ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

3 de abril de 2014 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Setor financeiro — Perturbação grave da economia de um Estado‑Membro — Auxílio de Estado a favor de um grupo bancário — Forma — Injeção de capital no quadro de um plano de reestruturação — Decisão — Compatibilidade do auxílio com o mercado comum — Requisitos — Alteração das condições de reembolso do auxílio — Critério do investidor privado»

No processo C‑224/12 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 11 de maio de 2012,

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e H van Vliet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Reino dos Países Baixos, representado por M. de Ree, C. Wissels e J. Langer, na qualidade de agentes, assistidos por P. Glazener, advocaat,

ING Groep NV, com sede em Amesterdão (Países Baixos), representado por O. W. Brouwer e J. Blockx, advocaten, e por M. O’Regan, solicitor,

recorrentes em primeira instância,

De Nederlandsche Bank NV, com sede em Amesterdão (Países Baixos), representado por S. Verschuur e H. Gornall, advocaten, e por M. Petite, avocat,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça (relator), G. Arestis, J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de setembro de 2013,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 19 de dezembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de março de 2012, Países Baixos e ING Groep/Comissão (T‑29/10 e T‑33/10, a seguir «acórdão recorrido»), em que o mesmo julgou procedentes os pedidos de anulação parcial da Decisão 2010/608/CE da Comissão, de 18 de novembro de 2009, relativa ao auxílio estatal C 10/09 (ex N 138/09) aplicado pelos Países Baixos em relação ao mecanismo subsidiário de cobertura de ativos ilíquidos e ao plano de reestruturação do ING (JO 2010, L 274, p. 139, a seguir «decisão controvertida»).

Antecedentes do litígio

2

O ING Groep NV (a seguir «ING») é uma instituição financeira com sede social em Amesterdão (Países Baixos) que oferece serviços de banca, de investimentos, de seguros de vida e de planos de pensões a particulares, a sociedades e a clientes institucionais em mais de 40 países. O ING detém 100% do capital do ING Bank NV e do ING Verzekeringen NV, duas filiais que controlam, por sua vez, as filiais do ING, respetivamente, do ramo bancário e segurador.

3

Devido à crise financeira mundial que começou durante o ano de 2007 e se agravou consideravelmente durante o ano seguinte, o Reino dos Países Baixos adotou várias medidas de auxílio a favor do ING, duas delas especialmente pertinentes no âmbito do presente recurso.

4

A primeira medida de auxílio consistia num aumento de capital, mediante a criação de mil milhões de títulos ING, sem direito de voto nem direito a dividendos, integralmente subscritos pelo Reino dos Países Baixos a um preço de emissão de 10 euros por título. Esta operação permitiu ao ING aumentar o seu capital de base dito «Core Tier 1» (categoria 1) em 10 mil milhões de euros. Com base nas condições de reembolso contidas no acordo de subscrição de capital celebrado a este respeito entre o Reino dos Países Baixos e o ING, por iniciativa do ING, os títulos deviam ser resgatados ao preço de 15 euros por título (o que representava um prémio de reembolso de 50% relativamente ao preço de emissão), ou, passados três anos, ser convertidos em ações ordinárias. Se o ING optasse pela conversão, as autoridades neerlandesas podiam, então, obter da parte do ING o resgate dos títulos ao preço unitário de 10 euros, acrescido dos juros vencidos. Só devia ser pago um cupão sobre os títulos ao Reino dos Países Baixos se o ING pagasse um dividendo sobre as ações ordinárias.

5

A segunda medida de auxílio consistia numa troca de fluxos de tesouraria relativa a ativos depreciados de uma carteira de títulos garantidos por créditos hipotecários residenciais concedidos nos Estados Unidos, cujo valor tinha diminuído consideravelmente.

6

Em 22 de outubro de 2008, o Reino dos Países Baixos notificou a primeira medida de auxílio à Comissão, e o aumento de capital do ING teve lugar em 11 de novembro de 2008.

7

Em 12 de novembro de 2008, a Comissão adotou a Decisão C (2008) 6936, no processo n.o 528/08, relativa ao auxílio concedido pelo Reino dos Países Baixos ao ING (a seguir «decisão inicial»). Nessa decisão, considerou que a compra dos títulos ING por este Estado‑Membro continha um elemento de auxílio na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE. Contudo, a Comissão referiu que essa medida era compatível com o mercado comum na aceção do artigo 87.o, n.o 3, alínea b), CE, na medida em que visava corrigir uma perturbação grave da economia de um Estado‑Membro devido à crise financeira mundial. Consequentemente, aprovou a referida medida por um período de seis meses. A Comissão indicou igualmente que, se as autoridades neerlandesas introduzissem um plano credível a este respeito nesse período de seis meses (a seguir «plano de reestruturação»), a validade da decisão inicial seria automaticamente prorrogada até que adotasse uma decisão sobre esse plano.

