‑1 do referido código prevê: «Um pacto civil de solidariedade é um contrato celebrado por duas pessoas maiores, de sexo diferente ou do mesmo sexo, para organizar a sua vida comum.» |
9 |
O artigo 515.o‑4 do Código Civil enuncia: «Os parceiros vinculados por um pacto civil de solidariedade comprometem‑se a uma vida comum, bem como a uma ajuda material e assistência recíprocas. Caso os parceiros não disponham de outra forma, a assistência material é proporcional às suas respetivas capacidades. Os parceiros são solidariamente responsáveis em relação a terceiros pelas dívidas contraídas por um deles para as necessidades da vida corrente. [...]» |
Código do Trabalho
10 |
O artigo L. 122.o‑45 do Código do Trabalho, na redação em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Código de Trabalho»), proíbe as discriminações diretas ou indiretas baseadas, nomeadamente, na orientação sexual, em matéria de remunerações e de condições de trabalho. |
11 |
O artigo L. 226.o‑1 do Código do Trabalho dispõe: «Todos os empregados beneficiam, mediante justificação e por ocasião de certos acontecimentos familiares, de uma autorização excecional de ausência de: Quatro dias pelo seu casamento; [...]» |
Convenção coletiva nacional do Crédit agricole
12 |
O artigo 20.o da convenção coletiva nacional do Crédit agricole, sob a epígrafe «Licenças especiais», estipula: «São concedidas licenças remuneradas, com salário por inteiro, nas seguintes circunstâncias: [...]
[...]» |
13 |
O artigo 34.o da convenção coletiva nacional do Crédit agricole, sob a epígrafe «Prémios e subsídios diversos», estipula: «Prémio de casamento Todos os trabalhadores recebem, no momento do seu casamento, um prémio igual, por mês de presença, a 1/36 avos do salário recebido no mês precedente ao casamento. [...]» |
14 |
Por acordo de 10 de julho de 2008 relativo à modificação dos artigos 20.°, 22.° e 34.° da convenção coletiva nacional do Crédit agricole, estes benefícios foram alargados em caso de celebração de um PACS. A Association française des banques et les fédérations syndicales também celebrou, em 27 de setembro de 2010, um aditamento à convenção coletiva nacional da banca de 10 de janeiro de 2000, para alargar o direito a licenças por acontecimentos familiares aos trabalhadores vinculados por um PACS. As disposições desse aditamento passaram a ser aplicadas a todo o setor bancário por despacho do ministre du Travail, de l’Emploi et de la Santé (Ministro do Trabalho, do Emprego e da Saúde) de 23 de dezembro de 2010. |
Litígio no processo principal e questão prejudicial
15 |
F. Hay é empregado do Crédit agricole desde 1998. |
16 |
Em 11 de julho de 2007, F. Hay celebrou um PACS com uma pessoa do mesmo sexo. Nessa ocasião, F. Hay pediu a concessão dos dias de licença especial e do prémio de casamento, concedidos ao trabalhador por conta de outrem que se casa, em conformidade com a convenção coletiva nacional do Crédit agricole. Contudo, o Crédit agricole recusou‑lhe esses benefícios com base no facto de, em conformidade com a referida convenção coletiva, aqueles só serem concedidos em caso de casamento. |
17 |
Em 17 de março de 2008, F. Hay apresentou no conseil de prud’hommes de Saintes um pedido no sentido de obter o pagamento do prémio de casamento no montante de 2637,85 euros e o pagamento de uma indemnização a título dos dias de licença especial no montante de 879,29 euros, o que lhe foi recusado. Por sentença de 13 de outubro de 2008, o conseil de prud’hommes de Saintes indeferiu esse pedido considerando que o prémio concedido em caso de casamento não tem ligação com o emprego, mas com o estado civil, e que o Código Civil diferencia o casamento do PACS. No entanto, salientou que a convenção coletiva nacional do Crédit agricole foi modificada em 10 de julho de 2008 para alargar às pessoas vinculadas por um PACS o benefício da referida convenção no que diz respeito ao prémio e à licença para casamento, mas considerou que esse alargamento não produzia efeitos retroativos. |
18 |
Por acórdão de 30 de março de 2010, a cour d’appel de Poitiers confirmou a referida sentença com o fundamento de que o PACS se diferencia do casamento pelas formalidades relativas à celebração, pela possibilidade de ser celebrado por duas pessoas que sejam maiores de idade, de sexo diferente ou do mesmo sexo, pelo modo de cessação, bem como pelas obrigações recíprocas em matéria de direitos patrimoniais, de direito das sucessões e de direito da filiação. O referido órgão jurisdicional considerou também que a diferença de tratamento entre os cônjuges e os parceiros de um PACS, em matéria de benefícios remunerados por motivos relacionados com acontecimentos familiares, não resulta da sua situação familiar nem da sua orientação sexual, mas de uma diferença de estatuto que resulta do seu estado civil, que não os coloca numa situação idêntica. |
19 |