8

Em 4 de março de 2009, o Reino dos Países Baixos notificou a segunda medida de auxílio à Comissão.

9

Por carta de 31 de março de 2009, a Comissão notificou o Reino dos Países Baixos da sua decisão de instaurar o procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE (JO C 158, p. 13), por duvidar da conformidade de determinados aspetos da medida relativa a ativos depreciados com a Comunicação da Comissão relativa ao tratamento dos ativos depreciados no setor bancário da Comunidade (JO 2009, C 72, p. 1). Porém, com essa decisão, autorizou a referida medida por um período de seis meses. Nessa decisão é referido que as autoridades neerlandesas se tinham comprometido a incluir a medida de resgate dos ativos depreciados no plano de reestruturação que deviam apresentar por força da decisão inicial.

10

Em 12 de maio de 2009, o Reino dos Países Baixos notificou a Comissão de um plano de reestruturação relativo ao ING. Após vários meses de discussão, este Estado‑Membro apresentou à Comissão, em 22 de outubro de 2009, um plano de reestruturação revisto, que incluía, nomeadamente, uma alteração das condições de reembolso da injeção de capital concedida pelo Reino dos Países Baixos em 11 de novembro de 2008 (a seguir «injeção de capital»).

11

Em 18 de novembro de 2009, a Comissão adotou a decisão controvertida.

12

No considerando 34 da decisão controvertida, que faz parte do seu ponto 2, intitulado «Descrição dos factos», a Comissão apresentou a alteração das condições de reembolso da seguinte forma:

«O quadro do plano de reestruturação, o Estado neerlandês apresentou uma alteração ao acordo de reembolso dos valores mobiliários do nível 1 por parte do ING. Nos termos das condições alteradas, o ING poderá recomprar até 50% dos valores mobiliários do nível 1 ao preço de emissão (10 [euros]), acrescido dos juros vencidos em relação ao cupão anual de 8,5% (cerca de 253 milhões de [euros]) e de uma penalização por reembolso antecipado quando a cotação das ações do ING se situar acima de 10 [euros]. A penalização por reembolso antecipado aumenta em função da cotação das ações do ING. Para efeitos de cálculo do prémio de reembolso antecipado, o aumento da cotação das ações está limitado a 12,45 [euros]. A esse nível, a penalização é igual a 13% anualizados. A penalização por reembolso antecipado poderia atingir o valor máximo de 705 milhões de [euros], caso os 5 mil milhões de [euros] fossem reembolsados no prazo de 400 dias a contar da data de emissão. Além disso, o prémio da penalização tem um limite mínimo de 340 milhões de [euros], o que garante uma taxa interna de rentabilidade de 15% para os Países Baixos. Por outras palavras, tendo em conta que o ING teria normalmente de pagar um prémio de reembolso no valor de 2,5 mil milhões de [euros], esta alteração traduz‑se numa vantagem adicional para o ING avaliada entre 1,79 e 2,2 mil milhões de [euros], consoante a cotação das ações do ING. […]»

13

Após ter declarado, no considerando 98 da decisão controvertida, que essa alteração das modalidades de reembolso da injeção de capital representava «um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de [euros]», a Comissão considerou, porém, no considerando 157 dessa decisão, que a referida medida de auxílio suplementar devia ser declarada compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.o, n.o 3, alínea b), CE.

14

Consequentemente, a decisão controvertida previa no seu artigo 2.o:

«O auxílio à reestruturação concedido pelo Estado neerlandês ao ING constitui um auxílio estatal na aceção do artigo 87.o, n.o 1, do Tratado.

O auxílio é compatível com o mercado comum, sob reserva dos compromissos enumerados no anexo II.

É revogada a limitação temporária ao crescimento do balanço prevista na decisão [inicial].»

Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

15

Por petições entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de janeiro de 2010, o Reino dos Países Baixos e o ING interpuseram os seus recursos, respetivamente, nos processos T‑29/10 e T‑33/10.

16

Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral de 15 de março de 2010, os processos T‑29/10 e T‑33/10 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

17

Por despacho de 14 de julho de 2010, o Tribunal Geral admitiu a intervenção do De Nederlandsche Bank NV (a seguir «DNB») em apoio dos pedidos apresentados pelo ING.

18

No acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou procedentes os três fundamentos invocados pelo Reino dos Países Baixos e o primeiro fundamento suscitado pelo ING. Por conseguinte, anulou o artigo 2.o, primeiro e segundo parágrafos, bem como o anexo II da decisão controvertida.

19

Ao analisar os referidos fundamentos, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente, que a Comissão não se podia subtrair à sua obrigação de apreciar a racionalidade económica da alteração das condições de reembolso à luz do critério do investidor privado pelo simples facto de a injeção de capital objeto de reembolso constituir já, em si mesma, um auxílio de Estado.

Desenvolvimentos posteriores à prolação do acórdão recorrido

20

Na sequência do acórdão recorrido, a Comissão adotou, em 11 de maio de 2012, a Decisão C(2012) 3150 final — Auxílio de Estado SA.28855 (N 373/2009) (ex‑C 10/2009 e N528/2009) — Países Baixos — ING — Auxílio à reestruturação (a seguir «nova decisão»). Nessa decisão, a Comissão reapreciou a alteração das condições de reembolso da injeção de capital à luz do critério do investidor privado e concluiu que um investidor privado numa economia de mercado não teria aceitado essas novas condições. A Comissão decidiu então que a referida alteração constituía um auxílio de Estado, mas que, à luz dos compromissos assumidos pelos Países Baixos, o auxílio em causa era compatível com o mercado interno.

21

Através de dois recursos interpostos em 23 de julho de 2012 no Tribunal Geral (processos T‑325/12 e T‑332/12), os Países Baixos e o ING pediram a anulação da nova decisão com o fundamento, nomeadamente, de que a Comissão tinha errado na aplicação do critério do investidor privado. Contudo, as referidas partes desistiram dos seus recursos e, por despacho do Tribunal Geral de 6 de dezembro de 2012, Países Baixos e ING Groep/Comissão (T‑325/12 e T‑332/12), os mesmos processos foram cancelados no registo do Tribunal Geral.

22

Por conseguinte, a nova decisão tornou‑se definitiva.

Pedidos das partes

23

No seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

a título principal, anular o acórdão recorrido, negar provimento ao recurso de anulação parcial da decisão controvertida e condenar o Reino dos Países Baixos e o ING nas despesas;

a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e remeter os processos apensos ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre o segundo e o terceiro fundamentos invocados pelo ING no processo T‑33/10, e reservar para final a decisão quanto às despesas das duas instâncias; e,

a título mais subsidiário, anular o artigo 2.o, terceiro parágrafo, da decisão controvertida e condenar o Reino dos Países Baixos e o ING nas despesas do presente recurso.

24

O Reino dos Países Baixos pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

a título principal, julgar todos os fundamentos da Comissão improcedentes e condená‑la nas despesas; e

a título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça venha a julgar um ou vários fundamentos invocados pela Comissão procedentes e anular o acórdão recorrido, remeter o processo ao Tribunal Geral.

25

O ING pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

declarar o recurso inadmissível e/ou parcialmente sem efeito quanto aos pontos indicados;

a título subsidiário, caso se declare que o recurso é admissível e produz efeitos, negar‑lhe provimento na sua totalidade;

condenar a Comissão nas despesas do processo de recurso e do processo no Tribunal Geral, e

a título mais subsidiário, caso o Tribunal de Justiça dê provimento ao recurso e, como tal, anule, total ou parcialmente, o acórdão recorrido, remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas da primeira instância e do presente recurso.

26

O DNB pede ao Tribunal de Justiça que se digne julgar improcedentes o primeiro e o quarto fundamentos do recurso da Comissão.

Quanto ao presente recurso

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro do Tribunal Geral na medida em que considerou que o critério do investidor privado era aplicável à alteração das condições de reembolso de um auxílio de Estado

Argumentos das partes

27

A Comissão sustenta que apenas é adequado aplicar o critério do investidor privado ao comportamento das autoridades públicas quando estas últimas se encontrem numa posição comparável àquela em que se poderiam encontrar os operadores privados. Ora, um investidor privado nunca se poderia encontrar numa situação em que tivesse concedido um auxílio de Estado ao ING.

28

O Reino dos Países Baixos, o ING e o DNB consideram que o primeiro fundamento é improcedente. Concretamente, alegam que a Comissão inferiu, erradamente, do facto de a injeção de capital ser uma medida de auxílio concedida por este Estado‑Membro, na sua qualidade de poder público, que qualquer ato emanado do Reino dos Países Baixos relativamente a essa injeção já não podia ser apreciado em função do critério do investidor privado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

29

A título preliminar, importa sublinhar que o debate no Tribunal Geral não dizia respeito à aplicação concreta do critério do investidor privado à alteração das condições de reembolso da injeção de capital, mas à aplicabilidade deste critério.

30

A este respeito, importa recordar que, no n.o 92 do acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF (C‑124/10 P), o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo artigo 87.o, n.o 1, CE e pelo critério do investidor privado, uma vantagem económica, ainda que concedida através de meios de natureza fiscal, deve ser apreciada à luz do critério do investidor privado, se se revelar, no termo de uma apreciação global, que o Estado‑Membro em causa, apesar da utilização de meios que decorrem das prerrogativas de poder público, concedeu a referida vantagem na sua qualidade de acionista da empresa que lhe pertence.