Em 28 de maio de 2010, F. Hay interpôs recurso desse acórdão para a Cour de cassation. Segundo F. Hay, a recusa do Crédit agricole de lhe conceder os dias de licença especial e o prémio de casamento previstos pela convenção coletiva nacional do Crédit agricole constitui uma discriminação em razão da sua orientação sexual, contrária ao artigo L. 124.o‑45 do Código do Trabalho, aos artigos 1.° a 3.° da Diretiva 2000/78 e ao artigo 14.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. |
20 |
F. Hay sublinha que, nos termos do artigo 144.o do Código Civil, só as pessoas de sexo diferente podem casar‑se, enquanto as pessoas do mesmo sexo só podem celebrar um PACS, nos termos do artigo 515.o‑1 do Código Civil. Resulta desta disposição, lida em conjugação com a convenção coletiva nacional do Crédit agricole, que as pessoas do mesmo sexo vinculadas por um PACS não podem beneficiar dos dias de licença nem do prémio por casamento concedidos ao pessoal casado daquela empresa. |
21 |
Nestas circunstâncias, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [2000/78] deve ser interpretado no sentido de que a opção do legislador nacional de reservar a celebração de um casamento às pessoas de sexo diferente pode constituir um objetivo legítimo, adequado e necessário que justifica a discriminação indireta resultante do facto de uma convenção coletiva, ao reservar uma vantagem em matéria de remuneração e de condições de trabalho aos trabalhadores que [contraem] casamento, excluir necessariamente dessa vantagem os parceiros do mesmo sexo que tenham celebrado um [PACS]?» |
Quanto à questão prejudicial
22 |
A questão prejudicial baseia‑se na premissa de que a convenção coletiva nacional do Crédit Agricole inclui uma discriminação indireta em razão da orientação sexual, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, e pergunta se tal discriminação pode ser justificada. |
23 |
A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, mesmo que, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação de uma disposição particular do direito da União, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação deste direito que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, quer tal órgão lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão (v., neste sentido, acórdão de 12 de janeiro de 2010, Wolf, C-229/08, Colet., p. I-1, n.o 32 e jurisprudência referida). |
24 |
Tendo em conta a situação no processo principal, como exposta na decisão de reenvio, há que examinar a questão de saber se uma convenção coletiva nacional, como a do Crédit Agricole, inclui uma discriminação direta ou indireta na aceção do artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 2000/78. |
25 |
Portanto, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.o, n.o 2, alíneas a) e b), da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de uma convenção coletiva, como a que está em causa no processo principal, em virtude da qual um trabalhador por conta de outrem que celebra um PACS com uma pessoa do mesmo sexo não tem direito a obter benefícios, como dias de licença especial e prémio salarial, concedidos aos trabalhadores por conta de outrem por ocasião do seu casamento, quando a legislação nacional do Estado‑Membro em causa não autoriza o casamento de pessoas do mesmo sexo. |
26 |
A título preliminar, cumpre recordar que, como o indica o considerando 22 da Diretiva 2000/78, a legislação sobre o estado civil das pessoas insere‑se na competência dos Estados‑Membros. Porém, em conformidade com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2000/78 tem por objetivo lutar, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, contra certos tipos de discriminações, entre as quais figuram as baseadas na orientação sexual, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento (v. acórdão de 10 de maio de 2011, Römer, C-147/08, Colet., p. I-3591, n.o 38). |
27 |
No que respeita à aplicação da Diretiva 2000/78 às disposições de uma convenção coletiva como a que está em causa no processo principal, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando adotam medidas que entram no âmbito de aplicação dessa diretiva, os parceiros sociais devem agir no respeito da referida diretiva (v. acórdãos de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C-447/09, Colet., p. I-8003, n.o 48, e de 7 de junho de 2012, Tyrolean Airways Tiroler Luftfahrt, C‑132/11, n.o 22). |
28 |
Ao prever a concessão de licenças remuneradas e de um prémio de casamento por ocasião do casamento de um trabalhador da empresa, os artigos 20.° e 34.° da convenção coletiva nacional do Crédit Agricole estabelecem regras relativas às condições de emprego e de trabalho e, nomeadamente, às condições de remuneração, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78. Com efeito, o conceito de remuneração, na aceção desta disposição, deve ser interpretado em sentido amplo e compreende, nomeadamente, todas as regalias em dinheiro ou em espécie, atuais ou futuras, desde que sejam atribuídas, ainda que indiretamente, pelo empregador ao trabalhador, em razão do trabalho deste último, seja nos termos de um contrato de trabalho, de disposições legislativas ou a título voluntário (v. acórdão de 6 de dezembro de 2012, Dittrich e o., C‑124/11, C‑125/11 e C‑143/11, n.o 35). |