31

Daqui decorre que a aplicabilidade do critério do investidor privado a uma intervenção pública não depende da forma em que foi concedida a vantagem, mas da qualificação da referida intervenção enquanto decisão de um acionista da empresa em causa.

32

Além disso, este critério figura entre os elementos que a Comissão está obrigada a ter em conta para demonstrar a existência de um auxílio e, por isso, não constitui uma exceção aplicável unicamente a pedido de um Estado‑Membro, quando tiver sido constatado que estão reunidos os elementos constitutivos do conceito de auxílio de Estado incompatível com o mercado comum, constante do artigo 87.o, n.o 1, CE (v. acórdão Comissão/EDF, já referido, n.o 103).

33

Consequentemente, quando se verifique que o critério do investidor privado pode ser aplicável, incumbe à Comissão pedir ao Estado‑Membro em causa todas as informações pertinentes que lhe permitam verificar se os requisitos de aplicabilidade e de aplicação deste critério estão preenchidos (v. acórdão Comissão/EDF, já referido, n.o 104).

34

A aplicação dessa jurisprudência não é comprometida pelo mero facto de, no caso vertente, estar em causa a aplicabilidade do critério do investidor privado a uma alteração das condições de resgate de títulos adquiridos mediante um auxílio de Estado.

35

Com efeito, como a advogada‑geral sublinhou no n.o 41 das suas conclusões, qualquer detentor de títulos, sejam de que montante e de que natureza forem, pode pretender ou aceitar renegociar as condições do seu resgate. Por conseguinte, é útil comparar o comportamento do Estado a esse respeito com o comportamento que um investidor privado hipotético teria adotado numa situação comparável.

36

No âmbito desta comparação, a questão determinante é saber se a alteração das condições de reembolso da injeção de capital obedeceu a um critério de racionalidade económica, pelo que um investidor privado poderia igualmente aceitar tal alteração, nomeadamente, aumentando as perspetivas de obter o reembolso dessa injeção.

37

Nestas condições, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 99 do acórdão recorrido, que a Comissão não se podia subtrair à sua obrigação de analisar a racionalidade económica da alteração das condições de reembolso à luz do critério do investidor privado pelo simples facto de a injeção de capital objeto de reembolso já constituir, em si mesma, um auxílio de Estado. Assim, o Tribunal Geral teve razão em considerar que só no fim dessa análise a Comissão está em condições de concluir, ou não, pela existência de uma vantagem suplementar na aceção do artigo 87.o, n.o 1, CE.

38

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à avaliação errada, pelo Tribunal Geral, dos lucros cessantes sofridos pelo Estado‑Membro em resultado das condições de reembolso alteradas

Argumentos das partes

39

Segundo a Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na medida em que considerou que, mesmo admitindo que pudesse concluir que, em virtude da alteração das condições de reembolso, o Reino dos Países Baixos tinha sofrido uma perda de receitas, a Comissão não tinha determinado corretamente o montante desses alegados lucros cessantes, na medida em que não tivera em consideração o pagamento de um cupão representante dos juros vencidos que se tinha tornado obrigatório e incondicional no quadro das condições alteradas.

40

O Reino dos Países Baixos e o ING consideram que se trata de uma questão que requer uma apreciação de facto, que não pode ser apreciada em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

Apreciação do Tribunal de Justiça

41

Com o seu segundo fundamento, a Comissão critica, no essencial, a análise de facto realizada pelo Tribunal Geral, nos n.os 126 a 142 do acórdão recorrido, a propósito da alteração das condições de reembolso da injeção de capital.

42

No n.o 135 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que, na sequência da alteração das condições de reembolso, o pagamento de um cupão representante dos juros vencidos à data do reembolso antecipado já não dependia, como sucedia nos termos das condições iniciais, do pagamento de um dividendo aos titulares de ações ordinárias.

43

Em contrapartida, a Comissão alega que, segundo as condições de reembolso iniciais, o ING estava obrigado a pagar ao Reino dos Países Baixos juros vencidos à data em que reembolsasse a injeção de capital.