29 |
Por conseguinte, há que considerar que a Diretiva 2000/78 é aplicável a uma situação como a que deu origem ao litígio no processo principal. |
30 |
Nos termos do artigo 2.o da referida diretiva, entende‑se por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva. |
31 |
Quanto à existência de uma discriminação direta, o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 prevê que esta forma de discriminação tem lugar quando uma pessoa é objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa em situação comparável, com base num dos motivos visados pelo artigo 1.o desta diretiva, entre os quais figura a orientação sexual. |
32 |
Daqui resulta que a existência de tal discriminação pressupõe que as situações a ponderar sejam comparáveis (v., designadamente, acórdão Römer, já referido, n.o 41). |
33 |
Importa precisar, a este propósito, que, por um lado, não se exige que as situações sejam idênticas, mas simplesmente que sejam comparáveis, e, por outro, o exame deste caráter comparável não deve ser efetuado de modo global e abstrato, mas de modo específico e concreto, na perspetiva da prestação em causa (v. acórdãos de 1 de abril de 2008, Maruko, C-267/06, Colet., p. I-1757, n.os 67 a 69, e Römer, já referido, n.o 42). |
34 |
Assim, o Tribunal declarou, no que respeita à união de facto registada, conforme prevista pela Lei alemã da união de facto registada (Gesetz über die Eingetrangene Lebenspartnerschaft), que a comparação das situações deve basear‑se numa análise centrada nos direitos e obrigações das pessoas casadas e das pessoas vinculadas por uma união de facto registada, tais como resultam das disposições internas aplicáveis que sejam pertinentes tendo em conta o objetivo e os requisitos de atribuição da prestação em causa no processo principal, e não consistir em verificar se o direito nacional procedeu a uma equiparação jurídica geral e completa da união de facto registada ao casamento (v. acórdão Römer, já referido, n.o 43). |
35 |
Quanto às licenças remuneradas e ao prémio que as disposições em causa no processo principal concedem aos trabalhadores por ocasião do casamento, há que examinar se a situação das pessoas que contraem casamento e a das pessoas que, por não poderem casar com uma pessoa do mesmo sexo, celebram um PACS são comparáveis. |
36 |
Resulta da decisão de reenvio e dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que as pessoas do mesmo sexo podem celebrar um PACS para organizar a sua vida em comum, comprometendo‑se, nesse quadro, a uma ajuda material e assistência recíprocas. O PACS, que deve ser objeto de uma declaração conjunta e de um registo na Secretaria do tribunal d’instance em cujo foro essas pessoas fixaram a sua residência comum, constitui, como o casamento, uma forma de união civil de direito francês que coloca o casal num quadro jurídico preciso que institui direitos e obrigações, recíprocas e em relação a terceiros. Embora o PACS também possa ser celebrado por pessoas de sexo diferente, e apesar das diferenças globais que podem existir entre o regime de casamento e o do PACS, à data dos factos no processo principal, este último constituía a única possibilidade que o direito francês proporcionava aos casais do mesmo sexo para darem ao seu casal um estatuto jurídico certo e oponível a terceiros. |
37 |
Afigura‑se assim que, no que respeita aos benefícios em termos de remuneração e ou de condições de trabalho, como os dias de licença especial e o prémio em causa no processo principal, concedidos por ocasião da celebração da união civil que é o casamento, as pessoas do mesmo sexo que, não podendo contrair casamento, celebram um PACS encontram‑se numa situação comparável à dos casais que se casam. |
38 |
A este respeito, há que salientar que, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 33 do presente acórdão, o facto de o Conseil constitutionnel ter declarado, na sua decisão n.o 2011‑155, Laurence L., que os casais que contraíram matrimónio e os casais vinculados por um PACS não se encontram em situação comparável relativamente ao direito a uma pensão de sobrevivência não pode excluir a natureza comparável das situações dos trabalhadores casados e dos trabalhadores homossexuais vinculados por um PACS no que respeita à concessão de dias de licença e de prémios por ocasião do casamento. |
39 |