44

Como a advogada‑geral assinalou no n.o 47 das suas conclusões, o debate sobre se as condições de reembolso alteradas foram, ou não, corretamente descritas no plano de restruturação revisto, e em que medida se puderam afastar das condições iniciais, não é da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

45

Com efeito, nos termos dos artigos 256.°, n.o 1, TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. Assim, o Tribunal Geral é o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação desses factos e desses elementos de prova não constitui, portanto, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

46

Posto que a Comissão não invoca nenhuma eventual desvirtuação, decorre daí que o segundo fundamento deve ser julgado inadmissível.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro do Tribunal Geral na medida em que não podia anular, na sua totalidade, o artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida

Argumentos das partes

47

A Comissão alega que, mesmo admitindo que não teve razão em considerar as condições de reembolso alteradas um auxílio de Estado ou em quantificar o montante do auxílio como fez, o Tribunal Geral não podia anular na sua totalidade o primeiro parágrafo do artigo 2.o da decisão controvertida.

48

Com efeito, dado que, por um lado, o Tribunal Geral reconheceu que o auxílio à reestruturação mencionado no artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida não distinguia entre os diversos elementos desse auxílio e que, por outro, a qualificação de auxílio de Estado da injeção de capital e da medida dos ativos depreciados enunciada na referida decisão não foi contestada pelo Tribunal Geral, a Comissão considera que este último violou o princípio da proporcionalidade ao anular, na sua totalidade, o primeiro parágrafo do referido artigo 2.o

49

A Comissão alega igualmente que, em todo o caso, o Tribunal Geral não podia anular o artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida, na medida em que esta disposição continha unicamente atos confirmativos.

50

O Reino dos Países Baixos e o ING consideram que o Tribunal Geral não tinha alternativa à anulação total do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida, uma vez que esta disposição se referia apenas em termos gerais ao «auxílio à reestruturação», de que fazia parte o alegado auxílio resultante da alteração das condições de reembolso. Com efeito, o Tribunal Geral entendeu que a apreciação dessa alteração não podia ser dissociada das demais partes do ato.

Apreciação do Tribunal de Justiça

51

De modo a decidir sobre a procedência deste fundamento, importa analisar se o Tribunal Geral apreciou corretamente as eventuais consequências sobre o dispositivo da decisão controvertida, em especial o seu artigo 2.o, primeiro parágrafo, do erro que, no seu entender, feria essa decisão, na medida em que nela se considerou que a alteração das condições de reembolso da injeção de capital incluía um auxílio adicional.

52

Nos termos do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida, o «auxílio à reestruturação concedido pelo Estado neerlandês ao ING constitui um auxílio estatal […]».

53

Com base nas respostas fornecidas pela Comissão às questões escritas do Tribunal Geral, este concluiu que o auxílio de 17 mil milhões de euros previsto na decisão controvertida se decompunha do seguinte modo: primeiro, o montante do auxílio relativo à injeção de capital, ou seja, 10 mil milhões de euros, segundo, o montante do auxílio relativo à alteração das condições de reembolso, ou seja, cerca de 2 mil milhões de euros e, terceiro, o montante do auxílio relativo aos ativos depreciados, ou seja, 5 mil milhões de euros.

54

Por conseguinte, o Tribunal Geral teve razão em considerar, no n.o 152 do acórdão recorrido, que o auxílio suplementar, ou seja, o auxílio relativo à alteração das condições de reembolso, era um elemento constitutivo do «auxílio à reestruturação» enunciado no artigo 2.o, primeiro parágrafo, do dispositivo da decisão controvertida, que não distinguia os diferentes elementos desse auxílio.

55

Nesta base, o Tribunal Geral concluiu, no n.o 153 do acórdão recorrido, que, tendo em conta os erros que inquinavam a qualificação de auxílio suplementar efetuada na decisão controvertida, o artigo 2.o, primeiro parágrafo, dessa decisão devia ser anulado na sua totalidade, uma vez que assentava na conclusão de que a alteração das condições de reembolso constituía um auxílio suplementar no valor aproximado de 2 mil milhões de euros.

56

A Comissão critica o Tribunal Geral por, no essencial, não se ter limitado a anular parcialmente o artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida. Com efeito, no seu entender, tal anulação era possível visto que a apreciação da medida de auxílio relativa à alteração das condições de reembolso era destacável da apreciação dos demais elementos do auxílio à reestruturação.

57

A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato. Esta exigência de separabilidade não é satisfeita quando a anulação parcial de um ato tenha por efeito modificar a substância deste (acórdãos de 24 de maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C-244/03, Colet., p. I-4021, n.os 12 e 13, e de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, n.o 38).

58

Ora, no caso vertente, a anulação parcial do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida teve por efeito a alteração da substância da dita decisão, tendo em conta a impossibilidade de fixar o montante exato do auxílio suplementar.

59

Com efeito, no considerando 34 da decisão controvertida, a Comissão concluiu que o montante da alteração das condições de reembolso da injeção de capital se traduzia numa vantagem adicional para o ING avaliada entre 1,7 e 2,2 mil milhões de euros, consoante a cotação das ações do ING.