Da mesma forma, as diferenças entre o casamento e o PACS, salientadas pela cour d’appel de Poitiers no quadro do litígio no processo principal, no que respeita às formalidades relativas à celebração, à possibilidade de ser celebrado por duas pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo, ao modo de cessação ou às obrigações recíprocas em matéria de direitos patrimoniais, de direito das sucessões e de direito da filiação, são desprovidas de pertinência para apreciar o direito de um trabalhador de obter benefícios em termos de remuneração ou de condições de trabalho como os que estão em causa no processo principal. |
40 |
Neste contexto, há que salientar que a convenção coletiva nacional do Crédit agricole concede os referidos benefícios por ocasião da celebração do casamento e sem ter em conta os direitos e obrigações decorrentes do casamento. Tal é confirmado pela circunstância de o artigo 20.o dessa convenção coletiva conceder licenças especiais não apenas por ocasião do casamento do agente titular mas também por ocasião do casamento dos filhos, do irmão ou da irmã. |
41 |
Quanto à existência da discriminação, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma legislação de um Estado‑Membro que só conceda direito a benefícios em termos de remuneração ou de condições de trabalho aos trabalhadores casados, quando o casamento, nesse Estado‑Membro, só é legalmente possível entre pessoas de sexo diferente, cria uma discriminação direta baseada na orientação sexual para com os trabalhadores homossexuais titulares de um PACS, que se encontram em situação comparável (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Maruko, n.o 73, e Römer, n.o 52). |
42 |
Ora, os artigos 20.° e 34.° da convenção coletiva nacional do Crédit agricole concedem licenças remuneradas e um prémio aos trabalhadores que contraem casamento. Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, o casamento não é possível para as pessoas do mesmo sexo, pelo que estas não podem usufruir desses benefícios. |
43 |
A circunstância de o PACS, diferentemente da união de facto registada em causa nos processos que deram origem aos acórdãos, já referidos, Maruko e Römer, não ser reservado aos casais homossexuais não é relevante e, em particular, não altera a natureza da discriminação para com os casais que, diferentemente dos casais heterossexuais, não podiam, no momento dos factos no processo principal, legalmente contrair casamento. |
44 |
Com efeito, uma diferença de tratamento baseada no estado civil de casado do trabalhador e não expressamente na sua orientação sexual continua a ser uma discriminação direta, dado que, pelo facto de o casamento estar reservado às pessoas de sexo diferente, os trabalhadores homossexuais estão impossibilitados de cumprir o requisito necessário para obterem o benefício reivindicado. |
45 |
Por outro lado, na medida em que a discriminação operada é direta, a mesma não pode ser justificada por um «objetivo legítimo», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, pois esta disposição diz apenas respeito às discriminações indiretas, mas apenas por um dos fundamentos visados pelo artigo 2.o, n.o 5, da referida diretiva, a saber, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde e a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. |
46 |
Importa salientar, a este respeito, que nenhum desses fundamentos foi invocado no âmbito do litígio no processo principal. Por outro lado, na medida em que o referido artigo 2.o, n.o 5, prevê uma derrogação ao princípio da proibição das discriminações, deve ser objeto de interpretação estrita (v. acórdão Prigge e o., já referido, n.o 56). |
47 |
Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de uma convenção coletiva, como a que está em causa no processo principal, por força da qual um trabalhador por conta de outrem que celebre um PACS com uma pessoa do mesmo sexo é excluído do direito de obter benefícios como dias de licença especial e um prémio salarial, concedidos aos trabalhadores por conta de outrem por ocasião do seu casamento, quando a legislação nacional do Estado‑Membro em causa não autoriza o casamento de pessoas do mesmo sexo, na medida em que, tendo em conta o objetivo e os requisitos da concessão desses benefícios, esse trabalhador se encontra numa situação comparável à de um trabalhador que contrai casamento. |
Quanto às despesas
48 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara: |
O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição de uma convenção coletiva, como a que está em causa no processo principal, por força da qual um trabalhador por conta de outrem que celebre um pacto civil de solidariedade com uma pessoa do mesmo sexo é excluído do direito de obter benefícios como dias de licença especial e um prémio salarial, concedidos aos trabalhadores por conta de outrem por ocasião do seu casamento, quando a legislação nacional do Estado‑Membro em causa não autoriza o casamento de pessoas do mesmo sexo, na medida em que, tendo em conta o objetivo e os requisitos da concessão desses benefícios, esse trabalhador se encontra numa situação comparável à de um trabalhador que contrai casamento. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: francês.