60

Por sua vez, em contrapartida, no n.o 140 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, mesmo admitindo que a qualificação de auxílio suplementar efetuada pela Comissão estivesse correta, os lucros cessantes sofridos pelo Estado neerlandês devido à alteração das condições de reembolso não podiam ser iguais a um montante de cerca de 2 mil milhões de euros, mas sim a uma quantia necessariamente inferior na proporção do montante dos juros vencidos à data do reembolso.

61

Ora, foi com base no montante global de 17 mil milhões de euros que a Comissão chegou à conclusão de que o auxílio à reestruturação do ING representava 5% dos RWA (ativos ponderados em função do risco) do ING. Além disso, ao utilizar este patamar de 5% dos RWA, enquanto indicador da dimensão do auxílio, é que a Comissão concluiu, no considerando 141 da decisão controvertida, que o ING tinha obtido «um montante de auxílio significativo».

62

Nos n.os 154 e 156 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que o auxílio suplementar fazia, assim, parte integrante da apreciação da Comissão quando esta se pronunciou sobre a compatibilidade do auxílio com o mercado comum e, em especial, sobre a determinação do nível de compromissos exigidos para permitir que o auxílio fosse declarado compatível.

63

A este respeito, o Tribunal Geral indicou, no n.o 158 do acórdão recorrido, que decorre claramente da decisão controvertida que a Comissão analisou a questão da amplitude das medidas compensatórias à luz dos efeitos do auxílio à reestruturação composto pelo auxílio relativo à injeção de capital, pelo auxílio relativo à alteração das condições de reembolso e pelo auxílio relativo aos ativos depreciados, isto é, à luz de um auxílio no montante total de 17 mil milhões de euros.

64

Assim, o Tribunal Geral considerou, com razão, que era impossível dissociar o auxílio suplementar do dispositivo e dos fundamentos que lhe serviam de base.

65

Além disso, a Comissão alega que o artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão controvertida não podia ser anulado, na medida em que esta disposição apenas constituía um ato confirmativo da decisão inicial.

66

Ora, a este respeito, decorre da decisão inicial que a Comissão ratificou «a compra pelo Estado neerlandês dos haveres do ING», a título de «medida de urgência atendendo à crise financeira, por um período de 6 meses». Findo esse período, a medida devia ser reapreciada.

67

Assim, tratava‑se de uma medida temporária justificada por circunstâncias excecionais e cuja validade estava condicionada à apresentação, pelas autoridades neerlandesas, de um plano sobre a viabilidade do ING a longo prazo. Se tal plano viesse a ser apresentado, essa medida seria automaticamente prorrogada até a Comissão adotar uma decisão sobre esse plano.

68

Por outro lado, a decisão inicial tinha por objeto único a medida de auxílio relativa à injeção de 10 mil milhões em capital, sendo omissa quanto às demais medidas respeitantes ao auxílio suplementar e aos ativos depreciados.

69

Embora seja verdade que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um ato puramente confirmativo não é suscetível de recurso de anulação (v., nomeadamente, acórdão de 9 de dezembro de 2004, Comissão/Greencore, C-123/03 P, Colet., p. I-11647, n.o 39), o Tribunal de Justiça também já declarou que um ato é puramente confirmativo de um ato existente quando não contém elementos novos no que diz respeito a este último (v. acórdãos de 10 de dezembro de 1980, Grasselli/Comissão, 23/80, Recueil, p. 3709, n.o 18, e de 14 de setembro de 2006, Comissão/Fernández Gómez, C-417/05 P, Colet., p. I-8481, n.o 46).

70

Ora, ao ratificar um auxílio global à reestruturação do ING, que continha três medidas de auxílio e cujo montante ascendia a 17 mil milhões de euros, a decisão controvertida não se limitou a confirmar o que tinha sido aprovado na decisão inicial.

71

Com efeito, uma análise preliminar de uma só medida de auxílio implementada no âmbito de uma situação excecional de crise financeira mundial que impunha a adoção de medidas urgentes não pode obedecer aos mesmos critérios que os que devem presidir a uma decisão definitiva sobre a compatibilidade com o mercado interno de três medidas de auxílio num montante significativamente superior.

72

Assim, a decisão controvertida contém vários elementos novos em comparação com a decisão inicial que obstam à sua qualificação de «ato confirmativo».

73

Face às considerações que precedem, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na medida em que concluiu pela ilegalidade do artigo 2.o, segundo parágrafo, da decisão controvertida por considerar que a Comissão tinha qualificado, sem razão, as condições de reembolso alteradas de «auxílio de Estado»

Argumentos das partes

74

A Comissão critica o Tribunal Geral por ter inferido da constatação de um erro na sua apreciação do auxílio suplementar a existência de repercussões sobre os compromissos exigidos para permitir que o auxílio à reestruturação fosse declarado compatível com o mercado comum. Assim, o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que, visto o auxílio relativo às modalidades de reembolso alteradas ter sido sobreavaliado, os compromissos propostos pelas autoridades neerlandesas podiam ter excedido o mínimo exigido para tornar o auxílio a favor do ING compatível com o mercado comum.

75

A este respeito, a Comissão sustenta que não tem competência para recusar compromissos assumidos por um Estado‑Membro relacionados com uma medida notificada por irem além do que é necessário para tornar um auxílio de Estado compatível com o mercado comum. Segundo a Comissão, tendo em conta que os compromissos propostos pelo Reino dos Países Baixos eram suficientes para tornar compatível, no seu todo, a injeção de capital, a medida relativa aos ativos depreciados e a alteração das condições de reembolso, tais compromissos bastavam, por conseguinte, para tornar compatíveis duas dessas medidas.

76

O Reino dos Países Baixos e o ING, apoiados a este respeito pelo DNB, recordam que, se propuseram os compromissos em causa, foi porque a Comissão tinha declarado que não adotaria uma decisão favorável caso essas medidas compensatórias mínimas não fossem propostas. Por conseguinte, a Comissão não pode alegar que os referidos compromissos não lhe eram imputáveis.

Apreciação do Tribunal de Justiça

77

Há desde logo que considerar, como a advogada‑geral assinalou no n.o 64 das suas conclusões, que resulta da exposição do Tribunal Geral, nos n.os 9 a 37 do acórdão recorrido, sobre o procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão controvertida que a Comissão mencionou repetidamente as medidas que considerava necessárias, explicando que não aprovaria o plano de reestruturação sem essas medidas.

78

Com efeito, no n.o 14 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que, numa reunião realizada em 24 de abril de 2009 entre a Comissão, o Reino dos Países Baixos, o ING e o DNB, a Comissão indicou que as medidas de auxílio em causa «não seriam aprovadas» se o ING não estivesse disposto a «aceitar importantes medidas em matéria de reestruturação para restaurar a sua viabilidade e reduzir as distorções de concorrência geradas».

79

O Tribunal Geral referiu igualmente, no n.o 29 do acórdão recorrido, que, em 12 de outubro de 2009, o ING apresentou à Comissão um outro plano de reestruturação que se «referia[…] várias vezes às propostas feitas pelo membro da Comissão responsável pela concorrência no correio eletrónico de 6 de outubro de 2009. Em especial, o plano previa várias cessões que conduzissem a uma redução do balanço do ING em 45%, ou seja, cerca de três vezes o que tinha sido proposto no plano de reestruturação apresentado em 12 de maio de 2009, uma proibição de toda e qualquer aquisição e compromissos de atuação, como exigidos pela Comissão».

80

Resulta desta apreciação factual que, contrariamente ao que a Comissão sustentou, os compromissos enumerados no anexo II da decisão controvertida não resultavam simplesmente de propostas unilaterais do Reino dos Países Baixos e do ING a que a Comissão era estranha. O Tribunal Geral concluiu que, pelo contrário, os referidos compromissos resultavam em grande parte das exigências impostas pela Comissão ao Reino dos Países Baixos e ao ING na pendência do procedimento administrativo.

81

Nestas circunstâncias, a tese defendida pela Comissão no âmbito deste fundamento, segundo a qual não podia condicionar os compromissos oferecidos pelo Reino dos Países Baixos e pelo ING, colidem com as constatações factuais do Tribunal Geral.

82

A análise deste fundamento quanto ao mérito implicaria, assim, uma reapreciação dos factos em causa. Ora, dado que a Comissão não invocou a sua desvirtuação pelo Tribunal Geral, e pelas razões recordadas no n.o 45 do presente acórdão, essa apreciação não é da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

83

Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado inadmissível.

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação, pelo Tribunal Geral, do princípio ne ultra petita

Argumentos das partes

84

A Comissão alega que, nas petições apresentadas no Tribunal Geral pelo Reino dos Países Baixos e pelo ING, no âmbito, respetivamente, dos processos T‑29/10 e T‑33/10, não constava o pedido de anulação do artigo 2.o, segundo parágrafo, da decisão controvertida e do respetivo anexo. Ao anular estas disposições, o Tribunal Geral alargou ilegalmente o âmbito de aplicação do recurso interposto perante si e, por conseguinte, decidiu ultra petita.

85

O Reino dos Países Baixos e o ING contestam esta conclusão.

Apreciação do Tribunal de Justiça

86

Importa começar por sublinhar que, com o seu primeiro fundamento no processo T‑33/10, o ING pediu ao Tribunal Geral a anulação da decisão controvertida, na medida em que nela se considerava que «a alteração à transação [CT1] constituía um auxílio de Estado [adicional]».

87

Ora, decorre do pedido de anulação apresentado pelo ING no Tribunal Geral, por um lado, que a «transação CT1» correspondia ao acordo celebrado entre o ING e o Reino dos Países Baixos, cujo objeto era a injeção de 10 mil milhões de euros de capital CT1 (Core Tier 1), e, por outro, que a alteração a esta nova transação consistia na alteração das condições de reembolso da injeção de capital.

88

Daqui decorre que, com o seu primeiro fundamento, o ING pediu ao Tribunal Geral a anulação da decisão controvertida, na medida em que nela se considerava que a referida alteração constituía um auxílio suplementar. Assim, esta conclusão não visava um artigo ou um parágrafo específico do dispositivo da decisão controvertida.

89

Além disso, no n.o 147 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que, «na primeira parte do pedido, o ING, […] pede, no essencial, a anulação do artigo 2.o, primeiro parágrafo, da decisão [controvertida] e do artigo 2.o, segundo parágrafo, da dita decisão, bem como do anexo II dessa decisão na medida em que a Comissão considerou que a alteração das condições de reembolso constitui um auxílio suplementar no montante de 2 mil milhões de euros».

90

Atendendo ao que precede, há que concluir que o fundamento invocado pela Comissão segundo o qual, ao anular o artigo 2.o, segundo parágrafo, da decisão controvertida e o respetivo anexo, o Tribunal Geral decidiu ultra petita não pode ser acolhido.

91

Assim, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao sexto fundamento, relativo, a título subsidiário, ao facto de que, se o Tribunal Geral podia anular os primeiro e segundo parágrafos do artigo 2.o da decisão controvertida, também devia ter anulado o terceiro parágrafo desse artigo 2.o

Argumentos das partes

92

A Comissão observa que o considerando 30 da decisão inicial mencionava o compromisso assumido pelo Reino dos Países Baixos e pelo ING de que este limitaria o crescimento do seu balanço de modo a mitigar a distorção da concorrência provocada pela injeção de capital. Não obstante, atendendo aos compromissos em que assentava a conclusão da compatibilidade do auxílio com o mercado interno adotado na decisão controvertida, a Comissão decidiu, no artigo 2.o, terceiro parágrafo, dessa decisão, levantar a limitação temporária do crescimento do balanço do ING.

93

No entender da Comissão, se o Tribunal Geral teve razão em anular a análise e os compromissos em que assentam o artigo 2.o, segundo parágrafo, da decisão controvertida e o seu anexo II, o ING não devia ter sido liberado dos limites impostos ao crescimento do balanço antes da adoção dessa decisão. Com efeito, a declaração de compatibilidade do auxílio com o mercado interno à luz dos compromissos enumerados no anexo II da decisão controvertida e o levantamento dos limites ao crescimento do balanço fazem parte de um todo indissociável.

94

O Reino dos Países Baixos alega que a questão de saber se a anulação do artigo 2.o, primeiro e segundo parágrafos, da decisão controvertida deve também ter por consequência a anulação do terceiro parágrafo do artigo 2.o implica uma apreciação de mérito que o Tribunal Geral não podia realizar sem que tal lhe tivesse sido pedido. Segundo o Reino dos Países Baixos, o Tribunal de Justiça não pode proceder a essa apreciação em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, já que se trataria de uma apreciação dos factos.

95

O ING considera que este fundamento é manifestamente inadmissível, já que a Comissão não formulou esse pedido no Tribunal Geral e, por isso, não o pode fazer agora.

Apreciação do Tribunal de Justiça

96

Com este fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por, no essencial, não ter suscitado oficiosamente um fundamento relativo à anulação do terceiro parágrafo do artigo 2.o da decisão controvertida, na sequência da anulação dos primeiro e segundo parágrafos deste artigo.

97

A este respeito, importa observar que, na medida em que a questão invocada pela Comissão não pode ser considerada de ordem pública, o Tribunal Geral não a podia apreciar oficiosamente, sob pena de decidir ultra petita [v., neste sentido, acórdãos de 1 de junho de 2006, P&O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, C-442/03 P e C-471/03 P, Colet., p. I-4845, n.o 45, e de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, n.o 28].

98

Daqui resulta que o sexto fundamento deve ser julgado inadmissível.

99

Uma vez que nenhum dos seis fundamentos de recurso invocados pela Comissão pode ser acolhido, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

100

Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

101

Tendo o Reino dos Países Baixos e o ING pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida em todos os seus fundamentos, cabe condená‑la nas despesas.

102

Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, igualmente aplicável aos processos de recurso de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, há que decidir que o DNB suporta as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

 

3)

O De Nederlandsche Bank NV suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 )   Línguas do processo: neerlandês e inglês.